DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA O PRIMEIRO-MINISTRO DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE, DR. RUI MARIA DE ARAÚJO, POR OCASIÃO DA 70ª SESSÃO DA ASSEMBLEIA-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS ONU, Nova Iorque 01 de outubro de 2015 Sua Excelência, Senhor Presidente da Assembleia-‐Geral das Nações Unidas Sua Excelência, Senhor Secretário-‐Geral das Nações Unidas Suas Excelências, Senhores Chefes de Estado e de Governo Senhoras e Senhores, É com dupla satisfação que hoje aqui me dirijo a esta prestigiada Organização. É, para mim, um privilégio poder usar da palavra pela primeira vez nesta Assembleia-‐Geral mas sobretudo porque estamos juntos, Estados-‐membros, a celebrar em conjunto o seu 70º (septuagésimo) aniversário. Este é indubitavelmente um momento histórico na vida das Nações Unidas onde podemos celebrar e refletir com honestidade os princípios e o espírito que estiveram na génese da criação desta Organização, e podemos ter também em conta os seus fracassos e sucessos ao longo destes 70 anos. Fracassos e sucessos esses que se encontram intimamente associados a vários acontecimentos mundiais, inclusive à origem da República Democrática de Timor-‐Leste, cujo estatuto como Estado soberano foi internacionalmente reconhecido em 20 de maio de 2002. Não obstante isso, o panorama mundial mudou drasticamente desde que a Carta das Nações Unidas foi assinada, há sete décadas, em 1945. Somos hoje uma Organização de 193 Estados-‐membros, muitos dos quais constituídos após o fim da Segunda Guerra Mundial. O mundo do século XXI é marcado por uma conjuntura de complexidades, desafios e oportunidades diferenciadas, que exige um ato integrado dos Estados. Se já na década de 40 tínhamos a ousadia de aclamar “nenhum país é uma ilha”, no nosso século, este adágio tornou-‐se ainda mais real, impulsionado pelo avanço das tecnologias de comunicação e transporte, transformando assim o mundo numa aldeia globalizada, onde a distância e a localização deixaram de ser um entrave à interação dos povos e dos Estados. Isto exige de nós um maior compromisso de entendimento e cooperação para melhor se capitalizarem as potencialidades e minimizar os riscos adversos desta nova realidade. O nosso compromisso com os princípios da Carta das Nações Unidas e com o sistema multilateral constitui assim um elemento indispensável na convivência da humanidade do nosso século. Hoje devemos, novamente, reafirmar o nosso empenho em “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra” e reiterar a “fé nos direitos humanos fundamentais”, na dignidade e igualdade para todos. Devemos reforçar o nosso compromisso para com a justiça e o respeito por todas as obrigações que emanam dos Tratados e do direito internacional de forma a promover “o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma maior liberdade”. Estes ideais são a base desta Organização, e têm guiado o seu trabalho desde que foi fundada, embora devamos reconhecer que ainda não conseguiram responder às aspirações de todos os povos em todas as nações do mundo. Este é o momento oportuno para revigorar os nossos esforços para a concretização dos nossos princípios. As Nações 2 Unidas necessitam, assim, de uma reforma que permita responder aos desafios colocados pela nova conjuntura do nosso século. A necessidade da reforma do Conselho de Segurança tem sido apontada como uma das reformas necessárias para tornar este Conselho mais representativo e equilibrado. Melhorar o sistema é a única maneira de nos podermos preparar para o longo caminho que temos pela frente de forma a concretizarmos e honrarmos a promessa de paz, segurança e direitos humanos para todos. Há poucos dias atrás, estivemos todos reunidos para lançar a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030. Através da mudança impressa nesta nova agenda, redefinimos o pilar de desenvolvimento das Nações Unidas e mudamos o planeta rumo a um desenvolvimento sustentável. A dinâmica da mudança deve agora estar virada para os restantes pilares desta Organização, paz e segurança, e direitos humanos. Senhor Presidente da Assembleia-‐Geral Minhas senhoras e meus senhores, A Organização das Nações Unidas nasceu da necessidade de estreitar as relações e o trabalho conjunto entre os vários Estados, perante um mundo consternado e marcado por estilhaços de guerra. Conflitos e violência ainda continuam a assolar-‐nos e milhões de pessoas continuam a ser obrigadas a abandonar os seus lares e os seus países. Atualmente regista-‐se o maior número de refugiados desde a II Guerra Mundial. E as estimativas indicam que este número tem tendência para aumentar. A estes juntam-‐se muitas outras pessoas que migram em busca de melhores oportunidades de vida. Vemos, diariamente, milhares de pessoas chegarem à Europa, tentando escapar ao perigo de vida que correm nas zonas de conflito como a Síria, o Iraque e o Afeganistão, entre muitos outros. É crucial que tenhamos em conta que, aos que são forçados a fugir das perseguições e dos conflitos armados deverá ser dada a proteção a que têm direito, à luz do direito internacional. Não podemos esquecer que as crises, onde quer que sejam, poderão arrastar-‐se e alastrar-‐se indiscriminadamente manifestando os seus efeitos na economia, na vida social, na paz e estabilidade das regiões e do mundo. Apesar dos avanços conseguidos desde o estabelecimento das Nações Unidas em 1945, devemos reconhecer que muito ainda está por fazer e concretizar. Ainda existem conflitos e crises na África, no Médio Oriente, na Ásia, na Europa e nas Américas. Ainda estão negados os direitos fundamentais do Povo Saharawi, da Palestina e muitos outros. Quando existem divergências, é preciso que os líderes reconheçam no diálogo um meio para alcançar um fim. Timor-‐Leste fica particularmente satisfeito e congratula os Estados Unidos da América e a República de Cuba pelo restabelecimento das relações diplomáticas fazendo votos para que o diálogo franco e aberto conduza rapidamente ao desbloqueio das relações económicas, financeiras e comerciais. Senhor Presidente da Assembleia-‐Geral, Minhas senhoras e meus senhores, 3 Existem novas e diferentes ameaças à paz, segurança e direitos humanos desde a criação das Nações Unidas. O terrorismo, o crime organizado e a violência extrema são novos adversários à paz e segurança internacional. As Nações Unidas e a comunidade internacional devem adaptar-‐se a estas novas ameaças de forma a assegurar um processo de construção da paz e construção do Estado inclusivo, responsável e transparente, tendo em vista o alcance da paz duradoura. Outros desafios, que talvez possam não ser tão constantes nas redes sociais, mas que igualmente nos afetam, são as alterações climáticas, e também perante estas se aproxima um momento decisivo para a comunidade internacional. As discussões que terão lugar no final deste ano, em Paris, deverão ter consequências universais, ambiciosas e juridicamente vinculativas. É tempo de agir em relação às alterações climáticas! O mundo inteiro está a caminhar para um consenso reconhecendo a urgência em combater as alterações climáticas, com os cidadãos, a sociedade civil e os líderes religiosos, como se constata pela mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco e a declaração feita pelos líderes muçulmanos, e sublinhando o dever moral de todos em proteger os mais vulneráveis e cuidar do planeta em que vivemos. Sabemos, também, que os impactos das alterações climáticas são ainda mais notórios nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento, que estão na linha da frente desta luta. As nossas ilhas vizinhas do Pacífico têm sofrido com as severas tempestades e com um aumento do número de desastres naturais às quais se juntam, como se estas não bastassem, a erosão dos solos e a elevação do nível do mar. Senhor Presidente da Assembleia-‐Geral, Minhas senhoras e meus senhores, Timor-‐Leste, que há treze anos faz parte da comunidade das Nações, está pronto para, contando com a sua experiência nacional, trabalhar e contribuir para a comunidade internacional. Apesar de ser uma jovem nação, isso nunca foi e nunca será razão para estarmos alheios aos acontecimentos e às realidades do mundo que partilhamos. Manifestámos oficialmente o nosso desejo em integrar a ASEAN, dinamizar o progresso dos países fragilizados através do grupo g7+ e aderimos aos mecanismos internacionais para a promoção da paz, da democracia, da justiça e dos direitos humanos. Assumimos, desde 2014, a Presidência pro tempore da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Queremos incutir nesta Comunidade de países irmãos uma nova dinâmica e trazê-‐la para o palco da globalização económica e de oportunidades de investimento para que estas se possam refletir na melhoria da condição de vida dos nossos povos, contribuindo igualmente para o desenvolvimento, paz e estabilidade dos povos do mundo. Tivemos a oportunidade de partilhar a nossa experiência com outros países e povos irmãos, como a Guiné-‐Bissau, São Tomé e Príncipe e a República Centro-‐Africana. 4 O envolvimento de Timor-‐Leste no palco da política internacional reflete a nossa convicção sobre a importância da solidariedade, respeito mútuo e cooperação para um mundo melhor. Também nós passámos recentemente por uma transição governativa. Depois de muitos anos a conduzir os destinos do país, a nossa liderança histórica, entre os quais o ex-‐ Primeiro-‐Ministro Xanana Gusmão e o ex-‐Presidente da República Dr. José Ramos-‐Horta aqui presentes, entendeu que fazia falta a Timor-‐Leste um modelo de democracia inclusiva. Essa inclusão democrática, que deu origem ao atual VI Governo Constitucional, foi conseguida de forma pacífica e dignificante. O Governo que tenho a honra de liderar, assume o compromisso de continuar a manter a paz e estabilidade anteriormente conquistadas, ao mesmo tempo que prosseguimos com os esforços desenvolvidos pelos Governos anteriores, no sentido de promover o crescimento e desenvolvimento do país e do bem-‐estar do nosso povo. Entretanto, o caminho a percorrer pelos Timorenses é ainda longo e árduo. Para além de termos ainda que consolidar as nossas instituições e promover o desenvolvimento sustentável, é consenso nacional em Timor-‐Leste trabalharmos pela afirmação plena da nossa soberania nacional à luz do direito e das normas internacionais. E essa afirmação plena da nossa soberania passa pela delimitação das nossas fronteiras marítimas com as duas grandes nações vizinhas: a Indonésia e a Austrália É princípio de Timor-‐Leste pugnar pela via negocial à luz do direito e das normas internacionais e, em casos onde o diálogo resulta em discórdia, optar pela utilização de mecanismos internacionais para a solução de diferendos. Timor-‐Leste, embora pequeno, tem vindo também a contribuir para o desenvolvimento das nações. No recente relatório do Painel Independente de Alto-‐Nível sobre Operações de Paz, chefiado pelo ex-‐Presidente da República Dr. José Ramos-‐Horta, foram propostas mudanças fundamentais para o futuro das operações de paz cujo impacto recai sobre a vida de muitos milhares de pessoas. As quatro grandes alterações propostas pelo Painel contribuem para melhorar a credibilidade, relevância e legitimidade das Nações Unidas, tornando-‐as efetivas na prevenção e resolução de conflitos, fazendo e mantendo a paz, para que os povos possam viver em segurança e em liberdade. Senhor Presidente da Assembleia Geral, Minhas senhoras e meus senhores, Ao longo dos últimos três anos temos assistido a um esforço, sem precedentes, dos Estados-‐membros das Nações Unidas e da comunidade em geral, para redefinir a nossa abordagem para o desenvolvimento sustentável. A Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030 representa um notável equilíbrio de interesses e prioridades. Um conjunto de objetivos que estão profundamente interligados e indivisíveis. 5 Timor-‐Leste está particularmente satisfeito com a inclusão do objetivo 16, reforçando os elementos essenciais da paz, da justiça e das instituições. Sabemos pela nossa própria experiência que esses elementos são cruciais para o nosso compromisso conjunto de “não deixar ninguém para trás” no nosso caminho rumo ao desenvolvimento sustentável. O objetivo 16 é a base para uma agenda verdadeiramente inclusiva e, conjuntamente com os objetivos 5 e 17, constitui a pedra angular para a realização dos outros objetivos. Timor-‐Leste está empenhado em trabalhar com outros países e parceiros de desenvolvimento, partilhando do pouco que tem, na implementação desses e de outros objetivos do desenvolvimento sustentável. Para terminar, quero ainda agradecer às Nações Unidas, na pessoa do seu Secretário-‐ Geral e do Senhor Presidente desta Magna Assembleia, a todos os Estados-‐membros das Nações Unidas aqui presentes, bem como a todos os setores da sociedade que nos apoiaram na nossa luta pela libertação até alcançarmos o reconhecimento de Estado soberano. É com humildade que mais uma vez expressamos o nosso profundo agradecimento e manifestamos o nosso compromisso em continuar a fazer parte desta grande equipa das nações que luta afincadamente por um mundo mais próspero, justo e pacífico, pois acreditamos que as nações (quando) unidas são muito mais fortes e produzem melhores resultados. Muito obrigado. Dr. Rui Maria de Araújo 1 de Outubro de 2015 6