Samuel Pinheiro Guimarães: é ilógico dizer que os países desarmados ameaçam a paz
Ex-número 2 do Itamaraty e sucessor do ministro Mangabeira Unger na Secretaria de
Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães ataca "potências nucleares que não
cumprem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)", mas exigem de países
desarmados, como Brasil e Irã, "o estrito respeito de suas obrigações".
A dois meses de duas grandes cúpulas sobre a questão nuclear, uma em Washington, outra
em Nova York, um dos ideólogos da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva
questionou a decisão brasileira de aderir ao TNP, em 1998. Em entrevista neste domingo (21)
ao jornal O Estado de S.Paulo, ele também afirmou que nem um compromisso dos
poderosos em reduzir significativamente seus arsenais poderá fazer o Brasil assinar o
chamado "protocolo adicional" do tratado.
Guimarães coordena atualmente o esforço interministerial para conduzir o programa nuclear
brasileiro. Tentando se esquivar de questões sobre política externa ("Não me ocupo mais
disso"), o ministro deu sua opinião sobre a suposta "partidarização" do
Itamaraty e negou acusações de envolvimento na crise hondurenha.
Por que o Brasil não assina o protocolo adicional do TNP?
O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo e o conhecimento completo do ciclo
de enriquecimento. Nossa Constituição obriga o uso de tecnologia nuclear somente para fins
pacíficos e é preciso lembrar que o TNP, do qual somos signatários, tem duas partes. De um
lado, o compromisso dos países nucleares de promover seu próprio desarmamento - e
completo. De outro, países não nuclearmente armados se comprometem a não desenvolver a
bomba, mas têm o direito a programas para fins pacíficos, incluindo com enriquecimento de
urânio. A primeira parte do TNP não foi cumprida, mas os desenvolvidos exigem dos outros o
cumprimento estrito de suas obrigações.
O presidente Barack Obama prometeu cortes drásticos nos arsenais americanos. EUA
e Rússia estão prestes a concluir um acordo que substituirá o Start e terá reduções
significativas, e nos próximos meses haverá duas cúpulas sobre o tema. Há sinais
claros de desarmamento. Isso não pode mudar a posição brasileira?
Mas existe ainda outro problema, a da redução de ogivas e de aperfeiçoamento da letalidade
do armamento. Deveríamos ter um protocolo adicional para países que continuam a
desenvolver armamento nuclear e não cumprem suas obrigações. Quem não cumpre o TNP
não tem moral para cobrar os outros. Sem contar que há países armados dos quais não se
exige nada, muitos nem signatários do TNP são.
O sr. se refere a Israel?
Tire suas conclusões.
O sr. já escreveu que o "TNP é apresentado como uma vitória pacifista e
progressista", mas na verdade trata-se de "uma violência unilateral". O
sr. mantém essa visão?
Usei essa expressão "violência unilateral"? Estranho. De todo modo, o TNP visa
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impedir uma guerra nuclear, não apenas a "proliferação horizontal". Não se pode
partir do princípio de que são os desarmados que ameaçam a paz internacional. Isso não é
lógico.
O país aderiu ao pacto sob o governo de FHC. Foi um erro?
O Brasil, já em 1998, era um dos poucos que tinha em sua Constituição a obrigação de
desenvolver atividades nucleares apenas para fins pacíficos. Só se justifica nossa participação
no TNP na medida em que potências nucleares reduzam e eliminem arsenais.
Mas o sr. não se arriscaria a dizer que foi um erro assinar o tratado.
Não é que não me arriscaria. Mas é preciso observar a Constituição. E qualquer tratado em
que o Brasil não esteja em igualdade de condições não corresponde ao princípio de igualdade
soberana entre os Estados. O TNP é um tratado desigual.
Existe, então, a possibilidade de o Brasil denunciar o tratado?
De maneira nenhuma.
O sr. disse que quem não cumpre o TNP não tem "autoridade moral" para
exigir dos outros. O presidente Lula usou uma expressão semelhante para se referir ao
caso iraniano, disse que as potências "não tem superioridade moral para cobrar o
Irã".
Eu concordo com o presidente. E lhe acrescento: antes da segunda guerra do Iraque (em
2003), foi propalado em todos os países que Bagdá tinha armas de destruição em massa e, por
isso, seria uma ameaça internacional. Diziam que armas iraquianas destruiriam capitais
europeias em segundos. O sr. Colin Powell (então secretário de Estado dos EUA) discursou
com fotos no Conselho de Segurança da ONU. O Iraque foi invadido e não foi descoberta
nenhuma arma de destruição em massa. Isso dá moral a alguém?
Mas o caso do Irã é muito distinto do iraquiano. Hoje sabe-se, por exemplo, que
iranianos esconderam uma usina nuclear por anos na cidade de Qom. O sr. realmente
acredita que Teerã negocia de boa-fé?
Não participamos diretamente das negociações. O Brasil acredita no diálogo e defende que o
uso da força é improdutivo. Não podemos partir do princípio de que há países responsáveis e
outros irresponsáveis. Mas não quero falar de política externa, quem se encarrega disso é o
Ministério das Relações Exteriores.
Em 2001, o então chanceler Celso Lafer o destituiu do Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais do Itamaraty depois que o sr. veio a público criticar a Alca.
Como o sr. vê, hoje, esse episódio?
Cumpri o que achei que devia fazer. Julguei que se tratava de um momento de perigo à
soberania brasileira. Por isso dei minha opinião.
Ao olhar para trás, o sr. acredita que essa posição foi correta?
Corretíssima. A adoção de um acordo como Alca - com tarifas a zero, impossibilidade de
controle de fluxo de capitais, total abertura - teria levado, por exemplo, à privatização de todo
sistema financeiro. Privatizariam o BNDES, Banco do Brasil, Petrobrás; instrumentos que foram
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de grande importância na crise financeira.
Há muitos anos, um sociólogo brasileiro disse: "o Brasil não é mais um país
subdesenvolvido, é um país injusto." (A frase iniciava o plano de governo de FHC). Esse
pensamento denota que podemos ter políticas econômicas de países desenvolvidos. Isso tem
uma implicação horrível do ponto de vista de conhecimento da realidade.
A política externa está excessivamente partidarizada? Como o sr. vê, por exemplo, o
fato de o chanceler Celso Amorim ter se filiado ao PT?
Outros chanceleres foram de partidos. Ou não? Nesse Ministério das Relações Exteriores,
nenhum funcionário que exerceu cargos importantes em outros governos foi prejudicado. Basta
ver onde estão servindo. Não houve perseguição.
Há ex-funcionários que fazem forte oposição, como o embaixador Rubens Barbosa.
Mas esses são aposentados. E têm todo direito de fazer oposição. Eu não tenho oposição à
oposição (risos). Esse é um debate saudável e o fato de ele ter crescido reflete o próprio êxito
da política externa. Não se discute tema desimportante.
O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda afirmou que foi o sr. quem arquitetou a volta
do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras.
Não conheço o ex-chanceler. Nunca o vi na minha vida e não tenho a menor ideia de onde
ele tirou isso. Se me lembro bem do texto, ele diz algo como "isso (a volta de Zelaya) é
algo que só pode ter saído da cabeça de Pinheiro Guimarães".
E o sr. avalia que o retorno de Zelaya foi bom para Honduras?
Não falo de política externa.
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