PERFIL Heloisa Helena Baldy dos Reis A história da atleta precoce e pesquisadora que venceu todos os preconceitos e tornou-se uma das maiores especialistas em violência no futebol brasileiro Camilo Antônio de Assis Barbosa Filha de Casemiro dos Reis Filho (normalista, pedagogo, doutor em educação e um dos grandes intelectuais brasileiros, além de pioneiro na implantação dos cursos de pós-graduação na Unicamp e no Brasil) e de Cacilda Baldy dos Reis, a professora Heloisa Helena Baldy dos Reis teve a vida norteada pela luta por um ideal: o esporte e a educação. Fotos: Fábio Vilela Jornalista, professor do curso de jornalismo do Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – FAE e da Universidade do Vale do Sapucaí – UNIVÁS. É especialista em Teoria da Comunicação e Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. e-mail: [email protected] Infância e esporte “Lembro-me do contato com o esporte desde muito pequena, caminhando e já brincando com bola”. Heloisa é a sexta filha de sete irmãos (4 homens e 3 mulheres). Assim, conheceu o futebol e as adversidades desde muito cedo. “Eu era muito talentosa e com cinco, seis anos, já estava no meio dos meninos. Pela profissão que tinham, meus pais não podiam estar conosco todo o tempo. Assim, apanhei muito de meus irmãos nos jogos. Hoje tenho a clara percepção de que, ali, com dez, onze anos, isso ocorreu porque era melhor que eles no esporte”. O preconceito, neste caso, inconsciente, vai acompanhá-la por toda a vida e em várias situações. O contato com outras modalidades esportivas aprofunda-se na escola, quando conhece o handebol e o basquete. Neste último, participa de campeonatos paulistas no pré-mirim e mirim. Com 18 anos integra a primeira equipe feminina do Guarani Futebol Clube. No início dos anos 80 atua como meia e, às vezes, como ponta, o que a irritava porque não era tão veloz para a posição. “O futebol e o Guarani marcaram muito minha carreira esportiva, porque a gente lutou demais para ser a primeira geração brasileira de jogadoras profissionais. Quanto à torcida, a coisa era diferente. Eles sempre iam assistir aos jogos para xingar as meninas. Isso também teve influência em minhas pesquisas. Eles xingavam as atletas do time contrário e o mais ofensivo era chamá-las de sapatão. Para as mais habilidosas, diziam que lugar de mulher era na cozinha. Havia muito machismo. Mais tarde, percebendo que isso era um tipo de violência simbólica, fiquei incentivada, como pesquisadora, a compreender os diversos tipos de violência, principalmente dos torcedores”, explica. Pensamento Plural: Revista Científica do Ainda estudante queria ser profissional e ganhar dinheiro no futebol feminino. “Talvez o time de maior sucesso no Brasil, na época, fosse o Radar, do RJ. Era o único que conseguia ganhar do Guarani, que vinha crescendo gradativamente. Deram espaço para que fizéssemos as preliminares do profissional masculino e, acho que o nosso sucesso fez com que repensassem se este seria o espaço que queriam para as mulheres. À medida que íamos trabalhando fomos conquistando títulos. O Guarani foi campeão duas vezes em Campinas, em 1983 e 84. Isso causou um ciúmes na sua diretoria, porque, com as vitórias, começamos a reivindicar mais coisas, como ter uniforme próprio e não os que não eram mais usados pelo masculino; treinar num local melhor, porque usávamos um campo de terra, etc. Nesse momento, os dirigentes entenderam que teriam que acabar com aquilo. Estávamos em 1984. A ideia que plantavam era de que o clube tinha muitos homossexuais e que as famílias que procuravam o Guarani, para associarse, poderiam se afastar sabendo do mito de que havia jogadoras gays. Criticavam a questão de que havia atletas mais velhas relacionando-se com as mais novas, o que era uma grande mentira. O esporte moderno foi criado para homens, e a medida que a participação da mulher na sociedade muda ao longo do século XX, e ela começa a tomar espaço, também esportivamente, o homem se sente incomodado, com exceção do vôlei. Ele foi uma exceção, uma modalidade criada desde o seu início para homens e mulheres. E o futebol era o último reduto masculino. Há, então, uma resistência dos gestores que eram e são, na sua maioria, homens. Eu já cursava educação física nessa época; estava no primeiro ano”. Outra grande paixão da pesquisadora é o handebol, esporte a que dedica várias pesquisas e estudos. Começou a jogá-lo em 1975-76, sendo que o primeiro campeonato no Brasil foi em 1974. Era, então, um esporte universitário. “Eu tinha habilidade e o handebol ainda era, tecnicamente, muito fraco. Meu ataque era bastante apurado. Eu treinava com a equipe da escola e desde a quarta série tinham que aumentar minha idade para que pudesse participar. Anos mais tarde, quando me lesionei no futebol do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 65 PERFIL Guarani, tive a chance de, além de jogadora, ser técnica do handebol feminino de Campinas.” Este esporte ainda lhe daria uma grata surpresa, agora como pesquisadora. Recebeu, em 2007, o Prêmio Mérito Científico, pela orientação da acadêmica Carla Abrahão Verginelli, no desenvolvimento do trabalho Análise da Tática Defensiva da Seleção Brasileira Adulta de Handebol Feminino, na marcação do pivô, pela Unicamp. O sonho com o magistério “Na quinta série do fundamental eu tive educação física na escola. Fiquei deslumbrada. Como eu tinha muita facilidade nesta área, ajudava as professoras. Quando fazíamos vôlei, por exemplo, aprendíamos a colocar o dedo na bola, as técnicas, etc. Como já jogava, tudo ficava mais fácil. Na sexta, sétima e oitava séries era praticamente assistente delas. Eu fugia das aulas para ficar na quadra da escola e isso me causava problemas, visto que minha mãe era a vicediretora do colégio e me punia, me ridicularizando perante os colegas, levando-me de volta para a sala e dizendo que ‘aquela aluna’ estava fora de sala, etc. Mesmo assim, no final da oitava série eu tive a certeza de que queria lecionar. E isso foi um problema grande, porque quando termino o ensino fundamental em São Paulo, minha família decide mudar-se para Campinas, pela questão de qualidade de vida e por meu pai, que já atuava na Unicamp, na qual outros três irmãos estavam. Porém, lá não tinha educação física e eu queria voltar para a capital para estudar. Meus pais me negaram, até que eu completasse a maioridade (na época 21 anos). Terminei o atual ensino médio com 17, mas não podia sair de casa para fazer o superior. Mas meus irmãos puderam. Começa aí uma tensão familiar, porque diziam que ser professor não era uma boa carreira financeira. Queriam que eu fizesse medicina ou engenharia de alimentos. Eu não, então tentei USP e não passei na primeira fase. Aprovada em educação física da PUC-Campinas fiz, obrigada, minha inscrição.” As raízes disso estavam nas palavras do pai, Casemiro, que dizia que a Universidade de Campinas era diferente. “Ex-aluno e amigo de Florestan Fernandes e de muitos outros intelectuais, meu pai tinha muito claro que o corpo docente da USP era conservador no campo político e que a Unicamp havia sido formada a dedo pelo Dr. Zeferino Vaz. Ele havia buscado os intelectuais mais críticos do país para formar a universidade, pelo menos na área de humanas. Sempre tive essa questão política muito forte na minha vida; essa coisa dos direitos, das diferenças de classes sociais, da mulher e, a partir daí, passei a criar o sonho de que seria professora, com o argumento de que queria atuar no ensino superior. Com isso, ganho o apoio da família”. No segundo ano na PUC, Heloisa esperava ansiosa a disciplina obrigatória de futebol. Porém, ela só era oferecida aos homens. “Com pensamentos de que a faculdade tinha uma visão aberta e plural, imaginava que faria o curso, mas, disseram-me que não tinha esse direito, assim como os homens não podiam fazer dança, por exemplo. Briguei muito, em vão. Mas, havia um professor muito respeitado, que tinha passado pelo futebol árabe, e por grandes clubes brasileiros como preparador físico (Pedrinho). Conversei com ele e, juntamente com minha irmã que jogava e 66 estava no primeiro ano,aceitou-nos como ouvintes. Na disciplina havia dois ou três atletas do Guarani, os quais eu já conhecia. A direção da faculdade se omitiu. Apesar de não admitirem oficialmente nossa participação no curso, nada fizeram para impedir que fôssemos às aulas, e os esportistas foram receptivos com a gente. No entanto, o resto da turma achava aquilo um absurdo. Como podia a instituição permitir que estudássemos futebol? Fui sempre discriminada no curso”. Especialização e pesquisas Após a graduação na PUC, busca a especialização na USP, em técnicas de handebol. Nesse mesmo tempo, ingressa numa pós em Teoria e Método de Pesquisa em Educação Física, na Unicamp. “Conheço, então, o professor Laércio, que gosta de minhas ideias e me convida a fazer parte de um projeto de pesquisa bastante amplo. Entendíamos que uma universidade devia ter como laboratório dos estudantes de graduação, uma equipe de alto rendimento da modalidade que estávamos ensinando. Conseguimos que a reitoria da Unicamp comprasse a ideia e contratasse cinco pessoas, que fariam o trabalho de técnico de equipe e seriam assistentes das disciplinas. Fico sete meses procurando um profissional com esse perfil, e nada. Então, meu mestre me disse ‘olha acho que quem tem esse perfil é você’. Era 1986. Independente do trabalho lá, eu já me preparava para o concurso da rede estadual de ensino de SP. Bem classificada, em 1987, assumo uma cadeira como efetiva em Praia Grande, local em que joguei futebol desde os cinco anos. Fico viajando entre o litoral e Campinas como voluntária no projeto até que, em 1988, abre uma vaga. Deixo o Estado, no qual fiquei um ano e meio, tempo que considerei fundamental como experiência nas quadras das escolas e inicio a carreira universitária naquele mesmo ano. Estava completamente interessada em pesquisa em pedagogia do esporte. Em 1989 tento o mestrado. Passo em todas as etapas, mas a unidade entende que se eu entrasse, uma vez que já tinha um grande número de docentes da instituição no programa de pós, caracterizaria uma endogenia maior ainda, com uma possível avaliação negativa perante a Capes. Era uma desculpa de fato, pois não me queriam na pósgraduação da Unicamp. Mas, não sabiam que eu já buscava o mestrado em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que era então considerado o melhor curso de pós”. ! "#$%&'()! *)! +,-! #$%.()/! 0)*1#2%)! #! maternidade. Em Santa Maria, não mais atleta e mãe solteira, tinha nos braços a pequena Fernanda, de apenas um ano e quatro meses. “A experiência no sul foi muito pesada e ruim. Minha filha era pequenina e eu caio lá sem conhecer nada. Foi tudo muito difícil. No Guarani eu me lesionei e não consegui voltar a jogar. Daí minha dedicação à carreira acadêmica e a maternidade. Mas a forma como fui recebida e o preconceito fizeram com que tentasse acabar tudo bastante rápido. Eu morei lá, efetivamente, 10 meses. Foi uma loucura, na qual desmitifiquei ‘o bom curso de mestrado’, no qual fiz 11 disciplinas em menos de um ano, o que hoje é impensável. O bom é que os docentes gostavam de mim, pois, para eles, eu era uma professora da Unicamp lá, o que para eles era um prestígio, visto que a Universidade de Campinas já era vista como uma Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 Do mestrado ao doutorado... questão de dias Heloisa termina o mestrado em quatro anos e meio, devido a problemas com a não adaptação com o Rio Grande do Sul e a aposentaria do orientador, após o primeiro ano. Com o título nas mãos, alívio nos ombros e feliz, leva a ata de defesa da dissertação até a direção da faculdade para solicitar sua contratação docente, como mestre. Mas as regras para tal haviam mudado uma semana antes da entrega. Agora, só podiam ser chamados professores já ingressos em programas de doutorado. As lágrimas vieram ao rosto. “Fiquei desesperada. Fui informada que tinha somente uma semana para entrar no programa na educação física. Eu queria fazer em outra área, em Ciências Sociais, a qual me daria mais bagagem acadêmica. Mas, antes de tudo precisava do emprego. Passo o fim de semana chorando e montando o projeto de última hora. Mas, por outro lado, foi legal porque estruturei a questão da violência no futebol, algo que era muito claro pra mim, em função das experiências enquanto jogadora. Consigo entrar na área de lazer com a pesquisa Futebol e Sociedade. No primeiro semestre vou fazer um curso na Universidade de São Paulo, em Antropologia Social, e vejo que a disciplina podia me dar respostas para as questões das torcidas. De lá pra cá me aprofundo muito nos estudos das ciências sociais”. Universidad de Murcia - Espanha “Em 1997, começava a se criar uma rede social na internet, na Unicamp, cujo mentor era o professor, Laércio Elias Pereira, que nos incitava sobre essas questões da tecnologia e inovações que, então, pareciam uma grande ‘piração’. O doutorado dele tinha como tema criar um Centro Esportivo Virtual (CEV), o que para a educação física e para a informática era algo avançadíssimo. Nas nossas primeiras listas de discussão a gente começa a receber contatos do exterior. Um deles, de um docente de direito, da Universidade de Extremadura, que informa que vai ocorrer lá um encontro de sociologia do esporte, em Pensamento Plural: Revista Científica do Almeria, num curso de verão. Ainda doutoranda faço contato com ele e sigo para lá. Fico maravilhada. Conheço jogadores da Seleção Espanhola, técnicos, ex-jogadores famosos, um jornalista britânico que fez a biografia não autorizada do Maradona, enfim, entro num grupo de estudos e passo a ver que a Espanha tem uma grande discussão sobre o futebol profissional e sobre a segurança no esporte. Lá já estava muito regulada a questão dos contratos de trabalho dos atletas profissionais. E, aqui, era aquela coisa ainda muito incipiente, etc. Um dos professores, com quem tive contato na Europa, me disse que havia falado de meus trabalhos com outro companheiro da Universidade de Murcia e me convidou a ir conhecê-lo e às suas pesquisas. Topei e esse foi o primeiro passo para o pós-doutorado. Assim, Miguel Cardenal, um dos mais qualificados pesquisadores da Espanha (atualmente nomeado presidente do Consejo Superior de Deporte), se tornou um grande parceiro de pesquisa. Ele gostou da ideia de pesquisar, de pensar a organização e a segurança do futebol espanhol e me convidou para passar um ano lá, para fechar meu trabalho . Era julho de 1997. Eu entrego o texto para a defesa um ano depois, em julho de 1998. Monto um projeto para a FAPESP, que é aprovado, e eu parto, agora doutora, para a Espanha, em janeiro de 1999. Fiz o projeto de pós- doc sozinha. Na Europa convivi numa Faculdade de Direito que tem um rigor metodológico e acadêmico maior que na educação física. Ali eu aprendi, durante um ano, com autonomia, todos os passos de como fazer uma boa pesquisa. Acho que foi um grande salto qualitativo.” A professora deu continuidade ao que estudou em Murcia. Dentre suas várias linhas de pesquisa destacam-se projetos como: O torcedor organizado e as políticas públicas de prevenção da violência relacionada ao futebol. Dentro da sociologia do esporte, pretende conhecer quem são os associados das maiores torcidas organizadas de SP, RJ e MG. Pretende-se identificá-los, bem como realizar estudos sobre a organização, a legislação e os mecanismos de segurança adotados na preparação dos espetáculos futebolísticos. PERFIL das mais importantes do Brasil. Mas, o pior de tudo foi a discriminação quanto à maternidade. Durante vários anos fui mais jovem que muitos de meus alunos de graduação e atletas em Campinas e tinha o hábito, que hoje recrimino, de, após as aulas ou treinos, fazer um lanche e beber um chope com os acadêmicos e colegas de profissão. Mas, no RS, fiz um convite a um amigo casado, cuja esposa inclusive conhecia, para tomar uma cerveja. Uma colega gaúcha presenciou e disse quase imediatamente ‘está louca, convidar um colega casado para beber’. Daí, vi que estava numa outra cultura. Volto pra Campinas, em 1990, para finalizar, finalmente, meu mestrado”. Família Dos irmãos, dois partiram para a medicina; uma tornou-se pedagoga, a quarta cursou educação física e biologia, mas foi na medicina veterinária que encontrou a profissão. Um dos homens também chegou a fazer educação física, mas realizou-se como técnico em enfermagem. O mais novo da família é economista. A filha, Fernanda, seguiu os passos da tia e a herança da mãe: cursa medicina veterinária (fez um ano de direito e mudou) e é atleta. No Karatê teve sucesso e chegou a disputar campeonatos nacionais. , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 67 PERFIL Violência nos estádios e estatuto do torcedor: referência nacional Heloísa é hoje uma das maiores especialistas brasileiras quando o assunto é violência de torcidas no futebol. Isso a levou a prestar assessoria ao Ministério do Esporte e a Câmara dos Deputados, em Brasília, por diversas vezes. “Na Espanha a legislação é completa e eles são ágeis nas ações contra a violência e na prevenção, que é vista com muita seriedade, como questão de Estado. No Brasil é o oposto: impera a lentidão e não há respeito do Estado ao trabalho acadêmico. Em 2003 fui chamada a Brasília para falar sobre minhas pesquisas. Cheguei a acreditar que estaríamos iniciando uma política nacional sobre o assunto. Fizemos uma carta, na qual trabalhávamos com cronograma de realizações para estabelecer uma política nacional de prevenção. De 2003 a 2011 tivemos três mudanças nos Ministérios do Esporte e Ministério da Justiça e, incrivelmente, foi o Poder Judiciário quem deu mais importância e valorizou o trabalho universitário nesse sentido. Tive, nesse tempo, participações praticamente em todas as discussões feitas na capita federal sobre a questão da violência no futebol, fosse em audiências públicas, na Câmara dos Deputados, no Ministério da Justiça, do Esporte... Fui chamada, ainda, para três eventos importantes que ocorreram com torcidas organizadas”. Brasil x Espanha “Minha crítica nesta comparação é que trago o modelo espanhol adaptado ao Brasil, para que tenhamos espetáculos futebolísticos de qualidade, em termos de organização, e que a gente minimize os riscos de violência. O futebol é, por si só, um evento de risco. Isso, porque congrega multidões que se deslocam dentro de uma cidade e entre elas, e se concentram em um local fechado. Temos um jogo de interesses absurdo no nosso Congresso, onde se percebe que grande parte dos políticos e do Estado brasileiro ainda não conseguiu perceber o papel da universidade neste país. Como me tornei, feliz ou infelizmente, uma referência neste sentido, sendo sempre consultada pela mídia, percebo que nos dois últimos mandatos do Ministério do Esporte, sempre sou chamada a fazer as críticas aos projetos antes que se tornem públicos. Inicialmente, achava interessante. Acreditava que os políticos queriam levar adiante o que havíamos começado. Mas, vejo que não. Eles querem é minimizar os impactos do fato na mídia, antes que venham a público. Por isso, me pedem as críticas sobre os projetos. No caso da legislação espanhola, quando regulamentada, é imediatamente colocada em funcionamento. Em 2003, me entregaram o projeto do Estatuto do Torcedor (como ficou conhecida a Lei 10.671/03, de autoria do Poder Executivo, que tem por objetivo proteger os interesses do consumidor de esportes no papel de torcedor, obrigando as instituições responsáveis a estruturarem o esporte no país de maneira organizada, transparente, segura e justa). Segundo o então Ministro do Esporte Agnelo Queiroz (Governo Lula de 2003 a 2006) ele seria aprovado daquela maneira pelo Senado. Eu estudei o material e falei com o ministro que o texto era caótico, limitado e que não dava conta das necessidades. Então, me pediu que não dissesse nada, porque já estava acordado que seria aprovado como estava, e que seria melhor daquela forma, do que 68 nada. Ele foi votado e aceito com alguns artigos que ainda precisavam ser regulamentados, como alguns que só o foram em 2008 e 2009, como por exemplo, a questão da vistoria dos estádios. A condição do estádio para oferecer um espetáculo é primordial para se ter segurança. E nem vamos falar em conforto. Desde o início, o estatuto é precário, mas importante. É um marco da prevenção no Brasil. Foi gestado no governo FHC, mas só aprovado nos primeiros meses do governo Lula”. Sobre a temática a autora tem dois livros publicados. O primeiro, Futebol e Sociedade (2006), pela Liber Livros. O segundo, Futebol e Violência (2006), pela editora Autores Associados/FAPESP. Mas, já trabalha numa obra sobre handebol e pretende publicar outro sobre o Brasil, a política nacional para o esporte e os Hooligans (termo que se refere a comportamento destrutivo, desordeiro e de vandalismo comumente associados a fãs de esportes, principalmente futebol sob a influência de álcool e/ou drogas). 3&'$24/!5)0'!#! 42"06'('$ Perguntada se o país está preparado para os eventos esportivos a que se propôs (Copa 2014 e Olimpíadas 2016) é enfática. “O País não está preparado e não vai estar até lá. Se não bastassem os problemas como a falta de infraestrutura, aeroportos, trânsito, entre outros, muito discutidos pela mídia, temos a ação de hooligans aqui. Eles estão na Europa, principalmente na Inglaterra, mas aqui bem perto há os argentinos Barrabravas, que podem causar problema nos eventos esportivos. Posso afirmar que, após muito pesquisar, temos grupos hooligans na torcida organizada e fora dela. Mas, felizmente são uma minoria. Na Inglaterra, país que apresenta o maior número desses desordeiros, há por volta de mais de mil, sendo na Argentina um número maior que no Brasil, onde a maior concentração está nos estados de SP, BH, RJ e outros . O problema é que eles ainda não foram dominados. A Inglaterra não divulga os episódios hooligans, mas eles ocorrem com frequência. O hooliganismo está ligado à masculinidade e sua afirmação por grupos de homens que, só se sentem reconhecidos e importantes se tiverem poder, e se mostrarem isso a partir de brigas e violência. O uso de bebidas é associado a esses grupos. Quanto a estrutura, creio que não será um fracasso, pois somos um povo muito criativo. Teremos feriados e esquemas alternativos que vão tentar minimizar os problemas. Mas, ao que se deve ficar atento é que os hooligans de todo mundo estarão por aqui. O objetivo deles é tornarem-se conhecidos pelas ações violentas via lente das câmeras e imagens das tevês. Por isso, a mídia tem mudado a sua postura quanto a cobertura desses eventos, não mostrando as brigas e coisas do tipo. Segundo depoimentos dos próprios hooligans, que se encontram na bibliografia, alguns dizem ter mais prazer brigando do que numa relação sexual”. Sobre as Olimpíadas, Heloisa Baldy trabalha numa pesquisa sobre a participação brasileira nos Jogos Olímpicos desde 1920. No estudo, analisa a participação feminina e o desempenho do país numa perspectiva crítica. O futebol feminino na atualidade “Na minha opinião, o futebol feminino não mudou desde seus primeiros trabalhos no país. O crescimento Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 foi só numérico. Atualmente, temos os mesmos problemas dos anos 80 quanto a organização, valorização, enfim. O governo tem que ter políticas quanto a isso. Os Estados Unidos e a Espanha, por exemplo, fizeram recentemente uma legislação obrigando políticas de incentivo à prática de esporte por mulheres, para diminuir a dificuldade de acesso. Hoje, a visão da federação sobre a atleta mulher no futebol ainda é a de 30 anos atrás. É a de embelezamento, na qual cobra-se a roupa sexy, a feminilidade. O Santos, por exemplo, a melhor equipe do país, para promover o futebol, montou um calendário com fotos sensuais das jogadoras. Penso que isso só mudará com intervenções de políticas públicas e a atual presidente que mostrou-se sensível a isso”. Baldy por Baldy “Sou perseverante. Não deixo de sonhar e tenho muita esperança. Se você analisar minha vida, ela é cheia de muitas lutas. Grande parte delas foi inconsciente, mas aconteceram em busca do sonho de ser uma professora e pesquisadora séria, respeitada, competente e, acima de tudo, pela história da minha geração. Acredito que a mulher pode ser atleta e, Pensamento Plural: Revista Científica do RESENHA até quem sabe, gestora. Amo minha carreira e meu trabalho e tinha tudo para não fazer educação física...” Aos estudantes “Aos futuros pesquisadores, estudantes e jovens digo que os obstáculos devem ser vistos como oportunidades de superação e não como barreiras. Não deve existir nenhuma sugestão de interrupção do seu sonho para que você o interrompa”. Educação é tudo “Para o Brasil ser uma potência, tem que levar a educação a sério. Basta ver a questão da promoção automática que temos em São Paulo, os salários que os professores recebem, enfim. Na Espanha quem atua na educação básica ganha quase o mesmo que o professor universitário. Ele tem tanta ou mais importância quanto. Aqui é uma vergonha”. Destaque na docência e pesquisa na Unicamp: Prêmio Zeferino Vaz No fim de 2011, Heloisa Baldy recebeu o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico “Zeferino Vaz”, conferido aos que se destacaram nas funções de docência e pesquisa na Universidade de Campinas. No total 20 profissionais, das mais diversas áreas, foram agraciados com a honraria. Cada unidade de ensino e pesquisa da Unicamp indica um nome por ano. Os premiados são selecionados após várias etapas de exame por especialistas externos à Universidade. “Estou muito feliz em receber este prêmio tão importante da Universidade, depois de 23 anos de trabalho na Educação Física e 25 anos de Unicamp. Eu acho que o prêmio demonstra mais uma vez o reconhecimento da Universidade pelas nossas pesquisas, que estão fortemente vinculadas às áreas da educação física e humanidades”. , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 69