Iniciativa Latitude Grupo Temático Inclusão do cidadão e do doente no ciclo do acesso ao medicamento Reflexão e recomendações Na implementação de uma política de acesso ao medicamento, importa considerar qual deve ser o papel do cidadão, saudável ou doente, nos processos de decisão. A questão do envolvimento e integração do cidadão em geral, e dos doentes em particular, nas agências nacionais do medicamento - bem como em outras estruturas na área da saúde que tomem decisões que os afectem - está validada por instituições internacionais, como veremos. No entanto, os elementos do grupo consideram que Portugal parece revelar, ainda, uma cultura incipiente de participação do cidadão nas decisões que o impactam. Por outro lados, apesar de o direito de participação do cidadão na vida pública parecer hoje bem consolidado, o direito do doente em estar envolvido nas decisões relacionadas com a saúde, ainda está por concretizar na sua plenitude, sobretudo ao nível institucional. O conceito de participação, envolvendo o direito e a responsabilidade das pessoas para fazerem escolhas e, consequentemente, participarem nas decisões que afetam as suas vidas, começou a ser desenvolvido durante os anos 1970. Especificamente na área da saúde, a Declaração de Alma-Ata1, em 1978, preconizou um papel mais ativo dos cidadãos no novo modelo que então defendeu para os cuidados de saúde primários, reconhecendo-lhes o direito e o dever de participar individual e colectivamente no planeamento e prestação de cuidados de saúde. Mais tarde, a participação dos cidadãos extravasou muito para além do âmbito dos cuidados de saúde primários, passando a ser reconhecida como uma dimensão importante a contemplar nas políticas de saúde em geral. Por exemplo, em 2000, o Conselho da Europa declarou que o direito dos cidadãos serem envolvidos nos processos de tomada de decisão que 1 In Declaration of Alma-Mata, Primary Health Care: Report of the International Conference on Primary Health Care . Alma -Ata, USSR, 6-12 September 1978. Geneva. World Health Organization 1978 Abril de 2014 |1 envolvem os cuidados de saúde é uma questão básica e essencial em qualquer sociedade democrática2. Motivações várias têm impulsionado os esforços de envolvimento dos doentes e cidadãos no estabelecimento de prioridades na área do medicamento. Por um lado, motivações políticas que derivam da vontade de promover os ideais democráticos de legitimidade, transparência e responsabilização. Por outro, motivações relacionadas com a saúde e que derivam da necessidade de melhor alinhar a inovação com as necessidades dos doentes. Por exemplo, a evidência mostra que os profissionais de saúde valorizam os estados de saúde e as prioridades de forma diferente dos doentes, pelo que a participação destes é uma forma de aumentar a relevância e adequação dos processos de tomada de decisão. A tendência crescente de estabelecer mecanismos institucionais que permitam a participação informada de todos os interlocutores relevantes, incluindo os doentes (por exemplo, OMS3, ECDC4), tem vindo a acontecer também na área do medicamento, nomeadamente nas agências reguladoras do medicamento (EMA5, FDA6) ou de avaliação de tecnologias de saúde (NICE7). Em Portugal, o mais importante instrumento estratégico de política de saúde – o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2012/2016 – refere que a cidadania em saúde, um dos eixos estratégicos do PNS, se reforça através da promoção de uma dinâmica contínua de desenvolvimento que integre: “produção, partilha e utilização de informação e conhecimento (literacia em saúde); cultura de proatividade, compromisso e auto controlo do cidadão (capacitação); e máxima responsabilidade e autonomia individual e colectiva (participação ativa/ empowerment)”. Com esse objetivo, o PNS estabelece também os princípios orientadores para a promoção da cidadania em saúde. No âmbito da participação ativa, salientam-se os seguintes: - “Promover uma cultura de cidadania, assente no desenvolvimento de iniciativas dirigidas à comunidade ou a grupo populacionais, visando a promoção da literacia, capacitação e empowerment”; 2 The development of structures for citizen and patient participation in the decision making process affecting health care. In: Recommendation adopted by the Committee of Ministers of the Council of Europe, Strasbourg, 24 February 2000. 3 Organização Mundial de Saúde 4 European Centre for Disease Prevention and Control 5 European Medicines Agency 6 U.S Food and Drug Administration 7 National Institute for Health and Care Excellence Abril de 2014 |2 - “Promover a participação ativa das organizações representativas dos cidadãos”; “Promover o exercício da cidadania no processo de tomada de decisão e na avaliação institucional, num contexto de transparência”. No âmbito da missão da Iniciativa Latitude de contribuir para construção de um futuro modelo de acesso à inovação na área do medicamento, importa debater o papel do cidadão nos processos de decisão inerentes ao ciclo do acesso ao medicamento em Portugal, refletindo necessariamente sobre a referida cultura de participação, explanada ou não em outras áreas. É importante, também, refletir sobre a forma como se fomenta e se abre a possibilidade desta participação acontecer. Este documento apresenta as recomendações do grupo de trabalho nas dimensões em apreço, bem como notas adicionais sobre a discussão que teve lugar. As dimensões da participação e/ou inclusão do cidadão/doente, nas decisões em saúde A discussão gerada no âmbito do grupo de trabalho permitiu, desde logo, identificar duas realidades que podemos categorizar da seguinte maneira: a) O cidadão e o seu papel: o cidadão/doente deve identificar de que forma considera que a sua participação se deve enquadrar no âmbito da decisão de políticas públicas que o afectam, incluindo, aqui, a política do medicamento e das tecnologias da saúde, em geral. São contempladas várias formas de associação e/ou participação: desde logo a que é feita na qualidade de cidadão, colocando-se a questão: “como indivíduo que usufruo de direitos civis, políticos e sociais num Estado democrático, como posso participar em decisões que me afectam? E que competências específicas – se algumas - me devem ser solicitadas?” Aqui, o grupo reconhece que i) hoje o cidadão possui ferramentas importantes que o podem tornar numa voz ouvida sobre uma determinada temática, reflectidas essencialmente num alcance mais facilitado ao domínio do digital e das redes sociais, e que ii) soluções disponibilizadas por organismos públicos podem tornar-se verdadeiras ferramentas de empoderamento do cidadão e das Abril de 2014 |3 organizações (i.e. o grupo referiu o potencial representado pelo portal do utente como exemplo importante, a que voltaremos mais adiante). Não se pretende, aqui, que o cidadão se revista de um conhecimento particular ou de um domínio técnico. Apenas que participe na sua qualidade de indivíduo que usufrui, neste caso, de um Serviço Nacional de Saúde, tendencialmente gratuito e universal. Por outro lado, o cidadão/doente, pode integrar associações de doentes, organizações sem fins lucrativos, compostas essencialmente por doentes, familiares e/ou prestadores de cuidados de saúde, que representam e/ou prestam apoio e exercem advocacia relativamente às necessidades dos doentes8. Esta representação ou prestação de apoio reflete-se, muitas vezes, na participação em fóruns de consulta, parecer e/ou decisão sobre temáticas que dizem respeito aos seus interesses. Também aqui é importante refletir que papel e atributos devem estes representantes ter para poderem exercer uma voz no sistema. Neste capítulo, o grupo concordou que as associações de doentes devem cumprir um conjunto de critérios que atestam a sua capacidade de intervenção nos fóruns em que participam, a saber: 8 Legitimidade: a organização deve ter estatutos registados e demonstrar ter um interesse concreto na área. Missão/objectivos: a organização deve ter a sua missão/objectivos definidos de forma clara e pública. Representação: a organização deve ser representativa dos doentes e consumidores, registada em Portugal e, se possível, estabelecer relações com congéneres europeias e internacionais. Estrutura: a organização deve ter órgãos de direção eleitos pelos seus membros que devem ser doentes, familiares e cuidadores ou representantes nomeados. Modelos de responsabilidade e consulta: as declarações e opiniões da organização devem refletir as opiniões dos seus membros e devem ser postos em prática processos de consulta. A organização deve garantir que existe uma partilha de informação adequada de modo a permitir o diálogo de ambas as partes: de e para os seus membros. Transparência: a organização deve revelar as suas fontes de financiamento, quer sejam públicas ou privadas, fornecendo os Definição contida no Código de Conduta para as Relações entre a Indústria Farmacêutica e as Associações de Doentes. Abril de 2014 |4 nomes e seus respectivos contributos, quer em termos absolutos, quer em termos percentuais totais no orçamento da organização. Cabe sublinhar, também, que os representantes destas organizações devem, ainda no âmbito da transparência já referido, manifestar com clareza potenciais conflitos de interesse, assumindo-se aqui um nível de exigência nem inferior, nem superior, a qualquer outro cidadão que integre, noutra qualidade qualquer, um órgão de consulta ou decisão na área da saúde. Este conflito de interesses deve no entanto, para além de declarado, ser gerido. Ou seja, a declaração de conflitos de interesse não deve por si só autorizar o sujeito de exercer as funções em causa – deve antes servir de base para aferir em que fóruns o pode fazer e com que nível de participação. Sobre este aspecto concreto, referente à gestão de conflitos de interesse, o grupo refletiu sobre se não seria importante considerar a revisão da recente lei das incompatibilidades, como é denominada, alterando o critério do limite de financiamento atualmente estabelecido, por uma lógica que leve em linha de conta a percentagem de financiamento de uma determinada entidade – o financiador – no orçamento global do financiado – neste caso, da Associação de Doentes. As associações cívicas refletem, também, uma dimensão de intervenção na esfera pública muito relevante. Neste caso, a perspectiva do cidadão prevalece, assumindo estas organizações o ónus de reivindicar, por exemplo, a adopção de legislação necessária à defesa e proteção dos interesses dos seus associados ou a sua representação junto da administração pública, e de outros entidades a nível nacional e internacional, para opinar no âmbito de serviços e/ou produtos que lhes são disponibilizados. Este tipo de organizações deve obedecer, com as devidas adaptações, aos mesmos critérios assumidos para as associações de doentes, como padrão mínimo que possibilita e valida a sua participação em entidades públicas. Finalmente, e voltando um pouco à questão inicial sobre a participação do cidadão, o grupo manifestou a importância de se considerar a relevância de incorporar a perspectiva de cidadãos especialmente habilitados - quer pela experiência relevante em atividades públicas e privadas, quer pelo seu conhecimento sobre a dinâmica das sociedades - nas decisões na área da saúde, Abril de 2014 |5 sendo relevante o seu contributo para avaliar a adequação de uma determinada medida e/ou decisão em termos societais. b) O Estado e os mecanismos que confere para a participação dos cidadãos: Se no primeiro ponto, o grupo encarou sobretudo a abordagem e a intervenção que parte da base para o topo, coube também uma reflexão e análise do trabalho de inclusão da opinião, do domínio técnico, do conhecimento geral que o Estado procura dos seus cidadãos e/ou das organizações que os representam (abordagem “top-down”). São vários os organismos e atividades em que o Estado contempla a participação do cidadão/doente, organizado em associação ou em nome individual, mas entende o grupo que existe uma divisão entre i) processos de consulta estabelecidos sobre um procedimento, um trabalho ou um plano e ii) lógicas de integração que pretendam tornar o cidadão/doente num elemento de pleno direito no processo de decisão – ainda que, não necessariamente abrangido pela responsabilidade final de decisão. Assim, assiste-se hoje, nas várias realidades do SNS, a entidades que integram a participação cidadã. No âmbito dos cuidados de saúde primários, por exemplo, o decreto-lei que criou o regime jurídico e estabeleceu a orgânica dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES)9, determina a existência de um Conselho da Comunidade nestas estruturas agregadoras de várias unidades funcionais de saúde, que têm uma implementação local, próxima das suas comunidades. Cabe ao Conselho da Comunidade um conjunto de importantes tarefas, enunciadas no respectivo documento legislativo instituidor10. Este órgão é composto por cidadãos, em várias qualidades: como representante do município onde o ACES se integra; como representante de escolas ou agrupamentos escolares; como representante de instituições particulares de solidariedade social; como representante de associações de utentes do ACES, entre outros. Este organismo, é, essencialmente, um órgão de consulta, sem real capacidade de intervenção na decisão tomada ao nível dos ACES. Não é explícito, por exemplo, 9 Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro. Disponível em: http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/639D1F2C-07BD4ED3-8EA3-53FBB5EE0F30/0/0118201189.pdf 10 Idem Abril de 2014 |6 qual o efeito real de um parecer negativo aos planos anuais e plurianuais que lhe são submetidos. O grupo recomenda que o funcionamento destes organismos seja optimizado, e que possa ser do conhecimento público um parecer não concordante com a decisão que foi tomada e a justificação que a baseou. O propósito é o de tornar claro que a decisão final é da competência de quem detém o poder executivo, mas existindo opinião desfavorável, o seu não seguimento ser justificado no ato da tomada de decisão. Também a realidade hospitalar parece seguir os mesmos moldes de integração de cidadãos em Conselhos Consultivos. No decreto-lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro11, é consagrada a existência de um órgão consultivo com a designação atrás referida, composto por uma personalidade de reconhecido mérito nomeado pelo Ministro da Saúde, bem como um conjunto de outros representantes que provêm dos municípios, associações de utentes e de prestadores de trabalho voluntário. Também neste caso existe uma intervenção consultiva, não vinculativa, a que parece adequar-se a recomendação feita relativamente ao exemplo dos cuidados de saúde primários. Regressando ao exemplo do portal do utente, o grupo manifestou o seu apreço pela ferramenta e pela possibilidade que pode contemplar de o Estado ouvir e acompanhar o cidadão, a que devem acrescer plataformas digitais móveis – sendo estes bons exemplos de instrumentos que tornam o cidadão mais capaz relativamente à gestão e conhecimento da sua saúde. O grupo considerou recomendar a utilização da plataforma já existente, como elemento agregador de informação para o cidadão sobre todos os fóruns consagrados pelo Ministério da Saúde em que aquele pode participar. Na realidade, a dispersão de mecanismos de consulta/intervenção dos doentes/ONG prejudica a eficácia dessa participação, pelo que uma sistematização dessas vias de participação poderia ajudar a identificar deficiências e redundâncias no SNS. Sublinhou-se ainda que o Portal do Utente pode funcionar para potenciar a participação dos cidadãos na área da saúde, tornando visíveis os órgãos, conselhos e outras entidades disponíveis. Pode funcionar também, eventualmente, como base para registo dos vários representantes do cidadão. 11 Transforma em entidades públicas empresariais os hospitais com a natureza de sociedade anónima, o Hospital de Santa Maria e o Hospital de São João e cria o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E. P. E., o Centro Hospitalar de Setúbal, E. P. E., e o Centro Hospitalar do Nordeste, E. P. E., e aprova os respectivos Estatutos Abril de 2014 |7 Definir o papel do cidadão/doente nos processos de decisão relativos ao medicamento O grupo centrou as suas recomendações na melhor forma de integrar a voz do cidadão no ciclo de acesso ao medicamento, âmbito de trabalho da Iniciativa Latitude. A participação do cidadão/doente na discussão do ciclo do acesso ao medicamento deve endereçar cinco questões base: 1. Porquê? Antes de mais será necessário equacionar o valor que a participação do cidadão traz à discussão, qual a relevância e importância da sua opinião e que resultados se esperam da sua participação. As organizações a nível internacional que envolvem os cidadãos/doentes nos seus processos de discussão e decisão são unânimes quanto a esta mais valia12: por um lado, o envolvimento dos cidadãos nestas questões aumenta o seu nível de literacia, o que resulta em melhores 12 World Health Organization European Ministerial Conference on Health Systems - Health Systems, Health and Wealth , Where are the patients in decision-making about their own care? Policy brief, June 2008 Abril de 2014 |8 resultados em saúde. Um cidadão/doente informado faz melhores escolhas, interage melhor com o sistema de saúde e provoca um efeito positivo nos resultados. O inverso é igualmente verdade, já que níveis inferiores de literacia estão normalmente associados a piores resultados em saúde. Por outro lado, o envolvimento na discussão/decisão gera maior responsabilização dos cidadãos/doentes e uma melhor aceitação e compreensão das decisões que os afectam. Efetivamente, o foco tem sido maior na disponibilização de escolhas para o cidadão do que na sua capacitação para decidir, no seu empoderamento. É necessário garantir que o cidadão tem a literacia em saúde necessária para as suas escolhas e para participar nos processos de decisão que o afectam a si e à sociedade. Neste capítulo, as associações de doentes desenvolvem um papel relevante na capacitação dos cidadãos/doentes que acompanham, na medida em que representam um importante veículo de disseminação de informação sobre a doença. Este acesso à informação potencia uma participação do cidadão/doente mais enriquecedora e útil para a discussão. No caso concreto do doente, o grupo realça ainda que a mais valia de envolver doentes em projetos e políticas reside essencialmente na sua experiência de vida com a doença e o conhecimento que daí advém dos cuidados de saúde existentes. O envolvimento do doente propicia um processo de decisão em saúde mais transparente, mais democrático e mais dirigido à auscultação do que o doente valoriza13. Uma análise sobre os benefícios do envolvimento dos doentes na EMA concluiu que a participação dos doentes nos comités científicos aumenta a transparência e a confiança nos processos regulamentares e promove o respeito mútuo entre os reguladores e a comunidade de doentes. Outra conclusão foi que a contribuição dos doentes enriquece a qualidade da opinião dada pelos comités científicos. 13 European Patients Forum, The Value + Policy Recommendations, Available at: http://www.eupatient.eu/Documents/Projects/Valueplus/doc_epf_policyrec.pdf Abril de 2014 |9 2. O quê? A participação do cidadão/doente poderá ser equacionada a diferentes níveis. Nível de envolvimento do cidadão/doente no processo de discussão e decisão O nível mais simples e menos interventivo é o processo de auscultação, em que o cidadão/doente pode expressar a sua opinião numa lógica unívoca (por exemplo, através do envio de comentários e sugestões, mesmo anónimas, em processos de consulta pública). Por outro lado, o envolvimento do cidadão/doente em fóruns de discussão, em que tem a oportunidade de ouvir e ser ouvido, é mais enriquecedor para a discussão, tanto na perspectiva do cidadão/doente como dos restantes intervenientes. Por último, a participação na decisão, nomeadamente através do exercício de voto ou outras formas de resolução, implica um envolvimento muito maior. A definição deste nível de participação deve ser determinada em cada fórum, deixando claro qual o papel do cidadão/doente: observador, representante, advisor ou outros níveis de participação. Deverá ainda evoluir-se no sentido de tornar público o resultado destas consultas. O grupo considerou, contudo, que é importante refletir no conceito de “participação significativa” – expressão retirada do termo em inglês meaningful patient involvement – que diferencia um papel meramente consultivo, de um papel, não necessariamente de decisão, mas com peso no resultado final de um determinado processo. Este conceito descreve que a participação significativa significa que os doentes adoptam um papel ativo em atividades ou decisões que acarretam consequências para a comunidade de doentes, assumindo o seu conhecimento específico e a sua relevante experiência como doentes. Abril de 2014 |10 Adicionalmente, será necessário que a participação do cidadão seja contemplada também nos momentos em que há escolhas difíceis a tomar, com impactos a vários níveis (e não apenas nas decisões fáceis com impactos individuais), garantindo desta forma uma maior sustentabilidade da decisão. Este envolvimento deve ser planeado, adequadamente financiado, executado e avaliado de acordo com os valores e propósitos das associações de doentes participantes; das outras organizações e organismos financiadores presentes; e de acordo com a qualidade das suas experiências durante a atividade participativa14. 3. Como? A integração ou intervenção formal do cidadão/doente deve seguir regras claras e objectivas. A este respeito o NICE é um exemplo de boas práticas e de desenvolvimento de uma abordagem abrangente que compreende: Consulta a stakeholders: em que qualquer entidade se pode registar e comentar, em qualquer fase do processo de desenvolvimento de uma norma clínica, para se pronunciar ou sugerir tópicos para normas, enfoque, etc. Contributo direto: todos os comités e grupos de trabalho do NICE devem incluir pelo menos dois membros que têm um papel preponderante ao fornecer uma visão do doente/cuidador para as discussões e decisões. Podem ser doentes, cuidadores ou ativistas. Contributo indireto: através, por exemplo, de “focus groups” com doentes, testemunhos escritos e/ou gravações de entrevistas com doentes que são apresentados a um comité de avaliação de tecnologias. Disseminação e adequação das orientações emanadas do NICE, com versões escritas para doentes, para cuidadores e para o público. Também a Agência Europeia do Medicamento consagra um órgão, conhecido como PCWP – Patients’ and Consumers’ Organizations - responsável por 14 European Patients Forum, The Value + Policy Recommendations, Available at: http://www.eupatient.eu/Documents/Projects/Valueplus/doc_epf_policyrec.pdf Abril de 2014 |11 monitorizar, rever e fomentar a participação dos doentes em seus vários organismos. Um método, que pode ser replicado localmente, é o de integrar os doentes em comissões especializadas, como acontece com as comissões científicas (i.e. COMP – Committee for Orphan Medicinal Products; PDCO – Paediatric Committee; CAT – Committee for Advanced Therapies). A intervenção dos doentes nestes organismos inclui: A participação na avaliação de submissões e em avaliações interpares. O aconselhamento na identificação de peritos externos. A colaboração na preparação dos sumários públicos de opinião15. O grupo considerou importante aludir também a recomendações consagradas pelo European Patients Forum, cuja adopção, a montante do descrito anteriormente, faz todo o sentido no âmbito nacional, a saber: a) Desenvolver, adoptar e promover um instrumento político sobre participação do doente; b) Introduzir um mecanismo e desenvolver diretrizes para garantir uma representação sustentada em comités/organismos na área da saúde, processos de decisão (locais e nacionais) c) Desenvolvimento/promoção da adopção de um código de conduta que defina princípios e valores para o trabalho com doentes e associações de doentes, como parceiros ao mesmo nível; d) Inclusão de um sistema de monitorização e avaliação do envolvimento dos doentes em processos e decisão e consulta promovidos pelo Governo e seus organismos. O grupo sugere que este trabalho possa ser feito pela Direcção-Geral de Saúde, através, por exemplo da elaboração de uma Orientação Técnica ou Norma Organizacional que explicite estes procedimentos e respectiva metodologia. Adicionalmente, devem também ser pensados os mecanismos práticos que permitam ao cidadão estar presente nos fóruns de discussão determinados. A este respeito, o NICE, por exemplo comporta os seus custos de deslocação e 15 Ghislaine van Thiel and Pieter Stolk, Priority Medicines for Europe and the World "A Public Health Approach to Innovation", 2013 Abril de 2014 |12 estadia. Em Portugal, uma alternativa poderia ser o sistema das senhas de presença que, não pretendendo remunerar a participação, garante a cobertura dos custos incorridos com as eventuais deslocações. 4. Onde? A participação do cidadão/doente deve ser incluída nos diferentes fóruns de discussão ao longo do ciclo de acesso ao medicamento: a. Conselho Consultivo do Infarmed e Conselho Nacional de Publicidade de Medicamentos e Produtos de Saúde – Estes Conselhos preveem atualmente na sua composição representantes das associações de consumidores e representantes das associações de doentes. No entanto, o grupo não encontrou referências ao papel destes representantes, como são nomeados ou qual o resultado da sua intervenção, pelo que seria relevante tornar esta participação mais clara e efetiva. b. Comissões técnicas especializadas do Infarmed – A CATE (Comissão de Avaliação Terapêutica e Económica)/ CATS (Comissão de Avaliação de Tecnologias da Saúde) e as comissões especializadas da CNFT (Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica) poderiam beneficiar da participação do cidadão. Neste domínio, o NICE e a EMA são boas referências de regulamentação desta participação: o Technology Appraisal Committee do NICE, por exemplo, integra um leque alargado de cidadãos e definiu a forma como esta participação se. Também a EMA publica as regras e nomeações dos seus vários comités. c. Normas de Orientação Clínica (NOCs) – O processo atual de desenvolvimento das NOCs pela Direção Geral de Saúde é essencialmente conduzido por peritos, profissionais de saúde, sendo o momento de consulta pública um último degrau de um resultado final – em que não é complemente clara a preponderância deste processo na conclusão da recomendação. Entende este grupo, que o cidadão deveria ter um envolvimento maior na elaboração das normas. O modelo inglês do NICE relativo ao desenvolvimento de normas clínicas, deposita nos GDGs (Guideline Development Groups) a responsabilidade de elaborar estas diretrizes. Os GDGs integram profissionais de saúde, peritos, doentes e/ou cuidadores que aderem ao código de conduta do NICE, Abril de 2014 |13 declaram potenciais conflitos de interesse e assinam um formulário de confidencialidade. Os doentes e/ou os cuidadores têm o dever de garantir que questões relativas ao doente são integradas em tudo o que o GDG produz. d. Nas unidades de saúde – A mais valia que o cidadão traz ao processo não deve ser reduzida aos processos de decisão centralizados, mas antes alargada aos fóruns mais próximos do doente, como os estabelecimentos de saúde, nomeadamente como mecanismo adicional para garantia da equidade no acesso ao medicamento. Aqui, há que atentar nas funções atuais dos Conselhos Consultivos/Conselhos da Comunidade e dar-lhe um carácter mais efetivo neste capítulo da garantia da equidade. 5. Quem? Os cidadãos a integrar nestes organismos devem fazer parte de associações de doentes, associações de consumidores e/ou serem nomeadas na sua qualidade de individualidades de reconhecido mérito e idoneidade, à semelhança, por exemplo, do critério que preside à nomeação do representante de reconhecido mérito do Conselho Consultivo dos hospitais referido atrás. Identificou-se, ainda, a mais-valia que poderia constituir a criação de uma entidade, no seio do Infarmed, responsável por capacitar e desenvolver estratégias que procurem ativamente a participação do cidadão, disponibilizando ferramentas que possam auxiliar essa contribuição. Como tal foi referido o exemplo PIP – Public Involvement Programme, formulado pelo NICE e cuja missão é desenvolver e apoiar a participação do público, dos doentes e dos cuidadores nas atividades do NICE. Este programa integra os princípios do NICE de que: os cidadãos/doentes, os cuidadores e as organizações que defendem os seus interesses devem ter a oportunidade de contribuir para as orientações e padrões de qualidade definidos pelo NICE e para a sua implementação; em resultado desta contribuição, o resultado do trabalho do NICE tem mais foco e relevância para as pessoas afectadas pelas suas recomendações. Abril de 2014 |14 O NICE mantém também um registo prévio das organizações de doentes e cuidadores, onde é expresso o seu interesse na discussão de determinados tópicos, de modo a serem contactadas quando esses temas estão a ser discutidos. Contudo, e para não excluir a participação de doentes ou cuidadores não envolvidos em organizações, a agência inglesa publicita as vagas no seu portal, para que todos possam manifestar interesse e concorrer. Não existem exigências de qualificações formais para estes candidatos, mas espera-se que cumpram um conjunto de critérios, a saber: a. Estarem familiarizados com a doença abrangida pela norma. b. Compreender a diversidade de experiências relacionadas com a doença, e não apenas o impacto na sua própria pessoa. c. Possuir algum conhecimento de termos médicos e de investigação, indicando-se, por exemplo, que o indivíduo em questão seja capaz de interpretar um artigo do “British Medical Journal”, embora seja referido a disponibilização do NICE, e da sua estrutura PIP (Patient Involvement Programme) para ajudar nesta capacitação. Esta e outras práticas podem ser adaptadas para a realidade portuguesa, de forma a garantir que o envolvimento dos cidadãos/doentes é cada vez maior, mais transparente e mais efetivo. Participaram neste subgrupo temático: Luis Mendão (coordenador), António Diniz, Luís Florindo, Maria do Céu Machado, Manuel Sobrinho Simões, Ricardo Baptista Leite, Sofia Crisóstomo e Maria João Poole da Costa. Contou, ainda, com a participação especial de Pedro Silvério Marques. Para saber mais sobre a Iniciativa Latitude e os temas em debate visite www.iniciativalatitude.org. A utilização deste conteúdo está sujeita a autorização dos seus titulares. 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