1 MEYRIELLE DOS REIS BRAGA VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ENTIDADE ESCOLAR Trabalho de conclusão de curso apresentado à banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial à obtenção do grau de bacharelado em Direito, sob a orientação do Professor Doutor José de Lima Soares. Brasília 2005 MEYRIELLE DOS REIS BRAGA VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ENTIDADE ESCOLAR Trabalho de conclusão de curso apresentado à banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial à obtenção do grau de bacharelado em Direito, sob a orientação do Professor Doutor José de Lima Soares. Aprovado pelos membros da Banca Examinadora em ____/____/____, com menção ____ (__________________________). Banca Examinadora Presidente: Prof. Dr. José de Lima Soares Integrante: Prof. Dr. Integrante: Prof. Dr. Dedico este trabalho aos meus pais, Maria Aparecida e Daniel, meu irmão Thiago, meus amigos e ao meu namorado, Heider, pela compreensão nas horas de ausência; também aos amados irmãos da Primeira Igreja Batista no Guará pelo suporte espiritual. Por fim, aos colegas e profissionais da Defensoria Pública do Distrito Federal e do Tribunal Superior do Trabalho. Agradeço a Deus, o meu provedor, pelo fôlego de vida e pela conclusão do Ensino Superior. Agradeço a Dr.ª Izabel Cristina Torreão por me ensinar que os operadores do Direito podem ser justos, ainda que a Lei algumas vezes não seja. Por fim, agradeço ao meu orientador, pelo inestimável auxílio na elaboração deste trabalho. “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e, até quando envelhecer, não se desviará dele.” Provérbios 22:06 RESUMO BRAGA, Meyrielle dos Reis. Violências nas escolas e a responsabilidade civil da entidade escolar. Trabalho de conclusão da graduação – Curso de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2005. Este trabalho situa-se na crescente e conturbada realidade das violências nas escolas. Enfocaram-se quais os tipos de violências ocorridas no ambiente escolar, bem como os fatores que podem ter originado tais posturas. As relações sociais e o espaço físico no quais os jovens estão inseridos são pontos que precisam ser avaliados ao se falar neste assunto. No estudo das violências nas escolas, buscou-se neste trabalho abordar o papel da entidade escolar, qual sua função, seus deveres e sua responsabilidade, inclusive no âmbito do Direito. Assim, buscou-se remeter a importância das ações preventivas nas escolas. A educação para a cidadania é apontada como um dos principais meios de combater as violências nas escolas, e também a violência em geral. Exemplos de projetos que obtiveram sucesso serviram de base para tal afirmação. Desse modo, buscou-se atentar para uma forma diferente de combater as violências, não com medidas repressivas, mas sim com uma postura de prevenção que certamente alcançará não só os atores da escola, mas como toda a sociedade será beneficiada. Palavras-chave: Violências nas Escolas. Responsabilidade Civil. Cidadania. Prevenção. Educação. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Abreviaturas art. – artigo etc. – et cetera inc. – inciso Siglas CC – Código Civil CF – Constituição Federal CP – Código Penal DF – Distrito Federal ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 – Relacionamento Familiar Gráfico 02 – Opinião dos alunos sobre as regras e punições adotadas pela escola Gráfico 03 - Sexo Gráfico 04 – Tipo de violência que o aluno já presenciou na escola Gráfico 05 - O aluno e as drogas Gráfico 06 – Percepção dos alunos sobre o tema cidadania Gráfico 07 – Normas Jurídicas que os alunos já tiveram contato Gráfico 08 – Opinião dos alunos sobre o papel da escola SUMÁRIO 10 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13 CAPÍTULO 1 – DAS VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS ............................................. 13 1.1 - Tipos de violências nas escolas .............................................................. 17 1.2 - Fatores determinantes do fenômeno ...................................................... 20 1.3 - O ambiente escolar ................................................................................. 21 1.3.1- O Espaço Físico ........................................................................... 24 1.3.2- As Relações Sociais ..................................................................... 27 1.4 - Regras de condutas no âmbito escolar ................................................. 29 CAPÍTULO 2 – DA RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE ESCOLAR .............. 29 2.1 - Legislações pertinentes ......................................................................... 32 2.2 - Da Responsabilidade Civil ..................................................................... 32 2.2.1 – Histórico do Instituto .................................................................. 35 2.2.2 – Definição do Instituto ................................................................. 36 2.2.3 - Pressupostos da Responsabilidade Civil .................................... 38 2.2.4 – A Responsabilidade Civil da Entidade Escolar .......................... CAPÍTULO 3– O ALUNO E A ESCOLA ...............................................................41 41 3.1 - Perfil do estudante do ensino médio ...................................................... 42 3.2 - A prevenção e o combate às violências na escola ................................. 48 3.3 - A cidadania nas escolas ......................................................................... 56 CONCLUSÃO ......................................................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 59 ANEXO I .......................................................................................................... 60 10 INTRODUÇÃO A violência, que tanto aterroriza a sociedade atual tem furtado de muitas pessoas direitos intrínsecos à pessoa humana, conforme preconizado pela Constituição Federal. Os especialistas indicam que cada pessoa tem uma forma diferente de interiorizar os fatos que ocorrem à sua volta. Alguns são dotados de um equipamento de percepção mais “positivo” sobre a realidade que os cerca, já outros interiorizam os acontecimentos de maneira “negativa”. Assim, diferentes, são as reações e os níveis de agressividade entre os adolescentes e as pessoas de um modo geral. Neste contexto, o presente trabalho situa o leitor no contexto das violências nas escolas e a responsabilidade civil da entidade escolar, alguns fatores determinantes deste fenômeno. A proposta deste trabalho é apontar as ações prevencionais como sendo tão importante quanto solucionar os problemas oriundos da falta destas. Para tal, utilizou-se no decorrer do trabalho os alunos do ensino médio como base para o que foi elucidado. O tema escolhido teve como mola propulsora não o problema das violências nas escolas em si. Após observar por algum tempo as lides propostas no Juizado Especial Geral do Núcleo Bandeirante – DF percebi que intolerância e ignorância permeava a maior parte dos litígios. Ao analisar o cerne da questão pude perceber que a educação para cidadania é o âmago da questão, desenvolver no âmbito 11 educacional noções de cidadania é imprescindível para a formação do futuro cidadão. Daí então, percebeu-se que a ocorrência de violências nas escolas não é um fenômeno recente, a sociedade brasileira tem assistido, ao longo do tempo, muitas crianças se transformarem em bandidos ou adultos problemáticos; observando-se que os avanços no campo da proteção internacional da criança, incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, as recomendações dos inúmeros congressos e seminários, embora bastantes atuais, não ultrapassam o campo da retórica. É possível observar a evolução das violências nas escolas. O surgimento de armas nas escolas, a disseminação do uso de drogas, a expansão do fenômeno das gangues, a associação ao narcotráfico, são algumas notáveis transformações ampliaram a atuação das violências no ambiente escolar. Outro fator relevante no estudo deste fenômeno é a atuação do estabelecimento de ensino. As escolas e suas imediações deixaram de ser áreas protegidas ou preservadas e tornaram-se, por assim dizer, incorporadas à violência cotidiana do espaço urbano. Não resta dúvida da relevância do tema. Tal importância pode se vista em função do crescimento do fenômeno violências nas escolas ao longo dos últimos anos e a exigência da sociedade representada pelos novos paradigmas educacionais que discutem a formação humana. Faz-se necessário uma farta interação entre várias áreas do conhecimento, como o Direito, a Ciência Política, Sociologia, Pedagogia, Psicologia, dentre outras, com a finalidade de promover ações preventivas. 12 No desenvolvimento deste trabalho utilizar-se-á o método indutivo, apontando o problema e propondo prováveis soluções. Será realizada também pesquisa de campo com alunos do 2° ano do Ensino Médio do Centr o Educacional 02 do Guará GG. Após a coleta de dados os mesmos serão analisado de maneira a corroborar ou não o que é exposto no trabalho. Levando-se em consideração a quantidade de trabalhos consultados e citados, optou-se pela remissão nas notas de rodapé e a utilização do sistema numérico de chamada. Os recursos gráficos serão utilizados com objetivando o que se segue: negrito para títulos de obras, e para destacar ou enfatizar o texto; itálico, para palavras em língua estrangeira. Este trabalho é composto por introdução, três capítulos e conclusão. O primeiro capítulo traz o conceito e tipos de violências nas escolas, aborda ainda os fatores que acabam por ocasionar o fenômeno. O segundo capítulo versa sobre a responsabilidade civil da entidade escolar, seus pressupostos e a legislação que trata sobre a cidadania nas escolas. O último capítulo traça um breve perfil dos alunos, e traz exemplos de projetos instituídos no âmbito do Distrito Federal que obtiveram sucesso. 13 CAPÍTULO 1 VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS O fenômeno violências nas escolas tem sido alvo de muitos estudos, despertando o interesse de vários pesquisadores, nas mais diversas áreas do conhecimento. Este fenômeno não é recente, porém tem se agravado nos últimos anos. Os tipos de violências são variados e todos contribuem para a decadência do ensino. Os atores da escola sentem-se vítimas potenciais ou reais, o que compromete o relacionamento interpessoal entre eles, bem como o desenvolvimento do processo de aprendizagem. 1.1 TIPOS DE VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS Estudos apontam à existência de diversas modalidades de violência. Violência doméstica, juvenil, bélica, contra a mulher, contra criança, contra o idoso, 14 religiosa, simbólica, racial, física, moral, criminal e etc. São muitas as modalidades com características específicas, mas há um ponto em comum: agressão física ou moral que pode causar danos ou sofrimento a pessoas ou a grupos. A violência pode ser considerada parte integrante da própria condição humana, que se manifesta em consonância com o ambiente e condições da sociedade em determinados momentos, conforme ensinam Waiselfisz e Maciel1. Para Jurandir Freire Costa2 a violência é o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Este desejo, que desencadeia a violência pode ser considerado parte da condição humana, manifestado em consonância com o ambiente social cujo agente está inserido. Neste tocante, por ser uma característica inerente do ser humano, deve ser constantemente tratada e trabalhada, com o propósito maior de evitá-la e, sobretudo, impedir que atinja seu ponto máximo, o extremismo. Conceituar violência não é uma tarefa simples, pois não há uma definição absoluta, já que o conceito está em constante mutação. Analisar de forma muito ampla pode acarretar a consideração de comportamentos comuns como crime; de outro modo, abordar restritamente o tema pode minimizar as micro violências e as vítimas dentro da dinâmica do fenômeno, desprezando uma em detrimento da outra. Nesta senda, realizar-se-á um estudo específico sobre as violências nas escolas, que por sua vez, crescem vertiginosamente. As pesquisas sobre o assunto 1 WAISELFISZ, Julio Jacobo; MACIEL, Maria. Revertendo violências, semeando futuros: avaliação de impacto do Programa Abrindo Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Brasília: UNESCO, 2003. 15 nos mostram estatísticas elevadas de vários tipos de violências ocorridas nas escolas. A preocupação dos pesquisadores decorre do objetivo principal da UNESCO3, qual seja a criação de uma cultura da paz e não-violência, conforme o Manifesto 2000. Em termos gerais pode-se dividir as violências nas escolas em dois grandes grupos de agressões: aquelas que são dirigidas ao patrimônio (dependências da escola, por exemplo) e as que são dirigidas as pessoas (alunos, professores, diretores, funcionários e demais atores do ambiente escolar). Dentro da visão extensa da violência escolar, podemos fazer uma distinção entre as modalidades de violência. Cumpre esclarecer que as modalidades de maneira alguma visam mensurar a extensão da violência sofrida, uma vez que a dor moral e ás vezes física são irreparáveis. Dupâquier4 inclui no conceito de violência escolar, as violências contra bens individuais e propriedade coletiva, as violências verbais ou morais e as violências físicas. Segundo a pesquisadora Miriam Abramovay5, as violências nas escolas podem ser observadas na forma de violência física, simbólica ou incivilidades. 2 Apud WAISELFISZ, Julio Jacobo; MACIEL, Maria. Revertendo violências, semeando futuros: avaliação de impacto do Programa Abrindo Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Brasília: UNESCO, 2003. 3 FILMUS, Daniel; ABRAMOVAY, Miriam; VISCARDI, Nilia; NAVARRO, Luis H.; MALUF. Et al. Violência na Escola: América Latina e Caribe. Brasília: UNESCO, 2003. 4 Apud WAISELFISZ, Julio Jacobo; MACIEL, Maria. Revertendo violências, semeando futuros: avaliação de impacto do Programa Abrindo Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Brasília: UNESCO, 2003. 5 ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002. 16 A violência física caracteriza-se com a intervenção de um indivíduo ou grupo contra a integridade de outro (s) indivíduo (s) ou grupo (s) e também contra si mesmo, tal definição abarca desde suicídios, agressão sexual, roubos, assaltos e homicídios, até violência no trânsito. Já a violência simbólica ou institucional se mostra nas relações de poder, na violência verbal entre alunos e professores, por exemplo. Conforme afirma Bourdieu6, a violência simbólica se tece através de um poder que não se nomeia, que dissimula as relações de força e se assume como conivente e autoritário. Firmase na violência verbal e práticas de assujeitamento, utilizadas para instrumentalizar estratégias de poder. As incivilidades são evidenciadas por micro violências, humilhação, falta de respeito ou decoro, muitas vezes não estão visíveis àqueles que interagem na escola. Não estão pautadas no uso da força física, mas podem ofender o âmago da vítima, minimizando sua auto-estima e aumentando sua insegurança. As incivilidades caracterizam-se pelos atos e comportamentos agressivos, e têm caráter essencialmente público. Avancini e Abramovay7 definem este tipo de violência escolar como atos que rompem as regras básicas da vida social, incluindo pequenas delinquências, agressividade, indiferença em relação aos direitos do outro, ignorância e descaso com a cidadania. Desse modo, ao discorrer sobre violências nas escolas deve-se considerar não somente as condutas tipificadas na legislação penal, mas também as 6 7 Apud ABRAMOVAY. Miriam; AVANCINI, Marta Franco. Educação e Incivilidade. Brasília. ABRAMOVAY, Miriam; AVANCINI, Marta Franco. Educação e Incivilidade. Brasília 17 incivilidades e a violência institucional, que muitas vezes não são notadas ou são desprezadas por aqueles que interagem no ambiente escolar. 1.2 FATORES DETERMINANTES DO FENÔMENO No estudo deste fenômeno, há dois fatores, igualmente importantes, que devem ser analisados, quais sejam os fatores externos e os internos à escola. Em se falando nos fatores externos, as causas sócio-econômicas são notórias. Não há como separar, na maioria dos casos, violência na escola e exclusão social, geralmente mais observada entre estudantes pertencentes a classes de menor poder aquisitivo e matriculados em estabelecimentos públicos de ensino. Ao se falar em exclusão social, o debate se reporta ao fato de em nossa sociedade, a experiência da pobreza ser entendida como natural e banal. Ressalte-se que a pobreza e a exclusão social não se reduzem às privações materiais, alcançam o plano espiritual, moral e político dos indivíduos submetidos aos problemas relacionados à sobrevivência. A sociedade brasileira contemporânea tem como marcas exteriores da pobreza o aviltamento do trabalho, o desemprego, a debilidade da saúde, o desconforto, a moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a resignação, ausência de perspectiva futura e de reconhecimento do 18 sentido da cidadania. É inegável o fato de que, sujeito a essas condições, o aluno não ficará inerte e insensível a ela. A causa principal da exclusão social, segundo Cruanhes8, é o neoliberalismo, pois sua estrutura política facilita a concentração da renda e dos bens nas mãos de poucas pessoas. Acrescenta ainda, que com a atual exclusão social, existem aproximadamente dois bilhões de não-cidadãos no mundo, já que para a autora onde há exclusão social não há cidadania. Cruanhes9 ressalta que na escola não há lugar para todos aqueles que a procuram ou para todos os que nela deveriam estar matriculados. Para aqueles que nela ingressam existe um duro processo seletivo, baseado muito mais em poderosos fatores sócio-econômicos do que na capacidade individual. Aponta a escola como uma instituição injusta, que reproduz diferenças sociais, que se acha desvinculada da comunidade e que contribui pouco ou adversamente para o desenvolvimento. Tal fato conduz os educadores, professores, pesquisadores e pessoas ligadas aos órgãos governamentais a estudar a crise educacional. A destinação do tempo livre que o jovem tem é um fator bastante significativo. Se o jovem não tem atividade para preencher o seu tempo disponível, acaba por cair na ociosidade. Este fato facilita a formação de grupos ou gangues, que procurando algo para preencher o tempo acabam por cometer pequenas falhas. Na maioria das vezes, estas falhas tornam-se corriqueiramente um modo de diversão, e vão evoluindo até chegar ao quadro de violência que temos hoje. Tais atitudes ultrapassam os muros das escolas e acabam ocorrendo também no ambiente 8 CRUANHES, Maria Cristina Dos Santos. CIDADANIA: Educação e Exclusão Social. Porto Alegre: 2000. 19 escolar. Os jovens, em turmas (galeras ou gangues), procuram uma forma de driblar a ociosidade culminando nas violências, tanto dentro quanto fora do ambiente escolar. De uma forma mais geral, a violência ocorre porque os jovens se sentem excluídos, socialmente inúteis. A própria violência que a sociedade vivencia não pode deixar de ser citada. O contato com a violência todos os dias pode tornar o jovem violento. Não é uma regra, mas não se pode negar que a influência do meio pode alterar algumas atitudes do cidadão em formação. Outros fatores também podem ser elencados como instigadores da violência, como por exemplo, a existência de traficantes nas redondezas da escola, contribuindo para o tráfico de drogas nos estabelecimentos de ensino. A influência do meio é notadamente um fator determinante na construção do caráter da pessoa. Desta forma, o ambiente familiar agrega ao indivíduo boa parte das características que o acompanharão durante toda sua vida. Experiências como, abuso sexual, espancamentos, humilhações, desprezo, ausência de limites disciplinares e valores morais por parte de familiares são fatos geradores de novas violências. É na família que o indivíduo tem o primeiro contato com as relações interpessoais, ainda nos primeiros anos de vida, e na maioria das vezes repetirá as atitudes que observar em seu lar. Por isso, avaliar as condições de relacionamento que o aluno vivencia em casa é de grande relevância no processo cognitivo de suas 9 Ibidem. 20 atitude. Nesta senda, perguntou-se aos alunos pesquisados como era o relacionamento deste com os familiares, e obtivermos o seguinte resultado: Gráfico 01 15 16 14 12 8 10 8 5 5 5 4 6 1 4 1 2 0 Amistoso Conflitante Ausência de Diálogo Presença de Diálogo Agradável Formal Rígido Autoritário 1.3 O AMBIENTE ESCOLAR A compreensão do fenômeno das violências nas escolas depende do aprofundamento no estudo do ambiente em que o jovem está inserto. Estudar desde 21 sua estrutura física até as relações pessoais dos membros da comunidade escolar é indispensável para obter um panorama sobre o assunto. 1.3.1 O Espaço Físico Para se entender o fenômeno das violências nas escolas é necessário conhecer o ambiente escolar, inclusive sua estrutura física. Conforme defendem Abramovay e Castro10, um ensino de qualidade não depende apenas do trabalho docente com os alunos. A infra-estrutura, as instalações, os recursos e o espaço que a escola oferece à toda comunidade escolar são relevantes suportes ao processo de ensino e aprendizagem. Tal relevância se deve ao fato de que boa infra-estrutura e conservação do ambiente escolar, beneficiarão o aluno, uma vez que oferecerá recursos e condições para que este desenvolva seu potencial, lembrando que na escola o aluno passará uma importante parte do seu dia. Caso o local seja desagradável e inadequado, isto poderá contribuir para o desinteresse do aluno e prejudicar sua aprendizagem. Os benefícios de uma boa infra-estrutura não alcançam somente os alunos. Como dito anteriormente, toda a comunidade escolar é contemplada, pois uma escola organizada, limpa e equipada cria um ambiente favorável ao trabalho, motivando a equipe escolar em suas atividades habituais. Os professores são 22 beneficiados, pois terão boas condições e instrumentos para ministrar o conteúdo previsto, de maneira a atrair a atenção dos alunos, bem como auxiliar na fixação da matéria. Com o advento das novas tecnologias de comunicação, aumentaram as possibilidades de acesso às informações, tornando os jovens mais exigentes em relação à escola. Esta por sua vez, deve dispor de estrutura e recursos adequados para acompanhar o ritmo e a demanda dos alunos. Salas de aulas confortáveis, banheiros conservados, laboratórios bem aparelhados, quadras de esporte, limpeza, ventilação, conservação de móveis e equipamentos, características arquitetônicas entre outros, tornarão a permanência na escola mais agradável e proveitosa. Segundo Abramovay e Castro11, as salas de aula são uma das dependências mais apontadas pelos alunos, em se falando das instalações da escola, uma vez que esta é o principal espaço destinado ao desenvolvimento das atividades pedagógicas e onde alunos e professores passam a maior parte do tempo. Desse modo, a sala de aula serve de cenário para outros acontecimentos da vida dos estudantes e professores, pois eles vivenciam diversos tipos de relações sociais que constituem sua própria existência. Por este motivo, torna-se relevante e compreensível que todos os membros da comunidade escolar alimentem o desejo de terem salas de aula agradáveis e apropriadas. 10 ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia Ensino Médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO, 2003. 11 Ibidem. 23 Os professores, em geral, tecem comentários positivos em relação às condições da sala de aula, elogiam sua qualidade, enfatizando ainda o compromisso da direção em superar as dificuldades. Certamente, a satisfação dos professores de escolas públicas com os aspectos básicos necessários ao ensino decorre do estado de carência de escolas públicas, o que leva alguns docentes a fazer elogio quando as salas oferecem um mínimo de conforto, tais como boa ventilação, carteiras em número suficiente para todos os alunos e espaço para circulação dentro da sala. Já nas escolas privadas, os elogios dizem respeito a aspectos mais sofisticados, tais como acústica, iluminação, ar-condicionado e mobília confortável. Noutra senda, os diretores e supervisores são tendenciosos a serem mais otimistas. Geralmente destacam o tamanho das salas, sua ventilação e etc., ou seja, oferecem o básico. Esta postura pode estar ligada à inclinação que existe entre alguns profissionais desta área, em defender a instituição que representam, tentando amenizar os problemas ou informando que já estão providenciando melhorias. A limpeza e conservação do ambiente escolar é alvo de comentários e insatisfação não só de alunos, mas também dos demais atores do universo escolar. A manutenção adequada das dependências da escola depende do empenho do diretor e da colaboração do aluno, de um projeto comum de cuidar e querer a escola, segundo Abramovay e Castro12. Quanto à limpeza, este problema não se restringe ao interior da escola, mas atinge também o seu entorno. A limpeza das vias de acesso para pedestres, dos 12 Ibidem. 24 terrenos circunvizinhos e dos estacionamentos é bastante valorizada, pois oferece maior segurança aos atores da escola. Neste tocante verifica-se que a maior parte das escolas fica separada do seu entorno por muros, grades, cercas, portões, alambrados e etc. Algumas escolas realizam o controle de entrada e saída de pessoas de suas dependências, o que em tese aumenta o nível de segurança daqueles que estão no interior do estabelecimento de ensino, uma vez que este fica menos vulnerável à violência praticada por agentes externos. Portões com vigilantes, gradeamento de janelas, circuito interno de TV e patrulhamento externo são recursos que alguns estabelecimentos utilizam na intenção de inibir atitudes violentas no seu âmbito. Quanto ao controle de entrada e saída de alunos, algumas vezes são realizados com uso obrigatório do uniforme escolar, apresentação de identificação estudantil ou outro documento que comprove a regularidade na instituição de ensino e etc. Há casos em que não existe este tipo de controle, por variados motivos, que vão desde falta de pessoal até a tranqüilidade do entorno da escola. 1.3.2 As Relações Sociais 25 Em pesquisa realizada pela UNESCO13, constatou-se que os problemas indicados pelos atores da escola são os seguintes: “alunos desinteressados, alunos indisciplinados, professores que faltam às aulas, falta de espaço, alunos demais por sala, direção deficiente / incompetente, insuficiência de professores, guangues atuando dentro da escola, consumo e tráfico de drogas e vizinhança perigosa. Segundo esta pesquisa, aproximadamente seis em cada dez estudantes consideram que um dos principais problemas da escola onde estão matriculados são os alunos desinteressados.” Destes, os mais citados foram: alunos desinteressados, alunos indisciplinados e falta de espaço. Essa percepção negativa dos alunos sobre si mesmos e sobre os seus colegas relaciona-se à construção de uma imagem pessimista sobre as juventudes, reproduzindo assim um imaginário da sociedade baseado em estereótipos sobre gerações. A crítica negativa de si e de seus pares, por parte dos alunos, não se reduz apenas a fazer eco à crítica dos professores, ou assumir uma projeção proveniente de outros próximos influentes, como os professores. Por muitas razões, pode-se interpretar a tendência do aluno em se assumir culpado, ou ter em relação a si um discurso pouco complacente e muito rígido. O resultado pode ser um sentimento de impotência, pois já que não dá para mudar a escola, a resistência se dá por meio do desinteresse e da indisciplina. A perspectiva da individualização da culpa pode derivar em sentir-se um não sujeito. Desinteresse e indisciplina, algumas vezes, são alternativas encontradas pelos alunos a fim de provocar e alertar os professores e os próprios colegas para uma deficiência intrínseca à própria escola. Para Abramovay e Castro14, a cultura e 13 14 UNESCO, Pesquisa Ensino Médio, 2002. Ibidem. p.379 26 as práticas difundidas na escola, por vezes, destoam das realidades culturais identificadas com os jovens. Ressaltam ainda que os professores silenciam sobre o lugar do prazer ou o mal-estar do aluno em relação à aprendizagem e à escola; a ausência de desejo, de vontade de estar, um sentido de frustração de expectativas. Por fim, destacam que direciona - se somente para os alunos uma análise que poderia estar orientada para o sistema escolar, o qual, por se idealizado, é pouco criticado. A omissão é um gravame relevante no combate e na prevenção às violências nas escolas. Há professores que diante das situações violentas ocorridas nas escolas se omitem ante ao sentimento de medo que os assolam. Isto se reflete no posicionamento em sala de aula. Alguns professores afirmam que às vezes não vêem as brigas ou outras situações porque estavam de costas para a turma. Além do medo, essa postura revela a estratégia do professor para ministrar a aula. A falta de dialogo é apontada por alunos e professores em suas falas. Abordam a dificuldade de relacionamento entre alunos e professores e o sistema de avaliação como indicadores da dificuldade de relacionamento interpessoal. Segundo Lopes15, a crise de relacionamento está ligada à falta de equilíbrio do professor. Algumas vezes os professores chegam nervosos à escola e acabam perdendo a paciência com determinado aluno ou com a turma, eles justificam que essa atitude advém do desgaste e estresse vivenciados no cotidiano da escola. 15 LOPES, Rosilene Beatriz. Significações de Violências na Perspectiva de Professores que Trabalham em Escolas “Violentas”. Brasília: 2004. p.128. 27 1.4 REGRAS DE CONDUTAS NO ÂMBITO ESCOLAR A escola é um dos espaços relacionais mais importantes para os jovens, tornando-se um local onde pessoas estranhas ou já conhecidas entre si se encontram em busca de objetivos que deveriam ser comuns, como o conhecimento, a consolidação de novas amizades, o exercício de coleguismo, entre outras práticas. Esse é um ambiente constituído involuntariamente por um grupo de alunos e professores que são obrigados a conviver todos os dias, durante um ano, obedecendo a horários e outras normas. São essas regras que garantem, de acordo com Abramovay e Castro16, a harmonia do grupo, uma vez que submetem a vontade particular à vontade do grupo, podendo criar um sentimento de solidariedade entre seus membros. A violação das regras instituídas no âmbito escolar é o que se pode denominar de indisciplina. Tal comportamento pode ser uma das conseqüências do desinteresse, e se caracteriza, segundo os alunos, professores e diretores, por conversas paralelas durante a explicação do professor, brincadeiras fora de hora, faltas excessivas e injustificadas e desrespeito aos horários. 16 Ibidem. 28 Assim, é necessário que a escola adote regras e aplique punições sempre que necessário, desde que de maneira comedida. Ao serem questionados sobre as regras e punições adotadas pela escola, percebeu-se que este pensamento também alcança boa parte dos alunos pesquisados, conforme se demonstra a seguir: Gráfico 02 10 Abusivas 9 7 8 Adequadas 6 3 4 2 0 Necessárias 1 1 4 Exageradas Inadequadas Privilegia alguns alunos 29 CAPÍTULO 2 DA RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE ESCOLAR 2.1 LEGISLAÇÕES PERTINENTES O estudo das violências nas escolas pressupõe compreender o ambiente escolar, cujo se dão tais fenômenos. Isso se deve ao fato de o ambiente (conjunto de condições materiais e morais que envolvem alguém) exercer influência em no comportamento de cada indivíduo. Existe uma tendência em enfatizar somente os fatores externos à escola. Isto na tentativa de minimizar a responsabilidade do sistema escolar ante as violências, a prevenção e combate as mesmas. Com efeito, a escola não cumpre sua função social quando negligencia a implantação de políticas educacionais, visando formar e acrescentar ao caráter do aluno a consciência cidadã que deve acompanhá-lo no exercício dos direitos civis e 30 políticos, bem como no desempenho de seus deveres para com o Estado ao qual estiver submetido. Cumpre ressaltar que a responsabilidade da escola não está limitada ao campo social isoladamente, alcança também os liames jurídicos. A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996), elencam alguns princípios e normas procedimentais a serem observadas pelas entidades escolares. A Carta Constitucional garante em seu corpo, o preparo para o exercício da cidadania como um direto de todos, diz ainda ser um dever do Estado e da família promove-la e incentivada. Tal preceito constitucional também foi contemplado no art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, praticamente com a mesma redação. “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e 17 sua qualificação para o trabalho.” “Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e 18 qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:” Ao estabelecer que a educação é direito de todos, a Constituição está dizendo que ninguém pode ser excluído dela, ou seja, ninguém pode ficar fora da escola e ao desabrigo das demais instituições e instrumentos que devem promover a educação do povo. Ao dizer que a educação é dever do Estado, a Carta Magna estabelece que o governo tem obrigação de manter as escolas públicas. Preleciona 17 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Editora Saraiva: São Paulo, 2005. 18 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Editora RT: São Paulo, 2005. 31 ainda que, o ensino público seja de boa qualidade e que os professores e outros profissionais do ensino sejam valorizados, Porém, é na Lei de Diretrizes e Base da Educação que nota-se uma maior preocupação do legislador ao abordar o desenvolvimento da cidadania no ambiente escolar, provavelmente por se tratar de uma lei específica, dando maior relevância aos assuntos correlatos. A partir da promulgação da LDB, ocorrida em 1996, tornou-se um compromisso do Estado garantir a oferta desse nível de ensino, com o objetivo de proporcionar aos cidadãos brasileiros um maior aprofundamento de seus estudos e dota-los de maior capacidade de intervenção no mercado de trabalho e do capital cultural necessário exercício da cidadania, assim como condições, no plano do conhecimento, para prosseguir a trajetória de estudos em níveis superiores. Em seu artigo segundo, a citada lei diz que a educação tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho, conforme passo a transcrever: “Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da o cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Lei N 9.394, de 20 de 19 dezembro de 1996).” O legislador destaca também que a educação é dever da família. Isto porque não é apenas a escola que educa. Também os pais educam, os irmãos se educam uns aos outros, enfim, o ambiente familiar deve favorecer o processo de crescimento e educação das pessoas. 19 Brasil. Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 32 O cerne destes dispositivos está no preparo para a cidadania, qual será tratado nesta pesquisa em um subtítulo específico. Depreende-se dos dispositivos que o legislador buscou proteger ao máximo o acesso à cidadania, dando-lhe ênfase, para que o preparo para exercê-la fosse oferecido a todos, em especial ao jovem em formação. Deste modo pode-se concluir que se há falhas no sistema educacional, político, econômico, relativas a este tema, não são falhas de ordem legislativas, pois as leis foram bastantes incisivas ao contemplá-las. 2.2 DA RESPONSABILIDAE CIVIL 2.2.1 HISTÓRICO DO INSTITUTO O aparecimento dos primeiros ajuntamentos, a invenção da agricultura e o desenvolvimento das atividades manufatureiras fizeram com que a vida em sociedade requeresse uma interação verdadeiramente contratual. Deixando para trás a vida nômade20 e firmando residência, o grupo social distribui-se em camadas, 20 Diz-se das tribos ou povos errantes, sem habitação fixa que se deslocam constantemente em busca de alimentos, pastagens, etc. 33 atribuindo papéis aos que decidem pela segurança social do grupo, e exigindo recíproco respeito à autoridade daquele que governa e de seus iguais. A sociedade já dava sinais e passou a exigir a satisfação de sua pretensão em obter a reparação do prejuízo causado por outrem. A evolução apresentada pela justiça pelas próprias mãos, num primeiro instante histórico, até se chegar à aplicação efetiva e exclusiva desta pelo Estado, encontra passagem com a evolução e solidificação da responsabilidade civil, da atribuição de culpa e seus conseqüentes ônus. Neste sentido, Monteiro21 cita com muita precisão o raciocínio dos Mazeaud: "a ação de ressarcimento nasceu no dia em que a repressão se transferiu das mãos do ofendido para o Estado". Se o início da história da responsabilidade civil trata das questões envolvendo o surgimento dos primeiros conflitos de interesses e da solução encontrada para estes na primitiva e parcial justiça privada, resultante quando não muito na punição de todo um grupo social pelo crime de um de seus integrantes, a segunda etapa desta evolução nos mostra o Estado assumindo a atribuição de pacificar as relações e solucionar as aspirações insatisfeitas. O Código de Hamurabi, uma imposição do afamado imperador da Babilônia, dois milênios antes da era cristã, consagrava o princípio do olho por olho, dente por dente, institucionalizou o caráter punitivo, contemporâneo às primeiras civilizações, em detrimento ao instituto do ressarcimento, e mais tarde foi sacramentado pelos romanos como a Lei de Talião. 21 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. São Paulo: Editora Saraiva, 1993, 26ª edição. v.5 , p.392. 34 A legislação de Hamurabi, com sua rigidez e inflexibilidade, por vezes cruel, recepcionou primeiramente uma noção de vingança delimitada pelo Estado, e só depois apresentou, lacunosamente, idéias pertinentes às modernas indenizações, como hoje são conhecidas por toda a nossa sociedade. Não havia, no momento de efetivar a responsabilização, uma distinção formal entre ilícito civil e criminal, na forma em que os ordenamentos atuais procuram classificar; não obstante sendo aplicada oficialmente pelo Estado, a sanção invariavelmente passava da pessoa do responsável pelo crime ou dano, atingindo mesmo o patrimônio e a própria vida de terceiros desvinculados das relações entre seus pares, fossem elas privadas (obrigações de natureza civil) ou de fundo público (atentados contra o Estado ou à vida de terceiros), numa prática abominada integralmente pelos modernos ordenamentos jurídicos, com sua constitucional concepção, no caso do Brasil e de outras nações, de que a pena não deve passar da pessoa do condenado22. O conceito de indenização, ressarcimento ou compensação era confuso: se o filho de determinada pessoa vinha a falecer em decorrência do desabamento do prédio que servia de morada para a família, o arquiteto responsável pela obra deveria ser punido na pessoa de seu filho, que seria imolado como compensação pelo sinistro; o mesmo critério era utilizado em relação a fraturas, mutilações e outras espécies de danos, causados por culpa ou dolo. Ou seja, nada mais que a estatização da justiça privada, com suas lacunas e imperfeições óbvias. 22 Junior, Orlando Guimaro. Responsabilidade Civil. São Paulo, 1989. 35 2.2.2 DEFINIÇÃO DO INSTITUTO Atualmente, a todo ato, fato ou negócio danoso, praticado por uma pessoa natural ou jurídica, pode ser empregado o termo responsabilidade. Como bem ressalta Venosa23, toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar, claro que levando-se em consideração as excludentes impeditivas. Ao sintetizar o conceito de responsabilidade civil, Diniz24 o faz de forma brilhante, conforme a seguir: “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.” Desse modo, conclui-se que ato ilícito é aquele praticado quando se infringe um dever e, concomitantemente, ocasionando dano para outrem. Este dever pode ser um dever legal ou um dever contratual. Dever legal é aquele proveniente de alguma lei ou elemento integrante do ordenamento jurídico positivado; a responsabilidade advinda da infração a um dever legal é chamada também de responsabilidade aquiliana. Já o dever contratual é oriundo de um contrato, no qual os agentes vinculam-se por meio de alguma cláusula, aplicando-se o princípio da pacta sunt servanda. 23 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora atlas S. A. , 2005, 5ª edição. v. 4, p. 13. 24 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, 19ª edição. p. 40. 36 Tanto a responsabilidade aquiliana como a contratual fundam-se na culpa. Entretanto na culpa contratual, deve-se examinar o inadimplemento do contrato celebrado entre as partes como seu fundamento e os termos e limites da obrigação. Assim, ao descumprir uma obrigação contratual o agente pratica um ilícito contratual e seu ato provoca reação do ordenamento jurídico, que impõe ao inadimplente a obrigação de reparar o prejuízo causado, conforme norma encontrada no art. 389 do Código Civil: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” 2.2.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Ao examinar de forma geral a responsabilidade civil, visualizam-se os seguintes pressupostos: ação ou omissão do agente, culpa, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima. Os doutrinadores civilistas são unânimes em afirmar que a responsabilidade do agente pode derivar de ato próprio, ato de terceiro que esteja sob sua responsabilidade ou ainda por danos causados por coisas que estejam sob sua guarda. 37 Conforme destaca Rodrigues25, a responsabilidade por ato próprio se justifica no próprio princípio informador da teoria da reparação, pois se alguém, por sua ação pessoal, infringindo dever legal, contratual ou social, prejudica terceiro, convém que repare os prejuízos causados. O mesmo se aplica em relação a ato de terceiro, nos casos específicos e também o dano causado por coisa ou animal que estava sob sua guarda. A responsabilidade resulta de fato próprio, comissivo, ou de uma abstenção do agente, que deixa de tomar uma atitude que deveria tomar. Outro pressuposto para caracterizar a responsabilidade pela reparação do dano é a culpa ou dolo do agente que causou prejuízo a outrem. Assim sendo, para que exista a obrigatoriedade de reparar o dano, é necessário se faça a prova de que o comportamento do agente causador do dano tenha sido doloso ou pelo menos culposo. O dolo se caracteriza quando o agente desejava causar o dano e seu comportamento realmente o causou. Já na culpa, o gesto do agente não visava causar prejuízo à vítima, mas de sua atitude negligente, imprudente ou de sua imperícia resultou um dano à terceira pessoa. Para que exista a obrigação de reparar o dano é necessário também que comprove-se que houve relação de causalidade entre a ação ou omissão culposa ou dolosa do agente e o dano ocasionado à vítima. Conforme preleciona Rodrigues26, “se o dano ocorreu não por culpa do agente causador, mas por culpa da vítima, é manifesto que faltou o liame da causalidade entre o ato daquele e o dano por esta experimentado.” Caso não se configure o nexo causal, não há que falar em responsabilidade do agente. 25 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva , 2002, 19ª edição. 38 Cumpre esclarecer que ao conteúdo exposto existe exceção. A doutrina tece relevantes considerações no sentido de considerar determinadas situações como exceção à regra. Encontram-se no rol excludentes de responsabilidade do agente os danos originados pela vitimologia27 e pelo caso fortuito ou de força maior. 2.2.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ENTIDADE ESCOLAR Conforme a boa doutrina de Rodrigues28, “a responsabilidade pode decorrer de ato próprio do agente, ou de ato de pessoa por que se é responsável”. Do mesmo modo, Diniz29 também remete a esta temática ao afirmar que na responsabilidade ensejada por fato alheio, alguém responderá, indiretamente, pelo prejuízo resultante de um ato ilícito praticado por outra pessoa, em razão de se encontrar ligado a ela, tendo entre estes um vínculo jurídico. Esta responsabilidade por fato de outrem está positivada no art. 932 do Código Civil Brasileiro30, conforme a seguir descrito: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: v.4, p. 15. 26 Ibidem. v.4, p. 18. 27 Culpa exclusiva da vítima. 28 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Editora Saraiva , 2002, 32ª edição. p. 318. 29 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, 19ª edição. p. 511. 30 BRASIL. CÓDIGO CIVIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Planalto, Brasília, DF, 2005. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compiliada.htm> 39 I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.” Na responsabilidade por fato de outrem existem dois agentes, conforme destaca Venosa31, quais sejam: o causador direto do dano e a pessoa também encarregada de indenizar. É necessário que o agente direto tenha agido com culpa ou, no caso de incapazes, uma conduta oposta ao Direito, pois não há que falar em culpa destes. Se o inimputável menor ou outro incapaz agiu em desacordo com o Direito, em conduta que fosse capaz não seria culposa, não há o que indenizar. Antes de abordar a responsabilidade civil da escola, cumpre conceituar o dever de vigilância. Há um dever basilar de vigilância e incolumidade inerente ao estabelecimento de educação que, modernamente, decorre da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do consumidor. Este dever se estender também ao diretor do estabelecimento de ensino, coordenadores, orientadores e aos professores, claro que guardadas as devidas proporções e limites. A responsabilidade das instituições educacionais está fixada, ainda que de forma não muito específica, no inciso IV do art. 932 do Código Civil. Tal norma estatui que a hospedagem para fins de educação faz com que o hospedeiro responda pelos atos do educando. Neste caso, o hospedeiro é o estabelecimento de ensino. 31 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora atlas S. A. , 2005, 5ª edição. v. 4, p. 77. 40 Venosa32 destaca que a aplicação deste dispositivo não deve se restringir apenas ao alcance dos estabelecimentos que albergam os alunos sob forma de internato ou semi-internato, já que este tipo de instituição é bastante escasso atualmente no Brasil. Ressalta ainda que durante o período de estadia do aluno no estabelecimento de ensino e enquanto estiver sob sua responsabilidade, este é responsável não somente pela incolumidade física do educando, como também pelos atos ilícitos praticados por este a terceiros ou a outro educando. A jurisprudência já abordou o assunto, conforme ementa33 abaixo: RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO - ALUNO ATINGIDO POR PEDRADA NO PÁTIO DA ESCOLA POR COLEGA - DEVER DE VIGILÂNCIA - INDENIZATÓRIA PROCEDENTE - FIXAÇÃO DAS VERBAS Ao receber o menor estudante, deixado no estabelecimento de ensino da rede oficial para as atividades de aprendizado, a entidade pública se investe no dever de preservar sua integridade física, havendo de empregar a mais diligente vigilância para evitar conseqüência lesiva, que possa resultar do convívio escolar. E responde, no plano reparatório, se durante a permanência no interior da unidade escolar, o aluno vem, por efeito de inconsiderada atitude de colega, a sofrer violência física, restando-se lesionado de forma irreversível. Sentença que pelos excelentes fundamentos jurídicos se confirma. (TJSP - AC 108.083-1 - 7ª C. - Rel. Des. Rebouças de Carvalho - J. 06.09.89) (RJ 146/55). 32 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora atlas S. A. , 2005, 5ª edição. v. 4, p. 94. 33 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Desembargador Rebouças de Carvalho. Disponívem em: < http://www.fgtsja.com.br/v1/consumidor/educacional/jurisprudencia.asp >. Acesso em: 14 de outubro. 2005. 41 CAPÍTULO 3 O ALUNO E A ESCOLA 3.1 PERFIL DO ESTUDANTE DO ENSINO MÉDIO A faixa etária média dos alunos oscila entre 15 a 19 anos, sendo também que existe alunos acima de 20 anos (e menor proporção), o que mostra atraso na complementação do ensino. Entre os alunos pesquisados houve a predominância do sexo feminino contando, conforme o gráfico à seguir. Gráfico 03 Masculino Feminino 5% Não responderam 24% 71% Em sua pesquisa com alunos do ensino médio de algumas capitais brasileiras, a pesquisadora Miriam Abramovay34 percebeu que os pais e mães de alunos das escolas privadas apresentam um nível de escolaridade bem mais elevado que os pais daqueles que estão nas escolas públicas, o que sugere uma clivagem social entre alunos das duas dependências administrativas citadas. 42 Essa tendência é uma indicação de que os alunos da rede pública chegam à escola, em tese, com uma bagagem cultural menor. Tal situação reforça a importância do papel da escola pública como um espaço para o desenvolvimento do potencial desses jovens. Para que isso ocorra, é fundamental que a escola pública ofereça um ensino de qualidade, de modo a superar as desvantagens dos jovens no nível familiar. 3.2 A PREVENÇÃO E O COMBATE ÀS VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS Há escolas que algumas vezes se omitem diante das violências vivenciadas cotidianamente pela sua comunidade. Algumas vezes as escolas não colocam limites bem definidos nos alunos, manifestam ausência de acompanhamento e apoio pra aqueles alunos que por algum motivo necessitem, ou ainda persiste a falta de mediação de conflitos originados no ambiente escolar. Estes exemplos caracterizam a omissão e o descaso que algumas entidades manifestam ao tratar os assuntos que necessitam de intervenção. Para lidar com as violências nas escolas, podem ser adotadas duas posturas: a repressiva e a preventiva. A opção por uma nem sempre exclui a outra. Entretanto, a escolha, seja nos discursos como na prática da sala de aula, interfere nos 34 ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia Ensino Médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO, 2003. p.83. 43 procedimentos adotados. Na pesquisa, procurou-se saber do aluno qual tipo de violência ele teria presenciado em sua escola, vejamos os resultados a seguir:em sua escola, vejamos os resultados a seguir: Gráfico 04 Discussões Uso de drogas ilícitas Agressão física Assaltos ou furtos 19 17 14 14 14 Consumo de bebidas alcoólicas 7 3 Ameaças e intimidações Depredação do patrimônio da escola A postura repressiva aposta no aparato humano e tecnológico, na contratação de segurança privada ou na presença de policiais dentro das escolas, na aquisição de sistema de monitoramento, como câmeras de vídeo e até detectores de metais. Neste caso, a disciplina escolar ficaria sob a responsabilidade apenas dos diretores do estabelecimento e dos policiais, sem o envolvimento dos demais atores. Destinada a remediar o mal, esta postura desconhece as injustiças socioeconômicas a que os alunos estão expostos, entretanto é a mais popular pelos resultados aparentemente rápidos e a sensação de segurança e fim da impunidade. Noutra senda, a postura preventiva propõe o envolvimento da comunidade escolar na resolução do problema. Essa comunidade, constituída pelos professores, 44 funcionários, grêmio estudantil, policiais, familiares dos estudantes, associações de pais e mestres e até moradores do bairro onde a escola está localizada, assumiria a responsabilidade diante do fenômeno para juntos proporem soluções. O papel da polícia na disciplina escolar é para complementar as ações da escola, cabendo a escola o papel principal. A polícia intervém de forma preventiva e somente de forma repressiva nos casos de infrações penais mais sérias. Se existem escolas que punem e tentam controlar a violência, há outras que educam, visando evitá-la e substituí-la, e a escolha entre essas duas filosofias não cabe ao aluno, mas sim às escolas, que ficam com a responsabilidade de iniciar desde cedo o trabalho preventivo. A postura repressiva pode trazer uma certa segurança e controle sobre o espaço da escola, sobretudo para os pais cujos filhos foram vítimas de violências e acabam clamando por proteção, mas essa segurança nas escolas faz com que elas percam suas características de um centro de formação, parecendo-se mais com um centro de detenção. Ademais, aumentar o nível da segurança dentro de uma escola não resolverá o problema da violência; é mais provável mascará-lo por permitir que as administrações tenham a ilusão que executaram uma ação que é a solução. Já a postura preventiva pode fornecer aos estudantes oportunidades alternativas de apreciar atividade diferenciadas com a comunidade. Os desafios direcionados aos jovens nesses grupos ajudarão a reduzir os atrativos que os grupos violentos têm para alguns estudantes e conseqüentemente podem ajudar a reduzir o número de violência na escola. 45 É fato que intervenções pedagógicas podem ser desenvolvidas com a finalidade de atingir as violências nas escolas e conseguir reduzi-las. Os procedimentos planejados coletivamente, apresentando clareza de objetivos e metas a alcançar tornaria a prevenção e o combate às violências mais eficazes, conforme propõe Lopes35, que defende o diálogo, atividades didáticas e a transferência de atividades procedimentos eficazes na redução das violências. O diálogo é apontado como um dos maiores aliados na prevenção e combate às violências nas escolas. Os professores descrevem as mais variadas estratégias com o objetivo de estabelecer o diálogo, tais como conversas com os alunos em particular ou com toda turma em horários determinados. A abertura do diálogo é sem dúvida um dos princípios para a convivência entre professores e alunos, para se estabelecer um relacionamento guiado pela confiança. O desenvolvimento do diálogo entre os atores que interagem no ambiente escolar é um passo para se trabalhar contra violência. Para que isso ocorra é necessário estudar e conhecer as origens do fenômeno, suas causas sociais e, assim, procurar superar o sofrimento causado pelas violências nas escolas. A queda da postura autoritária e da linguagem permeada de preconceitos é condição sine qua non para o desenvolvimento deste projeto. Realizar cursos curtos e seminários permanentes sobre convivência, semelhantemente aos ministrados na Espanha, poderiam auxiliar na reversão do 35 LOPES, Rosilene Beatriz. Significações de Violências na Perspectiva de Professores que Trabalham em Escolas “Violentas”. Brasília: 2004. p.128. 46 quando de violências nas escolas. É necessária a produção de políticas públicas que proporcionem formação continuada dos docentes sobre a temática. O desenvolvimento de atividades didáticas também se inclui no rol de procedimentos que podem auxiliar a redução das violências nas escolas. Esses procedimentos priorizam o conteúdo das disciplinas, de acordo com Lopes36. As estratégias utilizadas, como, por exemplo, o trabalho em equipe, tem como foco de atenção o resultado da atividade prevista para a disciplina em detrimento do desenvolvimento da anatomia para a resolução de conflitos de maneira pacífica. Outro procedimento identificado pela pesquisadora Lopes é a transferência de responsabilidade para outrem. Tal consistiria no encaminhamento pelos docentes, ao serviço pedagógico e/ou administrativo, dos alunos envolvidos em situações violentas ocorridas em sala de aula. Neste caso também seria repassada a responsabilidade da manutenção da disciplina para os alunos que são “chefes” de grupos com drogas e gangues. Assim, buscar-se-ia aliar os chefes que atuam na comunidade para conseguir disciplina, e esta seria alcançada por meio de coação para com os outros colegas. Abramovay37 aponta a invasão do tráfico de drogas nas escolas como sendo um tipo de violência. Não resta dúvida que este é um grande agressor no âmbito escolar. Por este motivo, ao realizar a pesquisa de campo, elaboramos o seguinte 36 Ibidem, p. 132. ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia Ensino Médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO, 2003. 37 47 questionamento: sobre o uso de drogas, marque a opção que se aplica a você. Neste quesito, obteve-se os seguintes resultados38: Gráfico 05 15 10 Usei drogas lícitas Nunca usei drogas ilícitas Nunca usei drogas lícitas 5 0 Já vi conhecidos usarem drogas Lícitas Lopes afirma que essa crise de valores e de autoridade por que passam os jovens, confirma uma crise que perpassa as instituições básicas responsáveis pela socialização, como a família, a escola, a instituição religiosa no exercício de suas funções sociais. Desse modo, essas instituições, fundamentais à construção e conquista da autonomia ética, moral, e política, estando desestruturadas, quando não partidas, facilitam o domínio dos agentes da violência, tais como os traficantes. É necessário oferecer ao professor treinamento para atuar como mediador de conflitos e para incentivar a participação da família. Programas de prevenção da violência podem ser desenvolvidos a fim de que professores possam desempenhar um papel eficaz e impedir a ocorrência de episódios violentos e, ainda direcionar sua atenção aos estudantes que participam de situações violentas, em qualquer de suas facetas. 38 Para fins desta pesquisa, considerou-se drogas lícitas o cigarro e as bebidas alcoólicas. Os demais tipos de 48 Assim, é latente e visível a necessidade de instruir, inovar, treinar, aperfeiçoar, orientar, renovar os conceitos, enfim, dar suporte ao professor, haja vista que ele é imprescindível ao desenvolvimento de todos os alunos, inclusive os tidos por “violentos”. Esse pensamento é o que persiste com a proposta atual da educação no Brasil, qual seja a de uma educação inclusiva. 3.3 A CIDADANIA NAS ESCOLAS O dicionário define cidadania como “qualidade do indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”39. Entretanto cidadania é muito mais que isto, seu conteúdo alargou-se. Hodiernamente não tem apenas conteúdo civil e político, abrange outras dimensões. Alcança ainda a dimensão social, econômica, educacional e existencial, conforme entendimento de Herkenhoff40. Outra definição que vale citar é a de Cruanhes41 ao falar sobre o assunto: “cidadania é o direito de todos a ter todos os direitos iguais.” drogas enquadram-se em drogas ilícitas. 39 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Editora Rideel, 2004, 6ª edição. 40 HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Cidadania. São Paulo: Uniletras, 2004. p.22. 41 CRUANHES, Maria Cristina Dos Santos. CIDADANIA: Educação e Exclusão Social. Porto Alegre: 2000. 49 A história da cidadania é, de certa maneira, segundo Herkenhoff42, a própria história dos direitos humanos e a história das lutas para a afirmação de valores éticos como a igualdade, a dignidade de todos os seres sem exceção, a proteção legal dos direitos, a sacralidade do trabalho e do trabalhador, a democracia e a justiça. Vejamos a seguir o que os alunos entrevistados responderam quando perguntados sobre cidadania: Gráfico 06 1 Não respondeu 3 Sei muito pouco sobre o assunto 4 Já assisti ou participei de eventos sobre o assunto em minha escola 5 Minha escola sempre mostra algo sobre este importante tema Minha escola não investe em nada relacionado à cidadania 6 Gostaria de saber mais sobre o assunto 9 0 2 4 6 8 10 Educação e cidadania caminham juntas, são indissociáveis, afinal quanto mais instruídos, melhor capacitados estarão os cidadãos a lutar por seus direitos e exigir e cumprir seus deveres. Para se ter breve, porém eficiente, noção sobre o que o alunos sabem sobre seus próprios direitos e deveres, perguntou-se à eles qual 42 Ibidem. p. 35. 50 norma jurídica ele já tiveram contato, oferecendo-se como resposta as seguintes: Constituição Federal, Código Penal, Lei Específica, Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente. Após analisar os dados do próximo gráfico, observou-se que poucos alunos tiveram contato com nossa Constituição Federal, ainda que breve, a maior das normas em nosso país, a Carta Cidadã, é desconhecida pela maioria dos alunos entrevistados. Gráfico 07 2 5 4 1 0 5 11 CF CP Lei Específica CC ECA Nenhum Não marcaram Uma das intenções do ensino médio é, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, o desenvolvimento de valores, competências e habilidades voltadas à formação de pessoas e cidadãos autônomos, críticos e aptos ao prosseguimento dos estudos e à compreensão das transformações do mundo, para nele intervir de modo responsável e ético43. A preocupação com a formação integral deve superar a preocupação com o vestibular. Deve-se buscar um bom desempenho escolar do aluno, mas também 43 ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia Ensino Médio: múltiplas vozes. Brasília: UNESCO, 2003. p.199. 51 buscar sua formação como cidadão. Deve sobressair um ensino voltado para a educação cidadã, para a vida, ampliando a visão do mundo dos alunos. Vejamos o que os próprios alunos pensam sobre o papel da escola: Gráfico 08 6 8 6 3 Preparar para o mercado de trabalho Estimular uma visão crítica Orientar o aluno para a vida Preparar para o vestibular Disciplinar Preparar para formar o cidadão 4 8 Por se tratar de jovens, é o momento ideal para colaborar no debate de identidade, quer no plano existencial que por perspectiva social, ou seja, consciência coletiva. Decorre disso a importância de se desvincular o ensino de uma visão instrumental, baseada na preparação do aluno para a sua aprovação em um teste que não necessariamente mede ou avalia seus conhecimentos, mesmo reconhecendo que tal teste lhes é imposto como importante. A escola deve se preocupar com a formação de cidadãos conscientes de deveres e de direitos, que ajam e interajam em comunidade de forma construtiva, 52 capacitando-os para serem agentes da transformação de sua realidade social, formadores de opiniões. Cumpre ressaltar alguns projetos e programas que obtiveram sucesso no âmbito da Secretaria de Estado de Educação do Governo do Distrito Federal44. Projetos e Programas que conduzem o aluno à cidadania de forma menos formal, quebrando barreiras e preconceitos de algo que seria tido pelos estudantes como “chato”. Uma roupagem diferentes dada à assuntos tradicionais, é um meio facilitador para conquistar a simpatia do público alvo e alcançar o sucesso desejado. Vale ressaltar a criação e desenvolvimento das seguintes ações que ocorrem atualmente no Distrito Federal: PROJETO CIDADANIA E JUSTIÇA TAMBÉM SE APRENDEM NA ESCOLA: o objetivo do projeto é contribuir para a formação do aluno, no sentido de oferecer-lhes noções básicas de Ética, Justiça e Direito e mostrar o funcionamento do Judiciário e principalmente, formar o cidadão do futuro. Objetiva ainda promover o ideal de justiça preventiva, contribuindo no processo educacional, no que se refere ao estímulo da consciência jurídica, com inspiração na dignidade do ser humano e conscientizar os alunos da 4ª série do E. F. da rede pública de ensino sobre seus direitos e deveres. Executado com o apoio da Associação de Magistrados do Distrito Federal, o projeto promove o ideal de Justiça Preventiva. Contribuindo no processo educacional dos estudantes, no que se refere ao estímulo da consciência jurídica, com inspiração na dignidade do ser humano, o Poder Judiciário, observando a nossa Carta Magma, responde positivamente à auto-sustentabilidade futura da cidadania. Esse projeto conta com o voluntariado dos Magistrados que, em visita às 53 escolas e na aproximação com as crianças, enseja seu sucesso. Os juízes apresentam aos estudantes a "Cartilha da Justiça", com histórias em quadrinhos, que esclarecem, de forma didática e divertida, a importância de exercerem sua cidadania com ética e justiça. O programa atingiu no ano de 2004 todas as Escolas Públicas do Distrito Federal, onde o público alvo constitui 100% dos alunos de 4ª séries. Foi lançado no Rio de Janeiro em 1997 pela Associação dos Magistrados do Brasil - AMB. No Distrito Federal, o convênio foi assinado em maio de 2000, atingindo primeiramente 3.669 alunos das Escolas Públicas de Samambaia, na faixa etária de 10 anos. No ano de 2004, o convênio se estendeu a todas as turmas de 4ª séries das Escolas Públicas do Distrito Federal. O convênio foi firmado entre a União Federal, a Associação dos Magistrados do Distrito Federal - AMAGIS/DF e a Secretaria de Educação do Distrito Federal - SEE. PROJETO ABCERRADO: um projeto idealizado pelo professor de educação artística Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II, Flávio Paulo Pereira, com o objetivo de trabalhar o meio ambiente contextualizado com a realidade dos alunos. O professor mentor do projeto, coleta materiais no ambiente do cerrado, desde 1999, demonstrando a potencialidade deste bioma e sua diversidade, catalogando espécies da fauna e flora para estudo. Com essa coleta e estudo do cerrado, professor e aluno criaram textos, desenhos, músicas e poemas. Esse trabalho foi sistematizado, com o apoio dos coordenadores do Laboratório de Informática da escola, criando assim o projeto ABCerrado, um "CD Rom" para ser trabalhado com todas as crianças da escola, principalmente na 1 BRASÍLIA. Secretaria de Estado de Educação. < http://www.se.df.gov.br >. Acesso em 06 de julho. 2005. 54 Educação Infantil e nas séries iniciais, no processo da alfabetização. Um recurso pedagógico que desde cedo desperta nos alunos a consciência ecológica, trabalhando a relação letra / som / fonema, formas, cores dentro de algo palpável, que é a realidade do dia-a-dia dos estudantes. Na verdade, o projeto ABCerrado complementa o Pau Pereira, um projeto desenvolvido também pelo professor de educação artística, Flávio Paulo Pereira, que há quatorze anos, por meio da capoeira, ensina cidadania aos alunos, abordando seus direitos e deveres como cidadãos, além do respeito ao próximo. Outra divisão do projeto Pau Pereira é o Cerrador, um trabalho realizado com os alunos que consiste na coleta de material morto do cerrado para produção de esculturas naturais, moveis rústicos e instrumentos utilizados na capoeira, como por exemplo, o atabaque. PROGRAMA EDUCAÇÃO FISCAL: o programa de Educação Fiscal do Distrito Federal - PEF/DF tem como objetivo maior desenvolver, na sociedade, o espírito participativo e a consciência sobre a importância dos recursos públicos para o pleno exercício da cidadania, assegurando a democracia e o desenvolvimento sócio-econômico. PROJETO MÃOS DADA COM A FAMÍLIA: Considerando a nova concepção de currículo como sendo a ação de todos os envolvidos no processo educativo e ainda mediante análise da nova proposta curricular que preconiza que a "escola precisa voltar-se para a comunidade e ali conhecer as necessidades e a realidade de seus alunos", é de fundamental importância criar ações onde as famílias também estejam inseridas na instituição escolar. 55 PROGRAMA SE LIGA, GALERA: o Se Liga, Galera! é uma resposta à situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social dos adolescentes de 13 a 17 anos, estudantes de escolas públicas da Ceilândia e Varjão do Torto. Uma resposta pró-ativa, com intervenção da mobilização social e do psicodrama, buscando instrumentalizar os jovens para buscar e criar, coletivamente, soluções para problemas que afetam sua família, a escola e a comunidade. Estes são exemplos de iniciativas que deram certo. Como se pode perceber, em geral não foram programas ou projetos criados e desenvolvidos exclusivamente pelo Estado. Alguns deles partiram da sociedade, que buscando o Estado conseguiu o apoio e a coordenação necessária para o desenvolvimento daquilo que foi proposto. 56 CONCLUSÃO A violência nas escolas não é um fenômeno novo, entretanto é atual. Tal fenômeno possui algumas facetas que apesar de diferirem umas das outras convergem a um mesmo ponto, qual seja a agressão a outrem. Esta agressão pode traduzir-se em violência física ou moral. De fato as violências nas escolas possuem diversas causas, ou seja, há alguns fatores que contribuem para que tal atitude venha a acontecer. Ao visualizar o fenômeno deve-se buscar não só aquilo que ocorreu, mas procurar entender sua dinâmica. Neste contexto, a escola exerce um papel fundamental, pois compete também a ela promover a educação do futuro cidadão. A escola, uma das mais importantes instituições na formação do cidadão, deve favorecer não só o desenvolvimento estudantil do aluno, mas também prepará-lo para a vida e para a cidadania. Ademais, a responsabilidade da escola não é apenas social, o que já não é pouco, mas é também jurídica. A legislação brasileira contemplou tal assunto de forma farta e incisiva, trazendo inclusive em sua Carta Magna dispositivos que atribuem à escola deveres além do mero cumprimento do conteúdo programático. O Direito Civil Brasileiro ampara aqueles que foram vítimas de violência na escola, imputando também à esta instituição o dever de indenizar os dano ocorridos em seu âmbito. 57 Entretanto, acredita-se que a sociedade deve buscar soluções ao problema em questão. Não apenas tratando suas conseqüências na tentativa de minimizar os danos ocorridos, mas, sobretudo de maneira a preveni-los. Tal conclusão não é inovadora, haja vista que a prevenção é bastante debatida nos ambientes acadêmicos. Entretanto, este relevante posicionamento precisa ser colocado em prática. Precisa sair da seara da retórica e conquistar toda a sociedade, envolvendoa também na sua consecução. Os jovens e adolescentes precisam sair do Ensino Médio preparados para o temido exame do vestibular. Mas, sobretudo devem sair desta etapa preparados para a vida, para exercer sua plena cidadania. Precisam estar preparados para se deparar com o caos que nossa sociedade tem vivenciado, e estarem aptos para combatê-lo. Devem estar cientes de seus direitos, bem como atentos ao cumprimento de seus deveres como cidadãos. Com esta pesquisa, foi possível observar que a escola também tem parte na formação do cidadão, tal é o pensamento inclusive dos próprios alunos, consoante impresso no gráfico 08. Notou-se ainda que os alunos em sua maioria desejam saber mais sobre o assunto, conforme demonstrado no gráfico 06 . Compete à escola investir também na educação para cidadania, pois o local é favorecedor para este tipo de atividade. Não se trata apenas de um apaixonado discurso, mas de uma latente necessidade da sociedade brasileira. A moralização dos atos da vida civil passa antes pela educação para a cidadania que cada indivíduo recebe. 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002. CASTRO, Flávia Lages de. Pesquisa para iniciantes. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. COSTA, Jurandir Freire. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 1986, 2ª edição. COVRE, Maria de Lourdes Manzini. A cidadania que não temos. Editora Brasiliense. CRUANHES, Maria Cristina Dos Santos. CIDADANIA: Educação e Exclusão Social. Porto Alegre: 2000. DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os Direitos Humanos no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2003, 20ª edição. DINIZ, Maria Helena. 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