Deficiência da Proteína B do Surfactante na proteinose alveolar congênita N Engl J Med 1993;328 (6):406-410 Apresentação: Romina S. Heredia G. Silva (Residente-Genética) Coordenação: Paulo R. Margotto Escola Superior de Ciências da Saúde/ESCS/SES/DF www.paulomargotto.com.br Brasília, 3 de outubro de 2010 Brief report: deficiency of pulmonary surfactant protein B in congenital alveolar proteinosis. Nogee LM, de Mello DE, Dehner LP, Colten HR. N Engl J Med. 1993 Feb 11;328(6):406-10. (Artigo Integral!) INTRODUÇÃO A proteinose alveolar pulmonar congênita é uma causa incomum de insuficiência respiratória em RNT. Embora histopatologicamente é parecida com as proteinoses alveolares observadas em crianças maiores e adultos, a forma congênita da doença tem um curso clínico diferente. Todos os RN com proteinose alveolar congênita morreram durante o primeiro ano de vida apesar de tratamento médico adequado. INTRODUÇÃO (cont.) A incidência e a causa desta doença são desconhecidas. Casos familiares foram reportados e tem sido especulado que a causa é um erro inato do metabolismo do surfactante. Neste relato são descritos dois irmãos com doença de curso clínico típico e características histopatologicas de proteinose alveolar congênita. RELATO DE CASO O paciente-caso é um menino de 3600 g, quinto filho de casal não consanguíneo. Nascimento por cesárea às 40 semanas por apresentação pélvica, febre e hipertensão maternas. Pouco tempo após o nascimento apresentou desconforto respiratório, necessitando intubação e VM com O2 100%. RxTórax: infiltrações difusas e broncograma aéreo. Com 60h de vida foi instituída oxigenação por membrana extracorpórea por hipoxemia refratária (tratamento mantido durante 14 dias sem melhora da função pulmonar). Realizou tratamento antibiótico parenteral e corticóide. Hemoculturas para bactérias e vírus: negativas. RELATO DE CASO (cont.) Com 2 meses de idade recebeu duas doses de surfactante exógeno. Aos 3 meses de idade foi realizada biópsia pulmonar, que apresentou características de proteinose alveolar (material proteináceo granular e eosinofílico, PAS+, macrófagos alveolares espumosos e células alveolares epiteliais descamadas; fibrose intersticial e hiperplasia de células epiteliais alveolares). O paciente foi a óbito aos 5 meses de idade por insuficiência respiratória progressiva. RELATO DE CASO (cont.) Nem os pais nem os três irmãos vivos tinham história de doença pulmonar. Dezenove anos antes, uma irmã recém-nascida a termo, 3750g, foi a óbito por doença respiratória com 1 mês de idade. As lâminas da autópsia da irmã foram reexaminadas e evidenciaram alterações compatíveis com proteinose alveolar e displasia broncopulmonar. MÉTODOS Pacientes: tecido pulmonar para controle foi obtido de pacientes submetidos a transplante pulmonar por doença pulmonar terminal. ♀, 2 anos, displasia broncopulmonar (tinha recebido O2 a 100% - VM-ventilação mecânica) ♂, 15 e 11anos, hipertensão pulmonar (não tinham recebido O2) ♀, 13 anos, síndrome de desconforto respiratório do adulto -SDRA (tinha recebido O2 a 100% -VM- e tratamento com corticosteróide) ♀, 17 anos, fibrose cística (tinha recebido O2 suplementar) ♂, 18 anos: sem doença pulmonar As amostras foram obtidas no momento da cirurgia e congeladas imediatamente em nitrogênio líquido. MÉTODOS (cont.) Como controle positivo da análise imuno-histoquímica foi utilizado tecido pulmonar obtido da autópsia de uma menina de 19dias de vida, recém-nascido a termo, com diagnóstico de síndrome da aspiração de mecônio (SAM) que recebeu O2 100% em Ventilação Mecânica (VM) e oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) MÉTODOS (cont.) Exames realizados: Imuno-histoquímica, com anticorpos dirigidos contra as proteínas do surfactante A, B e pró-proteína C (SP-A, SP-B e proSP-C). Eletroforese e immunoblot das proteínas do surfactante (SP-A, SP-B e proSP-C). Análise de RNA do tecido pulmonar com cDNA. RESULTADOS Immunoblot: SP-B foi detectada no tecido pulmonar dos controles mas estava ausente no caso. SP-A foi detectada em níveis semelhantes em todas as amostras (caso e controles). proSP-C foi detectada em todas as amostras porém, no caso, os níveis dessa proteína foram maiores. No tecido pulmonar do caso foi identificada com o antiproSP-C, uma proteína de 6-kd (dímero da SP-C, produto da clivagem parcial da pro-SP-C?) Immunoblot BPD: displasia broncopulmonar Vejam a ausência da SP-B no presente caso RESULTADOS (cont.) Análise imuno-histoquímica: Paciente com SAM (controle) → SP-B presente nos pneumócitos tipo II e nos espaços alveolares. Paciente com proteinose alveolar congênita (caso) → ausência de SP-B, tanto nos pneumócitos como no material proteináceo intra-alveolar. Esse material corou intensamente para SP-C e para SP-A. A extensão e intensidade da coloração para SP-C foi maior no caso que nos controles. Obs.: na irmã do caso foram observadas as mesmas alterações. Análise Imuno-histoquímica para SP-B As setas fina e grossa e as estrelas mostram A SP-B no pneumócito II e no espaço aéreo Ausência de SP-B Análise Imuno-histoquímica para SP-C Presença de SP-C no epitélio alveolar RESULTADOS (cont.) No paciente controle, a distribuição e intensidade da coloração para SP-A e SP-C foi similar à observada em outras crianças. Análise de RNA: mRNAs de SP-A e SP-C foram encontrados em todas as amostras de tecido pulmonar analisadas. mRNA de SP-B foram encontradas em todas as amostras analisadas, EXCETO no caso. Esse resultado sugere que a falta de SP-B no paciente caso foi devida a um mecanismo pré-tradução – por uma diminuição na transcrição do gene SP-B ou pela produção de um mRNA SP-B instável. RNA Blot Observem a ausência do RNA mensageiro para a SP-B mo caso! DISCUSSÃO O surfactante pulmonar é uma mistura complexa de lipídios e proteínas que reduz a tensão superficial e a interface ar – líquido. A diminuição do surfactante pulmonar é a principal causa de desconforto respiratório em prematuros. Várias proteínas são essenciais para a função do surfactante: SP-A glicoproteína, importante no metabolismo do surfactante e nas defesas do hospedeiro. SP-B e SP-C aumentam a taxa na qual os fosfolipídios do surfactante são adsorvidos para a interface ar-líquido. DISCUSSÃO (cont.) As deficiências hereditárias de proteínas específicas do surfactante poderiam causar doença respiratória em RN. Os dois irmãos descritos neste relato tinham características clínicas e histopatológicas de proteinose alveolar congênita e uma deficiência específica de SP-B. A deficiência hereditária de SP-B poderia ser a causa da doença respiratória desses irmãos. DISCUSSÃO (cont.) SP-B é uma proteína expressa específicamente no pulmão e é importante para o metabolismo do surfactante. Os mecanismos exatos pelos quais a deficiência de SP-B leva a alteração histopatologica parecida à proteinose alveolar são pouco claros. A ausência de mRNA de SP-B explica a diminuição de SP-B. DISCUSSÃO (cont.) O tratamento com glicocorticóides e a exposição à hiperoxia têm sido associados a um aumento de expressão de SP-B. Os achados imuno-histoquímicos no tecido pulmonar da irmã indicam que ela também tinha deficiência de SP-B, o que sugere um mecanismo genético. DISCUSSÃO (cont.) É desconhecido se crianças provenientes de outras famílias e com proteinose alveolar congênita, são deficientes em SP-B. Finalmente, o prognóstico de lactentes com proteinose alveolar congênita é ruim, ainda com o uso de membrana de oxigenação extracorpórea. A lavagem pulmonar terapêutica também tem sido considerada. DISCUSSÃO (cont.) Se a deficiência de SP-B é a causa da proteinose alveolar congênita, a terapia de reposição (administração de proteína aerosolizada, terapia gênica ou transplante pulmonar) poderia ser necessária para tratar esta doença. Addendum Na data da publicação do artigo, tinha nascido na família do caso, outra criança aparentemente afetada. Desenvolveu doença pulmonar severa no período neonatal. A análise por immunoblot do líquido amniótico e do fluido de lavado pulmonar evidenciou um aumento marcado de SP-C e SP-B indetectável. Consultem também: Caso Clínico: Desconforto respiratório no recém-nascido a termo Autor(es): Daniele Muniz, Paulo R. Margotto Embora não tenha sido um caso de deficiência congênita de SP-B, Aproveitamos o caso e discutimos esta possibilidade. B A C D Observamos na Fig. A o espalhamento do surfactante na superfície alveolar; o surfactante é sintetizado no pneumócito II e é injetado na superfície alveolar, espalhando-se como uma camada monomolecular sobre o epitélio alveolar. Na Fig B observamos a estrutura de um pneumócito II com secreção do surfactante (seta) em um aumento de 8300 vezes. Na Fig C, observamos o surfactante (seta) no espaço alveolar sobre o pneumócito II (vejam a projeção dos microvilos do pneumócito II no filme de surfactante; aumento de 56000 vezes). Na Fig D, com um aumento de 160000 vezes, observamos o conteúdo dos corpos lamelares sendo entregue no espaço alveolar (de Morgenroth K, 1998). Surfactante pukmonar Autor(es): Paulo R. Margotto