CASEMIRO DOS REIS FILHO E A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA1
Dermeval Saviani
Professor Titular – Unicamp
Este trabalho focaliza a figura do intelectual, professor Casemiro dos Reis Filho,
objetivando evidenciar a sua contribuição para o desenvolvimento da historiografia da
educação brasileira tanto no que se refere à sua própria produção quanto na formação de
outros pesquisadores por meio das atividades que desenvolveu em cursos de graduação e de
pós-graduação lecionando a disciplina história da educação e orientando dissertações de
mestrado e teses de doutorado.
Tendo em vista que o presente trabalho incide mais especificamente sobre a
contribuição do Prof. Casemiro para a historiografia da educação brasileira, sua construção se
apóia em três tipos de fontes: a) os trabalhos publicados, entre os quais se situam o Índice
básico da legislação do Ensino Paulista, 1890-1945. São José do Rio Preto, FFCLESJRP,
1964 (2a. ed.: Campinas/Marília, FE-UNICAMP/FFC-UNESP, 1998), A educação e a ilusão
liberal. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1981 (2a. ed.: Campinas, Autores Associados,
1995), “Reforma universitária e ciclo básico: modelo viável”. In: GARCIA, Walter (Org.),
Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento. São Paulo, McGrawHill, 1976, pp.195-224; b) os trabalhos inéditos entre os quais situamos algumas aulas
gravadas e transcritas e os seguintes textos redigidos entre 1971 e 1974: Raízes históricas da
educação contemporânea, escrito especificamente para ser utilizado como texto base do
tópico de História da Educação da disciplina “Introdução à Educação”, integrante do currículo
dos Cursos de Pedagogia e Fonoaudiologia do Ciclo Básico de Ciências Humanas e Educação
da PUC-SP. A revolução brasileira e o ensino; Modernização da cultura brasileira; e
Transplante da educação européia no Brasil, escritos para subsidiar o programa da disciplina
História da Educação do Curso de Pedagogia da PUC-SP; c) depoimentos de alunos,
orientandos, monitores e auxiliares de ensino do Prof. Casemiro que foram solicitados a se
manifestar a partir do seguinte roteiro:
a) Procure recuperar a memória de sua convivência com o Prof. Casemiro como aluno
de graduação ou de pós-graduação, como orientando de mestrado ou de doutorado ou como
seu monitor ou auxiliar de ensino ou integrante de sua equipe, sobre os seguintes aspectos:
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Trabalho apresentado no II Congresso Brasileiro de História da Educação. Natal, 3 a 6 de novembro de 2002.
1
i) concepção de homem, história, sociedade e educação;
ii) visão da historiografia, em geral e, particularmente, da historiografia da educação
brasileira.
b) Com base nessa memória, como você situa a contribuição do Prof. Casemiro para a
historiografia da educação brasileira?
Atenderam à convocação para apresentar depoimento os seguintes professores: Carlos
Roberto Jamil Cury, orientando do Prof. Casemiro no Mestrado; Gilberta Sampaio de Martino
Januzzi, aluna de pós-graduação, orientanda de Mestrado e Doutorado e professora assistente
do Prof. Casemiro na cadeira de História da Educação na UNICAMP; Maria Luísa Santos
Ribeiro, Mirian Jorge Warde e Nereide Saviani, alunas na graduação, monitoras e professoras
integrantes da equipe do Prof. Casemiro nas cadeiras de História da Educação e de Introdução
à Educação na PUC-SP; Terezinha Quaiotti Ribeiro do Nascimento, aluna de graduação em
Rio Preto e de pós-graduação na UNICAMP, orientanda de Mestrado e Doutorado e
professora assistente de História da Educação na UNICAMP.
Como assinalei em outro trabalho (SAVIANI, 2001, p.175), Casemiro era um homem
de ação e, sendo por excelência um educador, gostava de estar em sala de aula, no trabalho de
formação dos jovens. Assim, sua contribuição para a educação, de modo geral e, de modo
especial, para a historiografia da educação brasileira, mais do que na sua própria produção
expressa em publicações, manifesta-se com um importante efeito multiplicador, na formação
de pesquisadores tanto por meio de suas aulas como pelas dissertações e teses que orientou.
Eis porque, para evidenciar a contribuição do professor Casemiro para a historiografia da
educação brasileira, fez-se necessário o recurso aos depoimentos de seus ex-alunos e
orientandos acima elencados. Evidentemente neste breve texto não será possível incorporar
toda a riqueza trazida pelos depoimentos. Como se pode ver no item 3, extraí deles apenas
algumas passagens, especificamente aquelas que me permitiram ilustrar a contribuição à
historiografia da educação advinda do modo como Casemiro trabalhava com os seus alunos
seja nas aulas seja no processo de orientação de estudos e pesquisas. O aproveitamento pleno
do conteúdo dos depoimentos ensejará a publicação de um livro no qual se pretende incluir
também os textos inéditos de Casemiro dos Reis Filho. A expectativa é que esse novo livro
possa ser lançado no próximo ano.
Visando a dar uma idéia sucinta, porém a mais clara possível da contribuição trazida
pelo professor Casemiro dos Reis Filho às investigações de história da educação no Brasil, a
estrutura deste texto compreende a apresentação dos principais dados biográficos e a
exposição da trajetória intelectual como elementos preliminares para se tecer, no último
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tópico, algumas considerações em torno da contribuição do Prof. Casemiro para a
historiografia da educação brasileira.
1. Elementos de biografia.
Os ascendentes do professor Casemiro vieram de Portugal. O avô paterno, João dos
Reis, veio para o Brasil em 1894, tendo fugido por razões políticas, já que era republicano. O
pai, Casemiro dos Reis, nasceu em Sertãozinho. De seu casamento com Ingrácia Duarte,
natural de Jaú, nasceu o primeiro filho, Casemiro dos Reis Filho, em Pontal, pequeno
município situado a 28 Km de Ribeirão Preto, em 15 de novembro de 1927. Concluiu o Curso
Normal no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves, em São José do Rio Preto em 1950.
Em 1951 ingressou no Curso de Pedagogia da USP tendo exercido, concomitantemente, a
função de Professor Substituto na Escola Primária anexa ao Instituto de Educação Caetano de
Campos, a famosa escola da Praça da República da capital paulista. Em 1953 assumiu, em
decorrência de aprovação em concurso público, o cargo de Professor de Sociologia na Escola
Estadual Dr. Fábio Barreto de Registro, no Vale do Ribeira. Formou-se em pedagogia na USP
em 1954. Em 1955 retornou a Rio Preto assumindo, por remoção, a cadeira de Sociologia do
Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves. Através de novo concurso público, a partir de
1956 assumiu a cadeira de Educação do Instituto de Educação “Capitão Porfírio de Alcântara
Pimentel” de Monte Aprazível, acumulando-a com a cadeira de Sociologia lotada no Instituto
de Educação “Monsenhor Gonçalves” de Rio Preto. Em 1958 fez parte do grupo de
professores que fundou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto,
tendo assumido a Cadeira de História e Filosofia da Educação e a Coordenação do Curso de
Pedagogia. Integrou, ainda que de forma episódica, o grupo que se reuniu em torno de Laerte
Ramos de Carvalho, da USP, aderindo à proposta de Laerte de distribuir, entre os
interessados, os temas básicos da história da educação brasileira para efeitos de investigação.
Daí surgiu o tema de sua pesquisa sobre a reforma da instrução pública paulista no início da
República, posteriormente retomada e defendida como tese de doutoramento na PUC-SP em
1974 sob o título “Reforma republicana do ensino público paulista: fase de implantação
(1890-1896)” que deu origem ao livro A educação e a ilusão liberal, publicado em 1981.
Após o seu doutorado Casemiro passou a lecionar e orientar trabalhos nos Programas de PósGraduação em Educação da PUC-SP e da UNICAMP, tendo sido também o idealizador e
coordenador do Ciclo Básico de Ciências Humanas e Educação da PUC-SP, além de ocupar
as vice-reitorias acadêmica e administrativa da mesma universidade. Em 1981, em
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conseqüência de um derrame sofrido no final de 1980, foi obrigado a se afastar das atividades
acadêmicas. Faleceu em 24 de fevereiro de 2001, em Campinas.
2. Trajetória intelectual
Para efeitos deste trabalho distinguimos os seguintes períodos na trajetória do Prof.
Casemiro dos Reis Filho:
a) de 1954, quando concluiu o Curso de Pedagogia na USP, até abril de 1964 quando,
em conseqüência do golpe militar, foi preso por 55 dias tendo sido destituído de todos os
cargos, inclusive aqueles que havia obtido por concurso público. Nessa fase ele se consolidou
como professor, tendo atuado nos ensinos primário, secundário, normal e superior. Ganhou
fama de professor rigoroso e exigente. Era essa a maneira encontrada por ele de não enganar
os alunos: “eu gostava de acompanhá-los e chegava a ser duro com os mais fracos. Acontece
que, se o aluno não sabe como aprender, cabe ao professor descobrir o modo de ensiná-lo”
(REIS FILHO, 1984, p.37). Esse período, no qual ele deu início à sua pesquisa sobre a
instrução pública no Estado de São Paulo, se encerra com a publicação do Índice Básico da
Legislação do Ensino Paulista, 1890-1945.
b) de 1967, quando é contratado como professor da PUC-SP, até 1974, quando
defende sua tese de doutoramento. Nesse período ele desenvolve a pesquisa sobre a reforma
do ensino público paulista e produz um conjunto de textos básicos utilizados no trabalho
pedagógico realizado nas disciplinas História da Educação do Curso de Pedagogia e
Introdução à Educação do Ciclo Básico, textos esses que permaneceram inéditos. Ainda nessa
fase ele instala o Ciclo Básico de Ciências Humanas e Educação da PUC-SP que começa a
funcionar em 1971 sob sua coordenação.
c) de 1975, quando inicia as atividades de docente e orientador nos Cursos de PósGraduação em Educação da PUC-SP e, em seguida, também na UNICAMP, até 1980 quando,
em razão do derrame cerebral, afasta-se das atividades acadêmicas. Data dessa fase sua
participação direta no processo de formação de novos historiadores da educação brasileira
através das aulas, orientações e participação em bancas de exames de qualificação,
dissertações de mestrado e teses de doutorado. Também é nesse período que dá início às
atividades de divulgação das pesquisas educacionais, de modo geral, e de história da
educação, em particular, no âmbito do Conselho Editorial constituído em 1976 na recém
fundada Editora Cortez & Moraes materializando-se, depois, na Editora Autores Associados
fundada em 1980. Essa fase culminou com a criação em 1980, pela sua largueza de visão, do
Centro de Documentação e Informação Científica da PUC-SP que, numa homenagem ainda
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em vida, veio a se chamar Centro de Documentação e Informação Científica “Professor
Casemiro dos Reis Filho” (Cedic).
d) de 1981 até sua morte em 2001. Nesse período, embora aposentado por doença,
levou à defesa, em 1989, sua última orientanda de doutorado e deu prosseguimento à sua
contribuição à Editora Autores Associados que atuou em São Paulo, junto à Cortez Editora,
entre 1980 e 1991 transferindo, a partir desta data, sua sede para Campinas, por iniciativa do
Prof. Casemiro, onde se firmou como uma das principais editoras especializadas na
publicação de trabalhos da área de educação.
3. Contribuição para a historiografia da educação brasileira
Ao tomar a educação no Estado de São Paulo como objeto de investigação, Casemiro
se viu diante do problema das fontes. Dos levantamentos realizados em função de suas
próprias pesquisas surgiu a idéia de se publicar um Índice da legislação do ensino paulista. A
materialização dessa idéia resultou no Índice Básico da Legislação do Ensino Paulista (18901945), publicado em 1964 com 461 documentos legais compreendendo leis, decretos,
decretos-leis e regulamentos. Configura-se, aí, uma das primeiras iniciativas de se organizar
índices sistemáticos de fontes para a historiografia da educação brasileira. Como assinalou na
Introdução da obra, o plano era publicar um segundo volume estendendo o índice até 1961,
ano da promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Entretanto,
exatamente quando veio a lume o Índice Básico, o Prof. Casemiro se encontrava preso em
conseqüência do golpe militar de 1964, tendo sido abruptamente interrompida sua carreira de
professor universitário e de pesquisador. Quando retomou suas atividades em 1967, em
decorrência de convite recebido para lecionar na PUC-SP, as condições eram outras e o
projeto de continuar a publicação do Índice não teve seqüência.
Se a idéia de dar continuidade ao Índice foi abandonada, o mesmo não ocorreu com o
projeto de pesquisa sobre a reforma da instrução pública paulista do início da República. Esse
projeto foi retomado e resultou na tese de doutoramento defendida na PUC-SP em 1974 e
publicada sob o título A educação e a ilusão liberal: origens da escola pública paulista. Tratase de um estudo que, por ser baseado em exaustiva pesquisa de fontes primárias, pela lucidez
da análise e pela clareza da exposição, pode ser considerado exemplar na historiografia da
educação brasileira. Conforme o depoimento de Mirian Warde, qualquer aluno que vá
estudar as primeiras reformas republicanas em São Paulo tem que ler o livro; assim como,
consultar a coletânea de leis que ele organizou. Por razões que merecem ser efetivamente
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examinadas, a tese do prof. Casemiro não envelheceu; as novas gerações de historiadores da
educação não desqualificaram aquele trabalho (WARDE, 2002, p,5).
O artigo “Reforma universitária e ciclo básico: modelo viável”, ilustra bem a
qualidade de um administrador que põe uma sólida cultura histórico-pedagógica a serviço da
organização do ensino. Nesse texto, em que explicita a proposta de Ciclo Básico por ele
formulada e implementada sob sua coordenação, ele parte das origens do ensino superior,
situa as condições de surgimento, desenvolvimento e expansão do ensino superior no Brasil, a
sua organização na forma de universidade, as crises e a reforma universitária para explicitar a
proposta do Ciclo Básico enunciando as diretrizes filosóficas de uma nova teoria do ensino
superior e formulando o modelo de ciclo básico com os objetivos, a metodologia, a estrutura
curricular e a estrutura administrativa. E o professor Casemiro, tendo não apenas concebido,
mas implantado e se mantido na coordenação do Ciclo Básico de Ciências Humanas e
Educação da PUC-SP, se converteu em elemento propulsor de pesquisas já que, sob sua
inspiração e incentivo, diversas dissertações e teses sobre o Ciclo Básico foram produzidas no
Setor de Pós-Graduação da universidade.
Não foi, pois, apenas com sua própria produção, que Casemiro contribuiu para o
desenvolvimento da historiografia da educação brasileira. Os depoimentos colhidos são
unânimes em asseverar que, mediante suas aulas, desde a graduação, ele imprimiu uma
orientação segura que produziu frutos significativos em termos de investigações sobre a
história da educação em nosso país. Veja-se, por exemplo, o testemunho de Terezinha
Quaiotti Ribeiro do Nascimento:
“Concebia a historiografia como uma das fontes essenciais para a compreensão
do presente e para a tomada de decisão de ações futuras. Afirmava que muito se tinha
a fazer no âmbito da historiografia da educação brasileira, pois que uma quantidade
de temas importantes estavam por ser estudados com profundidade. Sua atuação para
minorar esse deficit se fazia na medida em que, na relação ensino/aprendizagem que
desenvolvia durante os seus cursos, preparava futuros pesquisadores quando
orientava e exigia a realização anual de monografias centradas em temas relacionados
à história da educação brasileira, temas esses que deveriam ser desenvolvidos a partir
de uma compreensão dos fatores sociológicos, filosóficos, políticos e econômicos do
período tratado. Durante suas aulas não havia aluno que não se contagiasse com seu
entusiasmo pelos estudos históricos e pela educação.
Essa atuação e essa influência tornaram-se mais significativas quando assumiu
cursos de pós-graduação. Inúmeros foram os mestres e doutores que receberam dele
orientações e se contagiaram com seu entusiasmo, produzindo conhecimento
significativo nesse campo do saber” (NASCIMENTO, 2002, p.2).
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Gilberta Januzzi, por sua vez, afirma que no livro “A educação e a ilusão liberal”
assim como nas suas aulas e orientações de trabalhos procurou nos ensinar como escrever
história. E sintetiza:
“Percebo a contribuição do professor para a historiografia tanto pelo que nos
deixou escrito, pouco sim, mas significativo porque voltado para a realidade
educacional do povo brasileiro, analisado de acordo com sua concepção de história da
educação; pelo empenho em manter uma editora que tem essa linha de publicação, e já
com número significativo de obras em história da educação; pela marca coerente de
uma vida pública e privada voltada para o popular, impressa em todos os que com ele
conviveram e também pela formação de muitos que prosseguiram na pesquisa e
redação da história da educação brasileira. É toda uma cadeia de ex-alunos que vão
despertando outros nesse sentido, tanto pela docência em cursos de graduação, quanto
pelas orientações nos cursos de pós-graduação, ‘stricto’ e ‘lato sensu’” (JANUZZI,
2002, p.2).
Essa percepção é reiterada, de outra maneira, no depoimento de Nereide Saviani:
“Lembrando-me de todas essas ricas situações, fica-me a impressão de que foi
com ele que aprendi a ver o homem como ser que faz história e que se faz
historicamente, em processos eminentemente sociais. E a educação como processo
mediador nesse fazer história e fazer-se socialmente na história: processo pelo qual se
promovem as condições humanas...
O estudo da História tinha, pela orientação do Prof. Casemiro, um sabor de
desafio – o de buscar ler nas entrelinhas, entender o contexto, captar contradições.
Fico impressionada ao recordar como ele trabalhava fatos e processos da História da
Educação na relação com aspectos econômicos, políticos, culturais, fazendo a crítica
da historiografia que se restringe às idéias e personagens sem levar em conta a base
material, tanto quanto criticava aquela que as subordina mecanicamente à
determinação econômica. Tudo isto, numa atitude aberta, que ‘visitava’ tendências e
concepções diversas, sem ecletismo, tomando (e exigindo) posições, atentando
também para não incorrer no dogmatismo” (SAVIANI, 2002, p.2).
Veja-se, ainda, como Mirian Jorge Warde conclui o seu depoimento:
“Para fechar: ainda se pode considerar como parte das contribuições efetuadas
para uma disciplina as pessoas formadas ou isso caiu em desuso? Se caiu, não me
importa, porque o que eu quero dizer em complemento sobre o prof. Casemiro é que
uma das maiores contribuições que ele deixou foram as pessoas que ele ensinou a
pensar a educação no âmbito da história; ele ensinou a associar a história com a
política e o estímulo muito singular à época para que se fizesse pesquisa histórica. As
divergências que hoje eu tenho, quanto ao modo como recortava os temas (pensadores
e sistemas educacionais) e o seu vezo funcionalista, levei em torno de quinze anos
para amadurecê-las” (WARDE, 2002, p.5).
Finalmente, Maria Luísa Santos Ribeiro sinaliza os pontos fundamentais que
caracterizaram a atuação do professor Casemiro no campo pedagógico:
7
1)
a)
b)
c)
d)
e)
f)
2)
a)
b)
c)
d)
“Contribuição de fundamental importância do Prof. Casemiro no âmbito
teórico-prático (num trabalho articulado com o Prof. Dermeval Saviani no campo
da Filosofia da Educação):
Na proposição e na execução de um projeto de formação de novos quadros para a
atuação no campo da História da Educação (e não só nele) sob a influência de uma
Teoria da História que vem se constituindo numa sólida base:
para a compreensão da atividade educacional como uma forma específica de
prática humana;
para a compreensão da atividade humana em geral, bem como em todas as suas
formas específicas como nexos de múltiplas relações sociais:
b1) que se dão num tempo e num espaço determinados historicamente;
b2) que, portanto, têm origem e desenvolvimento;
b3) que, quando descoladas de sua origem e desenvolvimento, apresentam-se à
consciência humana revestidas de pseudos significados;
para a compreensão do significado:
c1) da educação escolar para toda sociedade que atinja determinado nível de
desenvolvimento;
c2) do caráter público, gratuito e laico da organização escolar numa sociedade
como a brasileira;
no reconhecimento da necessidade de uma reflexão centrada na educação sem
justificar o pedagogismo ou o otimismo ingênuo;
no reconhecimento da necessidade de uma reflexão centrada na educação
brasileira sem justificar concepções nacionalistas estreitas;
no reconhecimento da necessidade de uma reflexão que dê conta da dimensão
histórica da atividade educacional sem justificar saudosismos.
No convencimento pela prática de que:
a tarefa de formação de novos quadros exige trabalho em equipe disciplinar e
multidisciplinar;
o trabalho em equipe exige unidade de propósitos, bem como integração no seu
processo e do seu resultado;
o trabalho em equipe deve ser desempenhado com autonomia responsável e com
respeito mútuo às possibilidades e limites de cada um;
o trabalho em equipe exige comportamentos fundados na humildade e avessos a
‘estrelismos’” (RIBEIRO, 2002, p.1-2).
Uma idéia viva do estilo de orientar do professor Casemiro nos é dada pelo
depoimento de Carlos Roberto Jamil Cury quando ele descreve seus contatos com o professor
Casemiro para definir e dar seqüência aos trabalhos de sua dissertação de mestrado:
“Hora do projeto, vez do orientador. Tinha que arrumar um. Fale com o prof.
Casemiro, propôs a profa. Maria Luísa dos Santos Ribeiro. Ela era assistente do
professor Casemiro na cadeira de História da Educação.
Nesta época, o prof. Casemiro já era vice-reitor acadêmico da PUCSP.
Rascunhei um projeto e lá fui eu, cum timore et cum tremore... Conversamos. Topou !
E me perguntou: você tem 20 hs por semana para se dedicar à investigação ? Dois
filhos pequenos, lecionando na PUCSP e no ensino médio, onde arranjaria 20 hs ?
Seja professor de si próprio e atribua-se faltas quando não der conta das horas e trate
de compensar as faltas... O jeito era aproveitar os intervalos de aulas do turno
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vespertino para o noturno e preencher u’a manhã livre. E dá-lhe manhãs de sábado. Lá
fui eu ao Convento dos Dominicanos da rua Caiubi, perto da PUCSP, onde recebi
total atenção da bibliotecária e bibliotecônoma (Vera, senão me engano) e do frei
Oscar Lustosa, professor de História na USP” (CURY, 2002, p.2-3).
Cury deu início à sua pesquisa e, de posse da redação decorrente dos estudos
efetuados, tem novo encontro com seu orientador, desta vez já para discutir um produto
determinado. Eis como ele descreve esse novo contato:
“Primeiros resultados, primeira entrega de material, primeira orientação,
almoço conjunto, café: (acendendo um cigarro) este trabalho tem futuro, mas ainda
está verde... Invista mais nos profissionais do ensino! Não está proporcional ao texto
dos católicos! E as vinte horas ? Onde estavam os documentos e textos dos
profissionais como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e outros ?
Despachei-me para o claustro do Mosteiro de São Bento no qual havia uma biblioteca
preciosa. Havia quase tudo de que pudesse me servir para fechar as lacunas
assinaladas” (IBIDEM, p.3).
Mas a sabedoria do orientador não se limita a exigir trabalho e autodisciplina.
Manifesta-se também na sensibilidade de aferir o momento em que é preciso parar, fazer uma
pausa para retomar o fôlego:
“Da outra vez, um pouco cansado, pois estava eu avançando no
reconhecimento do Estado Varguista, ele foi direto: cansado ? não se pesca em águas
turvas. Dê-se um tempo. Melhor investigar com a cabeça boa do que gastar o tempo
num esforço improdutivo. Mas, face à época estudada, qual v. acha ser o papel do
Estado Varguista? Ia entendendo e aprendendo o que é sabedoria na orientação.
Dirigi-me à biblioteca dos Estudos Brasileiros na USP a fim de vasculhar os
mais de 20 volumes da Assembléia Nacional Constituinte. Notei nítido interesse do
prof. Casemiro por este segmento do trabalho pelas perguntas que fazia e por certas
manifestações de espanto” (IBIDEM).
Finalmente, concluído o trabalho, vêm as últimas recomendações tendo em vista a
sessão de defesa da dissertação:
“Trabalho pronto, banca montada, data marcada: Cury, cabe a você defender
seu texto. Se a banca questionar a estrutura do texto, defenda-se e eu estarei do seu
lado! Mas se vierem com o “eu gostaria de... eu quereria isto ou aquilo” não entre na
deles...Traga o assunto para o seu campo, lá onde você desenvolveu sua pesquisa”
(IBIDEM, p.4).
Essa clara percepção do trabalho intelectual, do modo de se fazer pesquisa e se
produzir ciência; essa capacidade de estimular, de saber quando exigir e quando liberar;
quando cobrar resultados e quando dizer que é hora de parar para elaborar os achados ou para
recuperar forças. Essa “sabedoria na orientação”, exemplificada no caso do Cury, operou
também com os demais jovens que tiveram o privilégio de estabelecer relações pedagógicas
com o professor Casemiro. O impacto multiplicador desse trabalho não se mede apenas pelo
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número de estudantes que Casemiro formou. Mede-se também, e por critérios
incomensuráveis, permita-se o paradoxo, pelo efeito cascata resultante da ação de seus
discípulos que, convertidos em orientadores de outros, com eles adotarão os mesmos
procedimentos absorvidos no contato com o mestre. Com efeito, todos os que se formavam
com o professor Casemiro iam entendendo e aprendendo o que é sabedoria na orientação
(CURY, 2002, p.3).
À vista dos elementos apresentados se evidencia, como conclusão, que a contribuição
do Prof. Casemiro para o desenvolvimento da historiografia da educação brasileira extrapola
em muito sua própria produção escrita expressando-se na densidade de suas aulas e na
formação de novos pesquisadores.
Referências:
CURY, Carlos Roberto Jamil, (2002), Professor Casemiro dos Reis Filho: um depoimento
(texto enviado via Internet).
JANUZZI, Gilberta Sampaio de Martino, (2002), Depoimento - Prof. Casemiro (texto
enviado via Internet).
NASCIMENTO, Terezinha Aparecida Quaiotti Ribeiro, (2002), Depoimento (texto enviado
via Internet).
REIS FILHO, Casemiro, (1984), “Entrevista”, in ANDE, Revista da Associação Nacional de
Educação. Ano 4, N° 8, pp.37-39.
REIS FILHO, Casemiro, (1964), Índice básico da legislação do Ensino Paulista, 1890-1945.
São José do Rio Preto, FFCLESJRP, (2a. ed.: Campinas/Marília, FE-UNICAMP/FFCUNESP, 1998).
REIS FILHO, Casemiro, (1976), “Reforma universitária e ciclo básico: modelo viável”. In:
GARCIA, Walter (Org.), Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento.
São Paulo, McGraw-Hill, pp.195-224.
REIS FILHO, Casemiro, (1981), A educação e a ilusão liberal. São Paulo, Cortez/Autores
Associados, (2a. ed.: Campinas, Autores Associados, 1995).
REIS FILHO, Casemiro, (1971), Raízes históricas da educação contemporânea, São Paulo,
PUC-SP (mimeo).
REIS FILHO, Casemiro, (1974), A revolução brasileira e o ensino. São Paulo, PUC-SP,
(mimeo).
REIS FILHO, Casemiro, (1974), Modernização da cultura brasileira. São Paulo, PUC-SP,
(mimeo).
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REIS FILHO, Casemiro, (1974), Transplante da educação européia no Brasil. São Paulo,
PUC-SP, 1974 (mimeo).
REIS FILHO, Casemiro, (1978), Aulas de história da educação. Campinas, UNICAMP
(Anotações manuscritas e datilografadas por Gilberta Januzzi).
RIBEIRO, Maria Luísa Santo, (2002), Depoimento sobre o professor Casemiro (texto
enviado via Internet).
SAVIANI, Dermeval, (2001), “Casemiro dos Reis Filho e a educação brasileira”. Educação
& Sociedade, Ano XXII, N.77 - Dezembro - 2001, p.161-181.
SAVIANI, Nereide, (2002), Minha atuação junto ao professor Casemiro: depoimento (texto
enviado via Internet).
WARDE, Mirian Jorge, (2002), Eu fui aluna do professor Casemiro: Depoimento (texto
enviado via Internet).
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Casemiro dos Reis Filho e a historiografia da educação brasileira