Informação e análise para decisores • nº 37 • Julho-Setembro • 2012 Contagem progressiva As prioridades de hoje para o Brasil avançar na próxima década Agenda 2020 Grandes nomes do pensamento econômico discutem alternativas para o futuro do País Longo prazo em pauta Como a antecipação está presente nas estratégias das empresas Albert Fishlow O crescimento do Brasil depende de um novo ciclo de investimentos O gigante que não pode adormecer Esta edição de Mundo Corporativo é um brinde ao futuro, mas sem deixar de lado vitórias do passado recente. Graças à estabilidade econômica construída pelo País nas duas últimas décadas e às transformações pelas quais passaram o nosso mercado interno e toda a sociedade brasileira, hoje é possível às organizações, mesmo com as turbulências internacionais, olhar para frente e planejar. “A mensagem transmitida pelos formadores de opinião que entrevistamos é a de que o gigante Brasil não pode adormecer novamente. Precisamos despertar já para 2020.” Como grande nação emergente, temos hoje um universo de novas possibilidades a explorar na definição de nosso modelo de desenvolvimento. Contudo, precisamos ser breves e não podemos errar. A competição internacional se acirra a cada ano e mostra ao Brasil que é preciso ter pressa para enfrentar os desafios que hoje atravancam nossa competitividade em diversos campos. Nesse sentido, Mundo Corporativo está lançando nesta edição a série “Agenda 2020 – A nova etapa do desenvolvimento brasileiro”, com reportagens e artigos que vão abordar temas e prioridades fundamentais ao país que queremos construir para a próxima década. Para abrir a edição, temos a satisfação de apresentar depoimentos de grandes nomes do pensamento econômico nacional, incluindo nada menos do que três ex-ministros da República, acadêmicos de primeira linha e líderes empresariais, além de um artigo de Albert Fishlow, da Universidade de Columbia, um grande estudioso da economia brasileira. A presença dessas personalidades nesta edição da revista é motivo de orgulho para a Deloitte, que renova seu firme compromisso em contribuir para o aprimoramento contínuo de nosso ambiente de negócios. A mensagem transmitida pelos formadores de opinião que entrevistamos é a de que o gigante Brasil não pode adormecer novamente. Precisamos despertar já para 2020. Uma boa leitura! Mundo Corporativo está também disponível em tablet. Acompanhe em www.deloitte.com.br e aproveite para acessar a íntegra de todos os estudos mencionados nesta edição. Juarez Lopes de Araújo Presidente da Deloitte Nesta edição 4 4 14 26 36 Especial – Série Agenda 2020 Lições agendadas Oito grandes pensadores da economia nacional discutem alternativas ao Brasil de 2020 na primeira reportagem sobre a nova etapa do desenvolvimento brasileiro 14 Como elas constroem o futuro Empresas mostram a importância de conduzir, desde já, estratégias para chegarem fortes à próxima década 20 Marca retumbante A força da nova marca projetada pelo País no exterior apoia a internacionalização das marcas brasileiras, mas traz agora o desafio de ampliar esse legado nacional 26 Salto para um bem maior O economista Albert Fishlow mostra por que é hora de o Brasil mudar seu modelo de desenvolvimento 31 Tendências Sementes do capital Levantamento apresenta histórico de custos para abertura de capital no Brasil e sinaliza a importância de pensar o processo de forma planejada e antecipada 36 Ciclo ainda mais completo Legislação de resíduos sólidos coloca a prática da logística reversa no centro das atenções de toda a cadeia de consumo 42 O mundo e a corporação Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 3 Lições agendadas A tarefa de conduzir bem à próxima década um país que mudou tanto nos últimos anos exige, das esferas pública e privada, conhecimento profundo para tratar das questões-chave no horizonte de nosso desenvolvimento. Mundo Corporativo entrevistou oito grandes nomes que encabeçam o pensamento econômico e de negócios nacional para dar início a uma série de reportagens sobre temas que precisam ser antecipados rumo ao Brasil de 2020. Por Luciano Feltrin 4 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Um norte para a próxima década Confira, nas páginas a seguir, as visões apresentadas por alguns dos expoentes do pensamento econômico e de negócios do Brasil acerca de grandes temas que marcarão o País nos próximos anos: da competitividade à educação, da produtividade às reformas estruturais. Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e professor do Insper Armando Castelar Pinheiro, coordenador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e ex-chefe do Departamento Econômico do BNDES Cláudio Furtado, diretor do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gustavo Franco, sócio da gestora Rio Bravo e expresidente do Banco Central (1997 a 1999) Luiz Carlos Mendonça de Barros, diretor-estrategista Miguel Jorge, ex-ministro do Desenvolvimento, da Quest Investimentos e ex-presidente do BNDES Indústria e Comércio Exterior (2007 a 2010) (1995 a 1998) e ministro das Comunicações (1998) Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de do Estado de São Paulo (Fiesp) Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura (2003 a 2006) Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 5 O número pode ser emblemático: 2020 é uma coincidência numérica única a cada milênio e o final da atual década. Mas, até lá, praticamente oito anos estão por vir e, pelo visto, regados ao embalo das ondas sísmicas que passaram a varrer a economia global – e repercutir por aqui – com intervalos cada vez mais breves. Porém, nada vale o exercício de olhar para frente sem aprender com o passado e o presente. Ainda mais em um país que mudou profundamente ao Agenda 2020 A nova etapa do desenvolvimento brasileiro Das edições 29 a 34, Mundo Corporativo apresentou a série “Brasil 2015 – As descobertas do crescimento” (confira em www.deloitte.com.br), com dilemas que seriam cada vez mais presentes no dia a dia do ambiente de negócios de um país se consolidando como grande economia emergente. A partir desta edição, a revista apresenta uma série de reportagens sob o tema “Agenda 2020 – A nova etapa do desenvolvimento brasileiro”, a fim de discutir desafios e oportunidades para tornar o País mais competitivo na próxima década. entrar no século 21 (leia mais a respeito no artigo de Albert Fishlow, na pág. 26). Na agenda de médio e longo prazos do País, alguns acontecimentos à vista já vêm atraindo as atenções há algum tempo. Em 2014 e em 2016, respectivamente, a Copa do Mundo e a Olimpíada evidenciarão mundo afora a imagem do Brasil – e também muito de como seremos ou não bem-sucedidos em esforços conduzidos em diversas áreas. Duas eleições gerais (2014 e 2018) marcarão momentos de redefinições políticas e determinarão possíveis novos cenários ao ambiente de negócios. O potencial de exploração e benefícios do pré-sal será melhor medido no período. E a própria sustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento do País será testada. Com temas tão grandiosos no horizonte até 2020, a atual década impõe a necessidade de avaliar e conduzir iniciativas para uma nação que se transformou, mas que ainda tem muito a se reestruturar se quiser confirmar sua nova posição de moderna e protagonista, deixando para trás a figura de emergente no cenário global. Um painel de desafios Para garimpar as tendências e os desafios que devem ser o foco de atenção do Brasil, Mundo Corporativo entrevistou um seleto grupo de especialistas, que encabeçam o pensamento econômico e de negócios nacional. A visão que cada um deles forneceu foi agrupada em grandes temas: competitividade, educação, produtividade e reformas estruturais. Para fechar o painel, um breve contraponto entre a realidade e o potencial do agronegócio e da indústria no País. Todos os tópicos debatidos são prioritários na agenda de um país que, ao dar o encaminhamento correto à grande parte dos desafios já desenhados na rota para 2020, se manterá de forma merecedora no grupo das maiores economias do planeta. 6 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Competitividade Agenda 2020 – Mudar padrões de comportamento • Priorizar a reforma tributária • Diminuir barreiras ao comércio internacional • Desenvolver a infraestrutura • Favorecer a inovação • Reduzir custos de produção Mendonça de Barros: Este é o grande desafio dos próximos anos. Em minha opinião, a competitividade tem uma dimensão tão complexa como a representada pela estabilização da moeda na década que antecedeu o Plano Real. E, em uma democracia nova como a nossa, desafios dessa natureza só conseguem ser enfrentados quando a sociedade se convence de sua importância para o futuro e se mostra disposta, através de sua representação política, a assumir sacrifícios e mudar padrões de comportamento cristalizados há muito tempo. Infelizmente, estamos ainda longe desse estágio e corremos o risco de uma saída populista – via protecionismo – para os problemas da indústria brasileira. Por essa razão, como analista econômico que participa hoje do debate público sobre nossa economia, tenho sempre chamado a atenção para a necessidade de enfrentarmos de maneira corajosa a questão da competitividade sistêmica no País. Alexandre Schwartsman: Uma das coisas que precisam ser feitas urgentemente é a reforma tributária. Não só porque a carga tributária é alta, mas também porque ela é monstruosamente complicada. As empresas precisam dedicar muita gente à tarefa de pagar tributos, o que reduz a competitividade do País até mesmo na comparação com a América Latina. Uma reforma tributária fatiada pode resolver se unificar a cobrança do ICMS, o que tiraria das costas das empresas o peso de lidar com a complexidade desse imposto. Além da reforma tributária, é preciso reduzir a demanda interna, o que ajudaria a diminuir a pressão da inflação dos serviços. Também é preciso adotar uma política fiscal rigorosa, reduzindo os custos do governo. Gustavo Franco: O desafio da competitividade é amplo. Significa optar por constituir um ambiente de negócios próprio de um país capitalista que nós ainda não somos. Nossa economia já é muito internacionalizada, ou seja, as empresas com participação estrangeira já respondem provavelmente por mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB). Não será difícil alavancar o comércio exterior caso as barreiras e dificuldades sejam removidas. Castelar Pinheiro: Além de avançar em educação, precisamos melhorar em infraestrutura e, principalmente, criar um ambiente propício à inovação. Os custos do fracasso são muito altos no Brasil. Há empresários brasileiros que têm boas ideias e preferem levá-las para a Califórnia e lá transformá-las em start-ups promissoras. É claro que a carga tributária no Brasil é muito alta no geral, mas, para um pequeno empresário, alguém disposto a inovar, o risco de ficar endividado, com débitos trabalhistas e tributários gerados por um negócio que não deu certo, é muito maior. Paulo Skaf: Vivemos um momento de grande perda da competitividade brasileira, em função do cenário econômico adverso vigente. Assim, se a indústria mais competitiva do mundo vier a operar no Brasil, nas mesmas condições em que operam as brasileiras, certamente perderá sua competitividade. A indústria brasileira tem 200 anos de existência e, da porta para dentro, é robusta, moderna, criativa e capaz de enfrentar qualquer desafio. Por isso, lutamos pela redução dos custos de produção no Brasil. Se reduzirmos esses custos e unirmos o dinamismo do nosso mercado interno com a competência da nossa indústria, voltaremos a crescer. O Brasil pode superar os desafios da competitividade, desde que reformas sejam feitas para resgatar a competitividade brasileira, como a redução dos custos de produção “A competitividade tem (hoje) uma dimensão tão complexa como a representada pela estabilização da moeda na década que antecedeu o Plano Real.” Luiz Carlos Mendonça de Barros Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 7 “Há a necessidade urgente de ampliar programas de concessão em energia, transporte, estradas, ferrovias, saneamento, portos e aeroportos.” Cláudio Furtado e de capital, do preço da energia e do gás e a melhoria da infraestrutura. É preciso também alterar, de forma decisiva, as atuais condições macroeconômicas do nosso país. Hoje é mais barato produzir nos Estados Unidos, em boa parte da Europa e em todos os países emergentes. Cláudio Furtado: Há o grande desafio de aumentar a eficiência do planejamento, da gestão e dos processos decisórios no setor público – e isso passa pelo Legislativo e pelo Judiciário, pois só se costuma pensar no Executivo. Reduzir a carga tributária indireta de empresas e investimentos é essencial. Do ponto de vista dos investimentos públicos, há excessiva centralização da gestão de projetos no nível federal, mais lenta que Educação Agenda 2020 – Formar mão de obra • Incentivar a vinda de imigrantes • Fortalecer todas as fases do ensino • Ampliar a inclusão do mercado pela educação • Preparar pessoas para empregos de qualidade • Melhorar as condições de atratividade de talentos em setores da indústria • Incentivar os mais qualificados Castelar Pinheiro: É uma questão crucial que o País terá de enfrentar de forma cada vez mais intensa de agora em diante. O Brasil vem experimentando o fim de um ciclo de bônus demográfico. Em 2050, a oferta de pessoas para trabalhar será praticamente a mesma de hoje. Levando em consideração que 8 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 o País está próximo de atingir o pleno emprego, teremos de criar políticas públicas que estimulem a vinda maciça de imigrantes, principalmente para suprir a necessidade de mão de obra mais qualificada. Há também um processo acelerado de retorno de brasileiros ao País que ajudará a suprir parte da demanda Estados e municípios de grande porte. Há a necessidade urgente de ampliar programas de concessão em energia, transporte, estradas, ferrovias, saneamento, portos e aeroportos. Miguel Jorge: O primeiro passo que o governo tem de dar (pela competitividade e inovação) é facilitar o processo de formalização de empresas. Trazer os microempresários para a formalidade é fundamental. Seria um importante sinal para os pequenos empreendedores. Outra maneira de fazer isso é encorajando a pesquisa básica. No mundo inteiro, o governo incentiva que a indústria contrate e tenha forte parceria com universidades para desenvolver pesquisas. No Brasil, embora esse processo exista de forma localizada, ele ainda é muito tímido. que as empresas têm por contratação de pessoal. Outra política pública que precisa ser adotada rapidamente é uma alteração nos critérios de concessão de segurodesemprego. Com o mercado aquecido, o funcionário prefere sair da empresa e ficar um período no mercado informal, pois sabe que conseguirá se recolocar com facilidade. Essa rotatividade desestimula as empresas a investir em treinamento, um dos pilares de qualificação de mão de obra. Alexandre Schwartsman: Nós precisamos seguir o exemplo de países como a Coreia do Sul. Somente um esforço gigantesco é capaz de resolver a questão educacional. Os coreanos conseguiram dar um salto de desenvolvimento industrial porque ampliaram muito o percentual de sua população que chega à universidade. Recentemente, um economista brasileiro comentou que a única empresa de ponta que o Brasil conseguiu formar é a Embraer. Por que será? A Embraer está ao lado do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), o que explica, em boa parte, o fato da empresa ter conseguido se tornar o que é. Gustavo Franco: Há enorme interesse e, sobretudo, enorme demanda por educação, uma vez que os jovens percebem a importância dela como determinante do salário. Por isso, estão dispostos a pagar para estudar. As máquinas públicas são difíceis e ineficientes e não se trata da falta de investimento. Seria ótimo que pudéssemos mudar os paradigmas e aumentar a inclusão no mercado via educação. Paulo Skaf: É importante estarmos preparados para o futuro quando o tema é educação, pois teremos 150 milhões de pessoas em idade produtiva no Brasil até 2030. Isso é o que chamamos de bônus demográfico: será o momento de criarmos os empregos de qualidade para as pessoas até que a janela se feche e a população brasileira comece a decrescer. Para isso, precisamos ter uma população preparada e educada. Miguel Jorge: Educação é, de longe, o maior dos problemas. Primeiro, essa questão precisa ser levada mais a sério. Há um problema estrutural por trás da falta de mão de obra que precisa ser corrigido. Como há escassez de pessoal qualificado, aumenta a disputa de setores pelos profissionais. Isso faz com que o País tenha menos engenheiros no mercado de trabalho do que deveria. O cenário fica ainda mais grave porque muitos dos que são formados acabam indo trabalhar em bancos, por exemplo. Aí falta engenheiro para trabalhar na indústria naval e na indústria ferroviária, só para citar dois casos. Para reduzir essa distorção e atrair mão de obra qualificada, é preciso fortalecer determinadas áreas da indústria. Cláudio Furtado: Precisamos criar a “cultura de sucesso”, mudando incentivos para educação técnica ao nível do ensino médio e universidade para os mais qualificados – não “para todos” ao custo de subsídios, mas acessível a todos os altamente qualificados. E isso não se dá quando a política é só aumentar a oferta de vagas. São gerados problemas sérios de gestão acadêmica e qualidade docente, com baixo aproveitamento dos recursos disponíveis. “Com o mercado aquecido, o funcionário prefere sair da empresa e ficar um período no mercado informal, pois sabe que conseguirá se recolocar com facilidade. Essa rotatividade desestimula as empresas a investir em treinamento, um dos pilares de qualificação de mão de obra.” Armando Castelar Pinheiro Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 9 Produtividade Agenda 2020 – Implementar um novo “choque de capitalismo” • Alterar a estrutura de custos internos de produção • Realizar a reforma tributária • Revolucionar a estratégia e a gestão educacional no Brasil Gustavo Franco: O ritmo atual do crescimento da produtividade é muito lento, quase inaceitável, e não vejo grandes mudanças no horizonte. Nós somos um país de grande potencial, mas de crescimento de médio para baixo, o mesmo valendo para a produtividade. Para sair dessa segunda divisão e ir para a primeira, no tocante a crescimento e competitividade, teríamos de fazer a opção, que vejo como inevitável, de aprofundar o capitalismo no Brasil. O “choque de capitalismo” empreendido com o Plano Real já se esgotou. Ele nos tirou da hiperinflação e da estagnação e nos colocou onde estamos. Para subir outro degrau, é preciso um outro choque. Cláudio Furtado: O aumento da produtividade só será possível com uma revolução implementada na educação de base, a começar por sua qualidade, quando se desenvolvem as habilidades cognitivas do capital humano nacional. A revolução da produtividade não é possível sem a revolução na estratégia e na gestão educacional do País. Não basta gastar mais de 5% do PIB em educação. É fundamental priorizar recursos para os ensinos fundamental e médio, mas, sobretudo, revolucionar a gestão do aprendizado e do gasto. Da mesma forma, o modelo de crescimento que privilegia consumo interno com prejuízo do investimento em capital físico e humano, redistribuição de renda por meio de programas sociais, habitação popular e elevação real do salário mínimo em uma economia reduz a desigualdade, mas não convalida uma taxa de crescimento elevada e sustentável. O Brasil não pode manter sua orientação para o mercado doméstico com nível de 12% do PIB em exportações (13% de importações), o que indica baixo índice de produtividade global e consequente falta de competitividade em setores não ligados à produção de commodities, como serviços e indústria. “O ‘choque de capitalismo’ empreendido com o Plano Real já se esgotou. Ele nos tirou da hiperinflação e da estagnação e nos colocou onde estamos. Para subir outro degrau, é preciso um outro choque.” Gustavo Franco 10 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Mendonça de Barros: A estrutura de custos a que está submetida nossa indústria foi montada ao longo de vários anos, em que a fragilidade externa da economia brasileira determinava uma taxa de câmbio desvalorizada e com uma volatilidade extremamente elevada. As instabilidades associadas a essa época não permitiam que as importações competissem de forma sistêmica com a produção interna, além de favorecer as exportações brasileiras. Com o fortalecimento da taxa de câmbio e a redução expressiva de sua volatilidade, rapidamente foi montada uma rede capilar de distribuição dos produtos importados, e as empresas comerciais e industriais brasileiras perderam o medo de trabalhar, também de forma sistêmica, com produtos e componentes importados. Desde então, os custos internos de produção mais elevados começaram a reduzir rapidamente a competitividade de nossa indústria e o valor agregado de produção em cadeias produtivas importantes. Reformas estruturais Agenda 2020 – Redefinir o modelo econômico • Reduzir custos tributários e de produção • Avançar na privatização de serviços públicos • Melhorar o gasto público • Enfrentar a burocracia • Tornar o Judiciário mais eficiente • Diminuir o déficit previdenciário Gustavo Franco: Entendo que estamos diante de uma crise de personalidade. Ultrapassamos a urgência da hiperinflação e esgotamos as possibilidades das reformas feitas naquela ocasião. Restam ainda uns anos adicionais de bônus demográfico. Mas não redefinimos o nosso modelo econômico. Continuamos um país capitalista pela metade, em que os mercados e a meritocracia possuem papel limitado. Não é surpresa que o crescimento seja também limitado. Mendonça de Barros: Um item que parece estar sendo incorporado à agenda do governo é a opção pelo aprofundamento das privatizações de serviços públicos na área da infraestrutura econômica, como a de transportes. Também na área fiscal, estão sendo emitidos sinais. Não é ainda uma guinada nos princípios básicos da política econômica oficial, mas mostra que o governo está atento e aberto ao debate econômico, que é muito sólido e de altíssima qualidade no Brasil. Miguel Jorge: Uma reforma tributária é possível a longo prazo, desde que não se tente fazer uma reforma ampla e irrestrita. Uma boa reformulação nos principais tributos, como IPI e ICMS, já seria importante para reduzir distorções e ajudaria a gerar empregos e estimular o consumo da população mais pobre. Cláudio Furtado: Todas aquelas reformas que objetivem o aumento da produtividade e da gestão do gasto do setor público; que desonerem a produção industrial e o investimento; que façam desaparecer a longo prazo o déficit do setor previdenciário estatal e fomentem a previdência privada; que elevem a produtividade dos gastos em educação e saúde e que tornem o Judiciário mais eficiente serão bem-vindas. Uma reforma tributária é possível a longo prazo, desde que não se tente fazer uma reforma ampla e irrestrita.” Miguel Jorge Paulo Skaf: Estamos lutando para chegar a 2020 com todas as soluções para os gargalos do Brasil endereçadas e o custo-Brasil praticamente eliminado. Para isso, precisamos fazer as reformas e alterar radicalmente as condições macroeconômicas que colaboram para a perda de competitividade brasileira. A nossa competitividade vai depender das medidas que o governo tomar daqui em diante. É preciso cuidar da valorização da taxa de câmbio, acelerar a queda dos juros, eliminar a burocracia, reduzir a carga tributária e o preço da energia elétrica e do gás e não incentivar importações desnecessárias. A sociedade e o setor produtivo brasileiro vêm fazendo a sua parte e contribuindo para a melhoria da competitividade do nosso país. Mas é preciso mais ousadia e agilidade para que retomemos a competitividade brasileira de forma ampla e abrangente. “É preciso mais ousadia e agilidade para que retomemos a competitividade brasileira de forma ampla e abrangente.” Paulo Skaf Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 11 Agronegócio versus indústria Um bom futuro no campo Para o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o agronegócio nacional chegará ainda mais forte em 2020 e, quem sabe, até líder na produção de alimentos no planeta. Quais são as perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2020? As perspectivas são ótimas. O Brasil continuará sendo um dos grandes produtores de matérias-primas. É provável que, até lá, sejamos os maiores produtores de alimentos do planeta. Venderemos tanto quanto os Estados Unidos e nos consolidaremos como grandes fornecedores de commodities. A diferença é que os norte-americanos têm, além de um agronegócio forte, uma agroindústria robusta e bem estabelecida. Precisamos fazer o mesmo. Ter uma agroindústria forte significa gerar empregos e criar empresas em diversas áreas, como máquinas e equipamentos, insumos, alimentos, logística e até investimentos no setor financeiro – no Brasil, apenas 2,8% da área plantada têm seguro rural. Nos Estados Unidos, 45% da área têm cobertura. Quais caminhos o País deve tomar para fomentar esse desenvolvimento? Há duas frentes que precisam ser trabalhadas de forma coordenada. Uma delas envolve o governo, que precisa tomar uma decisão firme e clara e negociar tratados bilaterais com todos os principais mercados mundiais – Rússia, China, Índia, Japão, Estados Unidos e Europa, por exemplo. Se for de nosso interesse, podemos até fazer com que esses acordos sejam estendidos para o restante do Mercosul depois. Mas o Brasil tem escala e produtividade para negociar de forma bilateral, sem ficar condicionando seus interesses aos dos países do Mercosul. A outra frente de atuação é privada. Se o governo der sinais claros de que vai apoiar o agronegócio, passará naturalmente a estimular e orientar os empresários em seus investimentos. Negociações bilaterais bem amarradas também podem servir de modelo para que sejam fechados acordos privados entre empresas, redes e centros de distribuição de diversos países. Quais serão os principais obstáculos a serem ultrapassados pelo setor até 2020? Um dos mais relevantes é a flexibilização da legislação trabalhista. As regras precisam ampliar a liberdade, deixando as decisões e escolhas para acordos entre funcionários e empregadores. O gargalo de infraestrutura é outro ponto que precisa ser resolvido com urgência. Creio que, com a presidente Dilma tomando as rédeas do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), esse processo pode ser acelerado e ganhar uma dinâmica mais adequada. O Brasil também precisa reduzir os impostos embutidos nos alimentos, atualmente na média de 17%. Na Europa, esse valor fica em 5,2% e, nos Estados Unidos, é de 0,7%. Os mais pobres são os mais punidos com essa carga tributária elevadíssima. O marco regulatório do agronegócio precisa ser aprimorado? Precisa e muito. Ter um Código Florestal como o que foi recentemente aprovado é insuficiente. Precisamos de algo mais abrangente. O Brasil tem de mostrar a todo o mundo que seu agronegócio já é sustentável e conseguir aumentar a produtividade sem sacrificar o meio ambiente. Estou trabalhando a ideia de adotarmos um código agroambiental, referendado pela iniciativa privada, para atingirmos esse objetivo. “Ter uma agroindústria forte significa gerar empregos e criar empresas em diversas áreas.” Roberto Rodrigues 12 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Menor espaço na composição das riquezas Perdendo cada vez mais espaço na composição do Produto Interno Bruto (PIB) para os serviços, a indústria apresenta questões a serem tratadas de forma estruturada ainda no curto prazo, conforme indicaram medidas do segundo pacote do Plano Brasil Maior (PBM), anunciadas no primeiro semestre. Alguns dos especialistas ouvidos por Mundo Corporativo apontam caminhos que sinalizam um tom natural na perda de participação da indústria nas riquezas totais geradas pelo Brasil. O que não significa, necessariamente, diminuição da sua importância. Gustavo Franco: A participação da indústria no PIB vem caindo desde os anos 70, de forma semelhante ao que se passa no mundo inteiro, com exceção da China. Além dessa tendência global, a proteção excessiva fez o Brasil ter indústria demais, fenômeno semelhante ao ocorrido na União Soviética. Quando abriu a economia, muitas plantas viraram sucata. Acho que a indústria sofre, talvez mais do que outros setores, pela nossa indecisão em torno de ser ou não ser uma economia de mercado. Também deveríamos estar preocupados em modernizar o setor de serviços, por exemplo, através de uma bela reforma na CLT. Mendonça de Barros: A estabilidade e confiança na taxa de câmbio e o crescimento do coeficiente de importação que se seguiu escancararam um aspecto negativo do nosso sistema produtivo e que tinha ficado mascarado pelas incertezas do passado: o Brasil tem uma estrutura de custos interna em total desalinho com a de nossos parceiros comerciais. Chamado de “Custo Brasil”, este ambiente revelouse incompatível com a concorrência internacional. Este é o componente da chamada desindustrialização do Brasil que mais me preocupa, principalmente porque não é ainda totalmente aceito “Ter uma economia em crescimento e pleno emprego, ainda que com a indústria diminuindo de tamanho, é parte do fenômeno paradoxal brasileiro. Temos de conviver com esse processo e compreender seus desdobramentos.” Alexandre Schwartsman tanto pela indústria brasileira como pelo governo. não pode cometer é apostar na zona de conforto do mercado interno. Miguel Jorge: Este me parece um processo natural e inevitável de países em desenvolvimento. Se pegarmos as dez maiores economias do mundo, veremos que a participação do setor de serviços cresceu e é muito maior que no Brasil. Essa transferência é normal. Quanto mais desenvolvida é uma nação, mais demanda sua economia terá por serviços. Essa mudança no perfil econômico não significa que não temos de discutir a indústria. É preciso reconhecer que o setor cometeu erros estratégicos que podem nos trazer lições. De 1991 a 1995, mais de 1.500 setores da indústria foram protegidos pelo governo. Esse protecionismo gerou ineficiências. Outro erro que a indústria Alexandre Schwartsman: O Brasil vive um paradoxo. A indústria, que não cresce, tem perdido espaço no PIB, que tem sido ocupado pelo setor de serviços, responsável, em grande parte, pelo Brasil estar hoje em um cenário de pleno emprego. Isso não significa que estejamos vivendo um processo de desindustrialização. Nossa indústria é diversificada e bem organizada, embora tenha pedaços pouco competitivos, que vêm perdendo terreno para os produtos importados. Ter uma economia em crescimento e pleno emprego, ainda que com a indústria diminuindo de tamanho, é parte do fenômeno paradoxal brasileiro. Temos de conviver com esse processo e compreender seus desdobramentos. Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 13 Como elas cons O desafio de viver hoje a próxima década já é realidade para muitas empresas. Elas mostram que antecipar quais serão os investimentos, recursos internos e pessoas necessários para chegarem fortes à virada de 2020 é tão importante quanto cumprir suas metas financeiras de curto prazo. Por Luciano Feltrin T odas as manhãs, uma equipe de cinco pessoas se reúne na sede da Novelis, em um dos edifícios comerciais mais disputados da Marginal Pinheiros, em São Paulo, para começar uma rotina bem diferente da reservada aos demais funcionários da organização no Brasil. Ao contrário dos outros 1.700 colaboradores locais da empresa, principal fabricante de laminados de alumínio na Europa e na América do Sul, esse pequeno grupo – criado há um ano no País – não precisa se preocupar com metas, vendas e faturamento na semana, no mês ou mesmo no ano. Isso porque os membros desse time compõem a diretoria de Estratégia e Desenvolvimento de Negócios. E têm como missão estabelecer quais serão e de que forma poderão ser materializados os principais planos da multinacional em terreno brasileiro mirando o começo da próxima década. Das discussões levadas à frente pela diretoria, que se reporta diretamente ao presidente da Novelis na América do Sul, surgem algumas das metas mais ambiciosas que a empresa perseguirá no período. Uma delas é que 100% do alumínio usado para fabricar as latas que a empresa produz no Brasil seja de fontes recicladas. 14 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 troem o futuro Em sua operação global, que inclui fábricas em 11 países, a Novelis já recicla cerca de 40 bilhões de latas por ano. O alumínio reciclado é usado na produção de novas folhas para latas. O desenvolvimento desse tipo de processo é feito de forma coordenada entre a diretoria de Estratégia, que projeta as metas, e a área de Pesquisa e Desenvolvimento, encarregada de buscar maneiras de colocá-las em prática. Para Flávio Carvalho Piwowarczyk, que comanda a área de Estratégia e Desenvolvimento de Negócios da Novelis, o sucesso desse trabalho mostra a importância de colocar o longo prazo no topo da agenda das grandes corporações. “Em uma empresa de grande porte como a nossa, é fundamental ter um time que está afastado da obrigação de entregar resultados imediatos e que não precise se distrair com as demandas do dia a dia para colocar o foco no longo prazo.” Brasil e América do Sul como focos de atuação. As novidades ficarão por conta das apostas em energias renováveis e biotecnologia. Virar a chave do curto para o longo prazo é um processo mais simples para empresas que, pela própria natureza de seus negócios, precisam trabalhar com horizontes mais elásticos. É o caso daquelas que atuam no setor de concessões de serviços públicos, como a Equipav. “Cada uma de nossas unidades de negócios foca um planejamento dos próximos cinco anos, mas, como temos concessões que duram entre 25 e 30 anos, estamos sempre atentos ao que acontece nos aspectos macroeconômicos para fazer correções de rota”, afirma Hamilton Amadeo, presidente do Grupo Equipav. Desenvolver a capacidade de olhar os negócios com microscópio também pode ter efeitos positivos no que se refere a dar conta das necessidades Flávio Carvalho Piwowarczyk, da Novelis: importância de contar com equipe dedicada a pensar a empresa na próxima década Como lembra Ricardo Balkins, líder da área de Consultoria da Deloitte, “o longo prazo começa hoje”. Por isso, ele enfatiza que toda estratégia corporativa precisa pensar a competitividade da organização daqui a muitos anos. “Hoje as empresas podem se valer de modernas metodologias de planejamento estratégico para criar, capturar e preservar valor ao longo do tempo.” Prevenir gargalos Pensar uma década à frente, de qualquer forma, é uma possibilidade bastante recente para os decisores brasileiros. A desagradável combinação entre hiperinflação e insegurança monetária, presente até o início dos anos 90, fez valer, por muito tempo, a máxima de que, por aqui, até mesmo o passado era imprevisível. Felizmente, a frase é hoje apenas lembrança de um tempo cada vez mais distante. Uma das primeiras empresas a perceber isso foi a Suzano. Em 2010, a companhia divulgou os planos que estruturou até 2024, quando completará 100 anos de vida. O grupo continuará forte em papel, ampliará sua capacidade em celulose e manterá Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 15 “Hoje as empresas podem se valer de modernas metodologias de planejamento estratégico para criar, capturar e preservar valor ao longo do tempo.” Ricardo Balkins, sócio-líder da área de Consultoria da Deloitte de curto e médio prazos, acredita Amadeo. Um exemplo disso é a maneira que a empresa adotou para formar a mão de obra que não consegue contratar no mercado sempre que obtém uma nova concessão. “Como o maior gargalo de nosso negócio é mão de obra, preciso começar a treinar funcionários o quanto antes. Planejar o longo prazo faz com que eu consiga formar pessoal da própria localidade da concessão enquanto cuido da burocracia necessária para começar a operar o novo contrato”, explica o executivo. Hamilton Amadeo, do Grupo Equipav: agir com antecipação apoia a tomada de decisão para contornar gargalos como o da mão de obra 16 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 O custo da formação de um futuro diretor da Equipav gira em torno de R$ 150 mil. São necessários cerca de dois anos e meio para que o funcionário esteja pronto para assumir uma função desse tipo. Um líder de equipe é treinado em, no máximo, seis meses. Repertório variado Em empresas consolidadas em seu ramo de atuação, pensar no longo prazo é quase sempre uma necessidade que surge em períodos de inflexão e busca pela perenidade do negócio. Foi o que aconteceu com a Eternit em 2007, quando a companhia decidiu que queria ser bem mais do que a tradicional fabricante de telhas e caixas d’água que todos conheciam. Naquele ano, a empresa deu início a um plano com o qual pretendia dobrar suas receitas (na casa dos R$ 500 milhões à época) em quatro anos – tendo como foco a diversificação dos negócios. O primeiro passo para tirar o projeto do papel foi criar uma diretoria de Desenvolvimento, Novos Negócios e Planejamento Estratégico. Deu certo. Desde então, a área tem conseguido levar os planos à frente com sucesso. Tanto assim que a meta de chegar ao primeiro bilhão de reais em receitas foi atingida com um ano de antecedência. Hoje a Eternit já é uma das cinco principais empresas do segmento de louças sanitárias, uma de suas maiores apostas, e agora se prepara para entrar em outros novos negócios. “O objetivo é ser uma empresa completa, capaz de atender a todas as fases da construção. Queremos estar presentes do piso ao teto”, diz Rodrigo Luz, gerente de Relações com Investidores da Eternit, ao repetir a frase que se tornou um mantra ecoado por todos os altos executivos da companhia. Quem também tem conseguido ampliar o leque de atuação e aproveitar boas oportunidades de negócios graças aos planos de longo prazo é o Grupo Selmi, detentor de marcas de macarrão e biscoitos como Renata e Galo. Um dos principais projetos da companhia é o de pelo menos triplicar as receitas com exportações nos próximos cinco anos. Atualmente, 5% do faturamento é obtido com vendas para mais de 20 países. Para estudar formas de como chegar ao objetivo traçado, a empresa contratou um executivo para cuidar exclusivamente da área. Também faz parte do planejamento de longo prazo ampliar a fatia de participação que a empresa tem no mercado paulista, o principal do País, dos atuais 27% para 34%. Os planos de longo prazo fizeram, ainda, com que o Selmi desse uma das tacadas mais certeiras no ramo de alimentos brasileiro dos Rodrigo Luz, da Eternit: diversificação para dobrar o faturamento em quatro anos, meta alcançada com um ano de antecedência Previsibilidade em prática Exemplos de empresas que definem metas e estratégias rumo à próxima década e como algumas delas já conduziram objetivos de longo prazo pensando de forma antecipada. Rumo a 2020 Passado refletindo no presente Metas para a próxima década perseguidas desde já Planejaram com antecedência e atingiram a meta Empresa Novelis Hospital Nove de Julho Eternit e Grupo Selmi João Fortes Engenharia Foco Matéria-prima Governança Diversificação Diferenciação Objetivo Até o começo da próxima década, 100% do alumínio usado para fabricar latas deve vir de fontes recicladas Meta de ser referência no atendimento de alta complexidade começou com uma reorganização societária Novos produtos foram fundamentais para alcançar as metas traçadas de longo prazo; novos negócios continuam no radar para os próximos anos Decidiu não disputar o segmento de construção para populações de baixa renda; as análises de longo prazo mostraram que a aposta não ampliaria a rentabilidade Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 17 “Ter incorporado temas de longo prazo à nossa rotina fez com que conseguíssemos tomar decisões rápidas, tanto no que diz respeito às demandas cotidianas, como em termos de ajustes de rotas em horizontes mais amplos.” Ricardo Selmi, presidente do Grupo Selmi últimos anos – a estreia no mercado de biscoitos. Debutante no segmento em 2009, a empresa já obtém 15% de suas receitas totais com os produtos da categoria. Paulo Curi, do Hospital Nove de Julho: definir as metas são fundamentais para a construção de negócios consistentes À frente das discussões de longo prazo, Ricardo Selmi, presidente do Grupo, acredita que o maior benefício do planejamento para a empresa é tornar ágil a tomada de decisões. “Como não somos uma empresa gigante, ter incorporado temas de longo prazo à nossa rotina fez com que conseguíssemos tomar decisões rápidas, tanto no que diz respeito às demandas cotidianas como em termos de ajustes de rotas em horizontes mais amplos.” No caso do Hospital Nove de Julho, a largada para planejar o que será o seu negócio na próxima década foi dada por uma reorganização societária, finalizada em 2007. O objetivo da entidade é ser conhecida como referência em atendimento de alta complexidade. “É claro que podemos pegar mais ou menos neblina nesse período, mas o fato de conhecermos bem a rota e termos bem definido o que queremos nos dá a certeza de que chegaremos ao caminho traçado com um negócio bastante consistente”, afirma Paulo Curi, diretor-geral do Nove de Julho. Diversificar ou diferenciar Como diversificar negócios nem sempre é uma boa receita para ampliar ganhos financeiros, há empresas que discutem o longo prazo justamente para propor o contrário. Consolidar-se no setor que bem conhece, buscando pequenos ajustes, foi o que resolveu fazer a João Fortes Engenharia. Desde o início de 2008, quando a empresa passou por reformulações e ganhou um novo controlador, seus principais executivos se reúnem semanalmente para pensar o longo prazo. O período estabelecido para os planos é de cinco anos. O suficiente para um setor em plena mutação como o de construção civil, acreditam. 18 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Esses encontros foram responsáveis por definir, entre outras coisas, que a empresa não entraria no segmento de baixa renda para diversificar sua clientela. “Entendemos naquele momento que esse negócio não ampliaria nossa rentabilidade. A tentação por crescer é sempre enorme, mas é preciso ter foco para trazer retorno aos acionistas. Por isso, decidimos que não entraríamos no Minha Casa, Minha Vida”, diz Francisco de Almeida e Silva, diretor superintendente da João Fortes. Eduardo Morita, do Ornatus: horizontes de 3 a 10 anos para atender a necessidades de diferentes marcas do grupo no tempo Almeida e Silva observa que, em um setor que passou por grandes transformações nos últimos cinco anos, o planejamento de longo prazo também ajudou a empresa a não adotar o padrão de comportamento de grande parte do setor, o que a fez subir no conceito dos investidores. “Com tantas empresas do segmento indo para a bolsa e depois de tantas fusões, os analistas foram entendendo que a capacidade de investir e entregar com agilidade são mais importantes e dão mais retorno financeiro do que ter um banco de terrenos gigantesco ou comprar uma empresa rival”, aponta Almeida e Silva. Questão de tempo Poucos setores têm sido tão refratários à crise quanto o de franquias. Com crescimento de dois dígitos ao ano ao longo da última década e previsão de alcançar R$ 100 bilhões em 2012, o segmento tem sido uma das principais apostas de algumas redes varejistas em busca de expansão. A certeza de que o movimento está longe de se esgotar tem estimulado empresários a fazerem movimentos ousados de crescimento e internacionalização. E abre espaço para o planejamento de longo prazo. Como exemplo, os executivos do Grupo Ornatus, dono das marcas Morana, Balonè, Jin Jin Wok e Jin Jin Sushi, por exemplo, se reúnem com frequência para calibrar planos de três estágios: 3, 5 e 10 anos para os negócios. “Ao trabalhar diferentes horizontes de tempo, conseguimos adaptar as necessidades de cada uma de nossas marcas individualmente”, define o diretor de Negócios do grupo, Eduardo Morita. Por estarem em diferentes graus de maturação, as marcas devem buscar formas distintas de crescimento. “O jogo está aberto. Podemos participar de fusões, receber uma rodada de investimento de fundos de private equity e, dependendo do caso, até mesmo fazer uma IPO”, exemplifica Morita. O executivo também vislumbra boas alternativas de negócios para o grupo no exterior. Entrar no mercado europeu ou se reforçar nos Estados Unidos são possibilidades cada vez mais reais – é questão de tempo. Tempo, aliás, que passou a contar com um futuro cada vez mais previsível no dia a dia das empresas – dos mais diversos portes – a partir da constatação da importância de avaliar cenários e também de operar em uma economia que entrou no século 21 de forma estável. Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 19 Marca retumbante Na última década, o Brasil conseguiu projetar externamente a marca de um local seguro para investir e exportador de boas ideias. Muitas organizações locais se beneficiaram dessa guinada em seus planos de internacionalização. Agora, país e empresas têm o desafio de cultivar e ampliar esse legado. Por Leandro Beguocci P oucas marcas no mundo podem se orgulhar de uma virada tão espetacular. Jovens hoje na faixa dos 30 anos nasceram no período final de uma ditadura militar na qual, no encerramento de 1982, a taxa de inflação fecharia em 104%, a economia cresceria apenas 0,83% e a esperança de vida ao nascer ficaria em torno de 60 anos (hoje está em 69). Quem viveu aqueles dias difíceis ainda se lembra dos supermercados tomados por multidões de assalariados um dia após o pagamento por causa da inflação galopante. Foram os anos do calote da dívida externa, dos sucessivos planos econômicos e da descrença absoluta quanto ao futuro do País. Era uma época de pouca credibilidade internacional associada ao País, na qual as praias do Rio de Janeiro serviam como uma das poucas qualidades positivas à marca do Brasil no exterior. Como explica José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte, o Brasil mudou 20 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 muito em pouco tempo. “Na década de 90, o País iniciou um ciclo de grandes transformações, com um impacto profundo nos anos seguintes”, conta. “Com a série de reformas que teve como evento principal o Plano Real, se tornou estável e seguro para os investimentos. O mundo percebeu isso e, aos poucos, começou a acreditar mais”, continua Rocha. De gigante feio e desengonçado da América Latina, atrás de Argentina e México, a figura brasileira se tornou atraente, sedutora e líder na região. Ao encerrar uma ditadura de duas décadas, abraçar a democracia e colocar a economia nos eixos, é possível dizer que muita coisa mudou na percepção que o mundo tinha sobre o Brasil. Atualmente, com uma economia não mais considerada “apenas” promissora – e, sim, madura e consistente –, as mensagens transmitidas pela “brasilidade” ao redor do mundo são tão fortes quanto os resultados das transformações vividas pelo País. A brasilidade nos negócios A Catupiry, tradicional marca familiar de laticínios do mercado local, é uma das empresas que apostam na força que a marca do Brasil ganhou nos últimos anos para apoiar o seu próprio crescimento. A empresa concorre em um mercado de queijos, no qual os produtores da França e da Itália estão à frente, em parte, devido à qualidade dos seus produtos e, em parte ainda maior, pela imagem dos países desses produtores. Alexandre Delmanto, superintendente de Marketing e Comercial da Catupiry, é uma das pessoas que estão ajudando a diminuir essa distância – e o Brasil tem contribuído com seus planos. “Sentimos uma grande abertura e interesse dos estrangeiros pelo País, que atualmente é visto como um local sério e evoluído para se fazer negócios”, relata. “Hoje, estamos desenvolvendo uma nova cultura de sabor no exterior, tentando introduzir o catupiry em restaurantes americanos, por exemplo. O nosso produto é bem diferente dos outros queijos consumidos no exterior. A atual imagem do novo Brasil tem ajudado nossos planos rumo à internacionalização”, finaliza. Alexandre Delmanto, da Catupiry: atual imagem do Brasil é um trunfo nos planos da empresa rumo à internacionalização O turismo também tem se beneficiado. Walter Vasconcelos, diretor de Marketing da Embratur, a agência governamental responsável por aumentar o fluxo de visitantes estrangeiros ao País, conta que 2011 foi o melhor ano da história do setor. “Recebemos mais de 5,4 milhões de estrangeiros e batemos nosso recorde. Fechamos o ano com mais de US$ 6,7 bilhões em entrada de divisas oriundas de atividades turísticas. Esses números levaram a superar todas as nossas metas, obtendo um crescimento acima da média mundial”, conta. “Estamos mostrando que algumas experiências só podem ser vividas no Brasil. Queremos mostrar que vivenciar a nossa cultura, mistura e cores é uma experiência inesquecível e, assim, iremos despertar o desejo do turista estrangeiro para conhecer um destino sem igual”, conclui. Simbiose semelhante à feita entre a Catupiry, o mercado de turismo e a “marca Brasil” está ocorrendo e apoiando outras ações de empresas nacionais. A Interbrand, uma das maiores especialistas em marca no mundo, apresentou recentemente um estudo sobre a presença de marcas brasileiras no exterior. Confirmou que produtos como as Havaianas, da Alpargatas, e a Melissa, da Grendene, são globais e estão na moda mundial. As duas se beneficiam da imagem de beleza do Brasil e ajudam, claro, a moldar ideias de sofisticação e design, que, aos poucos, vêm sendo associadas ao País. “O Brasil está conversando com o mundo, contando para as pessoas que ele é um país divertido, amável e altamente adaptável, com um bom faro para improvisação – mas sempre apoiado em números, estratégia e muito trabalho duro”, aponta o levantamento da Interbrand (veja mais sobre outras marcas presentes no estudo no quadro da pág. 22). Para mostrar um Brasil diferente A Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (Apex-Brasil) também atua para que a “marca Brasil” tenha, cada vez mais, maior repercussão nas atividades conduzidas por marcas de empresas locais no exterior. “Nossa missão é mostrar um Brasil inovador, competitivo e sustentável”, conta Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 21 Ana Repezza, gerente-geral da entidade. “Queremos mostrar, por exemplo, que o Brasil é capaz de fazer software adaptável às necessidades de clientes em qualquer parte do mundo. Que o etanol e os nossos móveis vêm de fontes renováveis. Passo a passo, em eventos no exterior ou trazendo empresários e formadores de opinião ao Brasil, estamos desmontando algumas ideias feitas e mostrando uma face do País que muita gente não via ou tinha resistência a ver”, aponta. Esforço semelhante foi organizado pela estrutura do Brazil Services Group, da Deloitte no Reino Unido. A estrutura responsável pelo atendimento às empresas locais interessadas em investir no Brasil (e, da mesma forma, às brasileiras com intenção de fazer o caminho inverso) reuniu, no último mês de junho, mais de 100 executivos locais no evento “Spotlight on Brazil” (“Foco no Brasil”). “Às vésperas dos Jogos Olímpicos, o momento foi propício para discutir oportunidades de investimentos no Brasil, tendo a Copa do Mundo e os Jogos de 2016 como gancho”, aponta Leonardo Ferreira, sócio da Deloitte que lidera as iniciativas do Brazil Services Group no Reino Unido. Para continuar forte Não dá para esperar que a “marca Brasil” se fortaleça sozinha em um mercado tão competitivo e com níveis de incerteza, principalmente nas economias europeias. É preciso continuar a acrescentar novos atributos à marca – como a confiança, que passou a fazer parte do vocabulário de adjetivos ao Brasil apenas nas últimas décadas – e manter conquistas que já existem, para que elas não sejam colocadas Brasil na moda Marcas e produtos que refletem diversidade e juventude ao mundo N o relatório produzido em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a Interbrand dedica um capítulo às marcas brasileiras de moda e acessórios que estão construindo uma trajetória exemplar de internacionalização – muitas levando consigo atributos associados ao País, como sustentabilidade, cores e alegria. Osklen Lojas em Milão, Nova York, Portugal, Tóquio, Roma e Genebra (além de 41 no Brasil) Destaque, segundo a Interbrand: “Ela (a marca) fala de natureza, trabalha temas de sustentabilidade de forma real e mistura tecidos tecnológicos com materiais orgânicos. A Osklen conseguiu construir uma marca embalada com comportamento. Vende um Brasil que inspira o mundo.” Havaianas Mais de 22 milhões de pares exportados para mais de 80 mercados Destaque, segundo a Interbrand: “Em meados dos anos 90, depois de enfrentar alguns anos de quedas nas vendas, a Havaianas se reinventou com cores, estilo e campanha publicitária, onde aparecia nos pés de gente que faz e acontece. Foi o que bastou. A ‘democracia das Havaianas’ se instalou. Atrizes hollywoodianas se renderam ao apelo cool e abriram alas para as sandálias frequentarem restaurantes, festas e todo tipo de evento social.” 22 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 em dúvida. Ruchir Sharma, chefe da Seção de Mercados Emergentes do banco Morgan Stanley, em recente relato à influente revista Foreign Affairs, aconselha os investidores a tomar cuidado com o Brasil. Segundo ele, o País deve ter dificuldade para continuar crescendo porque investe pouco, a indústria não vai tão bem e os juros ainda são altos. Os recentes números da economia, que mostram um crescimento menor do que o estimado pelo governo para este ano, também estão deixando os analistas e investidores internacionais mais cautelosos. Rocha, da Deloitte, afirma que o Brasil precisa fazer novas – e urgentes – reformas caso queira continuar projetando uma imagem positiva ao exterior. Ele afirma que o ciclo que levou à estabilidade está chegando ao fim. Para manter tanto o “As reformas dos anos 90 permitiram ao Brasil usufruir do grande crescimento econômico mundial. As reformas para aumentar o investimento podem permitir que o País continue crescendo em um cenário de crise.” José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte H.Stern Quase 300 pontos de venda em 32 países Destaque, segundo a Interbrand: “O grande paradoxo é a marca ser internacional antes de ser uma coisa do Brasil. Por assim dizer, a ordem natural das coisas foi subvertida. E foi o olhar estrangeiro o responsável por alçar a marca à posição global que tão confortavelmente ocupa. Além dos números que confirmam a teoria – as exportações correspondem a 54% do seu faturamento –, há o reconhecimento. A H.Stern enfeita atrizes como Angelina Jolie, Eva Longoria e Sandra Bullock na entrega do Oscar e do Emmy, e tem suas campanhas protagonizadas por estrelas de primeiríssima grandeza.” Grendene Mais de 40 milhões de pares exportados para mais de 90 países Destaque, segundo a Interbrand: “Suas marcas campeãs em cifras são Ipanema Gisele Bündchen e Melissa. E foi nesta última que a Grendene apostou como foco para internacionalização, tornando-a um exemplo de gestão e elasticidade para se posicionar no mercado global. A marca Melissa está presente em mil pontos de venda em 50 países. É comercializada em lojas como a charmosa Colette, em Paris, e sempre citada por stylists e jornalistas de moda europeus e americanos.” Fontes: relatório “O que é que as brasileiras têm” (Interbrand, 2011) e informações institucionais das empresas Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 23 da pauta de exportação brasileira no artigo do professor Samuel Rosa, na edição 35 da Mundo Corporativo). A Alpargatas, por exemplo, já registra 32% de suas receitas vindas do exterior. A informação, divulgada pelo seu presidente, Marcio Utsch, no 5º Congresso da Indústria da Comunicação, em maio, em São Paulo, mostra uma evolução importante, já que, em 2005, o mesmo índice era de 2%, e um exemplo a ser seguido – ao usar formas e elementos da brasilidade para ganhar mercados no exterior. “A Suíça é a maior referência do mundo para chocolate sem ter um pé de cacau sequer. A Itália tem o café mais reconhecido sem plantar café. O Brasil precisa ser mais do que exportador de matéria-prima”, exemplificou Utsch em sua apresentação. Ana Repezza, da Apex-Brasil: iniciativas para mostrar o lado inovador, sustentável e competitivo do Brasil ao mundo crescimento da economia quanto os avanços sociais conquistados nas duas últimas décadas, é necessário começar um novo ciclo: o de investimentos. “As reformas dos anos 90 permitiram ao Brasil usufruir do grande crescimento econômico mundial dos últimos anos. As reformas para aumentar o investimento podem permitir que o País continue crescendo em um cenário diferente, de crise no mundo desenvolvido”, afirma (veja mais sobre o tema no artigo de Albert Fishlow que começa na pág. 26). País tipo exportação Os esforços das empresas, entre elas, a Catupiry, é fazer com que o País agora supere a visão de exportador apenas de commodities. A cultura, o estilo e a inteligência nacional precisam ganhar o mundo, seguindo o exemplo já feito com primazia em matérias-primas, como minério de ferro e produtos agrícolas (leia mais sobre a composição 24 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 A moda, por exemplo, é um caminho. A Macy’s, gigante varejista dos Estados Unidos, organizou em maio o projeto “Brasil: a Magical Journey”, com apoio da Apex. A meta foi mostrar produtos peculiarmente brasileiros aos consumidores locais. Com grande destaque para a moda, a Macy’s também reuniu bebidas (como o Guaraná Antarctica) e objetos de decoração. O projeto contou, inclusive, com veiculação de propaganda na televisão, com destaque à cultura brasileira. Este Brasil, do qual passam a fazer cada vez mais parte os jovens executivos nascidos na “década perdida”, tem novos desafios. Mas eles certamente são tão grandes quanto os vividos pelas pessoas que, algumas gerações atrás, ajudaram o País a chegar neste novo momento. São esses novos executivos que vão moldar a marca que o Brasil vai ter nas próximas gerações. Agora, porém, a base de comparação aumentou. O Brasil não tem mais uma história de superação para mostrar. Chegou a hora de trazer resultados. Como diz Nizan Guanaes, presidente do Grupo ABC e um dos principais publicitários do País, este é o momento para uma mudança de postura. Ecos no turismo: 5,4 milhões de estrangeiros vieram ao Brasil em 2011; nova percepção sobre o País no exterior influenciou o registro recorde “O Brasil virou referência de desenvolvimento num mundo rico em crise (...) Somos um gigante fácil de falar e de compreender.” Nizan Guanaes, presidente do Grupo ABC em artigo à Folha de S.Paulo Em seus artigos no jornal Folha de S.Paulo, ele retrata desafios aos empreendedores nacionais que batalham por mais visibilidade na arena global. “Não podemos mais virar avestruz, enfiar a cabeça dentro da terra e ficar protegido na zona de conforto. Cansei de ir a fóruns internacionais e ver tropas de indianos, de chineses e de outros emergidos e emergentes fazendo seu show, enquanto o Brasil, muito mais sexy, mal dava as caras.” Ele afirma que “os líderes do Brasil nas suas respectivas áreas têm de ir além das nossas fronteiras porque o Brasil já foi. Há uma expectativa enorme do mundo em relação a nós. Há um interesse enorme, que precisa ser saciado.” E completa: “o Brasil virou referência de desenvolvimento num mundo rico em crise que olha para a China e tem medo, que olha para a Índia e não entende, mas que olha para o Brasil e sorri. Somos um gigante fácil de falar e de compreender.” Nizan sabe bem o que é sair à luta. Ele está abrindo escritórios do seu grupo no exterior para acompanhar as empresas brasileiras que querem vender seus produtos nos Estados Unidos e na Europa. Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 25 Salto a um bem maior Pensar uma nova agenda para o crescimento brasileiro é essencial para a próxima década. A transição de um modelo hoje baseado no consumo para um ciclo de expansão nos investimentos e de maior poupança do setor público representa um grande desafio, principalmente porque o retorno tende a não ser tão imediato. Por Albert Fishlow A países asiáticos, não seria trilhado. As exportações brasileiras, que até então somavam 17% do Produto Interno Bruto (PIB), continuariam a crescer, porém, puxadas mais pelos preços das commodities do que pelo aprimoramento do conteúdo tecnológico dos bens manufaturados. No ano passado, a proporção das exportações caiu a pouco menos de 12% (atingindo R$ 256 bilhões). Para o Brasil, na época ainda se defrontando com uma taxa básica de juros de 19,5% – que, agora, já regressou à barreira de um dígito e beira os 8% –, enfatizei a importância do crescimento do mercado externo, além de um Mercosul que já mostrava sinais de dificuldades comerciais com a Argentina. Aquele caminho de participação mais ampla, seguido tão eficientemente por muitos Como alternativa, o Brasil acreditou no crescimento do consumo como instrumento fundamental de expansão na segunda metade da década passada. No geral, esse empenho pareceu funcionar. As taxas de crescimento do PIB mantiveram-se relativamente altas, exceto durante a branda recessão entre os anos de 2008 e 2009. A força motriz, excetuando-se o ano de 2010, quando os investimentos aumentaram de maneira excepcional após o forte declínio do período anterior, foi o consumo privado – com crescimento superior, em dados atuais, a 80% do total da produção. O crescimento substancial da classe média baixa – com a inclusão de aproximadamente 35 milhões de pessoas desde 2000 – obviamente contribuiu para isso. Esses novos integrantes do mercado são consumidores vorazes, e seu acesso ao crédito ampliado gerou oferta de produtos. O programa Bolsa Família ajudou a quinta parte mais pobre o olhar para o passado recente, uma das grandes preocupações que eu apontava em minhas entrevistas era a lentidão do desempenho econômico nos países desenvolvidos diante da previsão de crescimento do papel dos países asiáticos em desenvolvimento na produção global. Em 2005, ano em que concedi uma entrevista à Mundo Corporativo (edição 8, disponível em www.deloitte.com.br), o mundo ainda vivia em meio a uma alta de preços das commodities, com o déficit comercial dos Estados Unidos estimulando o crescimento do comércio mundial e um ciclo imobiliário internacional que, em breve, estaria arruinado. Quisera eu naquele momento ter previsto a grande recessão que estava prestes a acontecer e as muitas decorrentes consequências até os dias de hoje, mas esse não foi o caso. 26 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 da população a melhorar o padrão de vida, e um aumento real do salário mínimo ajudou a ascensão social de muitos, em especial, dos que recebem benefícios da previdência social. A política governamental contribuiu de outras formas. Toda vez que se precisou de incentivos, como no começo de 2012, por exemplo, a redução de taxas sobre bens duráveis de qualquer tipo foi o principal mecanismo usado para aumentar as vendas. Isso não é novidade, pelo contrário. Bens de consumo duráveis e automóveis, em especial, têm sido os principais componentes da política de industrialização desde o final da década de 1950. Esse atributo diferencia o Brasil de outros países em desenvolvimento, que enfatizaram os bens de capital nacionais. A necessidade de investir Os investimentos cresceram, porém, sem avanços significativos. Atualmente, esse nível com relação ao PIB está novamente a menos de 20%. A incapacidade de elevar a taxa de investimento de forma sustentável continua a ser o problema central do crescimento brasileiro. Em 2005, esse movimento já era claro. Na entrevista que concedi à época, eu mencionava a necessidade de elevar essa taxa para 25% reconhecendo as obrigações acumuladas, a fim de melhorar a infraestrutura de portos e rodovias, reduzir o déficit de imóveis residenciais e tratar de forma adequada da expansão urbana. Isso foi muito antes do custo adicional gerado pela exploração do petróleo no pré-sal e antes dos eventos da Copa do Mundo e da Olimpíada estarem em pauta. Os dois últimos eventos têm prazos que não podem ser prorrogados. Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia e outros, têm repetidamente atingido níveis acima de 25%. Na América Latina, o Chile está próximo dos 25%, e países como Peru, Colômbia e México, entre outros, aumentaram suas taxas. Todos reconhecem essa necessidade. Um dos objetivos dos programas da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) foi recuperar um maior volume de investimento público e estimular a Parceria Público-Privada (PPP). A mais recente cartilha do Plano Brasil Maior incorporou uma política industrial ativa nesse cenário, ampliando o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O Ministério da Fazenda, em seu mais recente relatório “Economia Brasileira em Perspectiva”, afirma logo no início: “Para os próximos anos, tem-se por objetivo principal o aumento contínuo da taxa de investimento até atingir cerca de 24% do PIB”. Ainda assim, não temos esse resultado. Apesar da elevação dos investimentos do governo, o setor privado ainda não se manifestou. Muitos argumentaram que a razão óbvia era a taxa Selic. As empresas prefeririam conter a dívida da União a investir em mais Albert Fishlow é professor emérito da Universidade de Columbia, em Nova York. Há mais de quatro décadas, estuda os movimentos da economia brasileira O Brasil não pode levar a sério a promessa de crescimento sustentável a 5% ao ano sem instituir esse aumento. Esse nível de formação de capital não chega a ser extraordinário no mundo em desenvolvimento. A China consegue bem mais do que 40% e, mesmo com aumento futuro do consumo, qualquer redução na participação do investimento será modesta e chegará ao fim com o tempo. O compromisso da Índia é somente um pouco mais modesto, chegando ao máximo de 30%. Demais países asiáticos, como Singapura, Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 27 projetos incertos no País. O Banco Central (BC) agiu agressivamente para baixar a taxa ao seu nível real mais baixo das últimas duas décadas, e é provável que ela venha a ser reduzida ainda mais. No campo governamental, a presidente Dilma Rousseff tem cooperado plenamente usando a política fiscal como auxílio. No governo Lula, o BC também tinha papel de estabilização, mas operava com independência. Isso reduzia suas opções. Com coordenação, a diferença é óbvia. Mais recentemente, os bancos privados estão sendo pressionados a baixar as taxas de juros aplicadas a empresas menores, como fizeram o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Conforme esperado, eles seguiram esse mesmo caminho. Com certeza, uma das razões da baixa resposta do setor privado ainda é a crise de incertezas na economia mundial. Após uma recuperação inicial, os países desenvolvidos voltaram a diminuir o ritmo. Estimativas recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziram as projeções de possível recuperação lançadas há alguns meses. Nessas circunstâncias, o crescimento decepcionante da economia brasileira de 2,7% em 2011 e as projeções de menos de 2% para 2012 estimularam o governo a agir. Tal crescimento não satisfaz, considerando-se que muito mais tem sido prometido e esperado. No relatório do último mês de abril do Ministério da Fazenda, o percentual esperado para 2012 ainda era de 4,5%, elevando-se para 5,5% e 6% nos anos subsequentes. Isso obviamente não vai acontecer. Expectativas mais realistas podem ser traduzidas em melhores políticas. A indústria, em especial, tem reclamado de seu trôpego crescimento em 2011. Nos últimos meses, as mudanças mensais têm se mostrado negativas. O setor está buscando maior proteção tarifária, especialmente frente a China, além de maiores subsídios por meio de redução fiscal e aumento das vendas para o governo. Em abril, o governo aprovou a Medida Provisória 563, que amplia a proposta original do Plano Brasil Maior. No centro das mudanças está o aumento de R$ 45 bilhões em recursos ao BNDES direcionados a empréstimos de longo prazo às empresas, para agilizar esforços de modernização e mudança tecnológica. Será constituída uma nova agência, a Agência Brasileira Gestora de Fundos e Garantias (ABGF), voltada a reduzir o risco privado e aumentar a cooperação. Da mesma forma, há uma ajuda aos setores-chave, a partir da redução da contribuição à previdência social ao volume anual de R$ 7,2 bilhões. Como antes, a intenção é agilizar a inovação no setor industrial, com repasse para setores com maior valor agregado e competitividade internacional. Assim, o declínio na participação do valor agregado industrial desde a década de 1970 deve se reverter. Esse empurrão, depois dos limitados avanços gerados em programas como o Pitce (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior) de 2004 e o PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo) de 2008, aliados ao anúncio anterior do Plano Brasil Maior em 2011, indica, de forma precisa, o compromisso da presidente Dilma com uma política industrial ativa como o caminho a seguir. O Brasil tem menos de 10% do valor agregado industrial total em componentes de tecnologia de ponta e mais de 65% nas duas categorias mais baixas de tecnologia. A meta é alterar essa estrutura. “A incapacidade de elevar a taxa de investimento de forma sustentável continua a ser o problema central do crescimento brasileiro.” 28 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Isso se traduz em ajuda especial, e de diversas formas, a determinados setores. É um processo que levará tempo. As importações terão de ser substituídas pelo fornecimento interno, com o aumento das tarifas e a concessão de preferência aos produtores nacionais. Mas essa não é uma repetição da estratégia Industrialização por Substituição de Importações (ISI), adotada nas décadas de 1950 a 1970, para substituir os insumos importados. Em vez disso, espera-se que as exportações de produtos manufaturados sejam vistas como testes da eficiência da política. Em última análise, a vantagem comparativa dinâmica está sendo invocada. Quanto tempo deverá levar, e com que seriedade esse critério será aplicado, ainda não se sabe. Sem uma disciplina séria, a política industrial acaba se tornando um programa de subsídios generalizados, incapaz de aumentar a produtividade na maneira desejada. Na estratégia governamental, o papel do Investimento Estrangeiro Direto (IED), talvez, seja diminuído demais. Em vez disso, quer-se favorecer os conglomerados nacionais. Essa é uma cópia exata da estratégia asiática. Ainda assim, existem cada vez mais indícios de mudanças importantes na transferência estrangeira de tecnologia avançada. Nos últimos anos, o Brasil vem atraindo centros de tecnologia de ponta de empresas, como IBM, Boeing, Samsung, GE e Cisco. Eles estavam antes presentes nos setores automotivos e contribuíram para a evolução dos veículos flex, agora tão comuns. Todos os países têm uma política industrial. Não existe mágica. O problema é a seletividade de setores, o acesso à tecnologia avançada e a capacidade de restringir o comprometimento de recursos quando necessário. Um programa muito extenso pode se tornar ineficiente. Felizmente, a política cambial tem se movido na direção certa nos últimos meses, eliminando muitas das desvantagens da supervalorização. Não se esperam taxas de câmbio reais muito melhores nos próximos anos. Não somente devido à enxurrada de dólares norte-americanos, mas muito mais Alternância na força motriz Do consumo como carro-chefe... Nos últimos anos, o consumo respondeu por uma parte importante do crescimento brasileiro. O consumo das famílias reagiu bem aos incentivos governamentais, apresentando altas consistentes desde 2005. Agora, o momento, conforme defendido por Albert Fishlow, é de alternar a força motriz da economia brasileira, revigorando os investimentos. Crescimento do consumo das famílias no Brasil (em %) 6,9 6,1 4,5 2005 5,2 5,7 4,4 2006 2007 2008 2009 4,1 2010 2011 ...à necessidade de um novo ciclo de investimentos De 2005 para cá, a taxa de investimento avançou muito pouco no Brasil. A necessidade de avançar para 25% no médio e curto prazos é importante para colocar o País no nível de taxas já praticadas por economias no mesmo nível de maturidade. Entre os países do BRIC, por exemplo, o Brasil obteve a menor taxa em 2011. Taxa de investimento no Brasil (em % do PIB) 15,9 16,4 2005 2006 17,4 2007 19,1 2008 16,9 2009 18,4 19,3 2010 2011 Taxa de investimentos nos países do BRIC e Chile no ano de 2011 (em % do PIB) China 46 Índia Chile Rússia 30 23 21 Fontes: Research – Deloitte (a partir de dados da Economist Intelligence Unit – EIU, IBGE e do Banco Central – BC) Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 29 “Em meio às dificuldades atuais da economia internacional, o Brasil avançou ao reduzir as taxas de juros. Chegou a vez de uma tarefa muito mais árdua: a de convencer os cidadãos brasileiros de que o retorno imediato terá de ser adiado em prol de um bem maior.” pelos termos de troca favoráveis que o Brasil deve manter no futuro. Esse ganho futuro de produtividade não deve ser visto como restrito ao setor industrial. O desenvolvimento futuro do Brasil depende da integração dos setores de agricultura, minério, petróleo, manufatura e serviços. As exportações atuais de commodities não se comparam à dependência do Brasil em relação ao café em outras décadas. Elas têm origem na eficiência aprimorada. Poucos países se beneficiam de uma base tão diversificada – talvez Deus seja realmente brasileiro. Missão árdua em nosso futuro Em uma economia global em crescimento nos próximos cinco anos, com disponibilidade de investimento interno mais alto, a pergunta a ser feita é de onde virá a poupança da contraparte. A poupança interna continua abaixo de 18% do PIB. No mínimo, ela precisa crescer muitos pontos percentuais. A confiança em níveis cada vez maiores na poupança externa não é a resposta. Episódios anteriores deixam isso bastante claro. A melhor solução é a poupança positiva do setor público, revertendo o padrão anterior de substituição de importações, quando o Estado gasta e as empresas privadas e os cidadãos poupam. Apesar do superávit primário registrado desde 1998, o déficit do setor público ainda permanece na faixa 30 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 de 2% a 3%. As novas regras de aposentadoria para os novos funcionários públicos contemplam a assistência somente no futuro distante. É preciso ir mais longe e não corrigir todos os pagamentos atuais, anualmente, pelo ajuste do salário mínimo, o que vale também para outros reajustes. A tributação previdenciária no Brasil, com recolhimentos percentualmente muito maiores sobre a renda em comparação com outros países, é um bom lugar para começar. Politicamente, essa tarefa não é nada fácil. É sempre mais fácil gastar do que tributar. Todo mundo fala em reduzir o gasto público, sem mais aumentos, porém, as promessas visam apenas um futuro distante. Não acredito que isso seja possível, nem que seja necessário. Converter parte da receita futura do petróleo e dos aumentos do preço das exportações de commodities para um fundo de riqueza soberana real, como fez o Chile, em vez de gastá-la, pode ajudar no aumento da poupança pública. Em meio às dificuldades atuais da economia internacional, o Brasil avançou ao reduzir as taxas de juros. Chegou a vez de uma tarefa muito mais árdua: a de convencer os cidadãos brasileiros de que o retorno imediato terá de ser adiado em prol de um bem maior. Esta é uma mensagem diferente daquela do passado. Afinal, a capacidade de partir para um nível de crescimento anual mais alto e sustentável – capitaneado por um ciclo durável de investimento – depende também da redução do crescimento do consumo interno. Sementes do capital Levantamento inédito de Deloitte e BM&FBovespa aponta quanto custa abrir capital no Brasil. E sinaliza o quanto é importante se preparar desde bem cedo para uma IPO, fortalecendo a governança e se planejando para otimizar os investimentos que vão gerar frutos no médio e longo prazos. Por Guilherme Meirelles O período de poucas aberturas de capital que o Brasil tem vivenciado, em um mercado fortemente impactado pelo cenário de incertezas nas economias maduras, pela concorrência de bolsas de valores da Ásia e de outros determinantes globais, costuma gerar menor interesse dos agentes investidores e empresariais pelos desafios de uma Initial Public Offering (IPO ou “Oferta Pública Inicial”). É justamente nesse momento que se justifica um estudo mais apurado sobre o que envolve a transição de uma empresa para uma companhia de capital aberto. Afinal, o mercado de capitais continua a mostrar sua vocação como fonte alternativa de captação e, para aproveitá-lo da melhor maneira, hoje ou nos próximos anos, nada mais prudente do que agir com planejamento desde já. O processo de transformação de uma empresa em uma companhia aberta abrange uma série de etapas e investimentos para a adequação às exigências previstas pelas principais entidades reguladoras, Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 31 como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Entre os diversos passos, estão a constituição de um conselho de administração, a presença de uma auditoria externa, o alinhamento às boas práticas de governança corporativa – que variam conforme o porte e as necessidades da companhia – e também a contratação de intermediários, como uma (ou mais) instituição financeira e uma consultoria especializada. Importante considerar também as taxas para a operacionalização, agora como uma companhia de capital aberto. A fim de ajudar o emissor a se preparar para acessar o mercado de capitais, o estudo “Custos para Abertura de Capital no Brasil”, produzido pela Deloitte e pela BM&FBovespa, analisou as informações públicas de 214 companhias que realizaram suas IPOs e follows-ons (emissões subsequentes) ao longo de um extenso período, de janeiro de 2005 a dezembro de 2011. No tempo analisado, a média anual das captações somou cerca de R$ 26 bilhões. Já os custos médios anuais das empresas com comissões e despesas somaram R$ 961 milhões, representando 3,7% do valor registrado nas distribuições ao longo do período (três emissões – Vale, Petrobras e Santander – não foram analisadas para evitar distorções nos resultados do estudo devido ao volume muito acima da média do período). Para Cristiana Pereira, diretora de Desenvolvimento de Empresas da BM&FBovespa, é possível reduzir os custos de acesso e preparação com base em uma metodologia que priorize a organização e o planejamento. “A empresa não pode tratar o processo de IPO como uma corrida de 100 metros, e, sim, como uma maratona”, destaca. “Muito do custo é pelo retrabalho. Ou seja, quanto mais metódica a companhia, menores serão os custos. O ideal é ter as informações internas organizadas, do ponto de vista fiscal, trabalhista e contábil”, completa Cristiana. Entre os casos mais comuns, ela cita o de empresas que passam informações incompletas aos auditores, sejam fiscais, trabalhistas, jurídicas ou contábeis. “Assim, o processo atrasa, o que gera mais horas trabalhadas e maior custo.” 32 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Custos e distribuições 3,7% Percentual correspondente aos custos totais das companhias que abriram capital nos últimos sete anos completos, sobre o total das distribuições registradas ao longo de todo esse período. Para ela, o prazo mínimo ideal para a tomada de decisão deve ser de três anos, tempo mínimo para que a companhia possa ter três balanços anuais auditados com base nos padrões do International Financial Reporting Standards (IFRS). Na visão de Alfried Plögler, vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), o percentual de 3,7% de custos sobre as distribuições, apontado no estudo, pode chegar até mesmo a 10%, dependendo do porte da companhia e do volume obtido na captação inicial. Ele ainda ressalta que, no decorrer do tempo, as despesas podem ser diluídas conforme o resultado obtido Cristiana Pereira, da BM&FBovespa: custos de acesso e de preparação podem ser reduzidos com organização e planejamento pela futura nova companhia. Para o dirigente da Abrasca, os custos podem ser o principal fator de inibição à entrada de empresas menores na Bolsa, desmotivando investidores que já estão apreensivos com as perspectivas do cenário econômico mundial e a baixa performance da economia brasileira no primeiro semestre de 2012. O alerta de Plögler é mais uma razão para se planejar diante de um futuro momento de retomada das IPOs. Nos últimos anos, a abertura de capital no Brasil registrou o seu auge em 2007, com o ingresso de 64 empresas; no ano passado, foram 11 IPOs. Em 2012, até o final de julho, apenas três ofertas iniciais de ações aconteceram (BTG Pactual, Unicasa e Locamerica). Contudo, o cenário deve mudar no médio prazo e favorecerá quem se preparar desde já. Governança como norte A partir do momento em que se decide por um processo de abertura de capital, a futura companhia deve iniciar o mais breve possível a implementação das mudanças necessárias para o desenvolvimento sustentável como uma empresa de capital aberto com base nos parâmetros das melhores práticas de governança corporativa, como recomenda Bruce Mescher, sócio-líder da área de Global IFRS and Offerings Services (GIOS) da Deloitte, corresponsável pela organização do estudo com as companhias abertas, junto à BM&FBovespa, e também por uma pesquisa primária a respeito da qualidade dos relatórios financeiros (leia a respeito na pág. 34), este último, produzido com o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores. O caso da Natura é exemplar. Em recente palestra na sede da BM&FBovespa, executivos da companhia afirmaram que o seu planejamento pré-IPO (realizado em maio de 2004) demorou seis anos, período em que foram implementadas as etapas referentes à governança corporativa, inclusive com balanços publicados em jornais, o que sequer, à época, era obrigatório como empresa de capital fechado. “Companhias mais estruturadas têm condições de executar os procedimentos com as próprias pernas”, afirma João Laudo de Camargo, conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “As empresas de menor porte necessitam de suporte externo, seja por meio de recursos, que podem vir tanto do BNDESPar, ou de private equities”, completa. Durante essa etapa, a companhia terá de formar seu conselho de administração (com o mínimo de três e até 11 membros, sendo 20% independentes), seu conselho fiscal e avaliar a criação (não obrigatória) de um comitê interno de auditoria, “prática bem vista pelo mercado”, diz Camargo. Estudo do IBGC, do primeiro semestre de 2011, com 189 companhias listadas, aponta que a mediana anual de salário de um conselheiro de uma companhia listada no Novo Mercado é de R$ 127,6 mil, podendo alcançar R$ 207,4 mil caso a companhia esteja listada no Nível 1. João Laudo de Camargo, do IBGC: existência de fontes de recursos para empresas menores executarem os estágios rumo à abertura de capital Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 33 Novo mundo para os relatórios Qualidade e integração são os novos focos dos profissionais de RI na exposição de informações ao mercado Q uando já superados os desafios rumo à abertura de capital, além dos eventuais custos para a manutenção do novo status, as companhias abertas passam a ter uma preocupação muito mais zelosa sobre a veiculação das informações. Para melhor entender como elas enxergam esse ponto e o que fazem em relação a ele, a Deloitte e o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) realizaram uma pesquisa com 42 profissionais de RI, lançada em julho. O estudo “Qualidade das Informações – Transparência e Integração nas Divulgações das Companhias Abertas”, aponta que 52% das companhias participantes gastam mais de R$ 500 mil por ano na divulgação de suas informações – valor que tende a cair à medida que as companhias passem a incorporar cada vez mais os recursos da internet e, eventualmente, reduzam o volume de páginas de seus relatórios. Para Ricardo Florence, presidenteexecutivo do IBRI, há uma tendência em migrar do formato impresso para o digital. “A tecnologia tende a diminuir os custos e isso beneficia as companhias menores.” Para Bruce Mescher, sócio-líder da área de Global IFRS and Offerings Services (GIOS) da Deloitte, o impacto da tecnologia coincide com uma nova fase nas boas práticas de relações com investidores. “Nos últimos anos, a palavra de ordem era transparência. A partir de agora, o que se busca é maior qualidade das informações.” Uma tendência para alcançar o patamar de excelência na qualidade é uma padronização dos relatórios de forma a torná-los mais integrados, com base na proposta apresentada pelo International Integrated Reporting Committees (IIRC), ideia aprovada por 95% dos RIs ouvidos na pesquisa. Segundo o IIRC, o relatório integrado deve apresentar informações relevantes sobre estratégia, governança, desempenho, perspectivas e sustentabilidade, além de um panorama sobre o modelo de gestão da companhia. Para Mescher, os relatórios integrados vão na linha do que o mercado quer hoje. “Os analistas e investidores não desejam apenas um volume maior de informações. Eles buscam aquelas que realmente interessam e que sejam apresentadas e comunicadas de forma mais simples, conectada e equilibrada.” Entre as informações relevantes, aponta, estão prioritariamente os resultados do exercício, os panoramas de estratégia e os aspectos de governança corporativa. Quanto custa divulgar Faixa de gasto médio anual, com a divulgação das informações 3 11 26 34 26 Menos de R$ 10 mil R$ 10 mil a R$ 100 mil R$ 100 mil a R$ 300 mil R$ 500 mil a R$ 1 milhão Acima de R$ 1 milhão Nota: não houve nenhuma resposta para a faixa entre R$ 300 mil e R$ 500 mil. Por isso, ela não consta no gráfico Percentual de respondentes que assinalaram cada item Fonte: “Qualidade das informações – Transparência e Integração na Divulgação das Companhias Abertas” (Deloitte e IBRI, 2012 – o relatório completo pode ser conferido em www.deloitte.com.br) “Os analistas e investidores não desejam apenas um volume maior de informações. Eles buscam aquelas que realmente interessam e que sejam apresentadas e comunicadas de forma mais simples, conectada e equilibrada.” Bruce Mescher, sócio-líder da área de Global IFRS and Offerings Services (GIOS) da Deloitte 34 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 Análise histórica de custos e ganhos A seguir, um resumo dos valores envolvidos nas 214 ofertas analisadas pelo estudo “Custos para Abertura de Capital no Brasil”, entre 2005 e 2011, incluindo comissões e despesas. Três emissões – Vale (R$ 18,4 bilhões), Petrobras (R$ 115,0 bilhões) e Santander (R$ 12,3 bilhões) – não foram incluídas na análise para evitar distorções devido ao volume muito acima da média do período. Fator avaliado 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Ofertas realizadas1 19 42 76 10 23 21 23 214 Soma das distribuições (em R$ bilhões) 9,3 24,8 62,1 11,8 28,4 26,4 17,0 180,2 0,48 1,1 2,5 0,42 0,89 0,67 0,58 6,7 5,1 4,5 4,1 3,5 3,1 2,5 3,4 3,7 Custos2 (em R$ bilhões) (em %) Total IPOs e follow-ons Comissões (para coordenadores do processo) e despesas em geral (custos com honorários advocatícios, auditores e outros custos da oferta) 1 2 Em janeiro de 2011, a empresa calçadista Arezzo realizou a sua IPO e captou R$ 565,8 milhões. Tradicional empresa familiar até 2007, a virada de página aconteceu por ocasião da entrada da gestora de fundos Tarpon, que injetou R$ 76,3 milhões por 25% da companhia. “O passo inicial foi a formação do conselho de administração, com a contratação de executivos renomados, como Arthur Grimbaum, do Boticário, e Guilherme Afonso Ferreira, da Bahema Participações”, conta Daniel Maia, gerente de Relação com Investidores da Arezzo. Também iniciou-se um processo de reestruturação interna, principalmente na área de Recursos Humanos, com ênfase na meritocracia e em novas diretrizes orçamentárias, bem como na criação de comitês estatutários, de auditoria e de estratégia. Com uma nova filosofia empresarial consolidada, chegava a hora da Arezzo ir ao mercado. Para coordenador líder, a instituição escolhida foi o Itaú BBA, amparado pelo Merrill Lynch e o Credit Suisse. Três semanas antes da IPO, os executivos promoveram um road show por São Paulo, Rio de Janeiro, Londres e cidades norte-americanas, participando de mais de 100 reuniões com analistas e potenciais investidores. O resultado alcançado agradou os controladores. “Mas não foi barato. Só em comissões, foram despendidos R$ 25,1 milhões”, afirma Maia. Já listada na Bolsa, a companhia terá gastos referentes à manutenção de seu status. Como, por exemplo, a anuidade da Bolsa, que vai de R$ 35 mil (para as que possuem capital social até R$ 50 milhões) até o teto de R$ 850 mil, além de custos com publicações de demonstrações financeiras e relatórios (veja mais sobre o tema no quadro da página ao lado). São todos itens obrigatórios, mas que vão ajudar a demonstrar a transparência da companhia junto ao mercado e a seus investidores. Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 35 Ciclo ainda mais completo A cadeia brasileira de bens de consumo tem tudo para chegar à próxima década em um novo patamar de práticas sustentáveis. Por força da legislação de resíduos sólidos ou da atuação voluntária e integrada de empresas e entidades setoriais, a logística reversa ganha força pela destinação correta das embalagens. Por Luiz Silveira T udo o que vai, volta. Empresas e entidades setoriais de todo o País estão se organizando para fazer esse ditado valer para suas embalagens e seus produtos usados, em adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010. À medida que o processo avança, começa a ficar claro que as experiências voluntárias com reciclagem e redução de geração de resíduos, realizadas antes da pressão da lei, podem fazer a diferença agora. Foi o que aconteceu no caso das embalagens usadas de defensivos agrícolas. Uma lei específica para o setor está em vigor há mais de uma década, mas já havia ações para promover a destinação correta das embalagens desde 1992. “A proatividade levou o setor a ter uma experiência com um projeto piloto, o que nos permitiu participar da construção da legislação sabendo o que funcionava na prática”, diz o presidente do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), João Cesar Rando. 36 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 O inpEV estruturou um sistema que envolve 100% das indústrias de defensivos, as distribuidoras, as revendas e os agricultores, conscientizados por campanhas educativas. “A integração de todos os elos da cadeia foi um fator de sucesso”, conta Rando. Um sistema logístico informatizado identifica quando há uma carga completa de determinado tipo de embalagem em uma das 114 unidades de triagem, avalia qual dos 9 mil caminhões das mais de 20 transportadoras parceiras tem a localização e a rota mais eficientes para recolher a carga e emite a ordem para que o veículo faça a coleta e descarregue o material em uma das 14 unidades de reciclagem. Desafio pulverizado A experiência dos defensivos serviu de modelo para a Política Nacional, que trouxe da legislação do setor o princípio da responsabilidade compartilhada. Indústria, comércio, consumidor e poder público têm suas responsabilidades pelo descarte correto dos resíduos. “O maior desafio da PNRS é fazer com que cada ator cumpra a sua parte”, afirma a gerente de Assuntos Governamentais da Unilever, Juliana Marra. Pela lei, os fabricantes e importadores são responsáveis pela destinação correta dos produtos e embalagens recolhidos, mas o comércio tem a obrigação de devolver as embalagens recolhidas e os consumidores devem separar ou devolver os mesmos de maneira adequada. O poder público tem a responsabilidade pela educação da população, pela coleta seletiva e pela erradicação dos lixões até 2014. Se o desafio do inpEV envolvia uma cadeia de mais de 90 indústrias, 3 mil revendas e 5 milhões de propriedades agrícolas, o caso das embalagens de produtos de consumo é muito mais pulverizado em todas as etapas. A solução que está sendo buscada por cerca de 20 entidades setoriais é a união e a parceria com o setor público. Fabricantes de embalagens, varejistas e indústrias de alimentos, bebidas, produtos de higiene e limpeza, entre outros, formaram uma coalizão para trabalhar com o governo em um acordo coletivo de metas e processos de destinação correta de embalagens usadas. “É inviável separar João Cesar Rando, do inpEV: experiência da cadeia dos defensivos agrícolas serve de exemplo aos fabricantes de bens de consumo Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 37 recolhimento obrigatório previsto na PNRS. “Nos outros setores, a logística reversa depende de um estudo de viabilidade técnica e econômica”, explica o advogado Fabricio Soler, coordenador do Departamento de Meio Ambiente do escritório Felsberg e Associados e membro da Associação Brasileira de Advogados Ambientalistas (Abaa). A importância de as empresas de produtos e embalagens passíveis de reciclagem chegarem a um acordo acatado pelo Comitê de Orientação de Implementação de Logística Reversa (Cori) é que, sem sucesso nesse processo amigável, o governo poderá editar um regulamento determinando metas e obrigações para a iniciativa privada, alerta Soler. Embora não esteja fechada, a proposta conjunta dos setores de embalagens de consumo prevê a possibilidade de que diferentes modelos logísticos sejam adotados em cada lugar do País, mas com uma meta nacional de redução de geração de resíduos envolvendo todos os setores. Maria Eugenia Saldanha, da Abipla: embalagens compactas ou mais leves estão na pauta da indústria, mas exigem investimentos em fórmulas e produção as embalagens de iogurte das de sabão em pó, por exemplo; por isso, faz mais sentido que todos os setores atuem juntos”, explica a presidente executiva da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla), Maria Eugenia Saldanha. Daí a importância de o poder público fazer a coleta seletiva, permitindo que toda a matéria seca seja destinada à triagem para reciclagem. Embora a PNRS não estipule prazos para que os acordos setoriais sejam firmados, Maria Eugenia e Juliana esperam que o documento coletivo esteja pronto e aprovado pelo governo até o primeiro semestre de 2013. Depois, as entidades dividem a conta dos custos desses projetos, que não será baixa. O inpEV, operando só com embalagens de defensivos agrícolas, já consumiu cerca de R$ 500 milhões ao longo de seus dez anos, segundo seu presidente. O transporte desses materiais, no entanto, é feito de forma segregada, o que eleva os custos em relação à solução baseada na coleta seletiva. Mesmo assim, cerca de 30% dos custos do sistema do inpEV são cobertos pela receita com a venda dos materiais recicláveis. “O custo da logística reversa sempre é significativo, mas poderia haver maneiras de compensá-lo com incentivos tributários ao uso de embalagens recicladas”, ressalta Maria Eugenia. Já os setores cujos produtos se transformam em resíduos ou aqueles com embalagens que representam risco entram em uma regra diferente. Agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, eletroeletrônicos e seus componentes têm o Recolhimento e destinação Mesmo sem incentivo – embalagens recicladas pagam os mesmos impostos de uma produzida com matéria-prima nova –, os projetos de reciclagem podem se tornar financeiramente sustentáveis. Pelo menos, essa é a experiência 38 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 “O recolhimento é uma parte pequena da questão; a destinação final dos resíduos é o mais importante.” João Silvério, sócio da área de Consultoria da Deloitte e especialista em supply chain dos setores de higiene pessoal e cosméticos e de limpeza, que operam desde 2008 um projeto que se encaixaria perfeitamente na PNRS e no acordo setorial que está sendo desenhado. “Capacitamos as cooperativas de reciclagem com treinamento e equipamentos e, depois de dois anos, já podemos deixar o projeto andar sozinho”, afirma Juliana. A empresa também tem um projeto de pontos de coleta de recicláveis nas lojas do Grupo Pão de Açúcar. Maria Eugenia conta que o modelo de apoio às cooperativas existentes ou à estruturação de novas unidades é o caminho para a indústria cumprir com as responsabilidades criadas pela PNRS. “Nossa experiência anterior nos permite saber, com fatos Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 39 Logística reversa em ação A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) traz aos fabricantes de produtos a necessidade de repensar a cadeia e as embalagens de forma cada vez mais eficiente e ampla. Da mesma forma, traz aos consumidores obrigações e penalidades, em caso de descumprimentos que afetem a destinação correta de resíduos. Obrigações e consequências Agentes Obrigações Penalidades para cada tipo de infração Consumidores Devolver produtos e embalagens que possam ser objeto de logística reversa (por exemplo, potes e embalagens de plástico) para os comerciantes, após o uso • Não cumprir com obrigações previstas nos sistemas de logística reversa e coleta seletiva pode causar advertência e, na reincidência, multa de R$ 50 a R$ 500. Comerciantes e distribuidores Fabricantes e importadores Devolver produtos ou embalagens reunidos ou coletados ao fabricante ou importador Dar a destinação ambientalmente adequada aos produtos e embalagens reunidos ou coletados Fonte: Felsberg e Associados Quem tem de fazer Setores com logística reversa obrigatória: ••Agrotóxicos; ••Pilhas e baterias; ••Pneus; ••Óleos lubrificantes; ••Lâmpadas fluorescentes; ••Eletroeletrônicos e seus componentes. 40 • Mundo Corporativo nº37 Julho-Setembro 2012 • Lançar resíduos em recursos hídricos ou a céu aberto, queimá-los sem licença, descumprir obrigação prevista no sistema de logística reversa e deixar de manter informações atualizadas e disponíveis sobre o sistema geram multas de R$ 5 mil a R$ 50 milhões. • Lançamento de resíduos em desacordo com leis e regulamentos leva à reclusão de um a cinco anos. • Produzir ou manusear substância perigosa em desacordo com leis e regulamentos ocasiona reclusão de um a quatro anos e multa. 52% menos papelão. Um dos números obtidos pela Unilever ao repensar a embalagem e a fórmula (agora, concentrada) do amaciante Comfort 30% do plástico utilizado na nova embalagem da água Crystal é de fonte renovável (cana-de-açúcar) e dados, o que dá certo ou não, além de conhecer os custos e desafios de montar uma cooperativa”, afirma a executiva da Abipla. As metas a serem assumidas pelas empresas podem ser um percentual de recolhimento sobre o total de embalagens produzidas ou um percentual de redução dos resíduos que chegam aos aterros sanitários. Ou seja, além do desafio logístico de recolher as embalagens usadas, há o desafio de dar uma destinação correta aos materiais recicláveis e aos resíduos que não podem ser reaproveitados. “O recolhimento é uma parte pequena da questão; a destinação final dos resíduos é o mais importante”, avalia João Silvério, sócio da área de Consultoria da Deloitte e especialista em supply-chain. Em último caso, ele defende que os resíduos poderiam ser queimados de forma ecológica para a geração de energia, como já ocorre na Alemanha. O descumprimento dos acordos setoriais pesará no bolso das empresas. “Os próprios acordos preverão sanções, mas o decreto de infrações administrativas ambientais também se aplica, com multas de R$ 5 mil a R$ 50 milhões”, explica o advogado Soler. Causar danos ambientais por lançar resíduos no meio ambiente também é crime, com pena de um a cinco anos de reclusão. Até os consumidores que não fizerem sua parte estarão sujeitos à advertência e, na reincidência, multa de R$ 50 a R$ 500 (leia mais sobre obrigações e punições no quadro da página ao lado). Aperfeiçoando todo o ciclo O sucesso dos sistemas de logística reversa dependerá de todos os elos, da produção ao consumo, mas não é só no recolhimento e na destinação que as empresas estão trabalhando para controlar seus resíduos. A Unilever, por exemplo, investiu no desenvolvimento de uma fórmula concentrada e de uma nova embalagem para o amaciante Comfort. Com o mesmo poder de ação sobre as roupas, o novo produto gasta 52% menos papelão, 58% menos plástico e 78% menos água. “Ainda há economia de combustível e redução nas emissões de gases do efeito estufa, devido à economia de espaço no transporte”, acrescenta a gerente Juliana. Juliana Marra, da Unilever: maior desafio da nova política de resíduos é fazer com que cada ator da cadeia cumpra sua parte A Coca-Cola lançou uma garrafa chamada Eco para a água mineral Crystal, que usa 20% menos plástico e pode ser torcida para ocupar menos espaço na destinação à coleta. Além disso, 30% do plástico usado na embalagem é de fonte renovável, feito a partir da cana-de-açúcar. “Desenvolver produtos concentrados, compactados ou em recipientes mais leves é uma saída buscada pela indústria, mas que exige investimentos em novas fórmulas, embalagens e linhas de produção”, diz Maria Eugenia, da Abipla. Iniciativas como essas surgiram antes da Política Nacional e, agora, podem ter um estímulo adicional pela força da lei. Mundo Corporativo nº 37 Julho-Setembro 2012 • 41 O mundo e a corporação O Brasil na visão dos fundos de investimentos A percepção externa sobre o Brasil vem mudando constantemente. Para sorte dos empreendedores locais, ela caminha para o lado positivo. Uma pesquisa realizada pela Deloitte no mundo todo, e que contou, no Brasil, com a colaboração da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e a opinião de 24 fundos que atuam por aqui, aponta o País como a segunda economia mais confiável para a realização de investimentos. Os Estados Unidos lideram o ranking. Esse mesmo estudo, realizado ao final do primeiro semestre do ano, mostrou 440 fundos de venture capital, private equity e equity investors de 36 países apontando seus níveis de confiança em relação a uma série de variáveis que impactam os investimentos globalmente, entre eles, o momento econômico vivido pelas nações. A atratividade dos investidores foi medida em uma escala de 1 a 5 (sendo 1 o mais baixo nível de confiança e 5 o mais alto). Percepção dos fundos Avaliação do nível de confiança dos entrevistados para a realização de investimentos ao redor do mundo Classificação “O empreendedor é o homem que realiza coisas novas e não, necessariamente, aquele que inventa.” Joseph Schumpeter, um dos mais importantes economistas da primeira metade do século 20 Nível de confiança País 1º Estados Unidos 3,64 2º Brasil 3,56 3º China 3,46 4º Israel 3,37 5º Índia 3,27 Fonte: “Tendências Globais em Venture Capital” (Deloitte e ABVCAP, 2012) MundoCorporativo Conselho editorial: Juarez Lopes de Araújo Heloisa Helena Montes Coordenação editorial: Renato Souza, Mtb 26.563 Edição: Julio Meneghini, Mtb 52.308 Produção editorial: Ester Rossi, Mtb 47.283 Sthefani Tironi, Mtb 43.533 Produção gráfica: Elisa Paulillo Pesquisa de imagens: Elisa Paulillo e Otavio Sarsano Colaboração: Abipla Alpargatas Arte: Mare Magnum Ambev Apex-Brasil Fotos: Ana Paula Paiva/Valor (Albert Fishlow) Equipav Eternit Claudio Belli/Valor (Alexandre H.Stern Schwartsman) Hospital Nove de Julho Renato Stockle (Juliana Marra) Ricardo Ayres (Armando C. Pinheiro) IBGC inpEV Walter Craveiro Novelis Reportagens e artigos: Osklen Albert Fishlow Unilever Guilherme Meirelles Pesquisas econômicas: Leandro Beguocci Fernando Ruiz, Giovanni Luciano Feltrin Cordeiro e Gabriel Cazotto Luiz Silveira Revisão: Miriam M. Soares Sonia Hagemann Gráfica: Burti Tiragem: 50.000 exemplares Contato para leitores: [email protected] (fone 11-5186-6686) O conteúdo dos artigos assinados pelos articulistas colaboradores e das entrevistas concedidas à Mundo Corporativo não reflete necessariamente as opiniões da Deloitte. Estão reservados à Deloitte todos os direitos autorais desta publicação. A reprodução de informações nela contidas está sujeita à autorização prévia, mediante consulta formal e citação de fonte. 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