Conflito entre Patronímico
e Marca Empresarial
Fátima Nancy Andrighi
Ministra do Superior Tribunal de Justiça.
FÁTIMA NANCY ANDRIGHI • 49
1.
INTRODUÇÃO
o nome da pessoa natural talvez seja o mais básico dos direitos de perso­
nalidade. Todo ser humano é digno de um nome, composto por prenome e
patronímico, pelo qual será identificado em sociedade.
O art. 16 do Código Civil de 2002 ("CC/02") deixou claro esse fato ao
estabelecer que "toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e
o sobrenome".
No entanto, os direitos de personalidade não se limitam às pessoas natu­
rais, pois, nos termos do art. 52 do CC/02, "aplíca-se às pessoasjurídicas, no que
couber, a proteção dos direitos de personalidade'~.
Entre os direitos de personalidade claramente identificáveis nas pessoas
jurídicas está o nome empresarial. Ainda que grassem divergências na doutri­
na, é certo que o CC/02 considerou, em seu art. 1.164, que o nome empresa­
rial não pode ser objeto de alienação, ou seja, reconheceu neste direito uma
das características mais marcantes que se encontram nos demais direitos de
personalidade.
Não há que se confundir, obviamente, o direito ao nome empresarial
com o direito de marca. Este não integra a personalidade do seu titular; a
marca, como parte do patrimônio de uma empresa, é apenas designativa de
um produto, e sua violação acarreta, diretamente, danos materiais. O contra­
fator se benefiCia - e causa prejuízos concretos - porque usurpa a clientela do
titular da marca, seja inserindo no mercado produto indevidamente manufa­
turado, seja porque deixa de pagar àquele os royalties devidos de acordo com o
que é exigido para a correta exploração de marca pertencente a terceiros. Esse
é, aliás, o claro conteúdo do art. 210 da Lei 9.279/961 ,
Porém, em certos casos, a contrafação de marca pode ter consequências
que vão além da simples diferença entre o que foi vendido e o que poderia ter
2
No mesmo sentido, vide CHINELLATO, Silmara Juny. Da responsabilidade civil no Código de
2002: aspectos fundamentais. Tendências do direito contemporâneo. In: TEPEDINO, Gustavo;
FACHIN, Luiz Edson (coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 939-968.
Art. 210. "Os lucros cessantes serao determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado,
dentre os seguintes: I - os beneficios que o prejudicadn teria auferidn se a violação não tivesse
ocorrido; ou II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou III
a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão
de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem".
50 - COMUTO ENTRE PATRONíMICO E MARCA EMPRESARIAL
sido comercializado; assim, a simples diferenciação formal entre nome e mar­
ca não esgota a problemática que envolve os dois institutos, podendo, por isso,
se revelar demasiadamente simplista.
A análise de uma hipótese exemplificativa pode ajudar a visualizar a
questão. A 3" Turma do ST], ao julgar o REsp 466.761/R], de minha relato­
ria, D] 04/08/2003, constatou que produtos vinculados a uma marca inter­
nacionalmente conhecida por sua exclusividade e destinados ao atendimento
de público de altíssimo poder aquisitivo estavam sendo vulgarizados a partir
da oferta, por contrafator, de similares falsificados.
Na análise da questão, verificou-se que, muito embora não tenha restado
provada nos autos a efetiva comercialização das falsificações, havia necessidade
de evolução da jurisprudência então dominante no ST] - que se orientava no
sentido de equiparar os danos materiais à constatação da venda dos produtos
- para dar interpretação mais ampla ao art. 209 da Lei nO 9.279/96, pois
"aquele que estaria disposto a comprar, por uma soma considerável, produto exclusi­
vo, elaborado pelo titular da marca em atenção a diversos padrões de qualidade,
durabilidade e segurança, não mais ofaria se talproduto fosse vulgarizado por meio
de uma falsificação generalizada".
Assim constatada a existência de danos materiais, prosseguiu-se na aná­
lise do problema de forma a verificar que não só a marca era violada naquela
situação, mas a própria reputação comercial de seu titular era atingida na medi­
da em que este prezava a imagem de exclusividade de seus produtos perante
consumidores de alta renda. Por isso, se concluiu que 'a prática de falsificação,
As relações próximas en!
empresarial podem se manif(
demonstrar a vulgarização da
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recentemente tratado pelo S
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- O dano moral correspOl
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- Certos direitos de pers
nos termos do art. 52 do
em razão dos ifeitos que irradia,fere o direito à imagem do titular da marca, o que
- Compensam-se os dan
autoriza, em conseqüência, a repararão por danos morais".
identidade lesado pela c
Para além da questão da vulgarização, deve-se reconhecer que a contra­
fação também pode lesar a honra objetiva do titular da marca na medida em
que os produtos contrafeitos revelem qualidade precária. A má qualidade dos
produtos ordinariamente é acompanhada da insatisfação do consumidor, que
deixa de comprar produtos semelhantes e, sobretudo, passa a ter uma imagem
negativa do fornecedor, não se furtando a repassar, a seus conhecidos, as más
impressões que lhe marcaram quando da utilização de produto de baixa qua­
lidade. Nesse contexto, embora o consumidor tenha sido vítima de um engo­
do - pois fez uso, sem notar, de produto contrafaturado inferior ao original-,
quem passa a ser mal visto não é o contrafator, mas o empresário vítima da
contrafação. Em resumo, o titular da marca se torna duplamente vítima.
Recurso especial providc
Na hipótese, reconhece
não eram absolutamente idêr
perícia técnica constatado q
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provas relativas à qualidade
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diferenciação formal entre nome e mar­
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clusividade e destinados ao atendimento
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-se que, muito embora não tenha restado
zação das falsificações, havia necessidade
ominante no STJ - que se orientava no
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ao art. 209 da Lei n° 9.279/96, pois
ar uma soma considerável, produto exc/usi­
atenção a diversos padrões de qualidade,
'a se talprodutofosse vulgarizado por meio
FÁTIMA NA,NCY ANDRIGHI -
51
As relações próximas entre violação à marca e direito de personalidade
empresarial podem se manifestar, porém, mesmo quando não seja possível
demonstrar a vulgarização da marca ou o deficit de qualidade da contrafação
em comparação com o produto legítimo. Nesse sentido, interessante caso foi
recentemente tratado pelo STJ em precedente de minha relatoria (REsp
1032014/RS, ReI. Ministra Nancy Andrighi, 3 a Turma, julgado em 26/05/
2009, DJe 04/0612009), cujo acórdão ficou assim ementado:
"Direito empresarial. Contrafação de marca. Produto falsificado cuja qua­
lidade, em comparação com o original, não pôde ser aferida pelo Tribunal
de Justiça. Violação da marca que atinge a identidade do fornecedor. Di­
reito de personalidade das pessoas jurídicas. Danos morais reconhecidos.
- O dano moral corresponde, em nosso sistema legal, à lesão a direito de
personalidade, ou seja, a bem não suscetível de avaliação em dinheiro.
Na contrafação, o consumidor é enganado e vê subtraída, de forma
ardil, sua faculdade de escolha. O consumidor não consegue perceber
quem lhe fornece o produto e, como consequência, também o fabricante
não pode ser identificado por boa parte de seu público alvo. Assim, a
danos materiais, prosseguiu-se na aná­
que não só a marca era violada naquela
rial de seu titular era atingida na medi­
exclusividade de seus produtos perante
se concluiu que 'a prática de folsiJicação,
ireito à imagem do titular da marca, o que
or danos morais".
ção, deve-se reconhecer que a contra­
tíva do titular da marca na medida em
qualidade precária. A má qualidade dos
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s e, sobretudo, passa a ter uma imagem
~o a repassar, a seus conhecidos, as más
~ da utilização de produto de baixa qua­
sumidor tenha sido vítima de um engo­
lto contrafaturado inferior ao original -,
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marca se torna duplamente vítima.
contrafação é verdadeira usurpação de parte da identidade do fabri­
cante. O contrafator cria confusão de produtos e, nesse passo, se faz
passar pelo legítimo fabricante de bens que circulam no mercado.
- Certos direitos de personalidade são extensíveis às pessoas jurídicas,
nos termos do art. 52 do CC/02 e, entre eles, se encontra a identidade.
Compensam-se os danos morais do fabricante que teve seu direito de
identidade lesado pela contrafação de seus produtos.
Recurso especial provido".
Na hipótese, reconheceu-se que o produto original e o contrafaturado
não eram absolutamente idênticos; porém, eram muito semelhantes, tendo a
perícia técnica constatado que 'as figuras e seus conjuntos são szificientemente
semelhantes para confundir". Não houve, no curso do processo, a produção de
provas relativas à qualidade da falsificação; porém, independentemente de
prova acerca da má qualidade do produto, e sendo incabíveis quaisquer consi­
derações a respeito da exclusividade deste (pois tratava-se de violação a marca
de papéis para cigarros, produto de baixo custo), ainda assim foi possível reco­
nhecer a o/ênsa moral à empresa titular da marca, pois,
52· CONFLITO ENTRE PATRONíMICO E MARCA EMPRESARIAL
"se o consumidor não consegue perceber quem lhe fixnece o produto,
também é verdade que o fabricante não consegue ser identificado por
boa parte de seu público alvo. Assim, o fornecedor se mostra ao consumi­
dor mais por suas marcas exclusivas que propriamente por seu nome
comercial. A marca designa o produto e, direta ou indiretamente, também
indica quem é o seu fabricante. A contrafação é verdadeira usurpação de
parte da identidade do tàbricante. O contrafator cria confusão de produ­
tos e, nesse passo, se faz passar pelo legítimo fàbricante de bens que
circulam no mercado. (... ) A identidade é deturpada quando o causador
do dano consegue criar na mente dos consumidores confusão sobre quem
são os diversos competidores do mercado, duplicando os fornecedores de
um produto que deveria ser colocado em circulação apenas por aquele
que é titular de sua marca. Nessa linha de raciocínio, a usurpação de
marca alheia pode ser vista como a violação a esse essencial direito de
personalidade, qual seja, o direito à identidade".
Portanto, a análise da contrafação a partir do prisma dos consumidores
afetados é suficiente para reconhecer que, em alguns casos, haverá reflexos
morais da prática ilícita sobre a própria personalidade da empresa, e não só
sobre suas marcas diretamente consideradas como parte de seu patrimônio.
2.
PATRONíMICO VERSUS NOME EMPRESARIAL
Ao contrário do que ocorre com as marcas no território nacional, os no­
mes das pessoas naturais não gozam de exclusividade. Por isso, proliferam as
homonímias sem que a primeira pessoa designada com um nome possa impe­
dir outra de receber idêntica denominação.
As características peculiares que marcam o nome civil e a marca fazem
surgir, com cada vez mais frequêncía, interessantes litígios em que esses dois
direitos se opõem. Com efeito, inúmeras atividades empresariais se iniciam sob
o signo de seus fundadores e, com o sucesso econômico, é comum que o
patronímico familiar passe a ser registrado como marca. Assim, exemplos como
Ferrari, Armani, Benetton, Mc Donalds, Safra, entre outras, nos remetem a
conhecidos produtos e serviços, assim como a seus fundadores ou controladores.
Ocorre que não é natural que o fundador de uma empresa seja o único
ser humano na fàce da Terra a possuir o patronímico que passa a identificar
sua atividade. Tal situação, a rigor, parece mais uma obra de ficção do que algo
efetivamente verificávl
de sucesso de atividadl
a pessoa jurídica por e
nímico em sua ativid
pessoas que portem o
A análise que ora
flito entre patronímicc
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tronímico familiar e a
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expressão Maeda utiliza
agr{cola é oquefica em ti
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ou serviço afins. Por
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do art. 8° da Lon'uem:ú1
406.763/SP, Terceira
Por outro lado, a
lide entre Odebrecht
"sobre a pretensão (...)
Propriedade l11tJrurtr1l1.fl
é notório e globalizado
e Indústria de Cqft
FÁTIMA NANO ANDRIGHI-
n lhe fornece o produto,
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~res confusão sobre quem
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ção apenas por aquele
ciocínio, a usurpação de
a esse essencial direito de
53
efetivamente verificável; na prática, o que ocorre com frequência, nesses casos
de sucesso de atividade empresarial sob o signo do fundador do negócio, é que
a pessoa jurídica por ele comandada ganha exclusividade para utilizar o patro­
nímico em sua atividade, impedindo que outros familiares seus (ou outras
pessoas que portem o mesmo sobrenome) se comportem de igual maneira.
A análise que ora empreendo volta-se a esse problema específico do con­
flito entre patronímico e marca empresarial.
Em algumas oportunidades a Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça teve oportunidade de apreciar disputas em que se contrapunham pa­
tronímico familiar e a marca empresarial .
Ao julgar o recurso especial in terposto por Agropem Agro Pecuária Maeda
SI A em face de Comercial Agrícola Maeda de Itu Ltda., reformou-se acórdão
que havia estabelecido a seguinte conclusão: "quem opta por registrar marca ou
razão social usando patronímico, submete-se à coincidência por outras empresas".
do prisma dos consumidores
alguns casos, haverá reflexos
alidade da empresa, e não só
mo parte de seu patrimônio.
Sustentou-se, naquela oportunidade, que a recorrente tinha marca e
denominação anteriores à da recorrida, mas a fundamentação centrou-se no
direito ao nome, concluindo-se que, ''sendo o núcleo forte da denominação, a
expressão Maeda utilizadapor ambas as empresas em atividades similares do comércio
agrícola é o quefica em termos de prqjeção de imagem. Assim, a simultaneidade de seu
uso por empresas diversas, mas de mesmo campo de atuação mercadológica, é capaz
de prijudicar a conquista ou a manutenção de uma clientela vinculada a um produto
no território nacional, os no­
ividade. Por isso, proliferam as
da com um nome possa impe­
ou ser'viço afins. Por esta razão, deve prevalecer a proteção legal àquele que primeiro
teve o nome registrado na junta comerciar.
Assim, a "circunstância do uso de patronímico não altera o princípio maior da
proteção ao nome comercial, subordinado ao princípio da anterioridade, nos termos
o nome civil e a marca fazem
tes litígios em que esses dois
des empresariais se iniciam sob
o econômico, é comum que o
o marca. Assim, exemplos como
, entre outras, nos remetem a
eus fundadores ou controladores.
or de uma empresa seja o único
b-onímico que passa a identificar
uma obra de ficção do que algo
ks
do art. 8° da Convenção de Paris, na forma da revisão de Haia de 1925" (REsp
406.763/SP, Terceira Turma, ReI. Min. Menezes Direito, DJ 11.11.2002).
Por outro lado, a Qyarta Turma do Superior Tribunal de Justiça apreciou
lide entre Odebrecht Com. e Ind. de Café Ltda. e Odebrecht SI A, que versava
''sobre a pretensão (. .. ) de anular registros ifetuadosjunto ao Instituto Nacional da
Propriedade Industrial- INPI (.. .) relativos à marca 'Odebrecht', patronímico dos
sócios fundadores de ambos os litigantes, protegendo, com isso, o nome comercial da
mesma", concluindo, naquela oportunidade, que "o nome comercial da recorrente
é notório e globalizado e, como constante dos autos, a recorrida Odebrecht Comércio
e Indústria de Ctifé Ltda tem como atividade a produção de café solúvel, torrado e
54 - CONFLITO ENTRE PATRONíMICO E MARCA EMPRESARIAL
em grão, participando, inclusive do mercado externo, o quepoderia acarretar confusão
aos consumidores desses países" (AgRg no REsp 653.609, Qyarta Turma, ReI.
Jorge Scartezzini, DJ 06.12.2004).
Desses precedentes extrai-se a regra geral de que o sócio não tem o direi­
to irrestrito de emprestar seu patronímico à sociedade que venha a constituir
com base na simples alegação de que tal sobrenome lhe pertence como direito
de personalidade enquanto pessoa física, na medida em que indica a sua as­
cendência familiar. Ao contrário, seu patronímico só poderá compor o nome
social se forem respeitados os direitos de terceiros anteriormente estabelecidos
(marca e denominação social já existentes).
3. O
LITíGIO ENVOLVENDO A MARCA "KOCH"
~1ais
recentemente, essa discussão se desdobrou em uma situação fática
que apresentava contornos bem particulares e que merecem ser ressaltados.
Tratava-se de litígio que envolvia a família "Koch". Ernesto fundou, jun­
tamente com seu pai, Durval, e sua esposa, as sociedades autoras para exercer
a advocacia (Koch Advogados Associados S.e.) e a prestação de serviços jurí­
dicos diversos. A segunda autora, Koch Consultoria e Assessoria Empresarial
Ltda., obteve registro da marca nominativa "Koch" em 03.08.1993.
Posteriormente, Augusto, que tradicionalmente se dedicara à atividade
imobiliária, concluiu seu curso de Direito e, juntamente com seus filhos, Jimmy
Bariani Koch e Dennis Bariani Koch, fundou a sociedade de advogados re­
querida, denominada Koch & Koch Advogados e Consultores S/C.
Com este substrato fático em vista, praticamente incontroverso nos au­
tos, a inicial pretendeu que fosse reconhecido o seguinte: (i) Koch Consulto­
ria e Assessoria Empresarial Ltda. tem direito exclusivo à utilização da marca
"Koch" em seu seguimento de atividade; (ii) a requerida praticou concorrên­
cia desleal, ressaltando que a denominação "Koch & Koch Advogados e Con­
sultores S/C" é uma reunião dos signos linguísticos que compõem a
denominação das autoras, Koch Advogados Associados S.C. e Koch Consul­
toria e Assessoria Empresarial Ltda; (iii) consequentemente, a requerida ha­
veria de se abster de utilizar a expressão "Koch" (especialmente no início da
razão social e seguida do termo "advogados"), bem como indenizar-lhe os
prejuízos causados.
A sentença reconhece,
provas documentais e testeml
mais, que "não há eventual a
o nome Koch está diretament.
O acórdão proferido I
gunda autora, Koch Consul
tro da marca nominativa
fundada a sociedade de ad,
Consultores S/C.
Não obstante, aquela
se depreende da seguinte e
"APELAÇÃO CÍVl
RIA. PROTEÇÃO
de atividade desenvo:
que a integram. As ai
los consumidores en
qualidades das pessc
produzida. Ademais
possa evidenciar a e:
APELO IMPROVl
O STJ debruçou-se
SI
.
(casos "M aed"
flores
a e "O(
cavam à hipótese, pois dizi
mercantis. A lide que env
peculiaridade, pois as soei
ciam a advocacia e consul
De fato, as hipótese
advogados deve indicar e
seus sócios. O art. 16, §1o
dos, determina que a "ra
menos, um advogado resp
falecido, desde queprevista
uma obrigatoriedade leg
sócios, ao contrário do qu
limitadas ou sociedades
FÁTIMA
oexterno, oquepoderia acarretar confusão
O REsp 653.609, Qyarta Turma, ReI.
a geral de que o sócio não tem o direi­
ico à sociedade que venha a constituir
sobrenome lhe pertence como direito
, na medida em que indica a sua as­
atronímico só poderá compor o nome
e terceiros anteriormente estabelecidos
tes).
MARCA "KOCH"
se desdobrou em uma situação fática
ares e que merecem ser ressaltados.
a família "Koch". Ernesto fundou, jun­
osa, as sociedades autoras para exercer
os S.C.) e a prestação de serviços jurí­
Consultoria e Assessoria Empresarial
tiva "Koch" em 03.08.1993.
dicionalmente se dedicara à atividade
o e, juntamente com seus filhos, Jimmy
fundou a sociedade de advogados re­
vogados e Consultores S/C.
, praticamente incontroverso nos au­
ecido o seguinte: (i) Koch Consulto­
direito exclusivo à utilização da marca
ej (ii) a requerida praticou concorrên­
~ão "Koch & Koch Advogados e Con­
~gnos linguísticos que compõem a
~dos Associados S.C. e Koch Consul­
íi) consequentemente, a requerida ha­
lo "Koch" (especialmente no início da
.gados"), bem como indenizar-lhe os
NANCY ANDRIGHI -
55
A sentença reconheceu que "não há nos autos e istoficou demonstrado pelas
provas documentais e testemunhais que não há concorrência desleal (sic)" e, ade­
mais, que "não há eventual confusão entre as marcas, porqueficou demonstrado que
o nome Koch está diretamente vinculado às suas pessoasfúicas".
O acórdão proferido pelo TJlRS estabeleceu os seguintes fatos: (i) a se­
gunda autora, Koch Consultoria e Assessoria Empresarial Ltda., obteve regis­
tro da marca nominativa "Koch" em 03.08.1993; (ii) posteriormente foi
fundada a sociedade de advogados denominada Koch & Koch Advogados e
Consultores S/C.
Não obstante, aquela Corte manteve a conclusão da sentença, conforme
se depreende da seguinte ementa:
"APELAÇÃO CÍVEL. POSSE E PROPRIEDADE. ORDINÁ­
RIA. PROTEÇÃO DE MARCA REGISTRADA. Tratando-se
de atividade desenvolvida pelas partes vincula-se as pessoas naturais
que a integram. As atividades desenvolvidas não são procuradas pe­
los consumidores em decorrência do nome de empresa, mas pelas
qualidades das pessoas que a integram, nesse sentido a prova oral
produzida. Ademais, não existe nos autos qualquer elemento que
possa evidenciar a existência de concorrência desleal ou confusão.
APELO IMPROVIDO".
O STJ debruçou-se sobre o tema, afirmando que seus precedentes ante­
riores (casos "Maeda" e "Odebrecht", anteriormente mencionados) não se apli­
cavam à hipótese, pois diziam respeito ao litígio existente entre duas sociedades
mercantis. A lide que envolvia a família Koch, ao contrário, apresentava uma
peculiaridade, pois as sociedades fundadas pelos membros dessa família exer­
ciam a advocacia e consultoria jurídica.
De fato, as hipóteses se extremam uma da outra porque a sociedade de
advogados deve indicar em sua razão social o nome de, pelo menos, um de
seus sócios. O art. 16, §1°, da Lei 8.934/94, ao regular a sociedade de advoga­
dos, determina que a "razão social deve ter, obrigatoriamente, o nome de, pelo
menos, um advogado responsável pela sociedade, podendo permanecer o de sócio
folecido, desde que prevista tal possibilidade no ato constitutivo". Existe, portanto,
uma obrigatoriedade legal para o aproveitamento do patronímico de um dos
sócios, ao contrário do que ocorre nas sociedades mercantis, pois estas, quando
limitadas ou sociedades anônimas - tipos que representam a grande maioria
56 - CONFlITO ENTRE PATRONIMICO EMARCA EMPRESARIAL
das sociedades comerciais -, podem adotar denominação social que contenha
elemento fantasia diverso do patronímico de seus sócios3 .
Assim, a regra que se extrai dos julgados até então proferidos pelo STJ,
segundo a qual limita-se a liberdade do sócio de emprestar seu patronímico à
denominação da sociedade, não poderia ser simplesmente transplantada para
a sociedade que congrega profissionais liberais, como advogados, em que a lei
exige a identificação pessoal dos sócios.
O Superior Tribunal de Justiça não estava, portanto, diante de um co­
mum conflito entre marca e denominação social semelhantes, cuja solução se
dá, simplesmente, pela prevalência do direito mais antigo.
Embora as autoras tenham primeiramente registrado a marca "Koch",
sendo titulares, nos termos do art. 129, Lei 9.279/96, de "seu uso exclusivo em
todo o território nacional" para o segmento de prestação de serviços jurídicos, o
fato é que a requerida, sociedade de advogados composta por Rogério Augusto
Koch, Jimmy Bariani Koch e Dennis Bariani Koch, deveria, nos termos do
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, ser dotada de razão social que
indicasse, no mínimo, o nome de um destes seus sócios.
O Superior Tribunal de Justiça se via diante do desafio de compatibilizar
a titularidade da marca "Koch" com a denominação da sociedade requerida,
cujos sócios pertenciam à família Koch.
Na busca de uma solução justa para o litígio, o Superior Tribunal de
Justiça percebeu a ratio legis que orienta a interpretação do art. 16, § 10, da Lei
8.934/94. Eugênio R. Haddock Lobo e Francisco Costa Netto, ao comentar
disposição de teor idêntico ao referido artigo, já diziam que sua função era
"permitir que os terceiros identifiquem a sociedade de advogados pelo nome de seus
componentes ou, pelo menos, de um deles, o responsável por ela''''.
Paulo Lôbo, por sua vez, assevera que "não há liberdade na composição do
nome da sociedade de advogados. O nome deve expressar com clareza suafinalidade,
não sendo admitidos nome de fantasia, símbolos ou acréscimos comuns nas ativida­
des mercantis". E sobre a finalidade do aludido dispositivo legal, lembra que
"mesmo nos Estados Unidos, ~
advogados, há forte recomendt
American Bar Association (EC
gados associados, porque o uso t<
identidade, responsabilidade e
Assim, se de um lado c
de outro, os requeridos tinh
devendo identificar adequa,
de interesse social e transpa:
Com isso, o Superior TI
ca "Koch", para identificar os
S.C. e Koch Consultoria e k
os demais membros da famí
requerida, Koch & Koch A(
que distingue os advogados q\.:
e Dennis que, porventura, ta
Ainda restava a quest
autoras e a requerida, já ql
família. O problema era re
sultores S.C.", por sinédo(
lando a proximidade com
que designa os serviços po
Ao apreciar o tema,
nome da requerida, "Koch
-se, logicamente e sem qu:
dade de confusão. Q1lem .
talvez possa bem diferenci
lado, quem apenas ouviu
mento prévio, não sabení
confusão está, portanto, jl
Penso que este pote
do direito de marca. Em
3
No mesmo sentido, vide COELHO, Fábio LJlhoa. Curso de direito comercial. São Paulo:
Saraiva, 2004. v. 1, p. 178.
4
LOBO, Eugênio R. Haddock; COSTA NETO, Francisco. Comentários ao Escatuto da OAB e às
Regras da Profissão do Advogado. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1978. p. 171-172
5
lÓBO, Paulo. Coment,
p. 122-123.
FÁTIMA NANCY ANDRIGHI-
.minação social que contenha
1S
sócios
3
•
Ité então proferidos pelo STJ,
~ emprestar seu patronímico à
tplesmente transplantada para
como advogados, em que a lei
a, portanto, diante de um co­
l! semelhantes, cuja solução se
pais antigo.
. do a marca "Koc,
h"
regtstra
9/96, de "seu uso exclusivo em
stação de serviços jurídicos, o
.omposta por Rogério Augusto
Koch, deveria, nos termos do
ser dotada de razão social que
s sócios.
e do desafio de compatibilizar
ação da sociedade requerida,
'tígio, o Superior Tribunal de
retação do art. 16, §10, da Lei
. co Costa Netto, ao comentar
já diziam que sua função era
de advogados pelo nome de seus
ável por ela "4 •
~o há liberdade na composição do
ressar com clareza suafinalidade,
u acréscimos comuns nas ativida­
dispositivo legal, lembra que
S7
"mesmo nos Estados Unidos, que admitem o modelo empresarial de sociedade de
advogados, há forte recomendação do Código de Responsabilidade Profissional da
American Bar Associatíon (EC 2-11) no sentido da utilização dos nomes dos advo­
gados associados, porque o uso de nome comercial 'pode desorientar os leigos acerca da
identidade, responsabilidade e status dos advogados que a integram""'.
Assim, se de um lado os autores tinham direito à propriedade da marca,
de outro, os requeridos tinham direito ao exercício profissional da advocacia,
devendo identificar adequadamente a sociedade que compõem, por motivos
de interesse social e transparência para com seus clientes.
Com isso, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que a titularidade da mar­
ca "Koch", para identificar os serviços pelas autoras, Koch Advogados Associados
S.e. e Koch Consultoria e Assessoria Empresarial Ltda., não poderia impedir que
os demais membros da família Koch emprestassem seu patronímico à sociedade
requerida, Koch & Koch Advogados e Consultores S.e., pois é este sobrenome
que distingue os advogados que compõem essa sociedade de outros Rogérios,Jimmys
e Dennis que, porventura, também exercem a advocacia.
Ainda restava a questão de saber diferenciar os serviços prestados pelas
autoras e a requerida, já que todos são compostos por advogados da mesma
família. O problema era relevante porque"Koch & Koch Advogados e Con­
sultores S.C.", por sinédoque, torna-se simplesmente "Koch & Koch", reve­
lando a proximidade com a expressão "Koch", de titularidade das autoras, e
que designa os serviços por ela prestados.
Ao apreciar o tema, destaquei que a semelhança da marca "Koch" e do
nome da requerida, "Koch & Koch", era evidente. Da mera semelhança, extrai­
-se, logicamente e sem quaisquer elementos probatórios adicionais, a possibili­
dade de confusão. Qyem já conhece pessoalmente os prestadores de serviços,
talvez possa bem diferenciar a advocacia "Koch" da "Koch & Koch". Por outro
lado, quem apenas ouviu dizer dos serviços de um e outro, sem um conheci­
mento prévio, não saberá distinguir as partes litigantes. A potencialidade de
confusão está, portanto, justamente nos clientes ainda não conquistados.
Penso que este potencial para o engano basta para configurar a violação
do direito de marca. Em termos penais, o art. 189, Lei 9.279/96, toma como
Curso de direito comercial. São Paulo:
o. Comentários ao Estatuto da OAB e às
Ed. Rio, 1978. p. 171-172
5
l6BO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Saraiva: 2007.
p. 122-123.
58 - CONFLITO ENTRE PATRONíMICO EMARCA EMPRESARIAl.
"crime contra o registro de marca" a conduta de quem "reproduz, sem autorização
do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa
induzir confusão" (g. n.). Ora, se a mera possibilidade é suficiente para fins
criminais, deve-se reconhecer que ela também o será para fins civis.
Observe-se, apenas para fins de clareza, que o regime de proteção às
marcas é diverso do regime de concorrência desleal. Enquanto a proteção da
marca exige apenas possibilidade de confusão, o combate à concorrência des­
leal exige efetiva prova da fraude ou da confusão.
Não posso deixar de mencionar que esse ponto gerou ampla discussão no
âmbito da 3 a Turma do Superior Tribunal de Justiça. O i. Min. Massami
Uyeda, com a precisão de pensamento que lhe é peculiar, asseverou que não
era possível reexaminar a questão relativa à existência ou não de confusão, pois
o TJ/RS já havia estabelecido que não havia prejuízo à clientela das partes em
litígio. No mesmo sentido, o i. Min. Ari Pargendler indicou que "um pouco
de atenção bastaria para evitar a confusão, porque as duas autoras empregam
uma vez só o nome Koch, enquanto a ré é Koch e Koch".
Considerando que o i. Min. Sidnei Beneti havia acompanhando o meu
pensamento acima exposto, deu-se empate no julgamento.
Coube, então, ao i. Min. Carlos Fernando Mathias indicar que, no seu
entender, estava caracterizada a possibilidade de confusão.
Assim, tendo em vista todas as ponderações anteriormente feitas, a
maioria dos membros que compõem a 3' Turma do Superior Tribunal de
Justiça concluiu que o direito de marca das autoras não poderia impedir que
a requerida se utilize da expressão "Koch" em sua razão social, pois este é o
patronímico de seus sócios e fator essencial para o livre e responsável exercício
da atividade jurídica.
No entanto, tendo em vista que a marca resguardava as autoras contra
a possibilidade de que seus serviços venham a ser confundidos com outros
e que, no mesmo sentido, o Estatuto da Advocacia pretende que a razão
social do escritório possa bem identificá-lo no mercado, o sistema legal
impunha solução que bem diferencie os prestadores de serviços atuantes
em um mesmo mercado.
Por isso, foi determinado que a requerida alterasse sua razão social, fa­
zendo nela incluir outros elementos distintivos que possam bem diferenciá-la
das autoras.
4.
CONClUSÃO
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Janeiro: Renovar, 2008. p. 9:
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LOBO, Eugênio R. Haddock; (
Regras da ProfiS5áo do Advog
LÔBO, Paulo. Comentários ao 1
4.
CONCLUSÃO
Em um primeiro momento, pode-se dizer que marca e nome da pessoa,
seja esta natural ou jurídica, estremam-se por sua própria natureza, sendo o primeiro um direito patrimonial e o segundo um direito típico de personalidade.
Porém, situações há em que os reflexos da violação ao direito de marca
repercutem de forma sensível no direito de personalidade do titular daquela.
Os precedentes jurisprudenciais citados ao longo do texto demonstram hipóteses em que houve reconhecimento judicial dessa possibilidade.
No caso específico da sociedade de advogados, quando há exigência legal
para que o nome desta incorpore ao menos parte do nome civil de um de seus
sócios, o problema se torna mais aparente e de difícil equacionamento. A solução propugnada em recente precedente do STJ é a adoção de outros elementos
distintivos na ocorrência de similitude entre os patronímicos dos sócios de escritórios diversos, afastando-se a regra da prevalência do registro mais antigo.
REFERÊNCIAS
CHINELLATO, SilmaraJuny. Da responsabilidade civil no Código de 2002: aspectos fundamentais. Tendências do direito contemporâneo. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz
Edson (coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008. p. 939-968.
COELHO, Fábio IJlhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1.
LOBO, Eugênio R. Haddock; COSTA NETO, Francisco. Comentários ao Estatuto da OAB e às
Regras da Profissão do Advogado. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1978.
LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Saraiva: 2007.
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Conflito entre Patronímico e Marca Empresarial - BDJur