ESCOLA MUNICIPAL CASEMIRO STACHURSKI: UMA PRÁTICA POLÍTICO PEDAGÓGICA OFICIAL FORJADA NA INTERDIÇÃO DA CULTURA DE UMA COMUNIDADE ESCOLAR CRICIUMENSE DE ORIGEM POLONESA Leila Lourenço* /UFRGS/UNESC** Introdução: No artigo procuro dar visibilidade às experiências educacionais referentes ao processo de ensino e aprendizagem implementado na Escola Municipal Casemiro Stachurski , no bairro Linha Batista da cidade de Criciúma, principalmente na primeira metade do século XX, processo educacional forjado na interdição da cultura polonesa no espaço escolar.A metodologia utilizada envolveu pesquisa com registros escolares de época que existiam na escola, a exemplo, os livros de atas de reuniões, de matrículas, de visitas dos inspetores de ensino, ainda, reportagens de jornais da cidade do período pesquisado, fotografias da época, bem como fontes orais com ex-professores/as e ex-alunos/as que viveram experiências neste educandário.A fundamentação teórica permeia discussão sobre memória, relações de poder, história da educação, de currículo, de língua e discurso. No artigo busco apresentar algumas políticas educacionais e modelos pedagógicos perceptíveis, ao longo do tempo, no cotidiano da escola, possibilitando compreender como em uma comunidade rural de origem polonesa, a escola de ensino elementar (primeiras séries do Ensino Fundamental), no Brasil, foi se tornando pública, qual era a principal finalidade desse ensino e concepção de aprendizagem, metodologia, avaliação. Iniciando a reflexão... Mostrar aspectos do fazer pedagógico da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Casemiro Stachurski de Linha Batista (Criciúma/SC), ao longo de sua existência educacional é apresentar um pouco da história da educação pública brasileira, em uma comunidade de zona rural, formada, inicialmente, por imigrantes descendentes de poloneses. Em 2004, a arquitetura da escola também mostra aspectos dessa história. Na extensão de seu terreno aparece, na parte da frente, um prédio que foi reformado em 2002 com duas salas de aula, 02 banheiros, 01 cozinha e 01 secretaria, prédio que por muitos anos pertenceu à rede estadual. Aos fundos deste, um novo e belo prédio, com várias salas de aula, banheiros espaçosos, pátio coberto, investimentos da Prefeitura Municipal de Criciúma, em 2001/2002, pois na década de 1990, as escolas estaduais de menor porte e de zona rural vivenciaram parte de um processo de municipalização do Ensino Fundamental no estado de Santa Catarina. O antigo e o moderno coexistindo nesse espaço, o moderno tencionando para que as mudanças aconteçam, como mostram alguns momentos históricos e político-pedagógicos dessa unidade escolar. Segundo a diretora eleita1 Rosa Elena Rzatki Just, desde que a escola foi municipalizada, em 1997, a partir de 1998 ,ela está à frente da direção da escola. Em 2004, a escola conta com 204 alunos/as, 10 professores/as e 03 merendeiras. No período noturno ocorrem as tele-aulas para pessoas da comunidade que freqüentam o Ensino Médio. Linha Batista, inicialmente, foi formada predominantemente por descendentes de imigrantes europeus não-portugueses, a imigração polonesa. A identificação com o país de origem se mostra muito forte ao longo da sua história e ainda a encontramos por meio de grupo folclórico polonês do bairro, o Centro Cultural Polonês. De início, a organização escolar de “Casemiro Stachurski” é particular-comunitária e a designação deste nome para o educandário é bem posterior à existência oficial da escola. Os professores eram de origem polonesa e os pais custeavam o salário bem como o consulado polonês ,em Curitiba, contribuía financeiramente. Uma mudança significativa dessa realidade vai ocorrer, no contexto nacional brasileiro, na década de 1930, como nos mostra M. Onice Payer (2001, p.235)2: O processo de Nacionalização dos imigrantes europeus no Brasil contou com a intervenção pontual do Estado, durante o chamado Estado Novo, na década de 1930, quando foi oficialmente interditada a prática de das línguas dos imigrantes. A interdição se deu através de legislações e de uma ampla campanha de nacionalização do ensino primário, que ao mesmo tempo implantou o português como língua nacional nas areas de colonização estrangeira e interditou a prática dessas línguas estrangeiras As escolas primárias dos imigrantes, que por mais de meio século funcionavam independente do poder público, a partir do Estado Novo (1937 a 1945) recebem atenção especial no sentido de proibi-las, ou seja, só poderia lecionar professor que fosse de nacionalidade brasileira, sendo implementado todo um aparato jurídico-policial . Como coloca Payer (2001,p.242), a partir das reflexões de De Decca(1992) e Lenharo(1986): Em 1921 é formulada a ‘lei dos indesejáveis’, regulando a proibição de imigração e a expulsão de estrangeiros; em 1930, a ‘legislação dos dois terços’ estabelecia que dois terços da população empregada na indústria deveria ser composta por ‘trabalhadores nacionais’. Os imigrantes –operários eram vistos pelo setor empresarial como ‘inimigos externos’, que introduziam nas fábricas a visão da contradição social e a oposição de classes. Deste modo, a relação externo X interno, e, junto com ela, estrangeiro X nacional vem funcionar, observa Lenharo, como uma armadilha para o apagamento daquilo que parecia inadmissível: a Nação comportava diversidade e oposição. Começa aí, a primeira tensão político-pedagógica na escola “Casemiro Stachurski”, pois todo fazer pedagógico traz em si uma concepção de ensino e de aprendizagem, que tem por base um discurso predominante de sujeito, de mundo, de sociedade, que contribui para a constituição de certos comportamentos e modos de vida em cada época, sociedade e país. A escola é um espaço privilegiado onde estas relações político-ideológicas acontecem. Como reflete Sílvia H.B. Cardoso(1999, p.52 )3: Muito embora a escola seja um importante aparelho ideológico do Estado e como tal produza sujeitos sociais, a escola é também um lugar de conflitos e de luta ideológica, em que as consciências políticas podem ser constituídas, mas também alteradas num processo realmente revolucionário (...) Faz-se necessário interrogar as relações de poder e de saber no espaço escolar: Ensinar o quê? Para quê? Para quem? Estas questões emergem no primeiro conflito político-pedagógico de repercussão pública enfrentado por este educandário, em relação ao professor Casemiro Stachurski. Em 1936 e 1937, este professor, de origem polonesa, é assim descrito por um Inspetor de Ensino Estadual, no livro Termo de Visitas desta escola: Felicitações ao mundo escolar de Linha Batista, por ter encontrado no professor Casemiro um elemento que serve plenamente a seus interesses e ao interesse da instrução pública. O inspetor teve boa impressão do professor, deixando votos de louvor, pelo serviço de nacionalização que está prestando a nossa grande Pátria, que também se tornou sua Com a ditadura do Estado Novo, promovida por Getúlio Vargas (1937 a 1945), que instituiu a política nacionalista, intervindo diretamente nas relações de saber e poder da instituição escolar, em junho de 1938, no mesmo livro, encontrei a seguinte afirmação de um Inspetor, em relação à resistência dos pais em aceitar Ada Rampinelli, nomeada para substituir Casemiro Stachurski, estes ameaçavam de retirar as crianças da escola ou não as mandariam mais, caso Casemiro não voltasse: _ A professora poderá sair para melhorar a situação, mas, Casemiro Stachursk não voltará para Linha Batista, não por que é mau professor, pelo contrário, mas para fazer sentir que somos brasileiros e que as autoridades e as leis do Paiz(sic) devem ser respeitadas. O professor de Linha Batista, público ou particular, pelo que venho observando, só podemo-lo admitir brasileiro nato (...) O aparato jurídico-policial, no período do Estado Novo (nacionalista), ao proibir a presença de estrangeiros e interditar as línguas, impondo a língua oficial, o português, estava agindo, não meramente na interdição de uma língua por outra, mas como discute M. Onice Payer (2001, p242 )4 “ela [interdição] não incide simplesmente sobre uma ‘língua estrangeira’, mas sobre sujeitos, sentidos e memória presentes de modo central no seio da sociedade(grifos meus). Buscava-se, como já colocou Lenharo(1986), o apagamento daquilo que parecia inadmissível: a Nação comportava diversidade e oposição5.O Sr. Tadeu Studzinski, ex-aluno do prof. Casemiro, assim coloca: (...) Depois foi indo o tempo do Getúlio(...) Vocês sabem que chegou um tempo, aqui, que não se podia falar em polonês(...) Não deixavam porque ela botava espia, a professora botava espia, a espia entregava, apanhava e pronto. O espia era um aluno, o aluno ficava cuidando quem falava, quem falava em polonês ia de castigo(...) O aparato jurídico-policial manifesta-se no meio dos alunos. O Sr. Tadeu não coloca, mas talvez esteja se referindo a uma das atividades realizadas pelos alunos que faziam parte da Associação Liga Pró-Língua Nacional, formada por alunos com a orientação de professor/a da classe, que tinha como objetivo atividades cívicas e o uso da língua portuguesa. A política instituída era a de “esquecer” a língua de seus descendentes para se constituírem como brasileiros. Dona Lukrécia Boacianoski, que se aposentou como servente da escola comenta que depois do Getúlio, liberaram de novo as línguas, podíamos falar, podíamos cantar. Hoje estão procurando, estão pedindo para cada um cultivar a sua cultura, mas agora já é tarde!. Da mesma opinião é o Sr Tadeu Studzinski, quando diz, E hoje eles estão querendo voltar, só que é tarde (...) Para o ensino da língua polonesa, já é tarde, como disse D.Lukrécia. O que ainda se encontra são alguns livros escritos em língua polonesa, que sobreviveram à queima e a fúria nacionalista, como são os livros do Sr. Maximiliano Casemiro Milak, morador de Linha Batista e descendente de poloneses, datados do início do século XX. No espaço escolar, o que aparece de forma mais visível são algumas danças, com respectivas vestimentas, que remotam épocas antigas do povo polonês da Polônia. Em 1982, há fotografia de alunos com o traje típico polonês, trajes que caracterizam o povo de classe popular. Já em foto de 1990, alunos com trajes típicos com muito mais adereços.Aparece também a professora Maria Zélia P. Rzatki como a grande incentivadora dessa expressão cultural artística no espaço escolar. Em relação à língua ou a sua interdição, busco trazer a questão da diversidade lingüística em relação à própria língua portuguesa, pois o falar diferente dessa mesma língua, ou seja, a língua de variação do grupo social a que cada uma pertence, ainda, é discriminada, não é vista como diversidade, como algo que venha a somar nas atividades de linguagem no espaço escolar, Payer(2001,p238) afirma que o eixo central da discursividade que assim se produziu (re-produziu) no Brasil dos anos 30 consistiu no enunciado-proposição do Brasil como um país lingüisticamente homogêneo6”, penso que este discurso fundador ainda predomina no ensino de língua portuguesa. Um dos lingüistas que busca combater este discurso, chamando-o de mito da unidade lingüística, ou seja, mito de que há apenas uma forma de expressar a língua portuguesa, é Marcos Bagno(2000, p142 e 145)7 (...) Aceitar a idéia de que não existe erro de português. Existem diferenças de uso ou alternativas de uso em relação á regra única proposta pela gramática normativa (...) (...) Ensinar bem é ensinar para o bem.Ensinar para o bem significa respeitar o conhecimento intuitivo do aluno, valorizar o que ele já sabe do mundo, da vida, reconhecer na língua que ele fala a sua própria identidade como ser humano.Ensinar para o bem é acrescentar e não suprimir é elevar e não rebaixar a auto-estima do indivíduo.(...) Em relação à escola “Casemiro Stachurski”, a resistência da comunidade à interdição à língua e à cultura polonesa conseguiu alguns resultados, pois em 1959, a escola, até então chamada de escola de Linha Batista, aparece nomeada como “Casemiro Stachurski”, nome daquele professor polonês que foi obrigado a deixar a escola. Atualmente, há também outros espaços comunitários, no bairro, que retomam alguns aspectos da cultura polonesa. Um outro aspecto, é que em outras comunidades de imigração, a constituição da Associação Liga Pró-Língua Nacional funcionavam plenamente e constituem lembranças de seus ex-alunos, ex-professores/as. Já em Linha Batista, esta associação aparece apenas nos registros escritos que encontrei, mas não na memória daqueles que entrevistamos. No entanto, as atividades de promoção do nacionalismo para além da ditadura Vargas, ações estimuladas por meio da liga pró-língua nacional aparecem no livro Relatório de 1969, em 19/04/1969: Hasteamento da bandeira às segundas-feiras e sábados a saudação a bandeira, onde deverá haver uma festinha sendo escolhido pela liga pró-língua nacional um professor para falar sobre a mesma. Neste período, o Brasil está passando pela ditadura dos militares de 1964. Na escola “Casemiro Stachurski” até a década de 1970, a forma de implementar as ações educativas se dava por meio de decretos que o Departamento Regional de Educação de Criciúma impunha aos educandários e o cumprimento destes era fiscalizado pelos Inspetores de Ensino, como mostra o relato de um deles em junho de 1960: fazer prova final de desenho de acordo com artigo 138 do decreto 3735 (...) d) procurar estudar o decreto 3732 e pôr em prática as suas recomendações e sugestões. Outros exemplos dizem respeito à organização escolar, ou melhor , as associações, regulamentadas por decretos, que as escolas deveriam ter, na escola ”Casemiro Stachurski”, estas não funcionavam conforme orientavam os Inspetores. Em 12 de abril de 1949, o inspetor de ensino Marcílio Dias de San Thiago assim afirma: A escola tem caixa escolar, pelotão da saúde, biblioteca, Liga Pró-Língua nacional, Círculo de Pais e Professores, mas esses órgãos funcionam irregularmente (...) Fazer com que as associações escolares funcionarem(sic) regularmente de acordo com o Departamento de Educação. Talvez venha, também dessa época um discurso que ressoa, ainda hoje, e de forma crítica, mudanças por meio de decretos. Entre as associações escolares, instituídas por meio de decretos, discutirei sobre a organização das Caixas Escolares, regularizadas pelo decreto de 24-06-1964/1.6698, que dispunha sobre esta nos Estabelecimentos Estaduais de Ensino Primário, a partir do parecer n.110/64 do Conselho Estadual de Educação. Conforme o decreto, as Caixas Escolares eram obrigatórias e tinham por objetivo : I-fornecer merenda e uniforme aos alunos necessitados; II-distribuir livros e material escolar entre os necessitados; III-conferir prêmios aos que se distinguirem nas classes; Cabe lembrar, que a organização de caixa escolar, já aparece na Constituição brasileira de 1937, que instituiu o ensino primário gratuito, e assim colocava: Art. 130 – O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados;assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar. Em 1964, no estado de Santa Catarina, esta forma de organização financeira escolar ressoa e é retomada pelo poder educacional público. Voltando ao decreto, nele era normatizado que os sócios da Caixa eram os professores do estabelecimento, pais ou responsáveis pelos alunos, qualquer pessoa que desejasse contribuir para a mesma, sendo que a receita era composta por contribuições dos associados, taxas, contribuições, subvenções e auxílios concedidos pelos poderes públicos e resultados de subscrições e diversões organizadas em seu benefício. A receita deveria ser aplicada, exclusivamente, nas despesas a que se referia o art.30 do decreto: I-expediente da Caixa, merenda, roupa e calçado; II-livros didáticos e material escolar; III-assistência médica, dentária e farmacêutica; IV- prêmios escolares; Em ofício da 6a Coordenadoria Local de Educação, datado de 28 de agosto de 1972, encontrei o seguinte comunicado para a direção de uma escola: Anexa estamos enviando tabela demonstrativa de contribuição da CAIXA ESCOLAR, a ser cobrada no ato da matrícula para 1973. Esclarecemos que tal contribuição será cobrada por família (...)promover reunião com Círculo de Pais e Mestres, a fim de que possam conscientizar as famílias de tal obrigatoriedade (...) A tabela em anexo a este ofício, conforme pude observar, apresentava os valores Financeiros de contribuição para o ano de 1973. Conforme a renda familiar, os valores modificavam, então, eram isentos de pagar quem tivesse uma renda familiar inferior a 1 (um) salário mínimo e a partir de um salário mínimo havia uma coluna com valores correspondentes à época. Um outro aspecto que o decreto normatizava, no artigo 15, inciso II era o de: apresentar, com visto do Inspetor Escolar, até 31 de dezembro de cada ano, ao Departamento de Educação, o relatório sucinto, mas completo, do que houver ocorrido na Caixa durante o ano, acompanhado do balanço da receita e despesas, inclusive os comprovantes. O decreto da Caixa Escolar mostra a aplicação de uma política de financiamento de educação pública em que a merenda, os livros e o material didático não eram entendidos, ainda, como direito à educação elementar das crianças. Os pais deveriam contribuir financeiramente, no ato da matrícula e durante o ano letivo. Uma outra forma de financiamento dessa escola aparece nos eventos promovidos durante o ano letivo. Uma dessas formas são as festas juninas ou da primavera em que aparece a escolha de rei e rainha. Coroa-se rei ou rainha aquela criança em que os pais vendem o maior número de bilhetes e soma a maior quantia financeira. Encontrei um destes eventos, no acervo da professora Maria Zélia P. Rzatki, em 1989, (vide a foto em anexo). A organização política por meio de reis, rainhas, súditos foi muito presente, no contexto mundial, na idade média e o Brasil também já vivenciou o governo monárquico. Penso que esta forma tem uma grande aceitação entre pais e professores por estar muito presente no imaginário por meio da literatura infantil, a questão problematizadora, para mim, é a ênfase ao econômico, a construção de sentidos e sujeitos a partir da ótica financeira que atividades como estas propiciavam e propiciam. Todas essas ações de financiamento da escola, ao longo da história educacional brasileira, são colocadas em xeque, cresce o movimento por parte de pais, professores/ras, intelectuais, políticos para uma outra forma de financiamento da escola pública. O sentido de escola pública e gratuita vai- se construindo. O debate sobre este direito ganha maior visibilidade na década de 1980, sendo que um percentual específico de verba do orçamento público, nas esferas federal (18%), estadual (25%) e municipal (25%), passa a fazer parte da Constituição brasileira de 1988. E ainda, regulamentando o uso desses percentuais, já na década de 1990, conforme Nicholas Davies (1999, p.3)9: Em setembro de 1996, o governo federal fez aprovar no Congresso a Emenda Constitucional 14, que, entre outras disposições, obriga Estados, Distrito Federal e municípios a aplicarem, até 2006, pelo menos 60% do percentual constitucional mínimo de 25% (ou seja, 15%) da receita dos impostos no ensino fundamental, e cria, no âmbito do Distrito Federal e de cada Estado, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, com vigência obrigatória a partir de 1o de janeiro de 1998. A criação do FUNDEF foi e continua sendo uma tentativa objetiva, por parte do poder público, de dar algumas respostas em relação a necessidade de financiamento da educação, a questão colocada é sobre mais financiamento para a educação Infantil e para o Ensino Médio, níveis que este fundo não contempla. O sentido de escola pública, gratuita, e acrescente-se, de qualidade, com respectivo financiamento, continua em pleno debate nos idos de 2004, na conjuntura educacional brasileira. Retomando o decreto estadual da Caixa Escolar, o discurso de educação que transparece a escrita a tinta, mostra um fazer pedagógico, legitimado legalmente pelas autoridades constituídas de educação, voltado para a premiação daqueles que obtivessem os melhores resultados, melhores notas, neste sentido, poderíamos citar os famosos “cartões ou medalhas de honra ao mérito”. Concepção esta ainda arraigada na cultura educacional brasileira. O processo de ensino e aprendizagem, como mostram os registros escritos, como relatam seus ex-alunos/as da escola “Casemiro Stachurski”, principalmente até os idos de 1970, apresenta fortemente a concepção tradicional, de cumprimento de modelos, de decretos, de programas de ensino instituídos pelo órgão regional/estadual de educação. As condições de produção a que estes professores/ras estavam inseridos não podem passar despercebidas. Percebe-se, no período pesquisado, a questão da pouca ou quase inexistente habilitação profissional dos/as professores/ras. A distância, a falta de transporte, a falta de cursos em nível de ensino médio e superior, os salários insuficientes dificultavam o acesso a uma formação profissional básica. A necessidade de formação continuada, em serviço, foi uma conquista que a categoria do magistério foi alcançando. Em registros da escola “Casemiro Stachurski” encontra-se, a partir de 1970 a realização de reuniões pedagógicas com professores/as de zonas rurais, na sede da Coordenação Regional de Educação. Em fotografia, datada de 1979, do arquivo da professora Adelícia M. Milak aparece os alunos/as, as professoras Adelícia, Maria Zélia P.Rzatki e D.Lukrécia Schoecheski (que por muitos anos foi servente dessa escola) e D. Maria (servente da época), comemorando o aniversário de Adelícia. Percebe-se, pela visibilidade da fotografia, um pouco sobre a organização escolar, com as carteiras duplas enfileiradas, canecas de plástico de várias cores, mostrando a presença do programa de merenda escolar. Os alunos de sandálias de dedo, sem algum tipo de uniforme padrão, características de alunos/as provenientes das classes populares, para os quais o acesso a educação, ainda nos tempos atuais, necessita de políticas públicas que garantam esta inclusão.Comemorar o aniversário da professora junto aos alunos/as e alunas é também mostrar um pouco dessa relação carinhosa e caseira entre professor/a e aluno/a, muito presente, principalmente, em escolas menores, do interior, em que o professor/a conhece a família das crianças e se destacava como uma liderança comunitária, devido a essa aproximação, o que lhe conferia muito status de autoridade perante a comunidade. A avaliação da aprendizagem se dava, principalmente, por meio de provas. Até a década de 1970, para avançar para o ano seguinte eram realizadas as bancas de exames , os/as alunos/as realizavam uma prova tendo um outro professor/ra como avaliador/a. Os/as alunos/as que não comparecessem, automaticamente já estavam reprovados. Analisando o registro de algumas provas que eram aplicadas, encontrei na avaliação final de matemática do 3o ano, em 1969, a seguinte questão: (04) Resolver com a prova dos noves: 846350 dividido (sic) por 24. No conhecimento matemático, uma das formas utilizadas para a verificação dos resultados das 04 operações básicas de matemática era a chamada “prova dos noves fora”. Esta forma praticamente desapareceu, foi substituída pela prova real, pois segundo especialistas, não é aconselhável por ser trabalhosa e estar sujeita a erros. O índice maior de reprovação aparece na 1a série do ensino primário. Nesta escola, no período analisado, também aparece fortemente a questão dos “castigos corporais” para a garantia de um “bom” comportamento para a aprendizagem dos alunos/as, aspecto este da vida escolar que aparece fortemente nas lembranças de muitos de nossos/as ex-alunos/as que foram entrevistados/as. No livro Termo de visitas dessa escola, o Inspetor de Ensino Alberto Schimidt, em junho de 1960, recomenda a professora Zuleide D. de Oliveira Dal Bó (2a série) :Dar semanalmente aos alunos nota de comportamento e aplicação e registrá-las. Já em junho de 1966, a Inspetora de Ensino Maria Lydia Carneiro Pinto Ribeiro faz a seguinte recomendação geral: Não deverão ser dados castigos corporais ou amedrontar crianças com castigos. Em relação ao professor João da Silva Machado (2a e 3a ), nesta mesma data, a mesma é enfática: Deverá haver renovação do ensino! Usa, o professor, métodos muito antiquados, bem como a ‘vara’, para amedrontar as crianças . Recomenda por fim que o professor siga as orientações de curso de Métodos de Ensino. Uma das questões que me chama atenção diz respeito aos discursos que se colocam sobre o comportamento dos alunos de hoje, aliás, o “mau” comportamento, para alguns. Pergunto-me, se as crianças eram “tão educadas”, como apregoam, ou que os “verdadeiros valores eram cultivados”, por que os/as professores/as tinham de se valer de uso de castigos corporais? Em relação à mudança de ensino ou métodos de ensino do sistema educacional, em livro de atas de reuniões pedagógicas, no dia 23 de agosto de 1969, a reunião pedagógica, coordenada pela então diretora, Sra Lídia Porto Serafim, aparece o seguinte discurso: O curso para o novo plano educacional deverá ser feito em janeiro ou fevereiro do corrente ano. Foram convocados para o curso: Zuleide Dal Bó, Albani de Souza Dal Bó, Valmira Martins.Foram abolidos os planos de aula e diários de classe. O que me chamou atenção neste recorte discursivo e causou-me estranhamento é o fato de aparecer um plano estadual de educação e o entendimento de que este aboliria os planos de aula e diários de classe. De fato, o processo de ensino e aprendizagem nos estabelecimentos de ensino de Santa Catarina, a partir de 1970, passa por alterações, em função Plano Estadual de Educação10. Em 31 de dezembro de 1969, o então governador da época, Dr. Ivo Silveira, aprova o Plano Estadual de Educação, que cumpria o disposto de lei estadual, para elaboração de um plano de educação para o decênio 1969 a 1980. Este plano foi construído por uma equipe técnica e posteriormente aprovado pelo Conselho Estadual de Educação. Foi uma medida de política pública de educação muito visível, que gerou conflitos, mas que colocou em evidência o sistema educacional catarinense. A discussão sobre este plano, seu processo de elaboração, de implementação e como os /as professores/ras o apropriaram, com certeza, precisam ser colocadas em discussão, pois o plano nem havia sido aprovado e já se comentava que haviam sido abolidos os planos de aula e os diários de classe. RETIRANDO-ME DO TEXTO... . Consegue-se perceber que o ensino da língua oficial, o português, foi uma política pública educacional de interdição não só da língua de origem, pois na interdição desta, em práticas curriculares de cunho nacionalista, interditou-se qualquer outra forma de subjetividade diferente da nacionalista. A face impositiva da política educacional nacionalista, do período Vargas, é fortemente evidenciada e encontra resistências neste espaço escolar. A instituição da liga Pró-Língua Nacional, diferente de outras comunidades de origem, não aparece como destaque de prática escola na memória de exalunos/as.Havia a instituição de um programa de ensino oficial, por meio de decretos, sua aplicação era acompanhada, fiscalizada por Inspetores de Ensino da esfera estadual, havia a banca de exames de final de ano, a reprovação era muito alta, as condições de trabalho e de formação dos/as professores/as da escola era muito precária, aparecendo constantemente a organização comunitária para a efetivação de um espaço físico que propiciasse condições de ensino e aprendizagem, o que mostra que as comunidades de do interior, diferente de muitas do centro urbano, fizeram e ainda fazem parte de uma política brasileira em que o interior é relegado de políticas públicas de crescimento, expansão e valorização. NOTAS *Mestre em Lingüística, doutoranda em Análise de Discurso pela UFRGS, professora da rede municipal de educação e da Universidade do Extremo Sul Catarinense-UNESC/ [email protected] **Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ Universidade do Extremo Sul Catarinense 1-.No município de Criciúma, desde 1986, ocorre eleição para escolha de diretores/as de escola, com número de 100 ou mais alunos, votando alunos das 3a e 4a séries, pais, mãe ou responsáveis, por período de 02 anos, com reeleição ininterrupta. 2- .PAYER, M.Onice. A interdição da língua dos imigrantes(italianos) no Brasil: Condições, Modos, Conseqüências. IN ORLANDI, Eni P. (org). História das Idéias Lingüísticas: Construção do Saber Metalingüístico e Constituição da Língua Nacional. Campinas,SP : Pontes: Cárceres,MT : Unemat Editora,2001. 3- CARDOSO,Sílvia Helena Barbi. Discurso e Ensino. Belo Horizonte:Autêntica, 1999 4-- Op.Ci t. 5-Apud PAYER 6.Op. Cit. 7- BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. O que é , Como se faz. São Paulo:Loyola, 1999. 8-Este decreto, em sua íntegra, faz parte de nosso arquivo de pesquisa. 9.DAVIES, Nicholas.O FUNDEF e o ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO: DESVENDANDO A CAIXA PRETA. Campinas,SP:Autores Associados, 1999 11- .A publicação do Plano Estadual de Educação foi publicado pela Editora Abril S.A Cultural, documento que faz parte de nosso arquivo de pesquisa. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, José Clóvis de. Escola cidadã: desafios, diálogos e travessias. Petrópolis,RJ:Vozes, 2000. BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. O que é, Como se faz. São Paulo:Loyola, 1999. BOSI,Ecléa. Memória e sociedade: lembranças dos velhos. 3 ed. São Paulo:Companhia das Letras, 1994. Contrapontos/ Universidade do Vale do Itajaí. Ano 2, n.4 (2002)- Itajaí:Univali, jan./abr.2002. CARDOSO, Silvia Helena Barbi. Discurso e Ensino. Belo Horizonte:Autêntica, 1999. DAVIES, Nicholas. O FUNDEF E O ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO: DESVENDANDO A CAIXA PRETA. Campinas,SP: Autores Associados, 1999. ORLANDI, Eni P.(org). Histórias das idéias lingüísticas:Construção do Saber Metalingüístico e Constituição da Língua Nacional. Campinas,SP: Pontes:Cárceres,MT:Unemat Editora, 2001.