Moeda no tempo zero Meu velho professor - Charles Kindleberger - costumava dizer que qualquer um que passasse muito tempo pensando sobre o sistema monetário internacional enlouqueceria. Ele dizia que as pessoas que começaram a ficar obcecadas com o papel internacional do dólar ou a pensar que isso era a coisa mais importante do mundo, quando na realidade era bastante trivial. O que ele não quis dizer, mas que atualmente parece óbvio é que a mesma coisa acontece com as pessoas que passam muito tempo pensando sobre a moeda – especificamente na tentativa de decodificar o verdadeiro significado do dinheiro ou em encontrar a verdadeira e real medida da oferta monetária. Elas acabam começando a acreditar que tudo na economia se condiciona à obtenção da medida correta, quando na verdade quase nada depende. Uma variante especial dessa loucura - que eu me peguei pensando depois de ler dois comentários de Simon Wren-Lewisand e Frances Coppola (que não tenham, eu acho, enlouquecido, desta forma, mas que se referem a pessoas que tenham) – é um tipo de posição “bumerangue”, ou melhor, pelo fato de que não se pode definir claramente o que é moeda e inexiste um multiplicador monetário fixo, a política monetária não importaria. Isso é tão errado quanto à visão simplista da Teoria Quantitativa da Moeda, de que "imprimir dinheiro" levaria diretamente à inflação, ou o “do not pass Go, do not collect $ 200”, uma alusão ao jogo Monopoly. É verdade que estamos vivendo um momento de impotência da política monetária, no qual a tentativa dos bancos centrais em reativar as suas economias não está sendo muito exitosa no ganho de tração. Contudo, é importante notar que a política monetária quando contracionista tem funcionado adequadamente; todos os bancos centrais que erroneamente decidiram que já era hora de elevar a taxa de juros foram bem sucedidos neste sentido, até que perceberam o erro e inverteram a trajetória. Mas, o fato de que grandes expansões na base monetária não terem conseguido fazer muito para a economia e de que várias medidas de agregados monetários não terem se movido, não significaria que a política monetária não importa? Não, absolutamente. A irrelevância da base monetária não é uma questão genérica, mas é algo que acontece quando se está preso na armadilha de liquidez - quando as taxas de juros estão no seu limite inferior, próximo de zero. E isso não é retrospectiva. Em 1998, quando eu analisava a armadilha da liquidez no Japão, previ exatamente essa desconexão. Inserir a intermediação financeira em um cenário de armadilha de liquidez sugere - no caminho de Friedman e Schwartz – que é muito enganoso, olhar para os agregados monetários sob essas circunstâncias: em uma armadilha de liquidez, o Banco Central pode muito bem achar que não pode aumentar os agregados monetários mais amplos, incrementos na base monetária são simplesmente adicionados às reservas bancários e aos encaixes monetários. Assim, esses agregados não são mais indicadores válidos para a orientação da política monetária e essas falhas não indicam que o problema essencial resida no setor bancário. Pode-se ver, a propósito, porque me irrito tanto com as pessoas que afirmam que ninguém poderia ter previsto que a expansão dos balanços patrimoniais dos Bancos Centrais não ter aumentado a inflação, como com os economistas convencionais, como eu, que não entendem que a moeda é endógena. Gente, eu mostrei isso há 16 anos. Há 50 anos atrás, James Tobin abordou temas como a ausência de uma definição clara acerca do papel do dinheiro, o fato de que a maioria da moeda é gerada pelas instituições financeiras e da relevância dos bancos centrais. Tudo isto está nas primeiras páginas do seu paper Commercial Banks as Creators of “Money” que antecipava cada ponto do debate atual. A questão é, se você acha que, sob uma perspectiva analítica, algo profundamente perturbador ocorreu e que os acontecimentos recentes exigem uma grande reavaliação da teoria monetária, você basicamente não esteve prestando atenção. Se você ler o texto de Tobin e o que pessoas como eu e Mike Woodford temos a dizer sobre a armadilha da liquidez, espera-se que tenha a mesma visão que estamos tendo. Paul Krugman - Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade de Princeton, 03.04.14. Artigo traduzido e adaptado pela Assessoria Econômica da ABBC.