LITORAIS Hebe Tizio O próximo Congresso da AMP põe a trabalho a borda sobre a qual se sustenta a prática analítica, já que Semblante e sinthoma desenha o litoral do heterogêneo, da anatomia sentido/real, e convoca, deste modo, a dar conta do tratamento que o discurso analítico faz do real. Dificuldade frutífera, sem dúvida, pois são muitos os trabalhos que balizam o caminho que vão fazendo as escolas da AMP com suas atividades e jornadas – vivificadas por Jornais e Vanguardas –, e a série de Papers que, com este, chega a seu quarto número. A polifonia desta entrega é composta por Marie-Hélène Roch, que faz uma leitura de Lituraterra para apresentar uma análise do litoral em psicanálise; Ana Lucia Lutterbach Holck explora, a partir de sua experiência do passe, feminilidade e semblante; Lucia D’Angelo aborda as máscaras, postiços e semblantes do lado da posição feminina; enquanto Bernard Lecœur analisa as máscaras do semblante, trabalhando a diferença do discurso histérico e o discurso da ciência. Os quatro textos se acercam de distintas maneiras desta borda que marca uma relação de exclusão. Efetivamente, é o que Lacan destaca em seu Seminário sobre O sinthoma, quando se refere a um “gozo opaco que exclui o sentido”, o que implica levar às últimas consequências a impossível escrita da relação sexual. De litorais a nós, trata-se de um real fora de sentido. A psicanálise, nesta perspectiva, como destaca Jacques-Alain Miller, aparece como uma prática da nãorelação que aponta para produzir o singular. Experiência na qual, cada um que se compromete, se aproxima do tratamento fundamental que esse impossível teve para ele. Trata-se de um real que provoca seu próprio desconhecimento; por isso, a análise e o passe, a escola, os textos... são formas de operar, que deixam patente o propósito de fazer algo com este movimento forclusivo, de encontrar recursos que permitem produzir um saber fazer de aproximação, uma borda de saber produzido pela exploração de litorais... Tradução: Ana Lydia Santiago DE MÁSCARAS, POSTIÇOS E SEMBLANTES Lucia D’Angelo É fato que qualquer investigação retroativa sobre o termo semblante no ensino de Lacan conduz à definição do falo como o semblante por excelência na comédia dos sexos. Vejamos os antecedentes dessa formulação. Segundo Lacan em “A significação do falo”, o falo como significante fornece a razão ao desejo e, atendose à sua função, designa as estruturas que são submetidas às relações entre os sexos: “Essas relações girarão em torno de um ser e de um ter que, por se reportarem a um significante, o falo, têm o efeito contrário de, por um lado, dar realidade ao sujeito nesse significante e, por outro, irrealizar as relações a 1 serem significadas”. Pelo interesse de nossa reflexão centramos nossa atenção no fato de o termo semblante em castelhano, entre suas múltiplas declinações, definir a aparência, o parecer ou o aspecto das coisas sobre o qual 2 formamos o conceito delas. 3 Em seu curso Da natureza dos semblantes , J.-A. Miller destaca o termo parecer nos Escritos de Lacan: “E isso pela intervenção de um parecer que se substitui ao ter, para, de um lado, protegê-lo e, de outro, mascarar sua falta no outro, e que tem como efeito projetar inteiramente as manifestações ideais ou 4 típicas do comportamento de cada um dos sexos, até o limite do ato da copulação, na comédia”. Para Lacan, embora a relação do sujeito com o falo se estabeleça para além da diferença anatômica dos sexos, a mulher é colocada numa situação especialmente espinhosa. Para ser o falo, quer dizer, o significante do desejo do Outro, a mulher precisa rejeitar uma parte essencial da feminilidade, todos seus atributos na mascarada. A feminilidade encontra refúgio nessa máscara pela Verdrängung inerente à marca fálica do desejo, o que 5 acarreta a curiosa conseqüência de fazer a ostentação viril parecer feminina. A partir dessas referências dos Escritos de Lacan, J.-A. Miller interpreta que a intervenção de um parecer que substitui o ter supõe introduzir o semblante na relação entre os sexos. Ele propõe que a distinção entre o amor e o desejo, que se segue na reflexão de Lacan, presume que o parecer pode se escrever como o ser. A distinção de Miller se funda no fato de o amor não colocar em julgamento o ser, e sim o ter, e destaca o 6 amor como o dom do que não se tem. Nesse sentido, amar diz respeito à posição feminina. Desde a perspectiva da significação do falo sobre o parecer que substitui o ter, as posições do sujeito no que concerne à sexualidade se distribuem numa bipartição: proteger o ter (homens) ou mascarar a faltaa-ter (mulheres). No horizonte dessa partição, nas posteriores elaborações lacanianas, o significante do falo se erige como único na distribuição entre os sexos. Porém, o interesse de nossa reflexão permite-nos argumentar com J.-A. Miller no que se refere ao parecer que substitui o ter supor como antecedente o falo como semblante. 7 Tomemos, por exemplo, algumas referências no Seminário 11 , no qual Lacan se confronta com a perspectiva da fenomenologia da percepção, entre outras questões. 1 2 Miller J.-A. De la naturaleza de los semblantes. Buenos Aires: Paidós, 2002, p. 148. Bassols M., “Algunas observaciones acerca del semblante”. Em: Papers, n° 2. Boletim do Comitê da Associação da Escola Una. 3 Miller J.-A. De la naturaleza de los semblantes. Buenos Aires: Paidós, 2002, p. 148. 4 Lacan J.“A significação do falo”, op. cit., p. 701. 5 Idem, p. 702. 6 Miller J.-A. De la naturaleza de los semblantes, op. cit., p. 158. 7 Lacan J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988. Lacan toma como referência o mimetismo e menciona o termo semblante para ressaltar que esse fenômeno intervém tanto na união sexual quanto na luta de morte: “O ser se decompõe de maneira 8 sensacional, entre seu ser e seu semblante, entre si mesmo e esse tigre de papel que ele dá a ver”. Contudo, o sujeito humano, o sujeito do desejo, que é a essência do homem, diferente do animal, não fica inteiramente preso nessa captura imaginária. Ele sabe orientar-se nela na medida em que isola a função de tela e joga com ela. Segundo Lacan, o homem sabe jogar com a máscara, com o disfarce, com a impostura, com o sonho e pode fazer a mediação do véu, da tela ─ acrescentamos do semblante ─ para incluir-se no quadro da relação entre os sexos. Retemos também a referência do Seminário 11 sobre o sujeito da certeza, entre os encaminhamentos de Freud e de Descartes, da qual extraímos outra fórmula lacaniana sobre o tema que nos interessa: “Esse algo que deve ser preservado pode ser também o algo que tem que se mostrar ─ pois, de qualquer modo, o que se mostra só se mostra sob um Verkleidung, disfarce e postiço também, que pode não se 9 agüentar”. O falo serve de véu ao que se esconde atrás: a castração. A máscara também é um semblante porque esconde o nada. Segundo Miller, convém seguir essa argumentação porque a função da máscara na mulher é uma interpretação mais autêntica da posição feminina do que a mulher com postiço. O termo postiço é definido em castelhano como acréscimo, falsificação que substitui artificialmente uma coisa natural fingido o que sobrepõe. O interessante desse termo é que ele justifica, para J.-A. Miller, uma teoria dos postiços no ensino de Lacan e sua relação com os semblantes. À medida que o postiço como acréscimo de uma parte do corpo 10 ocupa o lugar de algo que não está, ele responde à falta-a-ter. Para argumentar sobre a teoria dos postiços, Miller parte de uma referência de Lacan nos Escritos: “Assim é a mulher por trás de seu véu: é a ausência do pênis que faz dela o falo, objeto do desejo. Evoquem essa ausência de maneira mais precisa, fazendo-a usar um mimoso postiço debaixo do (tra)vestido de baile a fantasia, e vocês, ou sobretudo ela, verão que tenho razão: o efeito é 100% 11 garantido, como o ouvimos de homens sem rodeios”. Para justificar a teoria do postiço é preciso esclarecer que se trata de uma categoria ligada à existência do lugar: o objeto postiço substitui o que falta exatamente ali onde falta. Contudo, sua importância, diferente do objeto prótese, é assegurar a imagem cuja função é de 12 semblante na medida em que o postiço designa um emblema para além da imagem. Enquanto a máscara faz crer que esconde o nada, o postiço não é feito para fazer crer que se tem. Portanto, Lacan indica nos Escritos que o desejo sexual se conjuga de maneira essencial com o ter, a 13 ameaça ou nostalgia da falta-a-ter, em que a ameaça do ter concerne fundamentalmente ao homem . Assim, o homem deve proteger seu ter. Para a mulher há somente duas soluções para o não ter: adquiri-lo ou fazer-se ser. Ser o falo, fazer-se desejável por sua mascarada, ou tê-lo pela via do homem. A solução da mulher com o postiço que se agrega ao que lhe falta, embora provenha secretamente do homem, desmente a posição de ser a que não tem, para fazer crer que o postiço é autêntico. O postiço que não se declara máscara do nada. Máscara e postiço não são duas faces de uma mesma moeda para a solução da feminilidade. 8 Idem, p. 104. Idem, p. 38. 10 Miller J.-A., De la naturaleza de los semblantes, op. cit., p. 161. 11 Lacan J. “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960). Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 840. 12 Miller J.-A. De la naturaleza de los semblantes, op. cit., p. 162. 13 Lacan J. “A significação do falo”, op. cit., p. 701. 9 A mulher lacaniana é aquela que prestigia o uso dos semblantes para encontrar a solução da feminilidade do lado da castração. Não é a mulher com postiço que busca a solução do lado do ter e que teme a 1415 castração, principalmente a sua. De máscaras, postiços e semblantes os homens não estão excluídos na comédia dos sexos. Porém, essa é outra história… que continuará. Tradução: Maria Angela Mársico Maia 14 15 Miller J.-A. De la naturaleza de los semblantes, op. cit. Miller J.-A. De la naturaleza de los semblantes, op. cit. A FANTASIA FEMININA E O SEMBLANTE Ana Lúcia Lutterbach 1 Em um texto anterior procurei estabelecer, a partir da experiência do passe, alguns pontos sobre as relações entre a posição feminina no final de análise e a posição do analista como semblante, instigada por um breve e preciso comentário de Miller em sua conferência, Semblantes e Sintoma. Miller lembra que, para Lacan, o analista ocupa a posição de semblante, a mesma posição que uma mulher pode vir a ocupar no final de uma análise. Posição feminina que não se confunde com a mulher, nem com o identificar-se com o objeto. E ele conclui: “O analista não existe, assim como A mulher não existe, existem analistas, como atesta a experiência do passe”. Seguindo o que desenvolvi na ocasião, procuro agora estabelecer a função da fantasia feminina, o final de análise e o semblante. O semblante e a transferência Em francês, o termo "semblant" faz parte do discurso corrente. O próprio Lacan vai elevá-lo à dignidade de conceito depois de pescá-lo na vida cotidiana, da boca de sua neta quando esta tecia elucubrações 2 sobre a diferença entre o que “era de verdade e o que era de semblante" . Em português, semblante tem o sentido de rosto, face; ou, menos usual, de aparência, fisionomia, aspecto. No entanto, Miller, em La Naturaleza de los semblantes, nos diz que, em Lacan, semblante tem relação com aparência mas não coincide com esta, também não é simulacro, mentira ou falsidade, nem artefato, aproxima-se mais do parecer. "A natureza está repleta de semblantes", nos ensina Lacan no Seminário 18, como as aparições brilhantes e efêmeras do arco íris, gotículas de água suspensas e coloridas com as cores do espectro solar que aparece no céu como um arco multicor inapreensível. O conceito de transferência, ao contrário do conceito de semblante, é tão antigo quanto a psicanálise e Lacan, além de dedicar um ano de seminário ao tema, este atravessa todo o seu ensino. A transferência, como nos assinala Laurent, "[...] é a chave da relação com o saber em uma análise. [...] Trata-se à primeira vista, de um conjunto de sentimentos, positivos e negativos, que correspondem aos modos da 3 relação fantasmática de cada analisante. Ela ultrapassa a pessoa do analista." . Só à primeira vista a transferência é o conjunto de sentimentos, o primordial são "os modos da relação fantasmática" que se revelam na relação transferencial, ou seja, a transferência é o uso que o analisante pode fazer do analista para deduzir o objeto que, supostamente, foi para o Outro, âmago da fantasia. Sujeito suposto saber e semblante de objeto seriam posições que um analista pode ocupar na transferência. Uma análise e o semblante No testemunho do passe, apresento a análise em três tempos – biografia, biografagem e biografema –, e três versões do objeto: as duas primeiras na via da identificação e ao final como semblante do objeto causa. Na primeira etapa, biografia ou vida descrita, mais uma vez devastada pelo amor, tratava-se de uma narrativa prosaica predominada pelo amor e onde tudo tomava sentido e muitos. Temendo a transferência erotizada, buscava um analista que pudesse se colocar fora da série do amor. Busca ingênua e ao mesmo tempo reveladora. Ingênua porque pretendia deixar fora o que seria a própria mola da análise e reveladora porque, ao procurar fazer obstáculo ao saber inconsciente, ficou patente a erotomania histérica, a identificação ao objeto amável. 1 “A mulher, o analista e o semblante”, texto apresentado no VIII Congresso da EBP, Florianópolis, abril/ 2009. 2 De la naturaleza de los semblantes, p.10. 3 Laurent, E. O real do sinthoma ou a inocência do sinthoma. Opção Lacaniana, nº 54, p.35. De uma proliferação de sentido na tentativa de recobrir o real, na segunda etapa, biografagem ou vida de escrita, essa busca resulta num certo esgotamento e descortinam-se brechas no saber, marcas de gozo sem sentido, que permitiram a escrita da fantasia e suas consequências. Inicialmente, havia na transferência uma preponderância do sujeito suposto saber, mas no salto do saber ao gozo, a analisante lança mão do analista como objeto fora dele para deduzir sua própria posição de objeto. Essa operação só é possível, quando o analista, suspenso de seu ser, torna-se semblante de objeto e se oferece como lugar vazio. Como resultado dessa operação, há redução do palavreado e o objeto ressalta, destaca-se. As duas posições do analista, semblante e intérprete, não são coincidentes mas se enlaçam pois, no ato da interpretação o analista torna-se oráculo inspirado em sua experiência como semblante de objeto. Se na biografia prevaleceu a narrativa repleta de sentido, na biografagem a escrita ficcional, no terceiro tempo, biografema ou escrita vida, houve um privilégio da letra: "Entre centro e ausência, entre saber e 4 5 gozo, há litoral, o literal" . Biografemas , para Barthes, são alguns pormenores, gostos, inflexões. No final de uma análise, prevalece o silêncio do analista que dá lugar à invenção do analisante, ao que Lacan chamou, sinthome. Invenção com o que resta de uma análise, peças soltas, retalhos de gozo sem sentido, cenas fulgor, traços, uma escrita vida sobre algo que já desapareceu. Como a experiência de análise resulta em um analista? Como o final de análise está associado à posição de semblante? O feminino e o semblante 6 Durante o dispositivo do passe recortei distintos momentos em relação ao objeto . Primeiro, identificação ao objeto ideal, inatingível, sustentado pelo amor cortês, aquele que deixa a dama no lugar da Coisa, daquilo que não pode ser tocado sem horror. Depois, identificação petrificante ao objeto da fantasia perversa, objeto dejeto, vítima submetida ao gozo do Outro. A cada fracasso da precária identificação, tanto ao objeto ideal como ao da fantasia masculina, resultava na queda em um abismo ilimitado, puro vazio e desejo de morte. A revelação da fantasia permitiu verificar que fazia-me um objeto para se ter, fazer e acontecer, para um suposto gozo do Outro. Nomear o gozo teve como efeito a extração do objeto que velava o furo e a fantasia perdeu sua consistência imaginária, o eu se esvaziou. O objeto foi transposto em sua função de obstrução para a de causa de desejo. O objeto como causa de desejo é efeito desta separação, do descolamento da identificação, quando se crê ser o objeto para a posição de causa, onde não se é, mas pode consentir em fazer-se semblante de objeto causa de desejo para um outro. A experiência de análise, quando produz um analista, produz essa espécie de milagre, é seu efeito, seu fim. Como nos ensina a experiência mais comum, nas relações, as mulheres privilegiam o amor e os homens o sexo. As mulheres amam o amor, amam serem amadas. Daí as eternas queixas femininas: "sou apenas um objeto para ele", numa depreciação do desejo masculino. Podemos considerar que, na expectativa de se fazerem amadas, as mulheres se identificam ao objeto da fantasia masculina, mas ao fazê-lo tornamse objeto dejeto por isso a depreciação do desejo masculino. No Seminário 8 Lacan diz que no final da análise há uma transposição de amado em amante. Nomear o objeto da fantasia, é justamente se dar conta que não existe O objeto do desejo, a fantasia não passa de um artifício singular que torna um objeto desejável, ou seja, é a maneira de cada um fazer existir a relação que não há. Isso não é sem consequências também para o amor. A mulher sai da posição de permanente expectativa de escutar palavras que a convençam de ser o objeto de amor, para associar o amor ao sexo. É com um novo amor e contando com o corpo que uma mulher, pode se fazer objeto sem sê-lo, momento raro, fulgurante e efêmero, no qual ela torna-se semblante de um objeto que além de não existir, ela o desconhece. Essa experiência, de desidentificar-se do objeto e conceder em ocupar a posição de semblante, está associada à posição de analista como semblante. Suspenso de seu ser, o analista torna-se semblante de a, e, como as gotículas suspensas do arco íris, é colorido pelo espectro, pelo fantasma do analisante e algo inapreensível se realiza em ato. Na expressão “faire semblant”, como em "savoir-faire" o verbo fazer 4 Lacan J., “Lituraterra”. In Outros Escritos. JZE: Rio de Janeiro, 2003, p.21. Barthes R., Sade, Fourier, Loiola. Lisboa: Edições 70, 1979. p.14. 6 Cf. Holck A.L., Patu. a mulher abismada. Subversos, Rio de Janeiro, 2008. p.106 a 116. 5 não indica uma ação do eu, mas uma posição. Para o analista, fazer semblante é a única posição sustentável na transferência, como observa Lacan no seminário "Ou pire...": "[...] o analista não faz semblante: ocupa a posição de semblante. Ocupa-a legitimamente porque com relação ao gozo, [...], não tem outra posição sustentável...". E mais adiante: [...] Quando o ator usa sua máscara, seu rosto não gesticula, não é realista, o pathos está reservado ao coro, por que? Para que o espectador, aquele da 7 cena antiga, encontre seu mais de gozar nele" . "Não há O psicanalista, como não existe A mulher", existem psicanalistas um por um, a cada vez e de vez em quando. Isso que resta de uma análise, exige um trabalho sem fim até o fim: "Cada um responde como pode e como quer. A resposta de um não convém a nenhum outro, ela é inconveniente, responde àquilo que necessariamente ignoramos e é nesse sentido, indecifrável, jamais exemplar". [...] Longe de todas as injunções do "Eu devo" e de todas as pretensões do "Eu quero". [...] A resposta "é preciso", pode, de fato, ser ouvida, mas aquilo que no "é preciso" não se ouve é resposta a uma pergunta que não se descobre". 8 Este último parágrafo é condensação da resposta de Blanchot à pergunta: o que é escrever? A posição do analista é a do leitor desinteressado mas que ao interpretar, servindo-se de sua experiência como semblante de objeto, permite ao analisante se deixar tomar pelo textual e fazer de sua falação uma escritura: tudo que é escrito parte do fato de que será para sempre impossível escrever como tal a relação 9 sexual" . Uma escritura incomparável, resposta inconveniente, isto é, que não convém a nenhum outro. E não o faz porque quer, nem porque deve, trata-se de uma escolha forçada. Forçada mas sem nenhuma injunção vinda do Outro, simplesmente porque "é preciso", resposta a uma pergunta ignorada. 7 Lacan, J. Seminário...Ou pire, lição de 10 de maio de 1972 (Inédito). Blanchot, M. O livro por vir. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2005. p. 39. 9 Lacan J. O Seminário. Livro XX. Mais Ainda. Zahar, Rio de Janeiro, 1982. p.49. 8 MÁSCARAS DO SEMBLANTE Bernard Lecoeur Buscando identificar o conteúdo da dimensão do imaginário, Lacan frequentemente se refere ao semblante para não confundi-los. Ele deu muitos exemplos do segundo, um deles ligado ao fenômeno da percepção. Ao final de seu Seminário As psicoses, ele questiona o lugar que deve ser atribuído à ilusão produzida pela aparição de um arco-íris. Este Lacan afirma não ser imaginário. É algo que adveio do real e que somente se alça ao status de semblante pela virtude do significante. Em período ulterior de seu ensinamento ele trará uma formulação mais geral segundo a qual o discurso científico só encontra o real 1 na medida em que ele depender da função do semblante. Esta apresentação da incidência do semblante para a ciência não se deve restringi-la a uma questão de método. Outro aspecto a acompanha, tão importante quanto e que trata das relações que o discurso da ciência instaura entre o sujeito e o semblante. É este o enfoque aqui adotado. Fabricar um sujeito 2 A ciência associa o semblante ao sujeito, esta é uma condição de produção de seu saber , nos informa Lacan. Por mais paradoxal que isso possa parecer, o discurso da ciência deve relacionar suas afirmações ao destino de um sujeito. Por que assumir tal fardo senão para se prevenir do retorno de uma presença divina, que por demais atrapalha no campo da causa? A aparição de tal fantasma anularia qualquer esforço de formalização. Desta simples observação se depreende uma oposição: a aposta da ciência é construir um semblante de sujeito, enquanto operador da pesquisa, enquanto a psicanálise funda sua ação em um agente que visa tornar-se semblante de objeto. Em Radiophonie Lacan retoma a questão do status do sujeito considerado a partir do discurso da ciência. Com que se parece esse discurso? Ele toma “impulso no discurso da histérica”, nos diz ele, o que implica em não ser completamente estranho a uma certa divisão na qual se confinam suas origens. Como qualificar tal sujeito? Ao contrário das idéias recebidas ele definitivamente não se reveste de certeza. Longe de ser um monólito murado no saber, ele se aproxima muito mais da dúvida, de um sujeito reduzido ao pensamento de sua dúvida. É por esta via metódica do semblante aplicado ao pensamento, que se obtém o cogito adotado pela ciência. O discurso da ciência se escreve de maneira idêntica ao da histérica. Exceto por um pequeno detalhe que muda tudo. Se todos os termos do discurso podem ser colocados no mesmo local, um destino especial pode ser reservado ao elemento designado como mais-de-gozar, na ciência, o mais-de-gozar (a) é 3 coberto por uma máscara muito especial, uma máscara de ferro . Uma compania lacaniana das máscaras Em diversos momentos Lacan recorreu à máscara, cuja etimologia, vale lembrar remete à bruxa, e até 4 mesmo ao demônio. A máscara é aquilo que reveste o parceiro da viúva negra, num apólogo no qual o desejo enquanto questão faz do suspense a temporalidade da angústia. Numa dimensão não menos trágica, a máscara é aquilo que surpreende a criança no momento em que ela descobre que uma máscara pode esconder outra. A menos que se trate dos amantes da Ópera, a decepção é tão mais viva que o agalma se 1 Lacan J., Séminaire 18. Seuil. Leçon du 20 janvier 1971 Lacan J., Note italienne. Autres Ecrits. Seuil. p. 308 3 Lacan J., Radiophonie. Scilicet 2/3. p. 89 4 Dictionnaire étymologique de la langue française. O. Bloch et W. Von Wartburg. PUF. 2 aproxima do dejeto. Não esquecer de colocar nesta galeria a máscara com batentes, criada por LeviStrauss, e que Lacan desdobrará como espaço próprio ao eu e aos ideais da pessoas. Devemos adicionar uma máscara a esta coleção: a máscara de ferro. Uma de suas funções essenciais pode ser assim resumida: ao inverso das precedentes, não dá lugar ao desmascaramento. A máscara de ferro não entrega nada além do que mostra, deixando um espaço no lugar onde esperávamos uma verdade de representação. O que, obviamente não desencorajou tantos outros de dar à verdade um rosto. Quantas hipóteses, algumas das mais absurdas não foram aventadas para tentar dar uma identidade àquele cujo nome próprio foi reduzido à máscara que vestia? De um irmão gêmeo de Luís XIV ao superintendente Fouquet, passando por D’Artagnan, ou então um amante da rainha..., as divagações históricas mais extravagantes surgem daí. Sem dúvida por que a máscara de ferro não é a tela de uma verdade mas sim a forquilha de um vazio. Torna presente e ao mesmo tempo dissimula uma travessia que lhe permanece estranha. Diferentemente do discurso da histérica que utiliza do gozo do corpo como matéria de produção da verdade, a máscara de ferro, depositado pela ciência, impede o sujeito de tratar o mais-de-gozar como uma verdade da qual se pode retirar alguma satisfação. Larvatus prodeo A referência à máscara se enriquece de uma recomendação que Descartes formula diante da emergência do cogito: “Os atores, chamados ao palco, para não mostrar a vermelhidão em sua fronte colocam uma máscara. Como eles, no momento de subir no palco deste mundo, onde até aqui eu só fui espectador, 5 subo mascarado.” O Larvatus prodeo encontrou incontestáveis sucessos junto a comentaristas numerosos, dando lugar a inúmeras interpretações, dentre as quais figuram os argumentos de uma filosofia do jogo duplo, até mesmo de um Descartes libertino, amante do jogo de máscaras. Evitando esta armadilha, Lacan ressalta o quanto a função da máscara cartesiana é determinante no advento de um sujeito pelo discurso da ciência. A colocação de uma máscara de ferro no mais-de-gozar causa um dano irreparável à colocação em jogo de uma satisfação, assim os sinais que testemunham ou traem o advento de um gozo humano, como essa vermelhidão que invade o rosto do ator tão logo o íntimo entra em cena, encontram-se alijados. É a este preço que a verdade pode ser levada ao significante, isto é, à cifração que exclui todo o gozo. A eficácia da máscara de ferro não reside no que ela esconde mas no que ela exibe, Larvatus pro deo. Compreendida a similitude entre o discurso da histérica e o da ciência, resta analisar a diferença essencial. Se o primeiro faz do objeto a o objeto de uma busca acerca da verdade do desejo, o segundo opera através de uma contenção do objeto, um “trancamento”, que mantém cativo o mais-de-gozar. A satisfação que se relaciona geralmente à questão da verdade se encontra, no presente caso, colocada fora do circuito pela via do semblante. Esse procedimento é notável, distingue a supressão do sujeito pela ciência de um processo mais geral de foraclusão de um significante. Feriado do gozo Objetivando apreciar de maneira mais precisa a operação de afastamento do mais-de-gozar pelo discurso da ciência, trabalhemos com um termo encontrado sob a pluma de Lacan em Lituraterre. Este texto, essencialmente dedicado à produção e à função da letra, faz desta uma ruptura. De que? Do significante, ou melhor, uma ruptura do significante na qualidade de semblante. Isto se ilustra pelo efeito engendrado pela letra sobre tudo o que, em nosso mundo, pertence ao domínio da forma (morfo) ou ao dos fenômenos que são caros a Descartes, como os meteoros. Nesse aspecto existe uma grande proximidade entre a ciência e a letra, idéia já antiga retomada por Lacan. Ambas “operam” – eis o seu fazer comum – no sentido de uma dissolução das formas perceptíveis. Entretanto persiste uma diferença não negligenciavel, no local do gozo. Na ciência, nos diz Lacan, ela é “dispensada”. “A letra que faz distingue-se [da dimensão do significante] por ser ruptura do semblante, que dissolve aquilo que fazia forma, meteoro. É isso, eu já o disse que a ciência opera no começo da maneira mais 5 Descartes R., Lettre à Beeckman. Cogitationes privatae (1619-1621) sensível sob formas perceptíveis. Mas, ao mesmo tempo, isso deve também dar descanso ao que dessa 6 ruptura, faria gozo...” Dispensar. Este verbo é o momento de lembrar o quanto a etimologia é uma fonte de riquezas, muito mais pelas opacidades de sentido que ela gera que pela exumação de hipotéticos significados esquecidos. Se “dispensar alguém”, é de fato devolver-lhe sua disponibilidade, é também a ação pela qual colocamos esta pessoa em determinado local, designando-lhe um lugar. Assim, a dispensa é a ação de ir a algum lugar e lá permanecer. Colocar uma máscara de ferro no mais-de-gozar, da forma como o faz o discurso da ciência contribui para dispensá-lo, ou isolá-lo em um lugar indexado por uma significação unívoca. Por exemplo, a dimensão da perda pura que se liga à noção freudiana de pulsão pode ser convertida, por uma economia sábia de mais e de menos, em uma figura da vida onde o que está fora do sentido no gozo é reconduzido à cuia das concepções do mundo, marcado pelo selo do senso comum. O homem mascarado Situado no percurso que partindo do simbólico se orienta na direção do real, a letra ocupa um lugar um pouco paradoxal em relação ao muro do semblante. Ela fica tão próxima dele que acaba por conseguir rompê-lo. O domínio da letra é um limite, um ponto de retorno, que nos incita a não ceder à tentação do “é tudo semblante”. Um enunciado demasiadamente generalizante como este desvaloriza o alcance do semblante. Este retorno situa-se em um ponto onde, passando de uma referência que implica o outro significante (S1/S2), o semblante se volta para uma auto-referência. Aí também a companhia das máscaras pode nos dar uma ajuda preciosa para entender essa passagem, adicionando primeiramente mais uma máscara à nossa coleção. É na peça de Wedekind, L’Éveil du printemps, que ela se encontra. Aquele que veste um personagem, chamado precisamente de “homem mascarado”, ao qual Lacan confere uma função eminente, a de ser semblante por excelência. O projeto da peça visa de início demonstrar em que consiste para os rapazes fazer amor com as moças. O ponto de vista assim adotado não busca estabelecer uma simetria sexual. Numa questão como esta, o papel do rapaz é de se assemelhar ao seu “tipo. Longe de tentar se fazer um, ou pior, único, sua posição é a de um entre os outros. Para fazer o papel de um homem, ele deve “assumir seu lugar dentre seus semelhantes”, o que pode engendar certas dificuldades, como é o caso para um tal de Moritz na peça. Transformando-se em exceção e não querendo saber do fato ele faz papel de menina, segundo seu amigo Melchior. Por que tal destino? Como Moritz fez para expatriar-se em um além do real do sexo que o conduz diretamente ao reino dos mortos? A resposta proposta por Lacan cabe em poucas palavras. A deriva do rapaz resulta de sua recusa em se deixar enganar por um nome, um nome cujo modelo passa pelo do pai. É esta função que é muito bem afirmada pelo “Homem mascarado”. O interesse deste personagem - ou melhor, da máscara que ele veste – não é de trazer o pai de volta à vanguarda, mas muito mais de refletir sobre o nome, sobre seu valor de nome próprio como excelência do 7 semblante. O prefácio à peça de Wedekind é, aliás, a ocasião para Lacan de reconsiderar sua aproximação da questão. Ele não procura mais, como no passado, dar-lhe um estatuto a partir da lógica ao contrário, se volta para a teoria dos números. O nome próprio é um nome de nome de nome, a introdução de um triplo na denominação funda uma nova versão da máscara. Então não é mais a partir de um encadeamento de significantes que se aprecia o estatuto do nome, mas sim a partir de uma ligação com o impossível: 8 encontrar-se com o dois. 6 Lacan J., Séminaire XVIII. Seuil. p. 122 Lacan J., Préface à L’Eveil du printemps. Autres Ecrits. Seuil. p. 563 8 Lacan J., L’étourdit. Scilicet 4. Seuil. pp. 24,34,50. 7 O dois, sozinho, conduz a um impasse lógico. O nome próprio, nome de nome de nome, seria o semblante que oferece, senão uma saída ao menos uma via para se desprender da inacessibilidade na qual se sustenta o impossível em relação aos sexos. Considerado desta forma, o nome próprio como máscara do semblante não engendra representações e não produz nenhum efeito de significado. Muito menos encarna uma unidade da qual se deduziria do ser, mas ao contrário, faz lembrar uma existência no sentido próprio. O fato de ficar ao lado. “A mascara só existiria no lugar vago em que eu coloco a 9 mulher” , informa Lacan. É uma confidência, de fato, designar o local onde para alguém, até mesmo Lacan em pessoa, se engendra o semblante. Aqui, um vazio em que repousa a mulher. Longe de ser oratória, esta precisão não valoriza nenhum traço particular próprio a um sujeito, mas explica a importância de uma singularidade, parlêtre. Esta importância já foi dita no passado, durante uma seção da seminário tratando da ligação do nome próprio com a categoria do singular que é tão problemática para a 10 lógica aristotélica. 9 Lacan J., Préface à L’Eveil du printemps, op. cit., p. 563 Lacan J., Séminaire XII. Inédit. Leçon du 5 mai 1965 10 DO LITORAL, EM PSICANÁLISE UMA LEITURA DE LITURATERRA Marie-Hélène Roch* Este título é motivado pela questão que coloca Lacan em seu escrito intitulado Lituraterra: “Será possível, * do litoral, constituir um discurso tal que se caracterize por não ser emitido pelo semblante?” No Seminário, livro 18, Lacan avança, explica Jacques-Alain Miller, para uma construção efetiva de um discurso que não fosse do semblante, e volta fazer da letra um uso que não é um uso como semblante, † que não é um uso como significante e leva o significante à letra que o bordeja. Esse avanço implica essa questão-chave: como pensar uma relação de limite entre saber e gozo, entre duas escrituras (uma fala com o corpo, e outra nada quer dizer), entre centro e ausência, entre a psicanálise e os outros modos do discurso. A imagem do litoral aparece em Lituraterra dando uma linha a essa clivagem. O litoral é uma linha de separação entre a terra e o mar, dois domínios que não tem a mesma estrutura, nem a mesma ‡ substância: “Eles não têm nada em comum, nem mesmo uma relação recíproca”. Estrutura e substância são termos heterogêneos um em relação ao outro. J.-A. Miller propõe uma leitura inédita em seu curso desse ano, quando ele anuncia que importa agora raciocinar de outra forma, nós compreendemos que se trata de pensar o litoral, a começar pela diferença que há entre leitura e escritura, entre sentido sexual e gozo, entre semblantes e sinthoma. Lembremos que Lituraterra foi colocada na abertura da edição de Outros Escritos. É apresentada sob a forma de uma lição (Lição sobre Lituraterra) no capítulo VI do Seminário 18, De um discurso que não fosse semblante. Os dois textos datam de 1971. Qual é o primeiro? O escrito ou o discurso que Lacan pronuncia em seu seminário? A letra ou a lógica do significante? Essa questão era de atualidade nos anos setenta, num contexto de promoção do escrito e Lacan fará a crítica disso na lição que se chama “Uma demonstração literária”. A letra lacaniana se separa da sublimação para proporcionar alguma coisa de particular à psicanálise, alguma coisa de uma natureza radical que toca os efeitos de seu discurso: “a § letra é o efeito radical do discurso”. Ela acrescenta alguma coisa a mais, uma marca específica ao ser falante. Sua natureza na psicanálise nos leva a conferir ao sinthoma seu lugar exato. Não há já nessa lição a abordagem de uma clínica do singular? Litoral, entre leitura e escrita “O que vocês o ensinam a ler (o inconsciente) não tem, então, absolutamente, nada a ver, em caso ** algum, com o que vocês possam escrever a respeito”. 1. O que vocês o ensinam a ler (...) Comecemos por nos perguntar como Lacan definia seus escritos: “Meus Escritos, são um título mais irônico do que não se supõe, já que se trata de relatórios, função de congressos, seja, digamos, de †† “cartas abertas”, em que faço um apanhado de uma parte de meu ensino”. Os escritos são “cartas * LACAN, J. Lituraterra, in: Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003, p.23 e Seminário, livro 18: de um discurso que não fosse do semblante, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2009, p.116. † MILLER, J.-A. Pièces détachées, in : : La Cause Freudienne, - Nouvelle revue de psychanalyse, nº 62, Paris Navarin Ed., p. 75 ‡ LACAN, J. Op. cit. § LACAN, J. O seminário, livro 20: mais ainda, 2ª. ed.,Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1985, p.50. ** Ibid., p.52. †† LACAN, J. . Lituraterra, in: Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003, p. 16. abertas”. Eles não são legíveis imediatamente, mas fazem falar delas, nutrem gerações, estão adiante de seu tempo, sua destinação é tardia, mas elas encontram sempre seu destinatário. Desde as primeiras páginas de seu escrito, a leitura, a interpretação, visa ao nível de radicalidade do qual testemunham, por exemplo, obras exigentes pela posição de seus autores, daqueles que compreenderam que a letra era palea. Beckett coloca em cena o casal (um casal de velhos) no lixo, Joyce mostra isso que se pode esperar de uma psicanálise chegada a seu final. São efeitos radicais. A letra é primitiva, ela não é primeira, ela se distingue por ser para um outro uso que o do significante. Letra/lixo, moterialidade/materialidade, manejo Qual é o uso do significante? É sua materialidade fônica, pois o significante não é o significado, “o que se ‡‡ ouve é o significante”. Quando J.-A. Miller nos diz que se trata agora de raciocinar de outra maneira, isto que se escuta é o significante que ressoa melhor com um corpo. Mas com qual corpo? Em 1959 Lacan sustentava uma tese sobre o intérprete (interprète). Jogando com o equívoco do significante, ele afirmava que da mesma forma que o ator, o inter-empresta (inter-prête) seu corpo com seu inconsciente bem como o real. Um corpo imaginário e pulsional, o texto simbólico, um inconsciente real — aquilo formava um nó borromeano orientado segundo SIR. Agora, qual é o uso da letra? A letra é antes áfona sob a escritura joyceana que a radicaliza: letra é lixo §§ (resto, dejeto). Seu uso é seu manejo por Joyce, é que “o significante vem rechear o significado” remetendo a uma obra que não cai sob o sentido e que realiza o lom Joyce como sinthoma. É uma experiência de gozo puro. O corpo não é mais imaginário e simbólico, ele se goza, segundo a última definição de Lacan. Ele se goza pela letra, isto é visível na obra de Joyce. A diferença que faz Lacan entre isso que se apreende e o que se escreve, liberta um uso específico da letra em lalíngua. Coloquemo-nos um pouco antes de Lituraterra, em Mais ainda, onde essa dimensão é aberta, por exemplo, no equívoco da palavra moterialidade. De que se trata? Disso que se acrescenta à língua para que ela possa ser falada e então ser escutada. O que se acrescenta é a materialidade de sua própria língua íntima, não ainda realizada. Quando o significante se injeta no significado até produzir um chiste, como por exemplo ‘familionário’, vê-se que o gozo parasita se infiltrou. Em Mais ainda, lalíngua se torna “nosso caso a cada um”. A linguagem “isso não existe, isso é o que tentamos saber concernente à função de lalíngua”. O saber não é mais que hipotético do ponto de vista de lalíngua “em que os efeitos vão bem além de tudo o que o ser que fala é suscetível de enunciar”. Ler seu inconsciente não é unicamente recensear os usos de uma língua como faz o dicionário, mas é deixar aparecer o que a letra aí encobre de opacidade, um dizer fora do comum. *** Se Lacan formula que a linguagem se aperfeiçoa quando ela sabe jogar com a escrita é que há o projeto de reenviar cada um ao aperfeiçoamento de sua língua, que ela possa oferecer mais o silêncio para si mesmo e a opacidade para os outros. Pois aperfeiçoar sua língua é fazê-lo não na esperança de que se acabe por se compreender melhor, mas que seja possível viver com um outro sexo, uma outra língua, sem dever, absolutamente, se adaptar a eles. Litoral, pois que não há meio de ler, de apreender seu inconsciente de outra maneira sem cair na mentira. Estar na borda do saber para penetrar mais longe na via do real, isto é, tentar cernir de que se trata. “Já seria razoável que o ler-se fosse entendido como convém, ali onde se tem o dever de interpretar”, ††† O mandado é para o analista. Sua interpretação não está aberta a todos os sentidos: precisa Lacan. ela a se fecha em seu artifício num momento em que soa justa. O que se lê necessita para um ser falante uma hipótese sobre o inconsciente como suposto saber, um engajamento da psicanálise em direção a uma política que Lacan chama em seu escrito “a política do ‡‡ LACAN, J. O seminário, livro 20: mais ainda, 2ª. ed.,Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1985, p.47. Ibid, p.51. *** Ibid, p.51. ††† LACAN, J. Posfácio ao Seminário 11, in: Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003, p.504 . §§ sintoma”. Seria suficiente, diz ele, “que tirássemos da escrita outro partido que não o de tribuna ou ‡‡‡ tribunal, para que nela se articulassem outras falas a nos prestar tributo”. Vale para o verdadeiro ou para o semblante? A política do sintoma busca inscrever os efeitos que não sejam de tribuna ou de diatribe, mas efeitos que nos concernem, efeitos reais “que mudam nossos propósitos”. Não se trata de ter um discurso, é o sintoma que o tem, o que de alguma forma me mantém. Enfim o que lê se sustenta também em uma teoria da escrita psicanalítica em que “a escrita é, no real, o ravinamento do significado.” §§§ 2 . (...) Com o que vocês podem escrever aí Na página 59 do Seminário 18, Lacan escreve no quadro o caractere chinês SZU, lamentando que o giz o impeça de colocar os acentos que o pincel permite. Que não é o sentido que é importante (szu quer dizer meios ilícitos, quer dizer também, pessoal, no sentido de privado), mas sua forma escrita que é notável. O caractere chinês na forma de um grafo (de um ágrafo) serve para sustentar os termos em torno dos quais gira o discurso de Lacan. Ele numera os acentos e inscreve sobre o traço de cima: (1) “os efeitos de linguagem”. Ele da à ordem simbólica “sua diz-mansão” (demansion), isto é, o que resta da verdade, sabendo que o Outro é o corpo. E sobre o traço horizontal, ele escreve em (3) “fato do escrito”. Em (2) ele situa o cruzamento onde os efeitos de linguagem tomam seu princípio. Eles tomam seus princípios do discurso analítico. Quanto a este cruzamento o discurso analítico é revelador de alguma coisa, ele é um passo. No grafo tem-se o primado da língua sobre o escrito. A passagem ao cruzamento vem marcar a separação produzida (é o que nós queremos sublinhar retomando o binário dado por J.-A. Miller) entre o que se lê (o inconsciente transferencial) e o que se escreve (o inconsciente real) como a-não-ser-lido. **** Trata-se nesse Esse “a-não-ser-lido” vem ainda da lógica do significante, mas em sua relação ao vivo. avanço de uma palavra renovada por seu laço ao gozo. O que se escreve aí procede da precipitação: choveu semblante, ruptura, invocação. “O que se evoca de †††† gozo ao se romper um semblante”. Nessa versão de escrita, a letra é objeto a equivalente ao sicut palea de São Tomás de Aquino, e também ela é um furo, “prega que faz borda ao gozo”. A separação produzida entre leitura e escrita introduz um intervalo entre o verdadeiro e o real, e produz um deslizamento na natureza do significante que se torna semblante. O passe dá testemunho disse, ele se faz a partir dos semblantes desnudados, restos onde o dizer encontra sua força de invenção e de artifício. Litoral, entre saber e gozo À vista da letra, o semblante Este avanço sobre a escrita do sinthoma conduz Lacan à invenção de uma nova categoria, o semblante. Pois à vista do real da letra, o significante é semblante. Para explicá-lo, Lacan parte de um fenômeno da natureza. Os semblantes são da natureza, as nuvens são significantes, a língua é matéria em suspensão e em transformação. Os semblantes como as nuvens se dissolvem e caem como chuva. Antes que isso se produza, há somente nevoeiro. Se esse efeito de ruptura e de escorrimento cai das nuvens, isso não cai do nada, não é um fenômeno mágico, isso se pode ler. Da mesma forma os fenômenos geológicos se decifram, pois o semblante é uma categoria que inclui o significante e seus efeitos, uma conjunção de metáfora e de metonímia onde o desejo desliza, onde o gozo se invoca. Como a substituição do significante pelo semblante se faz? ‡‡‡‡ “O semblante, é propriamente a relação do significante com o significado”, diz J.-A. Miller. A definição do semblante se deduz da escritura do algoritmo S/s que J.-A. Miller transformou em novo algoritmo, que ‡‡‡ LACAN, J. Lituraterra, in: Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003, p. 23. Ibid., p. 22. **** LACAN, J. O seminário, livro 20: mais ainda, 2ª. ed.,Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1985, p.50. †††† LACAN, J. op. cit. p. 22 §§§ ele escreve: Real//semblante, com uma dupla barra para marcar a “interseção vazia entre o real e o sentido”, “uma relação de exclusão”. Por conseguinte só há semblante à vista do real, um real equivalente ao gozo que habita lalíngua, esses furos na estrutura que Lacan evoca em Lituraterra como os sulcos de ravinamentos, o traço primitivo do traumatismo (troumatisme) da língua. Lituraterra se coloca sob esse algoritmo real//semblante, ele responde à “Instância da letra no inconsciente” e ao “Seminário sobre a Carta roubada”. Lituraterra desordena o automaton significante que o conto de Edgar Alain Poe coloca em cena. É uma lógica onde fundamentalmente nada se mexe, onde a letra comanda de seu lugar a compulsão à repetição; seu poder de ileitura se mostra operando em suas peripécias. A letra se mantém em reserva no Discurso do Mestre, quando se a vê comandar, ela goza de nós. O ministro do conto de Edgar Alain Poe crê tê-la em seu poder e se faz possuir por ela, com o risco de seus efeitos. Efeitos de feminização — precisa Lacan. De que se trata, então? Disso que fazia obstáculo à lógica do significante, isto é, os efeitos de passividade e de inércia do gozo imaginário. Em Lituraterra, a letra lacaniana sai da inércia do programa. O escrito de Lacan toma a temporalidade do acontecimento, do instante de ver, da contingência, do imprevisível, do inédito: a letra é aí letra de gozo puro, ela rompe com os semblantes. Ela é deslizamento, aroma (sinal?) do traço primeiro, inédito: “Rasura §§§§ de traço algum que seja anterior”. É uma nova escrita que toma sua partida da inconsistência, da ausência — do traço de gozo. A barra é colocada sobre A, o silêncio é S, o parêntesis cerne o furo no infinito. O que não se escreve — o gozo “não-necessário”, Lacan na lógica do não-todo o escreve S(A/). Nessa orientação, a letra é um furo real e toma um duplo aspecto segundo os modos sexuados do falante. Na lógica do não-todo fálico, do outro sexo feminino, ela traduz a ausência e o fora-sentido sexual. Na lógica do Um, universal masculino, ela marca o centro que Lacan escreve grande fi, isto é a castração, uma modalidade lógica do finito, do impossível de negativizar. A letra não entrega seu conteúdo. É a mensagem que Edgar Alain Poe formou sobre a carta, nos diz Lacan: “Essa carta— acrescenta ele, que é aquilo de que falo da página tal à página tal, vocês verão que fui eu que a escrevi. Será que sabia o que estava fazendo? Bem, não vou lhes dizer. O que estou falando é do falo. E até diria ***** mais: ninguém nunca falou melhor dele”. A letra é litoral, ela é furo e ela é a, borda de um furo, “prega sempre pronta a dar acolhimento ao gozo” ††††† É uma positividade (termo que J.-A. Miller promoveu em seu curso desse ano de 2009): ele anuncia uma versão de escritura, a do nó borromeano, que dá à dita escritura sua autonomia e seu estilo. A letra não é ela propriamente um litoral? A borda do furo no saber que a psicanálise designa justamente quando a aborda, a letra, não é isso que ela desenha? (Cf. “Lituraterra”). Ela desenha a borda entre centro e ausência, entre sentido sexual e outro gozo. A letra lacaniana a é a lúnula de separação entre os sexos, a condição litoral da relação entre os sexos. A condição litoral dos sexos “Havia uma vez dois sexos”. Tal era o título do jornal Le Monde, propondo a seus leitores a saga do verão sobre o tema masculino/feminino. Eu cito: “Dos mitos originais às últimas descobertas científicas, vejam tudo o que vocês queriam saber sobre a guerra dos sexos: como ela começou, o que ela engendrou, se ela pode acabar.” Anúncio tentador, se assim fosse. Lacan nos conduziu dos mitos freudianos à sexuação dos seres falantes; à formalização de uma relação de limite entre gozo sexual (saber que toca o inconsciente) e o gozo fora sistema. “Eis o que introduzo neste ponto de meu discurso deste ano — só existe questão de lógica a partir do ‡‡‡‡‡ escrito”, diz Lacan.” ‡‡‡‡ MILLER, J.-A. La experiencia de lo real en la cura psicoanalítica, 1ª. ed. – Buenos Aires: Paidós, 2003:22. §§§§ LACAN, J. Outros Escritos, p. 21. ***** LACAN, J. Seminário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante (1971), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2009, p. 88 ††††† Ibid. Ele mostra em esquemas o impasse dos sexos. Nas páginas 132 e 134 ele desenha dois esquemas intitulados “A característica do terceiro termo” e depois “Esquema do ahomenozum (hommoinzin)”. O escrito faz uso de capitonagem e tem o valor de função. O operador grande fi “feito de escrito” fixa a relação do homem e da mulher sobre a barra. A ausência de fechamento do triângulo fundamental (característica do terceiro termo) indica a impossibilidade de escrever o que é a relação sexual, o que nós encontramos sob a forma de impasse, de obstáculo, de hiância na experiência analítica. A lógica, diz Lacan, porta a marca do impasse do sexual, o que o esquema deixa perceber. No gozo sexual, há alguma coisa que é forcluída e que se satisfaz sem finalidade sexual. Nós apreendemos isso em uma análise. Contrariamente ao que se poderia crer, não é tanto a sexualidade que traz problema, cada um se arranja, mas o que se aprende na fonte certa (é o vivido) é que não se arranja com o corpo, com seu gozo. É o corpo que faz enigma ao ser falante, pois ele é uma aproximação singular que nos é necessário permanentemente abordar como uma margem. Nós tomamos do discurso de Lacan, isto é, do §§§§§ discurso analítico que ele formaliza que o escrito é o gozo. Miller assinalou que Lituraterra se situava entre o quinto e o sexto paradigma do gozo. Entre o quinto onde o gozo é discursivo, um nó cifrável e o sexto onde há ruptura: em que o gozo é fora de elaboração. Nessa configuração onde os limites não são mais claramente situados, a letra litoral vem fixar o ponto de inserção do gozo no semblante. Lacan faz referência ao lançamento do primeiro Sputnik, um evento memorável. Ele mostra o uso da natureza do semblante do objeto a. Tal que o homem no espaço tem necessidade da nave para sobreviver, e o mesmo se pode dizer quanto ao gozo que tem a necessidade, também, para sobreviver de estar encapsulado no objeto a. É um problema de sobrevivência do gozo e por conseqüência, uma ‘solução de utilidade clínica’. Litoral, entre semblante a e sinthoma J.-A. Miller precisa, eu o cito: “À clínica do ao menos um, do universal (que considera particular) é ****** necessário opor a clínica do singular”. A clínica do “ao menos um” interessa à clínica da neurose; a histérica demonstrou seus impasses. Lacan rende homenagem a suas capacidades de lógica, as quais consistem em cernir o gozo fora do sexual, que ela torna absoluto, como um ponto ao infinito. Sua orientação sobre o gozo se faz sob a égide do Nome-do-Pai, o que tem como conseqüência sua impossibilidade de se realizar como mulher. Produzir o singular, a lúnula de separação, a borda do saber, a condição litoral dos sexos, é o que pode fazer a psicanálise orientada pelo real da letra. Em seu comentário de Lituraterra (curso de 1998/1999), Éric Laurent situava o litoral sobre as operações de alienação/separação, mostrando que Lituraterra era uma teoria da escritura psicanalítica permitindo a produção de um traço único. A separação inscreve o litoral, ele passa ao interior do caos interno de um falasser. Desenha-se $(a)S2. O litoral se inscreve como borda da lúnula, entre o gozo e o saber tocando o inconsciente de um sujeito. O traço se acrescenta, ele não é unário, ele não delimita uma fronteira onde cada um se encontra do mesmo lado, mas ele é um traço único: um heterogêneo interno e constante. †††††† que Éric Laurent extraiu de seu curso um escrito intitulado “A carta roubada e o vôo sobre a letra” levou nessa época a uma conversação apaixonante com J.-A. Miller. Ele fez referência à teoria do único ‡‡‡‡‡ §§§§§ Ibid. p. 60 Ibid. p. 120. ****** MILLER, J.-A. Nous sommes poussés par des hasards à droite e à gauche – leçons de 10 e 17 décembre 2008, du cours «Choses dee finesse en psychanalyse » , in :La Cause Freudienne – Nouvelle revu de psychanalyse, nº 71, juin 2009, Paris Navarin Ed., 63-79. †††††† LAURENT, É. La lettre volée et le vol sur la lettre, in : La Cause Freudienne, nº 43, Les cours des 10 mars 1999 e l4 avril de 1999 de L’Orientation lacanienne, Paris Navarin Ed., ‡‡‡‡‡‡ traço de pincel e letrado Shitao que Lacan estudou com François Cheng . Ele nos dá a medida para compreender que para a psicanálise, a rasura não é a rasura do ser filosófico, mas se aproxima da exploração da caligrafia: “ Rasura de traço algum que seja anterior”. Na caligrafia, a letra tem lugar de §§§§§§ uma aposta que se ganha com a tinta e um pincel, “... onde o singular da mão rompe o universal’. É um traço inédito. Ainda é necessário fazer aceitar seu traço. Produzir o singular é o que pode a psicanálise, do litoral entre semblante e sinthoma entre um “não é isso, — é isso”. Ao fim de seu escrito, a nosso ver se pode ler entre as linhas uma alternativa que poderia se formular assim: ou o matema ou o império dos semblantes. Haveria uma outra escolha? Uma escolha outra não exclusiva? O que é que quer fazer passar a psicanálise? A que poderia ela satisfazer? “O discurso analítico passará se ele fizer escutar sua prática da não-relação sexual”, indicava recentemente J.-A. Miller em seu curso ******* de Orientação Lacaniana. O analista se orienta por uma clínica do singular. É uma experiência de litoral, aquela que Lacan sobrevoando a planície siberiana evoca pela metáfora dos sulcos rasurados. É ver — de golpe, por um instante —, como o emigrante vê a aproximação das ranhuras da terra incógnita, o semblante desnudado, o inconsciente desde o gozo: esse vasto furo de liberdade que é sua língua. Tradução: Jorge Pimenta. ‡‡‡‡‡‡ Nós temos os traços desses estudos em L’Ane nº25, fevereiro 1986, e em Lacan, l’écrit, l’image, Paris, Flamarion, 2000. §§§§§§ Lituraterra, op. cit. ******* MILLER, J.-A. – Cf. curso “Coisas de fineza em psicanálise”.