A tecnologia de modificação genética oferece a oportunidade de reduzir ou eliminar alergênicos protéicos que ocorrem naturalmente em alimentos específicos. Pesquisadores têm trabalhado para retirar alergênicos naturalmente presentes em trigo, leite e até mesmo amendoim. Assim, a biotecnologia tem trabalhado para reduzir problemas com alergias alimentares e não para agravá-los. Biotecnologia rDNA Márcio A. F. Belém Ph.D., M.Sc., P.Eng. Consultor e Diretor-Presidente da Belém Biotech. [email protected] Edson Watanabe Ilana Felberg Pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos Maria José Sampaio Pesquisadora da Embrapa Sede Marília R. Nutti Chefe Geral da Embrapa Agroindústria de Alimentos 34 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Biotecnologia é a aplicação de organismos e de sistemas biológicos na produção de bens e serviços (OTA, 1984). Tradicionalmente, a aplicação da biotecnologia na indústria de alimentos se restringia à produção de pães, queijos, álcool, vinagre e iogurte. Mais recentemente, aumentou o interesse pelo uso dessa tecnologia na extração e produção de ingredientes não nutritivos, biologicamente ativos. Na última década, foram feitos enormes progressos especificamente nas técnicas de produção de alimentos e de bioingredientes por fermentação, por processos enzimáticos e por engenharia genética a partir de sistemas biológicos derivados do DNA recombinante (rDNA) (Belem, 1999). O desenvolvimento de tecnologias baseadas na aplicação de organismos e de sistemas biológicos derivados do rDNA para a produção de bens e serviços - a biotecnologia rDNA 5 iniciou-se em 1944, quando foi estabelecido o mecanismo de transferência genética que envolve o reconhecimento e a integração de um DNA isolado de um organismo por outro organismo (IFT Expert Report on Biotechnology and Foods, 2000). Mas, somente na última década, é que foi observado o impacto dessa tecnologia na mesa do consumidor, com o aparecimento dos alimentos derivados de organismos geneticamente modificados (OGM), como o tomate geneticamente modificado para reduzir a velocidade de amadurecimento do fruto e a soja geneticamente modificada, tolerante ao glifosato, que foram aprovados para comercialização em 1994, pelo US-FDA. Vantagens da biotecnologia rDNA A biotecnologia rDNA permite transferir com eficiência o material genético de um organismo para outro. Por exemplo, ao invés do cruzamento de plantas por várias gerações, ou do uso da ação de agentes mutantes para se obter uma característica desejada em uma planta melhoramentos genéticos tradicionais - que permitem a introdução de modificações imprevistas e indesejáveis, a biotecnologia rDNA permite que se identifique e se insira um ou mais genes responsáveis por uma característica específica em uma planta com muito maior precisão e velocidade. Esses genes transferidos, ou transgenes, podem ser oriundos de espécies não relacionadas, ser funcionais e transferíveis para quaisquer or- ganismos vivos, se desejável (IFT Expert Report, 2000). A evolução histórica da biotecnologia rDNA para a produção de alimentos Na realidade, a biotecnologia rDNA é o mais recente passo na seqüência de intervenções realizadas pela humanidade para o melhoramento genético de microorganismos, plantas e animais para produção de alimentos, iniciada há 10.000 anos atrás (IFT Expert Report, 2000). As plantas e os animais que alimentam a humanidade são o resultado de dezenas de séculos de melhoramento e aperfeiçoamento genéticos. Nas plantas, essa intervenção humana sobre a natureza permitiu, entre muitos outros benefícios, a seleção de variedades de sementes com maior rendimento e, por exemplo, a transformação do teosinte, com menor grau de domesticação, em milho, um cereal de importância vital para a alimentação dos povos das Américas (Goodman, 1988). Outro exemplo foi a domesticação do trigo, cujas sementes eram outrora coletadas no chão e que, após a intervenção humana, passaram a ser coletadas da planta diretamente (IFT Expert Report, 2000). Cruzamentos entre plantas de espécies diferentes levaram à produção de híbridos - estéreis, o que limitava a aplicação dessa técnica (ainda que ela servissse para ampliar a variedade genética disponível para os criadores). Posteriormente, algumas plantas férteis resultaram desses cruzamentos por meio da duplicação espontânea dos cromossomos, a exemplo do triticale, um híbrido fértil do trigo e do centeio. Mais tarde, o sistema de cultura de tecidos in vitro permitiu o resgate de embriões de híbridos de curta viabilidade (desenvolvem-se por curto espaço de tempo e depois se degeneram e morrem). Com essa técnica de cultura de tecidos, o embrião consegue amadurecer e se desenvolver numa planta fértil. Mais recentemente, tanto a radiação ionizante quanto os agentes químicos têm sido empregados para induzir mutações genéticas e expandir a faixa de variação genética de plantas disponíveis para cultivo. Esses e outros métodos convencionais de melhoramento genético tradicional 6 apresentam a desvantagem de serem imprecisas, imprevisíveis e mal sucedidas. No entanto, enquanto não se exige uma avaliação sistemática da toxicidade para os alimentos derivados de melhoramento genético tradicional, o potencial de toxicidade dos alimentos derivados da biotecnologia rDNA é rigorosamente avaliado dentro de um processo global de avaliação de segurança alimentar (IFT Expert Report, 2000). A importância da biotecnologia rDNA para o Brasil As empresas brasileiras de biotecnologia consideram fundamental a aplicação da biotecnologia rDNA para o desenvolvimento sustentável da agricultura (Costa, 1999), bem como para a expansão da agroindústria de alimentos. O Brasil detém tecnologia para o aumento de respostas positivas na transformação de plantas por rDNA (Rech & Aragão, 1999) e no enriquecimento nutricional de alimentos básicos da dieta dos povos dos países em desenvolvimento (Aragão et al., 1992). Recentemente, uma equipe de pesquisadores de São Paulo publicou a seqüência completa do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, fitopatogênica a todas as variedades de laranja doce comercializadas no Brasil (Simpson et al., 2000). Pela primeira vez no mundo foi realizada a seqüência de uma bactéria fitopatogênica. O agente transmissor dessa bactéria são cigarrinhas das espécies Dilobopterus costalimai, Acrogonia terminalis e Oncometopia facialis (Roberto et al., 1986). As frutas afetadas são pequenas, enrigecidas e sem nenhum valor comercial. Atualmente, o controle dessa praga está limitado à poda da planta nas áreas infectadas, à aplicação de inseticidas e ao completo replantio, com graves conseqüências, tanto para a citricultura quanto para a agroindústria da laranja. A análise completa do genoma permitiu determinar não somente o metabolismo e as características de replicação daquela bactéria, como também uma série de mecanismos patogênicos em potencial (Simpson et al., 2000). A informação contida nessa seqüência genética poderá servir de base para determinar a seqüência de interações entre a bactéria e o hospedeiro (cigarrinha), e seus mecanismos de ação sobre a planta, com possíveis aplicações comerciais, para se buscarem variedades de plantas mais resistentes à praga, mais ricas em nutrientes e mais adaptadas aos processos tecnológicos industriais. Segurança de alimentos Historicamente, no que se refere à tecnologia de alimentos, a introdução de novas tecnologias sempre foi acompanhada de controvérsia (IFT Expert Report, 2000). Os alimentos enlatados (apertizados) foram vistos, por mais de 100 anos, com apreensão e com razão pelos consumidores, técnicos e cientistas, numa época em que não se conheciam as bases da bacteriologia. A pasteurização do leite, uma tecnologia que permitia salvar vidas e eliminar os microorganismos causadores da tuberculose, foi inicialmente vista com enorme suspeita. A inseminação artificial de animais de criação tecnologia que permitiu a seleção das raças para melhoria na oferta de carne, leite e ovos foi vista como uma afronta à natureza. Todo tipo de ameça à saúde pública foi atribuída ao uso de microondas. A margarina, na época em que foi lançada, foi combatida, em parte por uma necessidade legítima de se avaliar a segurança daquele produto antes da sua liberalização para consumo, mas, sobretudo, por ser uma ameça comercial à indústria de laticíni- 5 Essa nomenclatura visa a diferenciar as várias técnicas utilizadas na obtenção de alimentos oriundos dos recentes avanços da biotecnologia daquelas utilizadas para se obterem alimentos oriundos do DNA recombinante (biotecnologia rDNA), ou alimentos oriundos de organismos geneticamente modificados (OGM). 6 Melhoramento genético tradicional se refere aos melhoramentos genéticos onde a modificação genética da planta não é realizada pela inserção de genes exógenos por engenharia genética, ou seja, não é oriunda da biotecnologia rDNA. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 35 os. Nos anos 70, a segurança de aditivos alimentares foi altamente debatida. Na década de 80, o foco de discussão foram os resíduos de pesticidas e a irradiação de alimentos (Felberg et al., 2000). Assim, por que se esperar que a introdução da tecnologia do rDNA na produção de alimentos (biotecnologia rDNA) viesse a causar menos controvérsia? Para compreender o significado de segurança alimentar, devemos definir os termos perigo e risco. Segundo as definições elaboradas pela FAO/OMS, perigo é um agente biológico, químico ou físico presente no alimento, ou condição do alimento, com potencial para causar um efeito adverso à saúde; o risco é definido em função da probabilidade de um efeito adverso à saúde, e a severidade desse efeito, ocorrer como consequência de um perigo. Dessa forma, o risco depende do nível de exposição ao perigo, e a existência do perigo, por si só, não implica em risco apreciável (Walker, 2000). Em ciência, não se fala em risco zero ou na ausência total de que possa ocorrer efeito negativo. Na ausência de efeitos prejudiciais, podemos concluir apenas que não ocorrem danos sob certas condições, e devemos garantir que o alimento não causará danos à saúde do consumidor quando preparado e/ou consumido de acordo com o seu uso intencional, ou seja, conforme as condições previstas para seu consumo (Felberg et al., 2000). Um alimento é, então, considerado seguro, se houver certeza razoável de que nenhum dano resultará de seu consumo sob as condições previstas de uso (OMS, 2000). Segurança alimentar e biotecnologia rDNA A avaliação de produtos derivados da biotecnologia rDNA não implica em alterações significativas nos princípios estabelecidos para a avaliação de segurança alimentar de produtos convencionais (Felberg et al., 2000). Para a avaliação da segurança alimentar é fundamental que estes alimentos derivados da biotecnologia rDNA sejam comparados com seus análogos convencionais (IFT Expert Report, 2000b). Este é o principal critério utilisado para se avaliar a segurança alimentar dos alimentos derivados da biotecnologia rDNA e que levou a elaboração do conceito de equivalência 36 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento substancial (ES). Se um alimento ou ingrediente derivado da biotecnologia rDNA for considerado substancialmente equivalente a um alimento ou ingrediente convencional, aquele alimento ou ingrediente poderá ser considerado tão seguro quanto esse (FAO / OMS, 1996). A determinação da ES engloba (Belem et. al., 2000): avaliação molecular; avaliação das características fenotípicas do organismo; l avaliação da composição do alimento; l e avaliação do potencial de alergenicidade. l l Aspectos moleculares A biotecnologia rDNA permite a introdução específica e precisa de um ou mais genes, previamente caracterizados, em um organismo receptor. Este organismo receptor contém, geralmente, milhares de genes. Devido à especificidade do gene e de uma maior precisão na inserção do gene no organismo receptor, a biotecnologia rDNA apresenta grandes vantagens em relação às técnicas de melhoramento genético convencional - muitas vezes aleatórias e imprecisas. Auxiliados pela grande quantidade de informação disponível em bancos de dados (NCBI, 1999), tanto sobre a seqüência do DNA do genoma de plantas e microorganismos quanto sobre a seqüência das proteínas expressas por esses genes, bem como pelo conhecimento acumulado sobre as diversas vias do metabolismo bioquímico, os biologistas moleculares podem adicionar um ou mais genes sem que haja uma alteração fundamental no microorganismo ou na planta de interesse, exceto pelas características introduzidas (previstas e desejadas) pelo gene exógeno (IFT Expert Report, 2000). Por outro lado, a biologia evolucionária e a árvore filogenética dos organismos vivos permitem prever a estabilidade e o grau de sobrevivência das quimeras criadas pela biotecnologia rDNA. Assim, a introdução de uma nova característica fenotípica em uma planta, por exemplo, é facilmente detectada antes de seu plantio comercial (IFT Expert Report, 2000). Ainda, a conversão de um organis- mo não patogênico em um organismo patogênico pela biotecnologia rDNA é muito pouco provável, posto que a patogenicidade não é uma característica oriunda de um só gene, mas de múltiplos genes (IFT Expert Report, 2000b). Tanto a fonte genética quanto a estrutura e função da proteína expressa pelo gene inserido devem ser conhecidos detalhadamente antes de se propor a liberação para comercializar o alimento derivado da biotecnologia rDNA. Qualquer potencial de insegurança deve ser intensivamente analisado (IFT Expert Report, 2000b). Avaliação de segurança do material genético introduzido A primeira etapa na avaliação da segurança alimentar é a completa caracterização do material genético inserido. Isso inclui a identificação da fonte do material genético, para se verificar se ele é proveniente de uma fonte patogênica, tóxica ou alergênica. Os principais parâmetros a serem avaliados são: o tamanho do material genético inserido, o número de genes inseridos, a localização da inserção, e a identificação das seqüências marcadoras do material genético construído para ser inserido e que permitem sua detecção (genes marcadores) e expressão (promotor) (IFT Expert Report, 2000b). Uma vez que todos os alimentos contêm DNA, que esse é rapidamente digerido pelo trato gastrointestinal, e que não há nenhuma evidência de transferência de DNA do alimento para as células intestinais ou para os microorganismos da flora intestinal, não precisam ser realizados testes de avaliação de segurança do DNA do alimento (IFT Expert Report, 2000b). Avaliação de segurança da proteína expressa pelo gene inserido Uma vez que o material genético tenha sido completamente caracterizado, é preciso avaliar a segurança da proteína expressa pelo gene inserido geralmente uma enzima. A avaliação de segurança da proteína expressa inclui: identificação da composição e da estrutura da proteína; quantificação da proteína expressa; busca de similaridade com outras toxinas, alergênicos, fatores antinutricionais e outras proteínas funcionais; termoestabilidade da proteína expressa; digestibilidade da proteína expressa; testes toxicológicos in vitro e in vivo sobre a proteína expressa; e avaliação do potencial alergênico in vivo e in vitro da proteína expressa (IFT Expert Report, 2000b). Avaliação de segurança da composição do alimento Análises para determinar a composição dos alimentos derivados de OGMs devem focar o conteúdo de nutrienteschave (macro e micronutrientes), de componentes tóxicos-chaves e de fatores antinutricionais-chaves (The Commission of the European Communities, 1997). A planta ou o alimento convencional (planta/alimento-referência) utilizado na comparação pode ser a linhagem ou cepa parental e/ou linhagem ou cepa comestível da mesma espécie. Para alimentos processados, a comparação pode também ser realizada entre o alimento processado derivado de um OGM e um alimento com processamento análogo, mas convencional (FAO/OMS, 1996). A escolha adequada de um alimento-referência para se estabelecer a equivalência substancial (ES) em termos de composição depende de alguns fatores. É mais apropriado se comparar matérias-primas não processadas. Entretanto, se o alimento só for consumido uma vez processado (ex: óleo refinado de soja , farelo de soja), a comparação pode ser realizada entre o alimento derivado de OGM e o alimento convencional processado da mesma maneira. O alimento-referência deve refletir a composição centesimal média encontrada em alimentos convencionais semelhantes, seu consumo, sua importância na dieta e seus efeitos no processamento (Huggett et al., 1996). Dados da literatura, no que se refere à composição do alimento convencional, só podem servir de base de comparação se as técnicas analíticas tiverem sido validadas (OCDE, 1998). Muitas vezes porém, esses dados indicam apenas as médias dos resultados de composição e podem subestimar variações naturalmente encontradas (OMS, 1995). A comparação para avaliar os efeitos não intencionais devido à inserção genética em alimento derivado de OGM é mais apropriada e útil se for realizada com sua linhagem/cepa parental nas condições mais próximas possíveis do plantio (plantas GM), da alimentação (animais GM), do manejo e transporte (plantas e animais GM), e do processamento (microorganismos, plantas e animais GM). No caso de safras comerciais de grãos, muitas vezes não são possíveis linhagens de plantas geneticamente modificadas (PGMs), isogênicas à linhagem parental. Assim, para comparação, a linhagem mais próxima possível deve servir de referência (OCDE, 1998). O estabelecimento da ES para os alimentos derivados da biotecnologia rDNA segue procedimentos diferenciados caso a caso. O conceito de ES pode ser aplicado de maneira mais ou menos abrangente (OCDE, 1998). Diferentes formas de avaliações de ES foram propostas e publicadas (OCDE, 1992). Padgette et al. (1996), cujo trabalho representa um marco na avaliação da segurança alimentar de PGMs, compararam soja GM tolerante ao herbicida glifosato com sua linhagem parental, com uma linhagem controle e com o espectro de variações de composição encontrado na literatura, através de 1.422 análises dos grãos, 858 análises do farelo de soja desengordurada, 60 análises do farelo de soja desengordurado não tostado, 114 análises do óleo de soja refinado, 12 análises da lecitina de soja, com delineamento experimental em blocos aleatórios, com uma análise por amostra sem replicata para cada local de plantio. Fuchs (OCDE, 1998) relata que há variações de composição entre diferentes locais de plantio, muito maiores do que entre análises de amostras com replicata, e entende que uma comparação entre as PGMs e os dados encontrados na literatura deve ser realizada quando, porventura, se verificam diferenças estatisticamente significativas entre a PGM e sua análoga parental. Este autor considera crítico um bom delineamento experimental, para que haja uma interpretação criteriosa dos resultados de composição e para que se realize uma comparação efetiva. Belem et al. (2000) propuseram uma rede para se tomarem decisões e um modelo para se estabelecer a ES de plantas derivadas da biotecnologia rDNA ao compará-las com as plantas parentais ou de linhagens próximas, seguras para consumo alimentar, se- guindo um delineamento experimental em blocos aleatórios. Aqueles autores também propuseram procedimentos para os casos em que não seja constatada a ES entre as PGMs e suas análogas convencionais, e aonde não se observe nenhum risco à saúde do consumidor. Avaliação do potencial alergênico As alergias alimentares atingem 2% da população mundial, e, em alguns casos, podem levar a choques anafiláticos (OCDE, 1997). Uma vez que os alimentos geneticamente modificados usualmente contêm novas proteínas, a segurança desses alimentos deve incluir a avaliação da alergenicidade de tais proteínas (OMS, 2000). Até o momento, não se tem conhecimento de nenhum produto agrícola ou alimento geneticamente modificado, aprovado para consumo, que tenha causado alergias. No entanto, ao se tentar enriquecer a qualidade nutricional de grãos de soja com metionina 2S albumina através da inserção genética de gene da castanha do Pará (Nordlee et al., 1996), foi constatado que esta planta geneticamente modificada era potenciamente alergênica. Tal fato fez com que o estudo fosse interrompido. Se um novo produto da biotecnologia realmente causar alergias, o mesmo não deveria ser proposto para comercialização ou, então, deveria ser devidamente rotulado (Avery, 2000). Para se estabelecer a segurança alimentar de uma PGM, compara-se a concentração de proteínas alergênicas da PGM com a concentração de proteínas alergênicas usualmente encontradas nas plantas convencionais (Metcalfe et al., 1996). Depois, é preciso comparar a seqüência de aminoácidos da proteína exógena expressa pelo gene inserido com a seqüência de quaisquer proteínas causadoras de alergia alimentar, usualmente presentes ou não naquela planta (Metcalfe et. al, 1996, Padgette et al., 1996, Sander et al., 1998). Para tal, bancos de dados (GenBank, BLAST, SWISSPROT) contendo a seqüência de aminoácidos de proteínas alergênicas devem ser consultados (NCBI, 1999). Se houver homologia entre a proteína expressa pelo gene inserido e qualquer proteína alergênica, a PGM é potencialmente alergênica. No entanto, o fato de uma proteína não ser homóloga a qualquer proteína Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 37 alergênica não descarta seu potencial de alergenicidade. A determinação da homologia apenas permite que se preveja o potencial alergênico da proteína exógena expressa pelo gene inserido (OCDE, 1997). Outros ensaios in vitro e in vivo são necessários (Padgette et al., 1996). O Conselho Internacional de Biotecnologia de Alimentos e o Instituto de Alergia e Imunologia do Instituto Internacional de Ciências da Vida (ILSI) desenvolveram, em 1996, uma árvore de tomadas de decisão para avaliar o potencial de alergenicidade de novas proteínas em alimentos geneticamente modificados, a qual foi adaptada pelos peritos que participaram da consulta conjunta da FAO/WHO sobre alimentos derivados da biotecnologia. Essa estratégia de ação tem sido largamente adotada pela indústria de biotecnologia. A atual árvore de decisões requer o exame de vários parâmetros que são comuns a muitos alergênicos alimentares. Os critérios mais relevantes, incluem: fonte do material geneticamente transferido (precaução especial deve ser tomada se a fonte do material contiver alergênicos conhecidos); homologia da seqüência de aminoácidos; imunoreatividade da proteína introduzida; efeito do pH e/ou digestão (a maioria dos alergênicos são resistentes à acidez gástrica e às proteases digestivas); estabilidade ao calor ou ao processamento (OMS, 2000). A tecnologia de modificação genética oferece a oportunidade de reduzir ou eliminar alergênicos protéicos que ocorrem naturalmente em alimentos específicos (OMS, 2000). Pesquisadores têm trabalhado para retirar alergênicos naturalmente presentes em trigo, leite e até mesmo amendoim. Assim, a biotecnologia tem trabalhado para reduzir problemas com alergias alimentares e não para agravá-los (Avery, 2000). Avaliação Toxicológica: Estudos com animais As dificuldades práticas para se obterem informações significativas sobre segurança alimentar a partir de estudos toxicológicos têm sido reconhecidas já há vários anos. Tal reconhecimento se tornou particularmente evidente a partir do grande número de estudos conduzidos com animais para avaliar a segurança de alimentos irradiados (Tomlinson, 2000). Estudos toxicológicos com animais 38 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento constituem os principais componentes da avaliação de segurança de vários compostos como pesticidas, produtos farmacêuticos, substâncias químicas industriais e aditivos para alimentos. Na maioria desses casos, entretanto, a substância teste é bem caracterizada, de pureza conhecida, de nenhum valor nutricional particular e a exposição de humanos às mesmas é geralmente baixa. Assim, animais são diretamente alimentados com esses compostos em diferentes dosagens, algumas muito superiores ao nível de exposição esperado para consumo humano, com o objetivo de identificar qualquer efeito potencial adverso à saúde. Desta forma, é possível, na maioria dos casos, determinar níveis de exposição em que efeitos adversos não são observados, e estabelecer limites seguros pela aplicação de fatores de segurança apropriados (OMS, 2000, Donaldson & May, 2000). Os alimentos, por sua vez, constituem-se em misturas complexas de vários compostos e são caracterizados por uma ampla variação na composição e no valor nutricional. Devido ao seu volume e efeito de saciedade, os alimentos são usualmente fornecidos a animais em quantidades equivalentes a um baixo número de múltiplos daquelas quantidades que provavelmente estariam presentes em uma dieta humana (OMS, 2000; Donaldson & May, 2000). Um outro fator-chave a ser considerado na condução de estudos com animais é o valor nutricional do alimento e, conseqüentemente, o balanceamento das dietas utilizadas. A detecção de quaisquer efeitos adversos potenciais e o relacionamento destes a uma característica individual do alimento pode ser, entretanto, extremamente difícil. Outra consideração a ser feita ao se decidir sobre a necessidade desse tipo de estudo é quanto a submeter animais experimentais ao mesmo, nos casos em que a obtenção de informações relevantes seja improvável (OMS, 2000). Na prática, poucos alimentos hoje consumidos foram submetidos a quaisquer testes toxicológicos. Mesmo assim, esses alimentos são geralmente aceitos como sendo seguros (Tomlinson, 2000). No Reino Unido, por exemplo, a avaliação de segurança dos milhares de produtos alimentícios lançados a cada ano se baseia na suposição de que, se os ingredientes alimentares individualmente já possuem um histórico extenso de consumo, uma nova combinação desses ingredientes será igualmente segura. Contudo, muitos alimentos hoje existentes provavelmente apresentariam efeitos adversos se pudessem ser consumidos em doses suficientemente altas (Donaldson & May, 2000). As dificuldades para aplicar testes toxicológicos tradicionais e procedimento de avaliação de risco a alimentos fez com que uma abordagem alternativa fosse requerida para a avaliação de alimentos geneticamente modificados, o que levou ao desenvolvimento do conceito de equivalência substancial (OMS, 2000). Métodos de detecção de alimentos derivados da biotecnologia rDNA As duas técnicas mais comuns para detectar organismos geneticamente modificados em alimentos são: PCR (polymerase chain reaction), que detecta as seqüências de DNA geneticamente modificadas; e os imuno-ensaios, que medem os níveis de proteínas expressas por genes transgênicos. Laboratórios do mundo todo estão desenvolvendo novos métodos para a detecção de organismos geneticamente modificados em alimentos, mas não há consenso quanto à especificidade, reprodutibilidade e repetibilidade desses métodos. No momento existe a dificuldade de métodos internacionalmente reconhecidos para a quantificação de organismos geneticamente modificados em alimentos. Muitos métodos ainda se encontram em fase de validação. As técnicas de PCR e de imunoensaios têm papéis complementares nos testes utilizados na análise de alimentos geneticamente modificados. Embora resultados quantitativos têm sido reportados, os críticos argumentam que nenhum dos métodos é capaz de produzir resultados reproduzíveis, sendo que a falta de padrões internacionalmente aceitos de organismos geneticamente modificados é apontada como a maior razão para a variabilidade dos resultados. O teste ELISA não é designado para detectar organismos geneticamente modificados em produtos alimentícios acabados, uma vez que o mesmo detecta proteínas, as quais são facilmente degradadas durante o processamento. Existe controvérsia se a técnica de PCR é capaz de detectar organismos geneticamente modificados no produto alimentício final e não apenas nos ingredientes utilizados para a produção do mesmo. Isto porque as moléculas de rDNA podem ser desnaturadas, parcialmente digeridas e hidrolisadas durante o processamento. Este argumento favorece aqueles que entendem que seria mais representativo a avaliação dos ingredientes para detecção de rDNA. (Erickson, 2000) . A verificação de que produtos alimentícios não geneticamente modificados realmente não contêm organismos geneticamente modificados, continuará provavelmente, a curto prazo, a direcionar a demanda por testes de detecção de rDNA e das proteínas expressas. A longo prazo, o mercado crescente de alimentos nutricionalmente melhorados através da biotecnologia rDNA vai constituir uma área que, provavelmente, terá um efeito dramático na demanda por esses testes, pois, à medida que o mercado começar a aceitar as novas características expressas por modificação genética em alimentos como benéficas ao consumidor, o nível das mesmas se tornará muito importante; nesse ponto, a quantificação da modificação será crítica (Erickson, 2000). No entanto, a extrema sensibilidade de novas técnicas de PCR capazes de detectar a presença de resíduos específicos de DNA (nested PCR) em alimentos processados pode levar a falsas conclusões e interpretações. Em Israel, foram detectados resíduos de rDNA na farinha de trigo utilizada na fabricação de peru à milanesa. Como aquele país importa dos Estados Unidos praticamente todo o trigo que consome, a detecção de rDNA na farinha por PCR foi inicialmente interpretada como uma contaminação dos grãos de trigo por trigo GM. No entanto, através de estudos mais complexos, pôde-se constatar que, na realidade, os grãos de trigo haviam sido contaminados por resíduos de grãos de soja GM durante o armazenamento nos silos e durante o transporte nos containers dos navios. Farinhas de trigo preparadas com resíduos de soja GM apresentarão invariavelmente presença de rDNA (Stram, et al., 2000). Rotulagem Um dos grandes desafios relacionados com a biotecnologia rDNA envolve a rotulagem de alimentos geneticamente modificados. Na Europa, os consumidores foram encorajados a exigir rótulos que identifiquem os alimentos derivados da biotecnologia rDNA (Hoban, 2000). A rotulagem de produtos alimentícios geneticamente modificados passou a ser obrigatória para a soja e o milho resistente a insetos. Contudo, a rotulagem pode não ser requerida para alimentos que não contêm quantidades mensuráveis da nova proteína ou DNA, uma vez que não é possível a verificação dos alimentos oriundos de PGM e de seus análogos convencionais (Beever and Kemp, 2000). Esse é o caso de alguns ingredientes alimentares altamente refinados, como, por exemplo, sacarose e óleos vegetais. O processo de refino destrói e remove qualquer material genético e proteína que possam estar presentes; o produto final que entra na composição do alimento não é, em si, modificado e, portanto, não pode ser distinguido daquele produzido através de meios convencionais (Donaldson & May, 2000). Recentes trabalhos nos Estados Unidos têm demonstrado que as frases utilizadas em rótulos têm efeito significativo na compreensão e aceitação da biotecnologia rDNA por parte do consumidor. Muitos consumidores americanos já se sentem oprimidos pela quantidade de detalhes dos rótulos de alimentos e, na verdade, não desejam mais informação que não tenha uma justificativa científica. Basicamente, o consumidor quer saber como um produto foi modificado e se tal modificação foi aprovada por uma agência governamental. Qualquer informação no rótulo deve ser simples, relevante e clara. A rotulagem de alimentos processados apresenta vários desafios de logística e custos para todos os envolvidos na sua produção. (Hoban, 2000). Ainda não existe um consendo quanto à rotulagem de alimentos derivados da biotecnologia rDNA. Na União Européia, os alimentos que contêm uma porcentagem superior a 1% de soja ou milho geneticamente modificados devem ser rotulados geneticamente modificados (Erickson, 2000). A proposta brasileira, em consulta pública (n0 02 do DPDC/SDE/MJ de 1/ 12/99), é semelhante à proposta da União Européia, pois considera obrigatória a rotulagem quando presente rDNA ou proteína resultante de modi- ficação genética (Felberg et. al., 2000). No momento, o Governo brasileiro realiza estudos de viabilidade da implementação dessas normas de rotulagem, de maneira a não transferir mais esse custo para o consumidor final. No Japão, foi estabelecido o nível de 5% para a soja, mas no caso do milho, devido à polinização cruzada, nenhuma porcentagem foi estabelecida. Nos Estados Unidos, não existe nenhum requerimento obrigatório para a rotulagem de alimentos que contenham organismos geneticamente modificados. O FDA mantém a posição de que, se alimentos geneticamente modificados são substancialmente equivalentes aos seus análogos convencionais, nenhum tipo de rotulagem é requerida, a não ser nos casos em que o conteúdo nutricional tenha sido alterado ou quando o produto contenha alergênicos conhecidos (Erickson, 2000). Referências: Aragão, F. J. L., Grossi, M. F., Almeida, E. R., Gander, E. S., Rech, E. L. (1992). Particle bombardment-mediated transient expression of a Brazil nut methionine-rich albumin in bean (Phaseolus vulgaris L.). Plant Mol. Biol. 20: 357-359. Avery, D. T. (2000) Why we need food biotechnology? Food Technology, 54 (9): 132. Beever, D. E.; Kemp, C. F. (2000) Safety issues associated with the DNA in animal feed derived from genetically modified crops. A review of scientific and regulatory procedures. Nutrit. Abs. Rev. Series B: Livestock Feeds and Feeding, v. 70, n. 3, p. 175192. Belem, M. A. F., Felberg, I., Gonçalves, E. B., Cabral, L. C., Carvalho, J. 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