PERFIL
Heloisa Helena Baldy dos Reis
A história da atleta precoce e pesquisadora que venceu todos os
preconceitos e tornou-se uma das maiores especialistas em violência
no futebol brasileiro
Camilo Antônio de Assis Barbosa
Filha
de
Casemiro
dos Reis Filho (normalista,
pedagogo,
doutor
em
educação e um dos grandes
intelectuais brasileiros, além
de pioneiro na implantação
dos cursos de pós-graduação
na Unicamp e no Brasil)
e de Cacilda Baldy dos
Reis, a professora Heloisa
Helena Baldy dos Reis teve
a vida norteada pela luta
por um ideal: o esporte e a
educação.
Fotos: Fábio Vilela
Jornalista, professor do curso de jornalismo do Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino –
FAE e da Universidade do Vale do Sapucaí – UNIVÁS. É especialista em Teoria da Comunicação e Mestre em
Comunicação e Mercado pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.
e-mail: [email protected]
Infância e esporte
“Lembro-me do contato
com o esporte desde muito
pequena, caminhando e
já brincando com bola”.
Heloisa é a sexta filha de
sete irmãos (4 homens e 3
mulheres). Assim, conheceu
o futebol e as adversidades
desde muito cedo. “Eu era muito talentosa e com
cinco, seis anos, já estava no meio dos meninos. Pela
profissão que tinham, meus pais não podiam estar
conosco todo o tempo. Assim, apanhei muito de meus
irmãos nos jogos. Hoje tenho a clara percepção de
que, ali, com dez, onze anos, isso ocorreu porque
era melhor que eles no esporte”. O preconceito, neste
caso, inconsciente, vai acompanhá-la por toda a vida
e em várias situações.
O contato com outras modalidades esportivas
aprofunda-se na escola, quando conhece o handebol
e o basquete. Neste último, participa de campeonatos
paulistas no pré-mirim e mirim. Com 18 anos integra
a primeira equipe feminina do Guarani Futebol Clube.
No início dos anos 80 atua como meia e, às vezes,
como ponta, o que a irritava porque não era tão veloz
para a posição. “O futebol e o Guarani marcaram
muito minha carreira esportiva, porque a gente lutou
demais para ser a primeira geração brasileira de
jogadoras profissionais. Quanto à torcida, a coisa
era diferente. Eles sempre iam assistir aos jogos para
xingar as meninas. Isso também teve influência em
minhas pesquisas. Eles xingavam as atletas do time
contrário e o mais ofensivo era chamá-las de sapatão.
Para as mais habilidosas, diziam que lugar de mulher
era na cozinha. Havia muito machismo. Mais tarde,
percebendo que isso era um tipo de violência simbólica,
fiquei incentivada, como pesquisadora, a compreender
os diversos tipos de violência, principalmente dos
torcedores”, explica.
Pensamento Plural: Revista Científica do
Ainda estudante queria ser
profissional e ganhar dinheiro
no futebol feminino. “Talvez o
time de maior sucesso no Brasil,
na época, fosse o Radar, do
RJ. Era o único que conseguia
ganhar do Guarani, que vinha
crescendo
gradativamente.
Deram espaço para que
fizéssemos as preliminares do
profissional masculino e, acho
que o nosso sucesso fez com
que repensassem se este seria
o espaço que queriam para as
mulheres. À medida que íamos
trabalhando fomos conquistando
títulos. O Guarani foi campeão
duas vezes em Campinas, em
1983 e 84. Isso causou um
ciúmes na sua diretoria, porque,
com as vitórias, começamos a
reivindicar mais coisas, como
ter uniforme próprio e não os
que não eram mais usados
pelo masculino; treinar num local melhor, porque
usávamos um campo de terra, etc. Nesse momento,
os dirigentes entenderam que teriam que acabar com
aquilo. Estávamos em 1984. A ideia que plantavam
era de que o clube tinha muitos homossexuais e que
as famílias que procuravam o Guarani, para associarse, poderiam se afastar sabendo do mito de que havia
jogadoras gays. Criticavam a questão de que havia
atletas mais velhas relacionando-se com as mais novas,
o que era uma grande mentira. O esporte moderno foi
criado para homens, e a medida que a participação
da mulher na sociedade muda ao longo do século XX,
e ela começa a tomar espaço, também esportivamente,
o homem se sente incomodado, com exceção do vôlei.
Ele foi uma exceção, uma modalidade criada desde
o seu início para homens e mulheres. E o futebol era
o último reduto masculino. Há, então, uma resistência
dos gestores que eram e são, na sua maioria, homens.
Eu já cursava educação física nessa época; estava no
primeiro ano”.
Outra grande paixão da pesquisadora é o
handebol, esporte a que dedica várias pesquisas e
estudos. Começou a jogá-lo em 1975-76, sendo que
o primeiro campeonato no Brasil foi em 1974. Era,
então, um esporte universitário. “Eu tinha habilidade
e o handebol ainda era, tecnicamente, muito fraco.
Meu ataque era bastante apurado. Eu treinava com a
equipe da escola e desde a quarta série tinham que
aumentar minha idade para que pudesse participar.
Anos mais tarde, quando me lesionei no futebol do
, São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011
65
PERFIL
Guarani, tive a chance de, além de jogadora, ser
técnica do handebol feminino de Campinas.” Este
esporte ainda lhe daria uma grata surpresa, agora
como pesquisadora. Recebeu, em 2007, o Prêmio
Mérito Científico, pela orientação da acadêmica Carla
Abrahão Verginelli, no desenvolvimento do trabalho
Análise da Tática Defensiva da Seleção Brasileira
Adulta de Handebol Feminino, na marcação do pivô,
pela Unicamp.
O sonho com o magistério
“Na quinta série do fundamental eu tive educação
física na escola. Fiquei deslumbrada. Como eu tinha
muita facilidade nesta área, ajudava as professoras.
Quando fazíamos vôlei, por exemplo, aprendíamos
a colocar o dedo na bola, as técnicas, etc. Como
já jogava, tudo ficava mais fácil. Na sexta, sétima e
oitava séries era praticamente assistente delas. Eu fugia
das aulas para ficar na quadra da escola e isso me
causava problemas, visto que minha mãe era a vicediretora do colégio e me punia, me ridicularizando
perante os colegas, levando-me de volta para a sala
e dizendo que ‘aquela aluna’ estava fora de sala, etc.
Mesmo assim, no final da oitava série eu tive a certeza
de que queria lecionar. E isso foi um problema grande,
porque quando termino o ensino fundamental em São
Paulo, minha família decide mudar-se para Campinas,
pela questão de qualidade de vida e por meu pai, que
já atuava na Unicamp, na qual outros três irmãos
estavam. Porém, lá não tinha educação física e eu
queria voltar para a capital para estudar. Meus pais
me negaram, até que eu completasse a maioridade
(na época 21 anos). Terminei o atual ensino médio
com 17, mas não podia sair de casa para fazer o
superior. Mas meus irmãos puderam. Começa aí
uma tensão familiar, porque diziam que ser professor
não era uma boa carreira financeira. Queriam que
eu fizesse medicina ou engenharia de alimentos. Eu
não, então tentei USP e não passei na primeira fase.
Aprovada em educação física da PUC-Campinas fiz,
obrigada, minha inscrição.”
As raízes disso estavam nas palavras do pai,
Casemiro, que dizia que a Universidade de Campinas
era diferente. “Ex-aluno e amigo de Florestan
Fernandes e de muitos outros intelectuais, meu pai
tinha muito claro que o corpo docente da USP era
conservador no campo político e que a Unicamp
havia sido formada a dedo pelo Dr. Zeferino Vaz. Ele
havia buscado os intelectuais mais críticos do país
para formar a universidade, pelo menos na área de
humanas. Sempre tive essa questão política muito
forte na minha vida; essa coisa dos direitos, das
diferenças de classes sociais, da mulher e, a partir daí,
passei a criar o sonho de que seria professora, com
o argumento de que queria atuar no ensino superior.
Com isso, ganho o apoio da família”.
No segundo ano na PUC, Heloisa esperava ansiosa
a disciplina obrigatória de futebol. Porém, ela só era
oferecida aos homens. “Com pensamentos de que a
faculdade tinha uma visão aberta e plural, imaginava
que faria o curso, mas, disseram-me que não tinha
esse direito, assim como os homens não podiam fazer
dança, por exemplo. Briguei muito, em vão. Mas, havia
um professor muito respeitado, que tinha passado
pelo futebol árabe, e por grandes clubes brasileiros
como preparador físico (Pedrinho). Conversei com
ele e, juntamente com minha irmã que jogava e
66
estava no primeiro ano,aceitou-nos como ouvintes.
Na disciplina havia dois ou três atletas do Guarani,
os quais eu já conhecia. A direção da faculdade se
omitiu. Apesar de não admitirem oficialmente nossa
participação no curso, nada fizeram para impedir que
fôssemos às aulas, e os esportistas foram receptivos
com a gente. No entanto, o resto da turma achava
aquilo um absurdo. Como podia a instituição permitir
que estudássemos futebol? Fui sempre discriminada
no curso”.
Especialização e pesquisas
Após a graduação na PUC, busca a especialização
na USP, em técnicas de handebol. Nesse mesmo tempo,
ingressa numa pós em Teoria e Método de Pesquisa
em Educação Física, na Unicamp. “Conheço, então,
o professor Laércio, que gosta de minhas ideias e me
convida a fazer parte de um projeto de pesquisa bastante
amplo. Entendíamos que uma universidade devia
ter como laboratório dos estudantes de graduação,
uma equipe de alto rendimento da modalidade que
estávamos ensinando. Conseguimos que a reitoria
da Unicamp comprasse a ideia e contratasse cinco
pessoas, que fariam o trabalho de técnico de equipe
e seriam assistentes das disciplinas. Fico sete meses
procurando um profissional com esse perfil, e nada.
Então, meu mestre me disse ‘olha acho que quem tem
esse perfil é você’. Era 1986. Independente do trabalho
lá, eu já me preparava para o concurso da rede
estadual de ensino de SP. Bem classificada, em 1987,
assumo uma cadeira como efetiva em Praia Grande,
local em que joguei futebol desde os cinco anos. Fico
viajando entre o litoral e Campinas como voluntária
no projeto até que, em 1988, abre uma vaga. Deixo
o Estado, no qual fiquei um ano e meio, tempo que
considerei fundamental como experiência nas quadras
das escolas e inicio a carreira universitária naquele
mesmo ano. Estava completamente interessada em
pesquisa em pedagogia do esporte. Em 1989 tento o
mestrado. Passo em todas as etapas, mas a unidade
entende que se eu entrasse, uma vez que já tinha um
grande número de docentes da instituição no programa
de pós, caracterizaria uma endogenia maior ainda,
com uma possível avaliação negativa perante a Capes.
Era uma desculpa de fato, pois não me queriam na pósgraduação da Unicamp. Mas, não sabiam que eu já
buscava o mestrado em Santa Maria, no Rio Grande do
Sul, que era então considerado o melhor curso de pós”.
! "#$%&'()! *)! +,-! #$%.()/! 0&#1)*1#2%)! #!
maternidade.
Em Santa Maria, não mais atleta e mãe solteira,
tinha nos braços a pequena Fernanda, de apenas um
ano e quatro meses. “A experiência no sul foi muito
pesada e ruim. Minha filha era pequenina e eu caio lá
sem conhecer nada. Foi tudo muito difícil. No Guarani
eu me lesionei e não consegui voltar a jogar. Daí minha
dedicação à carreira acadêmica e a maternidade. Mas
a forma como fui recebida e o preconceito fizeram
com que tentasse acabar tudo bastante rápido. Eu
morei lá, efetivamente, 10 meses. Foi uma loucura, na
qual desmitifiquei ‘o bom curso de mestrado’, no qual
fiz 11 disciplinas em menos de um ano, o que hoje
é impensável. O bom é que os docentes gostavam
de mim, pois, para eles, eu era uma professora da
Unicamp lá, o que para eles era um prestígio, visto que
a Universidade de Campinas já era vista como uma
Pensamento Plural: Revista Científica do
, São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011
Do mestrado ao doutorado... questão de dias
Heloisa termina o mestrado em quatro anos e
meio, devido a problemas com a não adaptação com
o Rio Grande do Sul
e a aposentaria do
orientador,
após
o primeiro ano.
Com o título nas
mãos, alívio nos
ombros e feliz, leva
a ata de defesa da
dissertação até a
direção da faculdade
para solicitar sua
contratação docente,
como mestre. Mas
as regras para tal
haviam
mudado
uma semana antes
da entrega. Agora,
só
podiam
ser
chamados professores já ingressos em programas
de doutorado. As lágrimas vieram ao rosto. “Fiquei
desesperada. Fui informada que tinha somente uma
semana para entrar no programa na educação física.
Eu queria fazer em outra área, em Ciências Sociais,
a qual me daria mais bagagem acadêmica. Mas,
antes de tudo precisava do emprego. Passo o fim de
semana chorando e montando o projeto de última
hora. Mas, por outro lado, foi legal porque estruturei
a questão da violência no futebol, algo que era muito
claro pra mim, em função das experiências enquanto
jogadora. Consigo entrar na área de lazer com a
pesquisa Futebol e Sociedade. No primeiro semestre
vou fazer um curso na Universidade de São Paulo,
em Antropologia Social, e vejo que a disciplina podia
me dar respostas para as questões das torcidas. De lá
pra cá me aprofundo muito nos estudos das ciências
sociais”.
Universidad de Murcia - Espanha
“Em 1997, começava a se criar uma rede social
na internet, na Unicamp, cujo mentor era o professor,
Laércio Elias Pereira, que nos incitava sobre essas
questões da tecnologia e inovações que, então,
pareciam uma grande ‘piração’. O doutorado dele
tinha como tema criar um Centro Esportivo Virtual
(CEV), o que para a educação física e para a informática
era algo avançadíssimo. Nas nossas primeiras listas
de discussão a gente começa a receber contatos
do exterior. Um deles, de um docente de direito, da
Universidade de Extremadura, que informa que vai
ocorrer lá um encontro de sociologia do esporte, em
Pensamento Plural: Revista Científica do
Almeria, num curso de verão. Ainda doutoranda faço
contato com ele e sigo para lá. Fico maravilhada.
Conheço jogadores da Seleção Espanhola, técnicos,
ex-jogadores famosos, um jornalista britânico que
fez a biografia não autorizada do Maradona, enfim,
entro num grupo de estudos e passo a ver que a
Espanha tem uma grande discussão sobre o futebol
profissional e sobre a segurança no esporte. Lá já
estava muito regulada a questão dos contratos de
trabalho dos atletas profissionais. E, aqui, era aquela
coisa ainda muito incipiente, etc. Um dos professores,
com quem tive contato na Europa, me disse que havia
falado de meus trabalhos com outro companheiro
da Universidade de Murcia e me convidou a ir
conhecê-lo e às suas pesquisas. Topei e esse foi o
primeiro passo para o pós-doutorado. Assim, Miguel
Cardenal, um dos mais qualificados pesquisadores da
Espanha (atualmente
nomeado presidente
do Consejo Superior
de
Deporte),
se
tornou
um
grande
parceiro
de pesquisa. Ele
gostou da ideia de
pesquisar, de pensar
a organização
e
a segurança do
futebol espanhol e
me convidou para
passar um ano lá,
para fechar meu
trabalho . Era julho
de 1997. Eu entrego
o texto para a defesa
um ano depois, em julho de 1998. Monto um projeto
para a FAPESP, que é aprovado, e eu parto, agora
doutora, para a Espanha, em janeiro de 1999. Fiz o
projeto de pós- doc sozinha. Na Europa convivi numa
Faculdade de Direito que tem um rigor metodológico
e acadêmico maior que na educação física. Ali eu
aprendi, durante um ano, com autonomia, todos os
passos de como fazer uma boa pesquisa. Acho que
foi um grande salto qualitativo.”
A professora deu continuidade ao que estudou
em Murcia. Dentre suas várias linhas de pesquisa
destacam-se projetos como: O torcedor organizado
e as políticas públicas de prevenção da violência
relacionada ao futebol. Dentro da sociologia do
esporte, pretende conhecer quem são os associados
das maiores torcidas organizadas de SP, RJ e MG.
Pretende-se identificá-los, bem como realizar estudos
sobre a organização, a legislação e os mecanismos de
segurança adotados na preparação dos espetáculos
futebolísticos.
PERFIL
das mais importantes do Brasil. Mas, o pior de tudo foi
a discriminação quanto à maternidade. Durante vários
anos fui mais jovem que muitos de meus alunos de
graduação e atletas em Campinas e tinha o hábito,
que hoje recrimino, de, após as aulas ou treinos, fazer
um lanche e beber um chope com os acadêmicos e
colegas de profissão. Mas, no RS, fiz um convite a um
amigo casado, cuja esposa inclusive conhecia, para
tomar uma cerveja. Uma colega gaúcha presenciou
e disse quase imediatamente ‘está louca, convidar um
colega casado para beber’. Daí, vi que estava numa
outra cultura. Volto pra Campinas, em 1990, para
finalizar, finalmente, meu mestrado”.
Família
Dos irmãos, dois partiram para a medicina; uma
tornou-se pedagoga, a quarta cursou educação
física e biologia, mas foi na medicina veterinária
que encontrou a profissão. Um dos homens também
chegou a fazer educação física, mas realizou-se como
técnico em enfermagem. O mais novo da família é
economista. A filha, Fernanda, seguiu os passos da tia
e a herança da mãe: cursa medicina veterinária (fez
um ano de direito e mudou) e é atleta. No Karatê teve
sucesso e chegou a disputar campeonatos nacionais.
, São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011
67
PERFIL
Violência nos estádios e estatuto do torcedor:
referência nacional
Heloísa é hoje uma das maiores especialistas
brasileiras quando o assunto é violência de torcidas no
futebol. Isso a levou a prestar assessoria ao Ministério
do Esporte e a Câmara dos Deputados, em Brasília,
por diversas vezes.
“Na Espanha a legislação é
completa e eles são ágeis nas ações contra a violência
e na prevenção, que é vista com muita seriedade,
como questão de Estado. No Brasil é o oposto: impera
a lentidão e não há respeito do Estado ao trabalho
acadêmico. Em 2003 fui chamada a Brasília para
falar sobre minhas pesquisas. Cheguei a acreditar que
estaríamos iniciando uma política nacional sobre o
assunto. Fizemos uma carta, na qual trabalhávamos
com cronograma de realizações para estabelecer uma
política nacional de prevenção. De 2003 a 2011
tivemos três mudanças nos Ministérios do Esporte
e Ministério da Justiça e, incrivelmente, foi o Poder
Judiciário quem deu mais importância e valorizou o
trabalho universitário nesse sentido. Tive, nesse tempo,
participações praticamente em todas as discussões
feitas na capita federal sobre a questão da violência
no futebol, fosse em audiências públicas, na Câmara
dos Deputados, no Ministério da Justiça, do Esporte...
Fui chamada, ainda, para três eventos importantes que
ocorreram com torcidas organizadas”.
Brasil x Espanha
“Minha crítica nesta comparação é que trago
o modelo espanhol adaptado ao Brasil, para que
tenhamos espetáculos futebolísticos de qualidade,
em termos de organização, e que a gente minimize
os riscos de violência. O futebol é, por si só, um
evento de risco. Isso, porque congrega multidões que
se deslocam dentro de uma cidade e entre elas, e
se concentram em um local fechado. Temos um jogo
de interesses absurdo no nosso Congresso, onde se
percebe que grande parte dos políticos e do Estado
brasileiro ainda não conseguiu perceber o papel da
universidade neste país. Como me tornei, feliz ou
infelizmente, uma referência neste sentido, sendo
sempre consultada pela mídia, percebo que nos dois
últimos mandatos do Ministério do Esporte, sempre
sou chamada a fazer as críticas aos projetos antes que
se tornem públicos. Inicialmente, achava interessante.
Acreditava que os políticos queriam levar adiante o
que havíamos começado. Mas, vejo que não. Eles
querem é minimizar os impactos do fato na mídia,
antes que venham a público. Por isso, me pedem
as críticas sobre os projetos. No caso da legislação
espanhola, quando regulamentada, é imediatamente
colocada em funcionamento. Em 2003, me
entregaram o projeto do Estatuto do Torcedor (como
ficou conhecida a Lei 10.671/03, de autoria do Poder
Executivo, que tem por objetivo proteger os interesses
do consumidor de esportes no papel de torcedor,
obrigando as instituições responsáveis a estruturarem o
esporte no país de maneira organizada, transparente,
segura e justa). Segundo o então Ministro do Esporte
Agnelo Queiroz (Governo Lula de 2003 a 2006) ele
seria aprovado daquela maneira pelo Senado. Eu
estudei o material e falei com o ministro que o texto
era caótico, limitado e que não dava conta das
necessidades. Então, me pediu que não dissesse nada,
porque já estava acordado que seria aprovado como
estava, e que seria melhor daquela forma, do que
68
nada. Ele foi votado e aceito com alguns artigos que
ainda precisavam ser regulamentados, como alguns
que só o foram em 2008 e 2009, como por exemplo,
a questão da vistoria dos estádios. A condição do
estádio para oferecer um espetáculo é primordial para
se ter segurança. E nem vamos falar em conforto.
Desde o início, o estatuto é precário, mas importante.
É um marco da prevenção no Brasil. Foi gestado no
governo FHC, mas só aprovado nos primeiros meses
do governo Lula”.
Sobre a temática a autora tem dois livros publicados.
O primeiro, Futebol e Sociedade (2006), pela Liber
Livros. O segundo, Futebol e Violência (2006), pela
editora Autores Associados/FAPESP. Mas, já trabalha
numa obra sobre handebol e pretende publicar outro
sobre o Brasil, a política nacional para o esporte e
os Hooligans (termo que se refere a comportamento
destrutivo, desordeiro e de vandalismo comumente
associados a fãs de esportes, principalmente futebol
sob a influência de álcool e/ou drogas).
3&'$24/!5)0'!#! 42"06'('$
Perguntada se o país está preparado para os
eventos esportivos a que se propôs (Copa 2014
e Olimpíadas 2016) é enfática. “O País não está
preparado e não vai estar até lá. Se não bastassem os
problemas como a falta de infraestrutura, aeroportos,
trânsito, entre outros, muito discutidos pela mídia,
temos a ação de hooligans aqui. Eles estão na
Europa, principalmente na Inglaterra, mas aqui bem
perto há os argentinos Barrabravas, que podem causar
problema nos eventos esportivos. Posso afirmar que,
após muito pesquisar, temos grupos hooligans na
torcida organizada e fora dela. Mas, felizmente são
uma minoria. Na Inglaterra, país que apresenta o
maior número desses desordeiros, há por volta de mais
de mil, sendo na Argentina um número maior que no
Brasil, onde a maior concentração está nos estados de
SP, BH, RJ e outros . O problema é que eles ainda
não foram dominados. A Inglaterra não divulga os
episódios hooligans, mas eles ocorrem com frequência.
O hooliganismo está ligado à masculinidade e sua
afirmação por grupos de homens que, só se sentem
reconhecidos e importantes se tiverem poder, e se
mostrarem isso a partir de brigas e violência. O uso
de bebidas é associado a esses grupos. Quanto a
estrutura, creio que não será um fracasso, pois somos
um povo muito criativo. Teremos feriados e esquemas
alternativos que vão tentar minimizar os problemas.
Mas, ao que se deve ficar atento é que os hooligans
de todo mundo estarão por aqui. O objetivo deles é
tornarem-se conhecidos pelas ações violentas via lente
das câmeras e imagens das tevês. Por isso, a mídia
tem mudado a sua postura quanto a cobertura desses
eventos, não mostrando as brigas e coisas do tipo.
Segundo depoimentos dos próprios hooligans, que
se encontram na bibliografia, alguns dizem ter mais
prazer brigando do que numa relação sexual”.
Sobre as Olimpíadas, Heloisa Baldy trabalha
numa pesquisa sobre a participação brasileira nos
Jogos Olímpicos desde 1920. No estudo, analisa a
participação feminina e o desempenho do país numa
perspectiva crítica.
O futebol feminino na atualidade
“Na minha opinião, o futebol feminino não mudou
desde seus primeiros trabalhos no país. O crescimento
Pensamento Plural: Revista Científica do
, São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011
foi só numérico. Atualmente, temos os mesmos
problemas dos anos 80 quanto a organização,
valorização, enfim. O governo tem que ter políticas
quanto a isso. Os Estados Unidos e a Espanha,
por exemplo, fizeram recentemente uma legislação
obrigando políticas de incentivo à prática de esporte por
mulheres, para diminuir a dificuldade de acesso. Hoje,
a visão da federação sobre a atleta mulher no futebol
ainda é a de 30 anos atrás. É a de embelezamento, na
qual cobra-se a roupa sexy, a feminilidade. O Santos,
por exemplo, a melhor equipe do país, para promover
o futebol, montou um calendário com fotos sensuais
das jogadoras. Penso que isso só mudará com
intervenções de políticas públicas e a atual presidente
que mostrou-se sensível a isso”.
Baldy por Baldy
“Sou perseverante. Não deixo de sonhar e tenho
muita esperança. Se você analisar minha vida, ela
é cheia de muitas lutas. Grande parte delas foi
inconsciente, mas aconteceram em busca do sonho de
ser uma professora e pesquisadora séria, respeitada,
competente e, acima de tudo, pela história da minha
geração. Acredito que a mulher pode ser atleta e,
Pensamento Plural: Revista Científica do
RESENHA
até quem sabe, gestora. Amo minha
carreira e meu trabalho e tinha tudo
para não fazer educação física...”
Aos estudantes
“Aos
futuros
pesquisadores,
estudantes e jovens digo que os
obstáculos devem ser vistos como
oportunidades de superação e não
como barreiras. Não deve existir
nenhuma sugestão de interrupção
do seu sonho para que você o
interrompa”.
Educação é tudo
“Para o Brasil ser uma potência,
tem que levar a educação a sério.
Basta ver a questão da promoção
automática que temos em São Paulo,
os salários que os professores recebem, enfim. Na
Espanha quem atua na educação básica ganha quase
o mesmo que o professor universitário. Ele tem tanta
ou mais importância quanto. Aqui é uma vergonha”.
Destaque na docência e pesquisa na Unicamp:
Prêmio Zeferino Vaz
No fim de 2011, Heloisa Baldy recebeu o Prêmio
de Reconhecimento Acadêmico “Zeferino Vaz”,
conferido aos que se destacaram nas funções de
docência e pesquisa na Universidade de Campinas.
No total 20 profissionais, das mais diversas áreas,
foram agraciados com a honraria. Cada unidade
de ensino e pesquisa da Unicamp indica um nome
por ano. Os premiados são selecionados após
várias etapas de exame por especialistas externos
à Universidade. “Estou muito feliz em receber este
prêmio tão importante da Universidade, depois de 23
anos de trabalho na Educação Física e 25 anos de
Unicamp. Eu acho que o prêmio demonstra mais uma
vez o reconhecimento da Universidade pelas nossas
pesquisas, que estão fortemente vinculadas às áreas
da educação física e humanidades”.
, São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011
69
Download

heloisa helena baldy dos reis: de atleta precoce a uma das maiores