DEZ ANOS DEPOIS: COMO VAI VOCÊ, RIO DE JANEIRO? - ano 3 - nº 5 - março 2003
Rio de Todos os Brasis
Tito Ryff
Secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico e Turismo.
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Já sei: está na moda falar mal do Rio de Janeiro. Então, vamos desafinar. É verdade que
muitas coisas pioraram por aqui na última década, mas não apenas por aqui. Nas grandes
capitais do Brasil aumentaram o desemprego, a desordem urbana, a presença da pobreza nas
ruas, a violência, o poder do narcotráfico. E nós, cariocas, não vivemos numa ilha: vinte anos de
estagnação econômica no país, combinados com uma taxa de crescimento demográfico decrescente,
mas ainda elevada, acabaram cobrando um alto preço à cidade. E o Rio, mais do qualquer outra
metrópole do país, amplia, expõe, explicita e divulga internacionalmente as mazelas do Brasil.
O que tem o Rio de especial que nos faz amá-lo cada vez mais, apesar de tudo, e
acreditar em sua enorme capacidade de recuperação e regeneração? Abandonemos os chavões
de costume que ressaltam a criatividade do carioca, sua verve, sua capacidade de encontrar
sempre um ¨jeitinho¨ de sobreviver a todas as crises. Essas qualidades ajudam muito, é claro.
Mas não bastam. Para produzirem bons resultados, precisam ser exercidas sobre realidades
sociais e econômicas que apontem na direção do progresso e da superação das dificuldades
atuais. E será que essas realidades existem?
Creio que, nas últimas décadas, surgiram forças sociais e econômicas que podem
contribuir decisivamente para que as coisas melhorem no futuro. Dentre elas, eu destacaria:
1) a afirmação crescente da cidadania; 2) a ampliação de nossas fronteiras econômicas; 3) a
mudança de foco nas políticas públicas; e 4) a renovada vocação do Rio para desempenhar
o papel de encruzilhada do país.
A afirmação da cidadania teve origem nas campanhas pela anistia e por eleições diretas,
movimentos que, no Rio, alcançaram seu momento mais intenso. Depois, surgiram outras
manifestações sociais, espontâneas e genuínas, como a campanha contra a fome, de Betinho,
movimentos como o Viva Rio e o Rio contra o Crime, a luta a favor da inclusão digital, travada por
Rodrigo Baggio, e a mobilização do governo e da sociedade fluminense para difundir uma cultura
de PAZ, para citar apenas algumas. Ou seja, a sociedade fluminense reage aos desafios que lhe são
postos e desempenha papel cada vez mais importante na busca de soluções para seus problemas.
Surgiram, também, novas oportunidades de crescimento econômico, materializadas na
expansão das reservas de petróleo em terras fluminenses, na implantação da indústria automotiva
INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE
no estado, na construção de um pólo gás-químico, na recuperação gradativa da indústria naval
e nas facilidades logísticas oferecidas pelo Porto de Sepetiba, cujas condições são ideais para
acolher embarcações de grande porte, e pelo terminal de cargas do aeroporto Antonio Carlos
Jobim, o maior da América Latina. Mas o que permite prever um processo de desenvolvimento
econômico duradouro e sustentável no Rio de Janeiro é o fato de que as principais atividades
econômicas do futuro estarão relacionadas com o turismo, a cultura, a educação, o entretenimento,
o esporte, a geração de conhecimento científico e tecnológico e a difusão de informação. Em
todos esses campos, o Rio tem vantagens comparativas inegáveis.
Mas não foi apenas na sociedade, ou nos fatores de ordem econômica, que ocorreram
transformações. Também no âmbito do Estado, sobretudo no que diz respeito à filosofia que
orienta a formulação de políticas públicas, aconteceram mudanças. Mudanças que tiveram
início na década de 80, quando Brizola assumiu, pela primeira vez, o governo do estado. Algum
dia ainda se fará justiça (tardia) às mudanças que Brizola, e seu PDT, introduziram no mapa
político-eleitoral do Rio. As populações das favelas, da zona oeste, da baixada fluminense eram
vítimas, até então, do esquecimento ou, quando não, da pior espécie de clientelismo político,
cujo símbolo maior era a bica d’água. Na administração de Brizola foram criados programas
sociais que procuravam enfrentar os problemas dessas comunidades de forma diferente: criando
obras de infra-estrutura e fortalecendo a organização popular. À guisa de exemplo podem ser
citados projetos como o ¨Cada Família um Lote¨, ¨Projeto Mutirão¨, ¨Mãos à Obra nas Escolas¨,
¨Uma Luz na Escuridão¨ e ¨Regularização de Loteamentos Irregulares¨. A partir daí, mesmo
governos conservadores tiveram que mudar sua forma de lidar com o problema social.
Por último, mas não menos importante: quanto mais se afirmam os regionalismos,
mais o Rio confirma sua vocação para ser a encruzilhada do Brasil. Com a transferência da
capital para Brasília, chegou-se a acreditar que a centralidade e a vocação internacional do
Rio ficariam enfraquecidas. A redemocratização do país, porém, ressaltou ainda mais a
importância política e cultural do Rio de Janeiro e ampliou a ressonância internacional de
tudo o que acontece em nosso estado. O resultado é que o Rio é, mais do que nunca, o lugar
de encontro de todos os Brasis. E não foi por acaso que Arnaldo Antunes, Marisa Montes e
Carlinhos Brown o escolheram para lançar mais um belo produto musical, fruto do natimorto
- segundo seus próprios criadores - movimento tribalista. O que nos faz pensar que, ao fim e
ao cabo, o que prevalecerá, contra ventos e marés, será o Rio musical, literário e cinematográfico.
Aquele que nasce e renasce da alma do povo.
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