UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LIVIA TOSTA DOS SANTOS PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES: CAMINHOS TRAÇADOS E CAMINHOS VIVIDOS NA TRAJETÓRIA E PRÁTICA DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Feira de Santana 2014 LIVIA TOSTA DOS SANTOS PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES: CAMINHOS TRAÇADOS E CAMINHOS VIVIDOS NA TRAJETÓRIA E PRÁTICA DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana, para a obtenção do grau de Mestre em Educação, na área de concentração Educação, Sociedade e Culturas. Orientador (a): Prof. Dr. Maria Helena da Rocha Besnosik Feira de Santana – BA 2014 LIVIA TOSTA DOS SANTOS PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES: CAMINHOS TRAÇADOS E CAMINHOS VIVIDOS NA TRAJETÓRIA E PRÁTICA DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, na área de Educação, Sociedade e Culturas, Universidade Estadual de Feira de Santana, pela seguinte banca examinadora: __________________________________________________ Prof (ª). Dr (ª). Maria Helena da Rocha Besnosik Doutora pela Universidade de São Paulo - USP Universidade Estadual de Feira de Santana __________________________________________________ Prof (ª). Dr (ª). Fernanda Almeida Vita Doutora pela Universidade de Alcalá Universidade Federal da Bahia __________________________________________________ Prof (ª). Dr (ª). Solange Mary Moreira Santos Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Universidade Estadual de Feira de Santana Feira de Santana, 18 de março de 2014. Resultado: __________________________________ Aos sujeitos colaboradores com a pesquisa e aos amantes do ensino/aprendizagem do Espanhol como Língua Estrangeira AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, em primeiro lugar, a meus familiares, amigos e a minha orientadora que sempre acreditaram e torceram por mim nessa caminhada; além de todos aqueles que colaboraram, direta ou indiretamente, com a produção desta pesquisa. “Vem, vamos embora que esperar não é saber Quem sabe faz a hora não espera acontecer Vem, vamos embora que esperar não é saber Quem sabe faz a hora não espera acontecer Nas escolas, nas ruas, campos, construções, somos todos soldados Armados ou não, caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não Os amores na mente, as flores no chão A certeza na frente, a história na mão Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição Vem, vamos embora que esperar não é saber Quem sabe faz a hora não espera acontecer Vem, vamos embora que esperar não é saber Quem sabe faz a hora não espera acontecer.” (Pra não dizer que não falei das flores - Geraldo Vandré) Salvador Dali RESUMO Esta pesquisa, fruto de estudos desenvolvidos no contexto do Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS, visa identificar o elo estabelecido entre a formação inicial de professores de Espanhol como Língua Estrangeira e as implicações em suas práticas pedagógicas, refletindo como tais profissionais vêm lidando com as demandas e as necessidades formativas para essa área. Essa busca partiu do desejo de pensar o processo de formação de professores de Espanhol e como estes docentes analisam e entendem os desafios e as descobertas com que se deparam no decorrer de sua trajetória profissional. Nessa perspectiva, algumas questões foram fundamentais para o desenvolvimento desta dissertação: Como a formação teórico/prática no curso de graduação contribui para preparar o professor para a experiência em sala de aula? Qual a relação entre o que o estudante aprende na licenciatura e a realidade encontrada no cotidiano da sala de aula? Que saberes devem ser apresentados e enfatizados para essa formação profissional, que guardem relação com as necessidades dos que frequentam as escolas de educação básica? Para alcançar os objetivos propostos, traçamos um breve histórico do registro da Língua Espanhola no cenário educacional brasileiro, percorrendo as tramas da formação/ação de professores de Espanhol como Língua Estrangeira, tentando aprofundar os olhares nos diferentes desafios, perspectivas, estratégias, necessidades e possibilidades para os profissionais dessa área. Para isso, autores como ALMEIDA FILHO (1999, 2000), TARDIF (2012), GIMENEZ (2002, 2003, 2004), VIEIRA ABRAHÃO (2000, 2004), PIMENTA (2002), SCHÖN (1995), NÓVOA (1992), CELANI (2001), PERRENOUD (1993), LEFFA (1999), dentre outros, foram bastante significativos. O lócus foi a Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS e os sujeitos colaboradores foram cinco professores egressos do Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola e uma professora deste mesmo curso. De natureza qualitativa, para construir o corpus deste trabalho, foram utilizados a entrevista e o questionário como instrumento de coleta de dados. Com os resultados obtidos é possível perceber que os sujeitos apontam algumas lacunas no elo estabelecido entre a formação e atuação como professor de Espanhol; ademais, os professores evidenciam a necessidade de uma formação inicial para além do ensino teórico, sinalizando a importância de saberes e práticas pedagógicas atreladas à teoria em todos os períodos do curso. Acredita-se que este estudo pode contribuir com reflexões sobre planejamentos e cursos direcionados à formação de professores de Espanhol como Língua Estrangeira e investimentos necessários nessa área de atuação. Palavras chave: Espanhol como Língua Estrangeira; Formação de professores; Diretrizes e Políticas Públicas; trajetória e prática de professores de Espanhol. ABSTRACT This research, the result of studies carried out in the context of Master’s degree in Education from the State University of Feira de Santana / UEFS , aims to identify the link established between the initial training of teachers of Spanish as a Foreign Language and the implications for their teaching practices, reflecting how these professionals have been dealing with the demands and training needs in this area . This search started from the desire to think the process of training of teachers of Spanish and how these teachers analyze and understand the challenges and discoveries encountered in the course of his career. In this perspective, some issues were central to the development of this dissertation: How to theoretical / practical training at the undergraduate level contributes to prepare the teacher to the experience in the classroom? What is the relationship between what the student learns in undergraduate and the reality found in everyday classroom? Which knowledge should be presented and emphasized to such training, that keeps relation with the needs of those who attend elementary schools? To achieve the proposed objectives, we traced a brief history of the record of the Spanish Language in the Brazilian educational scenario, covering the plots of the formation / action of Teachers of Spanish as a Foreign Language, trying to deepen the looks on different challenges, prospects, strategies, needs and possibilities for professionals in this area. For this, authors such as ALMEIDA FILHO (1999 , 2000) , TARDIF (2012), GIMENEZ (2002 , 2003, 2004), VIEIRA ABRAHAM (2000, 2004), PIMENTA (2002), SCHÖN (1995), NÓVOA (1992), CELANI (2001), PERRENOUD (1993) , LEFFA (1999), among others, were quite significant. The locus was the State University of Feira de Santana / UEFS and the collaborator subjects were five graduated teachers of the Course of graduation in Letters with Spanish Language and a teacher of the same course. Being a qualitative research, to build the corpus of this study, the interview and questionnaires were used as an instrument of data collection. With the obtained results it can be seen that subjects show some gaps in establishing link between training and work as a professor of Spanish; besides, teachers stress the need for initial training beyond the theoretical, signaling the importance of knowledge and pedagogical practices linked to theory in all periods of the course. It is believed that this study can contribute to reflections on planning and targeted training of teachers of Spanish as a Foreign Language and necessary investments in this area of acting. Keywords: Spanish as a Foreign Language, Teacher Training, Guidelines and Public Policy; trajectory and practice of teachers of Spanish. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ELE Espanhol como Língua Estrangeira LE Língua Estrangeira L2 Segunda Língua LDB Lei de Diretrizes e Bases UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana CONSEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão CNE Conselho Nacional de Educação PCN Parâmetros Curriculares Nacionais OCEM Orientações Curriculares para o Ensino Médio MERCOSUL Mercado Comum do Sul LOGSE Ley Orgánica de Ordenación General del Sistema Educativo CEE Conselho Estadual de Educação IES Instituição de Ensino Superior CONSUP Conselho Superior CONSU Conselho Universitário SUMÁRIO 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS.................................. 1.1 Pensando e repensando minha trajetória e outros caminhos ........................... 1.2 Caminhos para tentar chegar ........................................................................... 1.3 O lócus da pesquisa ......................................................................................... 1.4 Disposição dos capítulos na dissertação .......................................................... 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO ....................................................................... 2.1 Diretrizes e políticas de difusão e formação de professores ............................ 2.2 Perspectivas e possibilidades para a formação de professores de Espanhol como Língua Estrangeira ....................................................................................... 15 15 23 33 34 38 41 51 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS ...................................... 3.1 O currículo e sua identidade para os cursos de formação ............................... 3.2 O Curso de Letra com Espanhol da UEFS e sua proposta curricular .............. 61 61 65 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ................................................................... 4.1 Rabiscando e traçando caminhos: a escolha profissional ............................... 4.1.1 A escolha pelo Curso de Letras com Espanhol da UEFS ............................ 4.2 O futuro professor de Espanhol como Língua Estrangeira ............................. 4.2.1 Crenças e expectativas ................................................................................. 4.2.2 Desenvolvendo competências e habilidades ................................................. 71 71 74 81 81 87 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA .................................................................................. 96 97 5.1 A relação teoria e prática na formação docente ............................................... 5.2 O Estágio Supervisionado ............................................................................... 103 5.3 De estudante a professor de Espanhol como Língua Estrangeira .................... 109 5.4 A formação é continuada ................................................................................. 115 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO ........................................................................................... 122 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 129 APÊNDICES Apêndice 1: Termo de consentimento livre e esclarecido ..................................... Apêndice 2: Termo de autorização ....................................................................... Apêndice 3: Roteiro de entrevista ......................................................................... Apêndice 4: Questionário para professores ........................................................... 140 142 143 145 ANEXOS Anexo 01: CEE Nº 0015431-5/2007 - Renovação de Reconhecimento do Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola ................................................ Anexo 02: Grade Curricular do Curso Licenciatura Em Letras com Espanhol 2012.1 .................................................................................................................... Anexo 03: Fluxograma do Curso Licenciatura Em Letras com Espanhol ........... Anexo 04: Programa da Disciplina Estágio Supervisionado em Língua Espanhola ............................................................................................................... 147 154 158 159 Pablo Picasso 15 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Esta pesquisa nasce de questionamentos sobre a difícil trajetória enfrentada por professores de Espanhol com Língua Estrangeira, doravante ELE, em seu percurso de formação e prática docente. Das inquietações, anseios e demandas individuais e coletivas surgidas no/do percurso profissional e no contato com outros docentes da área, surge a ideia de falar sobre a relação entre a formação e a prática do professor de ELE, buscando como fonte de pesquisa o relato de professores que vivem essa realidade, crendo que em seu discurso individual seguramente estará revelando um discurso coletivo (HALBWACHS, 2006). Desde já, lançarei mão dos relatos dos professores colaboradores com a pesquisa para fundamentar e ilustrar as discussões e análise presentes neste trabalho. O objetivo desse estudo é identificar o elo estabelecido entre a formação inicial de professores de Espanhol como Língua Estrangeira e as implicações em suas práticas pedagógicas, refletindo como tais profissionais vêm lidando com as demandas e as necessidades formativas para essa área. Move-nos o desejo de refletir sobre o processo de formação de professores de ELE e como estes docentes analisam e entendem os desafios e as descobertas com que se deparam no decorrer de sua trajetória profissional. O fato de ter voltado o olhar para o campo de formação de professores, focando os estudos na formação de professores de ELE, realidade na qual estou imersa, me permitiu refletir sobre os impactos dessa investigação, bem como pensar como articular o que quero investigar e as reais contribuições para os professores dessa área. 1.1 Pensando e repensando minha trajetória e outros caminhos Para justificar a opção da investigação, faz-se necessário também recorrer e refletir sobre as minhas próprias memórias, sobre minha trajetória, como maneira de pontuar o lugar em que ocupo no espaço/tempo nessa trama, na qual aprendi e me construí como professora. Para Halbwachs (2006): 16 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Recorremos a testemunhos para reforçar ou enfraquecer e também para completar o que sabemos de um evento sobre o qual já temos algumas informações embora muitas circunstâncias a ele relativas permanecem obscuras para nós. (HALBWACHS, 2006, p. 29) A partir desse momento, ancorada nas palavras de Clarice Lispector (1978) quando enfatiza que: "[...] Tenho de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto...", busco em minhas memórias o testemunho de minha trajetória e apresento algumas breves passagens desse processo. Meu gosto pela docência tem início nas brincadeiras de infância. Brincar de escola e ser a professora era minha maior diversão e ocupava grande parte de meu lazer. Filha de professora, resolvi seguir a herança. Cursei o magistério e ingressei na profissão como professora primária do município em que vivia (Muritia-Ba). Nunca sonhei em ser professora de espanhol, mas na escolha por um curso de graduação minha primeira opção seria a Licenciatura em Letras Vernáculas por gostar e admirar as tantas regras e exceções de nossa língua materna, e sobretudo por ser um curso que dentro de minhas possibilidades e realidades culturais e financeiras me permitia vislumbrar o acesso a uma Universidade Pública, uma realidade comum para muitos estudantes que ingressam em cursos de licenciaturas, como afirmam o professores colaboradores com a pesquisa Carmen e Ramón, em suas entrevistas: Mas como eu tinha 17 anos quando eu fiz vestibular minha mãe me disse que eu não poderia ir para Salvador para estudar turismo na UNEB, onde tinha na época a faculdade, e na Faculdade de Feira era pago e eu não tinha condições; então ela fez: “olha, você vai ter que se virar na UEFS porque a gente não tem condições de pagar um curso superior pra você então você vai ter que fazer lá". Ai eu pensei: Bom! turismólogo tem que saber falar uma língua estrangeira, como eu não gostava de francês e não tinha afinidade com inglês, fui fazer espanhol. (CARMEN) Hoje as pessoas fazem licenciatura como uma alternativa outra, a gente fazia porque foi o que o social nos permitiu sonhar, mas.... dentro do que o social nos permitiu sonhar a gente fez bem, porque a gente queria ascender nisso. Então eu acho que é muito importante a gente ter essa consciência. (RAMÓN) Nesse contexto, ainda visando o promissor mercado de trabalho, despertei a ideia de prestar vestibular para o curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola. Dessa forma 17 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS em um único curso eu estaria contemplando meus objetivos, já que esta licenciatura oferece a dupla habilitação: português, espanhol e suas respectivas literaturas. Logrei aprovação no vestibular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) em 2001 e a partir de então, ingressando no mundo acadêmico, cheia de ansiedade e perspectivas, mergulhei rumo ao aprimoramento de minha língua materna e a aquisição de uma língua totalmente nova em meu repertório: a Língua Espanhola. Não tardou a me apaixonar pela mesma, e logo resolvi aprofundar-me em seu aprendizado. Classificando-me como uma pessoa interessada e perspicaz, fazia parte de um grupo de estudantes que participava ativamente das aulas. De uma forma geral, buscava aproveitar bem o curso, contudo as dificuldades e insatisfações não tardaram a chegar. Percebi no desenvolvimento do curso que as quatro destrezas básicas da língua (fala, escrita, audição e leitura) não eram satisfatoriamente trabalhadas, em especial a fala e a audição. Sentia que a universidade só estava me preparando para ser professor da gramática e do vocabulário da língua espanhola, ora por deficiência na estrutura curricular do curso, ora por dificuldade de alguns dos próprios formadores que também apresentavam deficiência na oralidade da língua em questão. Segundo Carneiro da Silva (2001), desafortunadamente, a dificuldade no ensino de uma Língua Estrangeira não é privilégio apenas de alunos, muitos docentes de cursos de Língua Estrangeira (LE) também se encontram na mesma situação. Nesse sentido, vários pesquisadores têm defendido mudanças nos currículos dos cursos de licenciaturas e a formação de professores tem sido objeto de muitas pesquisas nos últimos anos (ALMEIDA FILHO, 2000; VIEIRA ABRAHÃO, 2004; PAVAN, 2008; GIMENEZ, 2002; MORAIS E AMARANTE, 1989; OLIVEIRA 2009 e PAIVA, 2004). De acordo com Almeida Filho (2000), "As universidades, faculdades e departamentos deveriam eleger a formação de professores com uma prioridade estratégica de formação de quadros para a educação nacional" (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 37-38). Não satisfeita com a situação fui além dos muros da universidade e ingressei em um curso de idiomas concluindo o nível básico, médio e avançado da língua espanhola, respectivamente nos anos de 2002 e 2003. Este curso me proporcionou um aprimoramento na oralidade e audição do idioma, complementando também a aquisição da leitura e da escrita 18 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS que eram trabalhadas paralelas ao curso de graduação na universidade. O que eu desejava era me sentir segura e preparada para o mercado de trabalho. Mesmo antes de formada não foi muito difícil conseguir aulas de ELE para lecionar. Ao final do terceiro semestre da graduação algumas propostas de trabalho já começaram a surgir. Aceitei o desafio indo lecionar em um curso preparatório para o vestibular oferecido pela Secretaria de Educação do Município de Muritiba-Ba, cidade de minha residência, que dista aproximadamente 45 km da UEFS. Estudando o ciclo de vida de professores, Humberman (1992) observou que o início da carreira representa o momento de entusiasmo, da descoberta e do encantamento, embora marcado por dificuldades e inseguranças. Comigo não foi diferente, a ansiedade, o medo, a angustia e o prazer de estar ensinando ELE se mesclavam na mesma proporção. Adotei o sistema preparar aulas, e no começo recorria aos livros didáticos como um amuleto para me sentir mais segura, pois tinha receio de não possuir o arcabouço teórico suficiente para alcançar os objetivos da aula, e verdadeiramente não o tinha. Mesmo com as dificuldades enfrentadas me empolguei com a carreira de professora de ELE e queria mais. Acreditava e acredito que estar em contato com a prática de sala de aula seria meu laboratório para a busca, aprofundamento e o amadurecimento teórico/metodológico necessários a um professor. Para mim, a experiência em sala de aula era a forma mais rica e proveitosa de saber o que buscar nas aulas da graduação. Nessa perspectiva prestei seleção para ser professor-monitor de ELE no Projeto Universidade para Todos em Feira de Santana – Um programa de preparação para o vestibular, apoiado pela Universidade, que atendia a pessoas em condições de vulnerabilidade social. Aos poucos, com um maior envolvimento com o idioma e prática como professora de ELE, ficava ainda mais claro que a realidade imaginada e idealizada no espaço de formação da Universidade estava distante da realidade experienciada nas salas de aula, em especial no tocante ensino de ELE. Salta aos olhos, a necessidade de espaços para a reflexão e formação do professor reflexivo. Fruto de um processo coletivo, para Contreras (2002), a reflexão é essencial para a construção da identidade docente e para o seu desenvolvimento profissional, pois permite que o professor seja capaz de transformar sua prática e se constituir como sujeito autônomo e promotor de mudanças no contexto educacional. 19 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS O termo reflexivo tem como uma de suas raízes as ideias do filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952) ao defender o poder da reflexão como elemento impulsionador da melhoria de práticas profissionais docentes. Na proposta de Dewey (1979) a formação de um profissional reflexivo implica a problematização da realidade vivida e envolve as atividades de busca e investigação. O termo “professor reflexivo” ganha força com as ideias do pesquisador Donald Schön, na década de 80, do século XX. Para Schön o professor deve estar apto a responder as situações que emergem do dia-a-dia profissional, valorizando a experiência e a reflexão na experiência, [...] Schön propõe uma formação profissional baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, e o reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram em ato. (PIMENTA, 2002, p. 19). No Brasil o termo vem sendo amplamente discutido, a partir dos anos 90. Refletindo sobre a questão, Contreras (2002) enfatiza que: Desde que se publicou a obra de Schön (1983), a ideia do docente como profissional reflexivo passou a ser moeda corrente na literatura pedagógica. É raro o texto sobre ensino ou professores que não faça a defesa expressa da reflexão sobre a prática como função essencial do docente no exercício de seu trabalho. (CONTRERAS, 2002, p. 135). Segundo Alarcão (1996), a difusão das ideias de Schön contribuiu para que se produzisse a imagem de um professor mais ativo, crítico e autônomo, livre para fazer escolhas e tomar decisões, contestando aquela do profissional cumpridor de ordens. Nessa perspectiva, o professor reflexivo se caracteriza como um ser humano criativo, capaz de pensar, analisar, questionar a sua prática a fim de agir sobre ela, e não como um mero reprodutor de ideias e práticas que lhes são exteriores. Nessa linha de pensamento, Libâneo (2002) destaca que a reflexividade representa a relação entre o pensar e o fazer; conhecer e agir; uma autoanálise sobre nossas ações que pode ser feita sozinho ou em grupo. O autor aponta as diferenças entre o professor crítico-reflexivo 20 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS e o professor reflexivo, tendo o primeiro uma concepção crítica no ato de refletir. Libâneo (2002) argumenta ainda que quando se pretende formar um aluno crítico-reflexivo, necessariamente, precisa-se formar, a priori, um professor crítico-reflexivo. Nesse propósito, os diálogos e reflexões com outros professores da área sempre ratificam a ideia de que é na prática de sala de aula, na troca de experiências com colegas de profissão no desenrolar dos anos e nos cursos de formação continuada que o professor vai encontrando seu jeito próprio de dar aula, adotando, ou não, a postura de alguém que procura fazer o melhor possível, buscando o aprimoramento, lutando para que os desafios e percalços do caminho não o faça sentir-se acomodado e desmotivado. Segundo Perrenoud (1993) a razão prática, encontrada apenas através da experiência é parte integrante da profissão professor. Somente com a experiência, o professor aprende a enxergar melhor as coisas, descobrir e aprimorar seus conhecimentos sobre a língua, aprende a observar melhor os alunos e a escola, cada um vai criando sua forma de compartilhar o conhecimento e seduzir o aluno. Os acontecimentos da vida particular influenciam a vida profissional da mesma forma que os acontecimentos advindos da profissão têm forte influência em sua vida profissional (GOODSON, 1992). Assim, sempre conciliando os estudos com o trabalho e com a vida social, concluí a graduação, ingressei e concluí um curso de Especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior, na Faculdade Católica de Ciências Econômica da Bahia, outro em Língua Espanhola, na Universidade Estadual de Feira de Santana, e assumi vários compromissos em Escolas de Ensino Fundamental e Médio nas redes pública e privada. Os diplomas de graduação e especialização legitimavam minha formação e preparação para atuar como professora de ELE. Sobre essa perspectiva Wallace afirma que "a certificação profissional não é o ponto terminal e, sim, o ponto de partida." (WALLACE, 1997, p. 58). Ainda segundo o autor, a competência profissional nunca é plenamente alcançada nos primeiros anos de trabalho e deve ser buscada ao longo da vida profissional. Mesmo com o diploma de Graduação em Letras com Espanhol em mãos, muitas coisas do conhecimento específico da cultura e da literatura da língua, além de discussões teórico-filosóficas sobre a educação e a formação de um professor crítico-reflexivo ficaram a desejar. 21 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Como vários outros colegas de profissão, por alguns anos não me atrevi a dirigir um grupo de pesquisa, oferecer um projeto de extensão ou simplesmente por em prática um projeto sobre a cultura e ou a literatura espanhola. Esse fato não me impediu de dar aulas, mas configurava as limitações presentes em minha formação enquanto professora de línguas. Ainda no auge do ingresso na profissão, é promulgada a Lei 11.161/2005, que prevê a obrigatoriedade do Espanhol como Língua Estrangeira nos Currículos de Ensino Médio, abrangendo para a implementação facultativa no Ensino Fundamental II (de 5ª a 8ª série, atualmente do 6º ao 9º ano) fato que amplia timidamente o debate acerca do ensino de ELE nas escolas. Nesse contexto também emergiram as inquietações sobre as percepções de identidade e as necessidades formativas para esses profissionais. Contudo, refletir sobre tais aspectos requer uma visão mais ampla e crítica, em especial quando é preciso considerar as demandas, desafios e influências de uma sociedade em constante transformação. É preciso rever posturas, valores, angústias, crenças, a forma como pensam e trabalham esses profissionais, dentre outros aspectos. Buscando uma melhoria na qualidade profissional, prestei concurso para uma instituição federal e assim ingressei para o quadro de profissionais do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Baiano. Nesse ambiente que respira ensino/pesquisa/extensão, rodeada de professores qualificados, tive a certeza da importância de dar continuidade aos estudos. Por perceber muitos vazios em minha formação inicial, e até mesmo na continuada, precisei e quis ir além, buscar e continuar buscando. Ao ingressar no Mestrado em Educação, pensei na possibilidade de pesquisar essas lacunas. Imbricada em um emaranhado de sentimentos e sensações (angustias, crenças, expectativas, medos e desejos) e o convívio com outros professores, companheiros nos desafios, fez surgir questões relacionadas à formação de professores de ELE e o trabalho desses docentes. Temos um quadro, retratado na literatura por CELANI, 2001; DEMO, 2004; LEFFA 1999; SCHÖN, 2000; WALLACE, 1991; PIMENTA, 1994; NÓVOA, 1999, dentre outros, que caracteriza a formação de professores como problemático, diante da qual é possível conceber como principal hipótese que o processo relativo à formação inicial de professores de 22 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS ELE parece insatisfatório no que concerne às representações e implicações nas práticas de ensino/aprendizagem. Ao suscitar essa proposição, este estudo alerta para os diferentes problemas existentes na formação de professores, destacando, dentre os mais comuns, a pouca carga horária em língua estrangeira, crítica válida, em especial, para os cursos de dupla habilitação em quatro anos; a falta de integração entre as disciplinas durante o processo de formação, em especial a integração e articulação entre as disciplinas teóricas e práticas e desses com o cotidiano escolar; a responsabilidade de formação prática que muitas vezes é atribuída exclusivamente para a disciplina de estágio, que por sua vez possui uma carga horária mínima e concentra-se no último semestre do curso. Celani (2000) aponta que, em muitos casos, a prática de ensino constitui-se em uma farsa cheia de dicas e sem espaços para reflexão sobre teoria e prática. Diante das proposições descritas busco responder a alguma questões a saber: Como a formação teórica-prática no curso de graduação contribui para preparar o professor para a experiência em sala de aula? Qual a relação entre o que o estudante aprende na licenciatura e a realidade encontrada no cotidiano da sala de aula? Que saberes devem ser apresentados e enfatizados para essa formação profissional, que guardem relação com as necessidades dos que frequentam as escolas de educação básica? Assim, os objetivos desta investigação são: a) Identificar a relação teórico/pratica na formação de professores de ELE da UEFS, a partir do que ditam as Diretrizes Curriculares Nacionais; b) Conhecer o que dizem os docentes em formação inicial deste idioma sobre suas práticas; c) Perceber a relação estabelecida entre a estrutura curricular do curso e o desenvolvimento dos saberes necessários para a formação de um professor de ELE . A pertinência desse estudo destaca-se pela possibilidade de "ouvir a voz" de professores, buscando redimensionar suas experiências no decorrer de sua formação e contribuir com a discussão sobre a formação de professores, bem como a (re)significação da mesma. Quanto a relevância, atualmente as pesquisas sobre Língua Estrangeira – USP: Rinaldi (2006), Lemos (2008). Unicamp: Bugel (1998), Celada 2002, Colombo (2001), Cruz (2001), Cahuao Riera (2005). UnB: Garcia Murga (2007), Freitas (2008), Espinosa Taset (2006), Scherer (2008), Nogueira (2008), Menezes (2008), Alvarez (2009). Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Fraga (2001), De Nardi (2007), Raupp (2008). Universidade Federal Fluminense: Giglio (2006), Oliveira (2006). Federal de Santa Catarina: Escalante 23 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS (2006). Universidade Católica de Pelotas: Loose (2006), Tavares (2007). Universidade Federal do Oeste do Paraná: Carmona (2006), entre tantos outros – têm conquistado grandes debates, porém a maioria delas versa sobre os aspectos gramaticais, literários e fonológicos da língua espanhola, o que configura uma carência de pesquisas acerca dos problemas relativos à formação e ao exercício docente de ELE. Alguns sujeitos colaboradores com a pesquisa comentaram a grande oportunidade e satisfação em falar sobre sua trajetória de formação e atuação profissional podendo contribuir para os estudos na área de formação de professores de ELE que demanda de grande atenção e investimento. Como exemplo, destaco a fala do professor Pablo, quando relata: o que me parece um tanto interessante é que esse tipo de pesquisa que você desenvolve, eu penso que ocupa um lugar de bastante relevância dentro da realidade do ensino de língua espanhola, não somente em nossa universidade, mas sobretudo no sistema de políticas públicas brasileiro, porque é preciso que a gente passe a pensar um pouco mais sobre o tipo de trabalho que tem sido desenvolvido, e sobre as condicionantes que tem caracterizado esse trabalho que nós desenvolvemos. É.. eu penso que é possível mudar, eu penso que é possível imprimir uma.... uma virada quase histórica nesse trabalho que tem sido desenvolvido. Mas isso está atrelado diretamente ao nosso embate, a nossa participação, a nossa tomada de responsabilidade dentro do problema. E a sua pesquisa de alguma forma ela atenta pra isso, ela convoca o sujeito, o professor, aluno, pesquisador, não sei..., pra que todos, de forma conjunta, passem a refletir essa problemática. Então acho que é bastante proveitoso e estimo que isso se torne uma prática recorrente dentro da pesquisa, em termos de ensino/aprendizagem de língua espanhola em nossa Universidade e no Brasil de modo geral. (PABLO) 1.2 Caminhos para tentar chegar Ao (re)pensar as relações entre a formação inicial e as práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, busco a construção de novos conhecimentos sobre o processo de formação e da prática docente de professores de ELE e as diversas mudanças ocorridas nesse processo de ensino/aprendizagem. Para tanto, cabe destacar as questões de pesquisa que nortearam essa dissertação. Para a aproximação, compreensão e problematização do elo estabelecido entre a formação teórico/prática de professores de ELE há uma gama de caminhos a serem percorridos. Assim, para essa pesquisa propusemos conhecer a realidade do professor de ELE, 24 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS licenciado pelo curso de Letras com Espanhol da Universidade Estadual de Feira de Santana que lecionam ou já lecionaram ELE, em sua trajetória, no Ensino Fundamental e/ou Médio. Trata-se de uma pesquisa educativa de abordagem qualitativa de caráter interpretativo, cuja escolha justifica-se por compartilharmos dos questionamentos, ideias e conceitos adotados por pesquisadores, como a exemplo de BOGDAN & BIKLEN (1994), STAKE (2011), MINAYO (2003) e SANTOS (2003), que apontam para as conquistas científicas na vida social e política do homem como sujeito sócio histórico. Para Bogdan & Biklen (1994) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento chave. A presença do pesquisador, no ambiente onde se desenvolve a pesquisa, é de extrema importância à medida que o fenômeno estudado só é compreendido de maneira abrangente, se observado no contexto onde ocorre, visto que o mesmo sofre a ação direta desse ambiente. Desta forma, compreendo que metodologias qualitativas possibilitam relações mais próximas entre os sujeitos participantes da pesquisa (pesquisador e pesquisados), ambos trocando experiências num ambiente de aprendizagem que é coletivo. Busca-se compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, a coleta dos registros foi realizada dentro de uma perspectiva que privilegia e dá voz aos participantes, isto é, observa o contexto pelo olhar dos professores colaboradores com a pesquisa. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados a aplicação de questionário e entrevista, ambos na modalidade semiestruturado, instrumentos utilizados por diversos pesquisadores como a exemplo de SOUZA, 2006; VELOSO, 2007; PAVAN, 2008; para citar apenas alguns. Gostaria de destacar que os instrumentos utilizados foram apresentados aos professores colaboradores, assim como os termos de consentimento livre e autorização, tendo aceitação prévia para a utilização das informações obtidas durante as entrevistas e nos seus registros escritos. Sobre o questionário Gil (1999) define como: a técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas, etc. (GIL, 1999, p. 128) 25 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS O questionário aplicado durante a pesquisa possui 08 questões abertas e 07 questões de múltipla escolha. Seu objetivo concentra-se em coletar as principais informações pessoais e profissionais do sujeito a ser entrevistado, traçando um perfil como idade, escolaridade, carga horária de trabalho, experiência docente, contribuindo, consequentemente, com a redução do tempo e do número de perguntas durante a entrevista gravada, evitando o desgaste e cansaço do entrevistado. Os questionários foram disponibilizados para os professores por meio digital (email) no momento em que foi feito o convite para participar da pesquisa, porém todos os colaboradores só responderam a versão impressa, disponibilizado pela pesquisadora no dia da entrevista. Fato justificado por alguns colaboradores pela falta de tempo proporcionada pela correria do dia a dia. Um alerta ao desdobramento família, trabalho e estudos que preenche toda a carga horária desses profissionais da educação dificultando e/ou inviabilizando sua participação em atividades extras, que fujam de suas programações prévias. Dedicar alguns minutos ao preenchimento do questionário enviado a seu email provavelmente lhes privariam da dedicação familiar e de alguns minutos de seu lazer, o que, provavelmente, resultou na opção por respondê-lo no mesmo horário da entrevista, uma vez que esta já se configurava como um compromisso profissional dentre tantos outros em sua agenda diária. A escolha da entrevista como outro instrumento de coleta de dados justifica-se pelo fato de acreditar que esta permite uma maior aproximação com os professores colaboradores, permitindo-lhes a manifestação de seus pensamentos através de suas próprias vozes. O recurso das entrevistas, por sua vez, permite ao "pesquisador buscar obter informes contidos na fala dos atores sociais" (MINAYO, 2003, p. 57). Consoante Duarte (2001) explica que [...] entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem definidos, onde os conflitos e contradições não estejam claramente explicados. Nesse caso, se forem realizados, eles permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade levantando informações consistentes que lhe permitem descrever a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo [...] (DUARTE, 2001, p. 02) 26 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Nessa perspectiva, a entrevista com os sujeitos colaboradores buscou-se conhecer a história pessoal/profissional dos professores através dos depoimentos orais, para identificar o porque das suas escolhas; a trajetória de formação e as demandas da profissão; as dificuldades e perspectivas de futuro para a área em que escolheu atuar e consequentemente para sua própria vida. A modalidade da entrevista utilizada foi a semiestruturada, com gravação em áudio. A opção por esta modalidade justifica-se por acreditar que esta possibilita que o entrevistador introduza questionamentos ou intervenções buscando aprofundar as informações ou opiniões do sujeito pesquisado sem que esteja preso a formulações prefixadas, permitindo que o participante atue de maneira espontânea, enriquecendo a pesquisa. Recordo-me das palavras de Lüdke e André (2004) quando afirmam que: [...] o entrevistador precisa estar atento não apenas (e não regidamente, sobretudo) ao roteiro pré-estabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação. Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não verbais, hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja adaptação é muito importante para a compreensão e a validação do que foi efetivamente dito [...] (LÜDKE E ANDRÉ, 2004, p. 36) Vale ressaltar ainda, que a opção por me restringir às gravações em áudio justifica-se por concordar com Vieira Abrahão (2006, p. 227) quando afirma que as gravações em vídeo, apesar de serem mais ricas em detalhes, podem inibir os participantes da pesquisa, uma vez que, nesse tipo de gravação eles podem ser identificados mais facilmente. Um dos motivos que conduziu o foco desse estudo para a escolha de professores de Língua Espanhola que cursaram Licenciatura em Letras com Espanhol da UEFS, e que lecionam ou lecionaram, em algum momento de suas carreiras, no Ensino Fundamental e/ou Médio, foi por considerar o perfil profissiográfico sobre a formação do profissional de letras desta instituição: A formação Básica do profissional de Letras é para o magistério. Os professores formandos sairão com habilitação em: língua portuguesa e respectivas literaturas e língua estrangeira e respectivas literaturas, para o caso das habilitações com língua estrangeira. Podem atuar na rede pública ou particular de ensino fundamental e médio. Além de atuar em escolas de ensino fundamental e médio, o profissional 27 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS pode também atuar em instituições de nível superior, instituições de pesquisa, empresas jornalísticas, agências de publicidade e de turismo e editoras. Pretende-se formar o profissional de Letras com as habilidades acima mencionadas mas também apto a atuar na comunidade na qual está inserido de forma crítica, visando o bem da coletividade e a solução dos problemas regionais. (COLEGIADO DE LETRAS - UEFS, 2013) Além da reflexão acerca do perfil traçado para graduados nas referidas licenciaturas desta Universidade, outro motivo que impulsionou essa escolha foi acreditar que esta é um importante centro de formação de professores de língua que atuam nas escolas públicas e privadas da região e do Recôncavo Baiano. Sobre essa temática o colegiado de letras desta Universidade descreve: Sendo a cidade de Feira de Santana considerada como um ponto convergente de várias localidades do interior da Bahia, desde a implantação dos Cursos de Letra que para cá acolheram diversas pessoas das cidades circunvizinhas com o intuito de aperfeiçoarem-se, adquirindo o nível superior. Destarte, a implantação da Licenciatura beneficiou todo o ensino da região, já que muitos professores, possuidores apenas de nível médio, obtiveram um maior embasamento teóricoprático para poderem repassar ao alunado da cidade na qual lecionavam. Consequentemente, esses profissionais adquiriam uma melhor formação, que os capacitava a uma regência de classe mais crítica e criativa. (COLEGIADO DE LETRAS - UEFS, 2013) O curso de Licenciatura em Letras com Habilitação com Espanhol da UEFS tem duração de quatro anos, no período diurno, com carga horária de 3.080 horas, com um total de 139 créditos, sendo distribuídos da seguinte forma: Atividade Complementar - 200 h (que consiste em atividades acadêmico-científico-culturais); Disciplinas Básicas - 16 créditos e 300 h; Disciplinas Cunho Humanístico - 9 créditos e 135h; Disciplinas Optativas - 180h; Disciplinas Pedagógicas - 31 créditos e 690h; e Disciplinas - profissionalizantes 83 créditos e 1.575h.1 Por se tratar de habilitação dupla, as horas de estágio supervisionado são divididas em duas partes iguais, totalizando 210 horas sendo: 105 horas para Estagio Supervisionado em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira e 105 horas para Estágio Supervisionado em Língua Espanhola. Ambas concentradas no último semestre do curso. 1 Informações disponíveis no site do Colegiado de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana http://www.uefs.br/letras/curriculos.html. Acesso em 15 de abril de 2013. 28 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Foram entrevistados 05 (cinco) professores colaboradores egressos da UEFS, que hoje atuam em diferentes seguimentos da educação - escolas de nível fundamental e médio, técnico e superior (em curso de formação de professores de ELE) e que possuem diferentes níveis de escolaridade - graduação, especialização, mestrado e doutorando; além da professora de Estágio Supervisionado em Língua Espanhola, do Curso de Letras com Espanhol. Desses cinco sujeitos, três são professoras e dois são professores, mas é importante ressaltar que a escolha em relação ao gênero não foi critério para este estudo, mas como afirma Ristoff (2006), a mulher segue de uma educação primária no lar para uma presença majoritária em todas as esferas da educação. Além dos critérios de formação e atuação profissional, a seleção dos cinco professores que fazem parte desta pesquisa foi também pautada em uma aproximação que a pesquisadora tem com os mesmos, consolidada através de encontros e desencontros da graduação, cursos de formação continuada e espaço de trabalho. Considero que esta aproximação se faz importante para uma maior abertura e liberdade na exposição de suas opiniões e memórias durante a entrevista. Tais fatores, aliados a uma relação de compromisso, respeito e comprometimento com este segmento foram determinantes na escolha dos sujeitos participantes da pesquisa. Ouvir professores de diferentes níveis e que atuam em diferentes contextos e segmentos da educação nos permitiu perceber a singularidade de cada docente, sem pretensão de generalização. Resaltamos que com o intuito de preservar a privacidade dos professores colaboradores desta pesquisa decidimos usar nomes fictícios para a identificação2: Anita, Laura, Ramón, Carmen e Pablo. As entrevistas foram organizadas da seguinte forma: 1ª entrevista: Professora, aqui nomeada por "Anita”, da Universidade Pública, teve sua entrevista realizada no período vespertino, em uma sala reservada em seu ambiente de trabalho. A mesma apresentou-se muito solicita. A escolha pelo local e horário, foi opção de Anita, pois a mesma ministra aulas pela manhã e tem a tarde livre no dia estabelecido para a entrevista. 2 Os nomes dos sujeitos, escolas e universidades envolvidos foram omitidos para preservar o sigilo e ética da pesquisa, uma vez que este foi o critério estabelecido no termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos entrevistados ao se pré-disporem a ajudar neste estudo. 29 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS 2ª entrevista: Professora “Laura”, de Escola Particular e Pública, indicou que sua entrevista fosse realizada em sua residência, no período noturno, pois trabalha nos outros turnos e as escolas não oferecem um ambiente tranquilo e/ou reservado para realizarmos a entrevista. A mesma recebeu-me em sua varanda exteriorizando que os familiares estavam ocupando outros cômodos da casa e poderiam atrapalhar o processo da entrevista. 3ª e 5ª entrevista: Professores, aqui nomeados por “Ramón” e "Pablo", de Escola e Universidade Pública, respectivamente, tiveram suas entrevistas realizadas no ambiente de trabalho em horários diferentes, ambos buscando encaixar a entrevista em sua rotina diária. O professor Ramón solicitou que sua entrevista ocorresse após as suas aulas no período matutino, e Pablo também no período matutino, porém no início da manhã em horário anterior a suas aulas. 4ª entrevista: Professora “Carmen” da Escola Pública sugeriu que nos encontrássemos em um Restaurante no centro da cidade onde trabalha, pois preferia estar fora do ambiente de trabalho para não se preocupar com nenhum problema. O restaurante escolhido estava tranquilo, contudo, havia um barulho externo, o que não invalidou a entrevista. A professora de Estágio Supervisionado em Língua Espanhola foi entrevistada em seu ambiente de trabalho, no turno oposto a suas atividades. Mostrou-se bastante solícita e disposta a contribuir com os interesses da pesquisa. Para desenvolver as entrevistas tentamos estabelecer uma dinâmica de conversação buscando romper inclusive com a hierarquia que possivelmente se instalaria em um contexto de entrevistador/entrevistado. Procurou-se a construção de uma atmosfera de conversação e confiança. O roteiro pré-estabelecido se moldava, a cada sujeito entrevistado. A cada entrevista surgiram novas perguntas, ideias e intervenções; questionamentos, que não havíamos nos dado conta em princípio. É valido ressaltar ainda, que à medida que íamos conduzindo a entrevista não consegui evitar, em muitos momentos, à condição de profissional que pertence à mesma classe e passou pelas mesmas condições e situações de formação. Contudo, procurei, ao máximo, uma atitude 30 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS de “estranhamento” 3, um controle contínuo de minha parte para transformar o familiar (o ambiente acadêmico) em algo estranho, para evitar maiores intervenções no processo da entrevista e principalmente buscando evitar uma construção tendenciosa no resultado da pesquisa. De posse das entrevistas foram realizadas as transcrições, leituras, releituras, análise e seleção dos fragmentos que estão compondo as tramas desse estudo. A análise dos dados foi realizada procurando identificar as circunstâncias do ensino de Língua Espanhola durante sua trajetória de formação, e conhecer o que dizem os docentes deste idioma sobre suas práticas, suas concepções sobre seus papéis como professores de espanhol, limites e possibilidades salientados sobre a temática. Nos próximos cinco parágrafos, esboçaremos um breve perfil dos professores entrevistados destacando pormenores e características de interesse para o estudo aqui realizado, a fim de promover uma melhor contextualização das falas dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. A professora Anita, 47 anos de idade, tem prática como docente há 09 (nove) e há 05 (cinco) leciona em uma Universidade Estadual, no curso de formação de professores de ELE. Durante sua trajetória profissional ensinou em cursos preparatórios para o vestibular, Escolas de Ensino Fundamental e Médio e Cursos de extensão. Grande parte dessa experiência foi como professora voluntária. Concluiu seu curso de graduação em 2006 e especializou-se em Metodologia e Didática do Ensino Superior, também em 2006, e em Língua Espanhola no ano de 2008. Antes de ingressar na Licenciatura em Letras com Espanhol, Anita estudou o idioma no Curso Extensão PALLE4, na Universidade Estadual de Feira de Santana, por 02 (dois) anos, e durante a graduação estudou em um curso privado de idiomas. Fora da sala de aula, 3 Essa atitude de “estranhamento” é uma proposta de antropólogos e sociólogos, conforme explicita Marli André, in: FAZENDA, Ivani (Org.), 2004. O “estranhamento” seria uma atitude ao mesmo tempo teórica e metodológica: por um lado, deve-se jogar com as categorias teóricas para poder ver além do aparente e, por outro lado, precisa-se treinar para “observar tudo”, para “enxergar” cada vez mais, tentando vencer o obstáculo do processo naturalmente seletivo da observação (p. 43). Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/056/56ozai.htm>, acessado no dia 05/03/2013. 4 Trata-se de um Projeto de Extensão intitulado Projeto Aprimoramento em Língua e Literatura Estrangeiras (PALLE) da Universidade Estadual de Feira de Santana. É uma experiência em formação continuada com professores de língua estrangeira de Feira de Santana e região circunvizinha, atendendo também pessoas interessadas na aprendizagem de língua estrangeira, o que, de certa forma, alimenta a formação acima mencionada. 31 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS para desenvolver as habilidades do idioma, a professora revelou que ouvia músicas, assistia filmes com áudio em espanhol e se comunicava com os familiares na língua alvo. Hoje ela considera seu nível de conhecimento de ELE como Avançado. A professora Laura, que atua na escola pública e privada, tem 28 anos, e trabalha com educação há 09 (nove). Sua experiência concentra-se no Ensino Fundamental II como professora de Língua Espanhola e de Língua Portuguesa em unidades de ensino diferentes. Inicialmente prestou vestibular para o Curso de Letras Vernáculas, mas como não conseguiu ingressar, no vestibular seguinte resolveu optar pelo curso de Letras Português/Espanhol porque assim teria uma dupla habilitação e maiores possibilidades no mercado de trabalho. Laura revelou que sempre foi muito acomodada nos estudos, não se envolveu com pesquisa nem com extensão, participou pouco de congressos e encontros e atribui isso a uma possível dificuldade do cotidiano, pois residia e trabalhava a aproximadamente 45 km da Universidade. Para ela o horário do transporte e a necessidade de voltar para trabalhar dificultou uma maior integração ao curso. Em 2012 concluiu uma Especialização em Espanhol na modalidade Educação a Distância (EaD). O professor Ramón, tem 31 anos e sua trajetória conta com 08 anos de docência. Apenas 02 desses anos dedicados ao ensino de ELE na rede particular de ensino. Ramón trabalhou como professor de ELE para alunos de Primeiro e Segundo ano do Ensino Médio. Inicialmente ingressou no Curso de Letras Vernáculas e após o primeiro contato com uma Disciplina optativa em Língua Espanhola, se apaixonou pela mesma e com o incentivo de uma professora da área se submeteu a uma seleção de transferências interna de curso, conseguindo ser transferido para a Licenciatura em Letras com Espanhol. Durante sua trajetória Ramón foi enveredando na linguística história e com as dificuldades em trabalhar com a ELE, acabou abandonando o trabalho com a língua estrangeira. Por força do destino, Ramón, em 2013, voltou a atuar como professor de espanhol. Em 2010 obteve o título de Mestre em Literatura e Diversidade Cultural. Já Carmen, tem 26 anos e há 06 atua como professora nas redes públicas e particulares de ensino. Atualmente leciona no ensino Médio integrado ao Técnico com turmas de segundo e terceiro ano, mas iniciou sua trajetória profissional trabalhando ELE com crianças, depois teve experiência em um trabalho voluntário com jovens e adultos em condição de vulnerabilidade social e atuou também no Projeto de Extensão da UEFS, o PALLE. 32 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Carmen sempre atuou como professora de ELE. Para desenvolver as habilidades da fala, audição, leitura e escrita, Carmen relata que "via filmes, ouvia músicas, conversava com pessoas em sala de bate papo e com amigos do curso, leitura (literatura, didática e língua)". Em 2013, concluiu uma especialização em Metodologia do Ensino da Língua Espanhola, e hoje considera seu nível de conhecimento de ELE intermediário. O professor Pablo, 30 anos, possui 09 anos de experiência como professor de ELE, intercalando sua atividade como professor de Espanhol e de Língua Portuguesa nas redes pública e privada. Como professor de ELE iniciou sua trajetória em um Curso preparatório para o vestibular; depois passou a ministrar paralelamente aulas em escolas da rede privada de Ensino Fundamental e Médio e atualmente leciona o idioma em um curso de Graduação em Letras com Espanhol. Para desenvolver as habilidades da fala, audição, leitura e escrita Pablo costuma ouvir músicas e assistir filmes. Pablo possui os títulos de Especialização em Língua Espanhola (2008); Mestre em Literatura e Diversidade Cultura (2010), na UEFS, e é Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da Bahia. Durante a investigação me preocupei com recuperar memórias, reacender utopias, caminhos ainda não experimentados, fracassos, silêncios, formas de resistências... Fazer com que a história seja construída e revelada a partir dos sujeitos vivos que a compõe. Ouvindo a voz de um professor, sua memória individual, podemos dizer que entramos em contato com uma memória coletiva, uma representação de uma classe ou de uma categoria. Sobre a ideia de memória coletiva Halbwachs (2006) afirma que: Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós. Não é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos de nós, porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem. (HALBWACHS, 2006, p. 30) Ao ouvir as vozes de professores de Espanhol como Língua Estrangeira, valoriza-se a subjetividade que envolve seus testemunhos, tão importantes para entendermos também as relações sociais que se inserem na dinâmica identidade/formação profissional, assim como um pouco da história deste segmento. “Trata-se de narrativas, de subjetividades, contradições e 33 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS conflitos; fontes abertas, inconclusas, pontos de vista parciais que possibilitam leituras e interpretações diversas. Daí o seu caráter construtivo...” (FONSECA,1997, p. 56). Além disso, para o desenvolvimento da pesquisa, também foi lançado mão da análise documental quando no capítulo três são feitas exposições e discussões do Projeto Pedagógico em vigor do Curso de Letras com Espanhol da UEFS, a fim de situar o leitor nas falas dos professores colaboradores sobre a carga horária e a disposição das disciplinas no curso. Os capítulos quatro e cinco, onde estão concentradas a análise e discussão dos dados, estão estruturados com a seguinte lógica: uma pequena introdução reflexiva sobre o eixo e categorias analisados, seguidos de trechos das falas dos entrevistados com interpretação e comentários e a análise fechando cada categoria. 1.3 O lócus da pesquisa O lócus deste estudo é o curso de Letras com espanhol da Universidade Estadual de Feira de Santana, instituição responsável pela formação de professores de Espanhol como Língua Estrangeira do município e regiões circunvizinhas para atuarem nas escolas públicas e privadas de ensino básico, cursos de idiomas, cursos preparatórios para o vestibular e também para atuarem como professores formadores nos cursos de graduação de universidades e faculdades públicas e privadas. Um extenso leque de atuação que nos leva ao inevitável questionamento sobre a capacidade do currículo do curso para abraçar tantas especificidades. O curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola foi reconhecido pelo Parecer do Conselho Federal de Educação N° 7.837 de 03 de setembro de 1976, e autorizado pelo Decreto Estadual N° 8.165, de 20 de fevereiro de 2002. Fundamenta-se ainda na Resolução CONSEPE/UEFS Nº 54, de 2001, no Parecer CNE/CP Nº. 09, de 2002, no Parecer CNE/CP Nº 28, de 2001, na Resolução CNE/CP Nº. 1, de 2002, na Resolução CNE/CP Nº 2, de 2002; na Resolução CONSU/UEFS Nº. 06, de 2003, na Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 09, de 1998, na Resolução CONSEPE/UEFS de Nº. 26, de 1999, na Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 05, de 2006, na Resolução CONSEPE/UEFS Nº 165, de 2005 e na Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 06, de 2005. 34 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Alguns elementos justificaram nossa escolha pelo Curso de Espanhol dessa Universidade, além da inquietação sentida por mim, enquanto egressa desse mesmo curso, em especial no tocante falta de articulação teórico/prática durante minha formação: a) A relação interpessoal como universidade, uma vez que estudei minha graduação, especialização e agora participo do programa de pós-graduação desta instituição; b) A Universidade ser responsável pela formação de um número considerável dos professores de ELE que atuam nas principais escolas do município e nas regiões circunvizinhas; c) O fato de durante minha trajetória profissional observar e ter um grande contato com professores de ELE graduados nesta Universidade, o que contribuiu significativamente para as reflexões e inquietações que culminaram nesta pesquisa. Deste modo, a escolha do campo empírico deste estudo teve como critério o fato de ser um contexto de ação e formação legal de professores de ELE, um espaço com formas próprias de organização e com reconhecida aceitação dos sujeitos sociais. Ressalto aqui a impossibilidade de neutralidade em toda e qualquer pesquisa. Nessa perspectiva, o fato de escolher como campo de pesquisa uma instituição na qual construí minha trajetória de formação, conduziu-me a um receio de parcialidade durante o processo de desenvolvimento da pesquisa, em especial, na execução da análise das entrevistas. Por outro lado, penso que esse fato talvez fosse facilitador na apropriação e entendimento dos diálogos. Percebemos assim, que relacionar-se com o objeto da pesquisa, nesse caso histórico e humanamente situado, com toda a carga emotiva e subjetiva inerente à pesquisadora, não é tão fácil como se parece. É exatamente nessa dialética que residem dificuldades, riscos, belezas, encantamentos e contribuições no processo para a obtenção do resultado final. 1.4 Disposição dos capítulos na dissertação O propósito desta pesquisa é indicar possíveis rotas para que os cursos de formação inicial para professores de ELE possam implementar um ensino crítico e significativo para a formação dos futuros profissionais da docência; um sinalizador de rumos que o curso de 35 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS licenciatura pode tomar em seus exercícios pedagógicos e um estímulo na (re)construção desses rumos. Para construir essa dissertação estruturamos o texto em 07 capítulos incluindo a introdução e a conclusão. No Capítulo I, Caminhando e cantando e seguindo a canção: trajetória pessoal e escolhas teóricas, o objetivo é apresentar as motivações, escolhas teóricas e caminhos percorridos na/para a construção dessa pesquisa. Nesse capítulo, o leitor encontra alguns questionamentos que balizam a delimitação dos objetivos da pesquisa, as escolhas metodológicas, os instrumentos de coleta e produção de dados, bem como o perfil dos professores colaboradores com a pesquisa. No Capítulo II, Pelas ruas marchando, indecisos cordões: a seara do Espanhol como Língua Estrangeira no cenário educacional brasileiro, por acreditar que toda iniciativa de discutir sobre a formação de professores de Língua Estrangeira perpassa por fatores políticos, sociais e econômicos produzidos historicamente, nesse capítulo é realizado revisão de literatura com uma breve contextualização sobre o ensino do espanhol no Brasil a fim de localizar o leitor na seara do processo ensino/aprendizagem de ELE, considerando o advento do MERCOSUL; e os discursos, diretrizes e políticas públicas para a formação desses professores, questionando as perspectivas e possibilidades para a formação desses profissionais. O Capítulo III, Ainda fazem da flor seu mais forte refrão: a importância do currículo e a micro realidade do curso de letras com espanhol da UEFS, cumpre com o objetivo de situar o leitor na/da importância que exerce o currículo dentro de uma instituição de ensino, pois é nele que se deposita grande parte da confiança, expectativa e responsabilidade para a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao profissional. Ainda com o propósito de situar as falas dos sujeitos entrevistados, esse capítulo também é responsável pela apresentação, ainda que breve e superficial, da proposta curricular do Curso de Letras com Espanhol da UEFS. Nos capítulos IV, Os amores na mente, as flores no chão, a certeza da frente a história na mão: pensando e (re)pensando trajetórias de formação de professores de Espanhol como Língua Estrangeira, é abordada a relação teórico prática nas aulas de ELE sobre o foco dos professores colaboradores e fundamentada com a revisão bibliográfica de 36 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS diversos autores como: ALMEIDA FILHO (2000), TARDIF (2002), GIMENEZ (2002, 2003, 2004), VIEIRA ABRAHÃO (1996 E 2004), PIMENTA (2002), dentre outros citados no referido capítulo. Busca-se relatar o que revelam os depoimentos: expectativas, crenças e realidades acerca da temática formação e prática de professores. Já no Capítulo V, Aprendendo e ensinando uma nova lição: revelando a teoria na prática, busca-se, a partir de pesquisas e discussões de alguns autores COMO SCHÖN (1995), NÓVOA (1992), GAULTHIER (1998), TARDIF (1998) E PERRENOUD (1993), VIEIRA-ABRAHÃO (1996), entre outros, e dos dados fornecidos pelos sujeitos entrevistados, interpretar como a teoria e a prática são articuladas no programa de Formação de Professores de Língua Espanhola da UEFS, no sentido de desenvolver as múltiplas competências exigidas a esse profissional. Para tanto, o capítulo está dividido em 04 seções: a primeira, somos todos soldados armados ou não, discute a formação teórico/prática na formação docente, traçando um paralelo entre racionalidade teórica e racionalidade prática; a segunda, acreditam nas flores vencendo os canhões, discute o Estágio Supervisionado como uma das principais práticas de ensino nos cursos de licenciatura, e o tratamento que é dispensado a essa disciplina no curso de Letras com Espanhol da UEFS, sob a ótica dos professores colaboradores; A terceira seção, pelos campos a fome em grandes plantações, busca obter dados sobre as ações que orientam a prática de professores de ELE no local de trabalho, as superações, desafios, estratégias e possibilidades, com o objetivo de caracterizar essa prática com o elo estabelecido com a trajetória de formação; por fim temos a quarta seção, quem sabe faz a hora, não espera acontecer, que destaca a importância da estruturação e oferta da formação continuada para trajetória profissional, como responsável pela aquisição de novas competências exigidas pelo mercado de trabalho. E finalmente, Vem, vamos embora que esperar não é saber: considerando algumas considerações sem chegar a uma conclusão; as considerações finais, cujo objetivo é construir uma síntese dos resultados obtidos, provocando algumas sugestões e muitas reflexões sobre as discussões suscitadas no processo da investigação. 37 1 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANÇÃO: TRAJETÓRIA PESSOAL E ESCOLHAS TEÓRICAS Joaquim Mir 38 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO Acreditamos que toda iniciativa de discutir sobre a formação de professores de Língua Estrangeira nos conduz a considerar os aspectos políticos sociais e econômicos produzidos historicamente, fato que nos remete neste capítulo, ainda que brevemente, a uma análise do contexto histórico no qual a formação inicial de professores de ELE está inserida. As mudanças aceleradas nos diferentes setores da sociedade como na economia, política e cultura vêm afetando significativamente a vida cotidiana dos sujeitos e, nesse sentido, exigem novas formas de aprendizagem, novas posturas, ideias, perfis profissionais, crença e valores que requerem a relativização de conhecimentos que extrapolam a visão meramente tecnicista de reprodução de conteúdos e uma consequente participação efetiva do sujeito na sua própria história. Apesar das discussões sobre o processo de ensino/aprendizagem de Língua Estrangeira – SILVA, 2005; VELOSO, 2007; BARCELOS, 2004; VIEIRA-ABRAHÃO, 2000; SCHULZ, 1996; PAJARES, 1992 – ele parece ineficiente nas escolas, em especial nas escolas públicas. Moita Lopes (1996) assegura que o campo do ensino de LE no Brasil tem sido vítima de uma série de mitos oriundos pela falta de reflexão sobre a verdadeira finalidade do ensino que o momento em que vivemos exige. Em diálogo sobre o ELE no cenário educacional brasileiro, o professor Ramón, em sua entrevista, rememora o pouco valor que é dado à LE, apontando para a necessária tomada de consciência sobre o importante papel das línguas na inserção do indivíduo no mundo globalizado: ... as pessoas elas costumam ver a língua estrangeira como algo marginal. Então esse é um grande problema, e as pessoas acham que é apenas um adereço, uma coisa acessória que pode retirar facilmente... Então as pessoas não entendem, né, que é o que o mercado exige. Mas o que o mercado exige, não como algo alegórico, nem como adereço, exige como algo intrínseco mesmo. Porque aquele que consegue potencializar em qualquer outra língua, e sobretudo naquelas línguas que estão em evidência, ele vai conseguir uma ascensão maior, mas o grande problema e entrave nas escolas públicas, e nas escolas de um modo geral, é tentar entender que a inserção de uma língua estrangeira moderna, ou clássica, ela tem um grande 39 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO propósito. Se clássica, cultura pretéritas; se moderna, entender o que o capital, o consumo quer. (RAMÓN) Assim, refletir sobre os rumos da educação na contemporaneidade é condição indispensável para que a escola continue atuando de forma significativa na formação e inserção econômica, política e cultural do ser humano na sociedade, dimensionando as estratégias metodológicas de apropriação do conhecimento produtivo. Nessa perspectiva do conhecimento Chaves (1994) aponta alguns objetivos básicos para a educação na contemporaneidade: Capacitar o indivíduo para viver sua vida de maneira plena, propondo-se objetivos dignos e lutando por alcançá-los, assim obtendo plena realização enquanto ser humano. Capacitar o indivíduo para escolher e exercer com competência uma profissão que, além de contribuir para a sua realização pessoal, represente uma contribuição para a sociedade e Capacitar o individuo para atuar como cidadão responsável, na forma que julgar mais eficaz e mais coerente com seus objetivos pessoais e profissionais. (CHAVES, 1994, p. 16) Chaves sinaliza capacidades que possuem um alcance além dos objetivos tradicionais da educação e propõe novas concepções acerca da formação humana que se contextualiza com a concepção de mundo, de educação e de ser humano que pretendemos. Pensando na língua espanhola como componente curricular de um ensino integrado, é necessária a compreensão da finalidade de seu processo de ensino/aprendizagem, que vai muito além do cumprimento das exigências legais, para que este possa fazer sentido nos currículos escolares de Ensino Fundamental e Médio. Também se faz necessário desconstruir o discurso de que o aprendizado do ELE é almejado apenas como meio para obtenção de emprego, aprovação em concursos ou viagens internacionais. Tais transformações refletem diretamente sobre o setor educacional, fazendo com que a função da escola, as práticas pedagógicas, o trabalho dos profissionais da educação, os saberes e experiências dos docentes/discentes sejam submetidos a reflexões mais críticas acerca de sua funcionalidade, organização, importância e viabilidade. Essas mudanças incidem inteiramente na construção de um ideal de professor. Buscase a qualificação e a formação de profissionais capazes de enfrentar os desafios dessa 40 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO transição. Os professores e professoras confrontam-se com a necessidade de (re)ver, (re)viver e (re)cosntruir a sua identidade profissional. Nesse contexto, quando opto em refletir sobre a formação de professores de ELE no Brasil, considero importante ter que, inicialmente, situar tal temática no contexto sócio/histórico e político, para assim poder perceber e compreender as dificuldades, exigências, transformações e desafios encontrados pelos profissionais dessa área. Para desenvolver esse capítulo busco relacionar referenciais teóricos que tem contribuído com os estudos da gênese da relação Estado, Sociedade e Educação nos diferentes contextos sócio/históricos brasileiros: GRAMSCI (1978, 2000), BOURDIEU (2007, 2010), SEVERINO (2006), COUTINHO (2006); Diretrizes e políticas públicas e seus processos de formulação e implementação no tocante a difusão e formação de professores de ELE: Lei de Diretrizes e Bases - LDB (1996), Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN’s (1998), Princípios do MERCOSUL (1991), Lei 11.161/2005, Orientações Curriculares para o Ensino Médio - OCEM (1999); além de referenciais que tem contribuído com a interpretação das práticas pedagógicas desses professores no processo ensino/aprendizagem de LE tais como PICANÇO (2003), CELADA (2002), ALMEIDA FILHO (2000); ORTIZ (2000), VIEIRA ABRAHÃO (2004), dentre outros citados ao longo do capítulo. Atualmente, as pesquisas sobre ELE no Brasil ainda são tímidas em especial quando comparadas com as pesquisas sobre o ensino de língua inglesa, fato que pode ser explicado dado o destaque que esta última recebe no mundo contemporâneo. Sobre a questão da hegemonia do inglês nas escolas, Ortiz esclarece: Evidentemente sua difusão como língua mundial não é fortuita nem inocente. São várias as causas que determinaram sua posição hegemônica no mundo atual: a existência da Inglaterra como potência colonizadora, o papel econômico dos Estados Unidos no século XX, a presença das corporações multinacionais, as transformações tecnológicas (invenção do computador e de uma linguagem informatizada), o peso de uma indústria cultural marcada por sua origem norte-americana. (ORTIZ, 2000, p. 28) Nessa concepção, Ortiz expõe alguns episódios que notoriamente caracterizam o conjunto de fatores sócio-político-culturais que contribuem para o interesse ou predominância de uma ou outra língua estrangeira nos currículos escolares. E sobre o ensino de Espanhol no 41 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO Brasil, podemos afirmar que renasce com força nos anos 90, ganhando um espaço garantido no cenário educacional. Por isso, nas últimas décadas, vimos assistindo, sem surpresa, que diversos estudos realizam o registro da história do Espanhol no Brasil. Sendo assim, neste capítulo, pouco se apresenta de novidade ao que já se pode encontrar na literatura. Reúnem-se, prioritariamente, dados encontrados nos seguintes estudos: PARAQUETT (2006), BARRETO e FREITAS (2007), VARGENS (2009), PICANÇO (2003); CELADA (2002) dentre outros. Para melhor compreender esse fenômeno faremos um breve histórico do ensino de espanhol no Brasil, comentando o surgimento do MERCOSUL1, que tem por objetivo consolidar a integração política, econômica e social entre os países que o integram; fortalecer os vínculos entre os cidadãos do bloco e contribuir para melhorar sua qualidade de vida, e é considerado como responsável direto por esse impulso no ensino/aprendizagem de ELE. 2.1 Diretrizes e políticas de difusão e formação de professores É notório, que o cenário do ensino de Línguas Estrangeiras (LE) sempre esteve atrelado a organização social e histórica do país e do mundo. Em 1930, o governo populista de Getulio Vargas cria o Ministério da Educação e o Conselho Nacional da Educação com o objetivo de reformar o sistema educacional. Mas é somente em 1942, com a Reforma Capanema, por meio do Decreto-Lei 4244/42, que se institui o ensino de Espanhol no Brasil nas escolas primárias e secundárias como Língua Estrangeira Moderna, juntamente com o Inglês e Francês, conforme o historicista Picanço: 1 Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção, com vistas a criar o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O objetivo primordial do Tratado de Assunção é a integração dos quatro Estados Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes. Em 2012, o MERCOSUL passou pela primeira ampliação desde sua criação, com o ingresso definitivo da Venezuela. No mesmo ano, foi assinado o Protocolo de Adesão da Bolívia ao MERCOSUL, que, uma vez incorporado ao ordenamento jurídico dos Estados Partes, fará do país andino o sexto membro pleno do bloco. Houve também avanço no diálogo exploratório com o Equador, exercício que deve prosseguir nas próximas reuniões. Essas informações foram retiradas do portal MERCOSUL no Brasil: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul. Acesso em 16/04/2013. 42 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO [...] o espanhol, que até então não havia figurado como componente curricular, passou a compor os programas oficiais do curso científico [...]. O espanhol, naquele momento, era indicado como a língua de autores consagrados como Cervantes, Becker e Lope de Vega. Ao mesmo tempo, era língua de um povo que, com importante participação na história ocidental [...] não representava ameaça para o governo durante o Estado Novo (PICANÇO, 2003, p. 33) A reforma Capanema apresentou o que de mais avançado havia para o ensino de línguas da época no Brasil, preocupando-se com a questão metodológica, recomendando o uso do 'Método Direto' e enfatizando que o ensino de línguas (principalmente o francês e o inglês) deveria servir não só para objetivos instrumentais, mas também, de acordo com Chagas: 'um ensino pronunciadamente prático'. Essa Reforma destinou 35 horas semanais ao ensino de idiomas, ou seja, 15 % do currículo, ficando assim distribuída: ao Ginásio2 incluíram-se como disciplinas obrigatórias, o Latim, o Francês e o Inglês; no Colegial3 o Francês, o Inglês e o Espanhol; e no Curso Clássico, o Latim e o Grego. Contudo, até este ano (1942) não se tinha a formação de professores de espanhol como algo central, visto que o idioma não constava no currículo oficial das escolas brasileiras. Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)4, em 1961, e dos Conselhos Estaduais, que passaram a ter autonomia na inserção da LE nos currículos, a escolha da língua fica a cargo da comunidade escolar que decide entre uma Língua Clássica (Latim ou Grego) ou uma Moderna (Inglês, Francês ou Espanhol). Porém, o Golpe Militar de 64, que dava pouco ou nenhuma importância às culturas estrangeiras previu o ensino de LE somente como recomendação no ensino de Segundo Grau, o foco desse sistema era a formação técnica de mão de obra profissional e de cidadãos ordeiros e pacíficos: 2 Hoje, o Ginásio corresponde as séries que compreendem o Ensino Fundamental II (6° ano ao 9° ano). 3 Até 1967, o ensino médio era dividido em três cursos e compreendia o curso científico, o curso normal e o curso clássico. Na sequência, resolveu-se mudar e chamar de curso "colegial", também dividido, sendo que os três primeiros anos eram iguais para todos e posteriormente quem quisesse fazer o antigo Normal e o Clássico, tinha de fazer mais um ano. O colegial, desde 1996, no Brasil, corresponde ao Ensino Médio (antigamente chamado de 1ª, 2ª e 3ª série do segundo grau) a etapa do sistema de ensino equivalente à última fase da educação básica. 4 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define e regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição. Foi citada pela primeira vez na Constituição de 1934. O primeiro projeto de lei foi encaminhado pelo Poder Executivo ao Legislativo em 1948, e levou treze anos de debates até o texto chegar à sua versão final. A primeira LDB foi publicada em 20 de dezembro de 1961 pelo presidente João Goulart, seguida por outra versão em 1971, em pleno regime militar, que vigorou até a promulgação da mais recente em 1996. 43 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO Foi característica do movimento conduzido pela elite empresarial e pelo estamento militar a idéia-força de que o desenvolvimento tecnológico é a grande matriz de todo desenvolvimento econômico, desde que possa ocorrer num clima de total harmonia político-social. Daí ser a educação chamada a implementar uma vocação eminentemente dedicada à formação profissional, visando à preparação de mão-deobra técnica bem qualificada de cidadãos ordeiros e pacíficos. (SEVERINO, 2006, p. 300) Confirmando em forma jurídica, a filosofia do regime militar daquele momento histórico, que tinha como lema “Brasil, ame-o ou deixe-o”, exaltando o patriotismo exacerbado, que dava quase ou nenhuma importância aos traços culturais estrangeiros, em 11 de agosto de 1971, estabelece a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1º e 2º graus, com o Parecer nº 853/71 que contemplava a Língua Estrangeira Moderna (LEM) à título de recomendação e não obrigatoriedade. A não obrigatoriedade do ensino de LE na escola básica em todo o ensino médio ilustra a pouca importância dada às línguas estrangeiras nas LDBs de 1961 e de 1971. Ao deixar de incluir as línguas estrangeiras dentre as disciplinas obrigatórias (Português, Matemática, Geografia, História e Ciências), configura-se como um retrocesso para o desenvolvimento do ensino dessas línguas no Brasil. Desde então, só cresceu a opção pelo inglês e, nos últimos trinta anos, observa-se uma explosão de cursos particulares, com a intensificação do senso comum de que não se aprende língua estrangeira nas escolas regulares. Em busca dessa qualidade, as classes dominantes procuraram garantir a aquisição de línguas estrangeiras nas escolas de idiomas ou com professores particulares, porém os cidadãos menos favorecidos financeiramente ficaram à margem dessa alternativa. Apenas em 1976, com a Resolução 58/76, há o resgate parcial do ensino de Língua Estrangeira Moderna (LEM) na Escola de 2º grau. Diz o Artigo 1º dessa Resolução que “o estudo de Língua Estrangeira Moderna passa a fazer parte do núcleo comum, com obrigatoriedade para o ensino de 2º grau, recomendando-se a sua inclusão nos currículos de 1º grau onde as condições o indiquem e permitam”. Nessa perspectiva, a escola recupera a obrigatoriedade do ensino de uma LE, mantendo o critério da escolha da comunidade escolar, podendo ser ensinada por acréscimo, 44 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO de acordo com as condições de cada estabelecimento, nos currículos de Primeiro Grau. Entretanto, registra-se, aqui, a contínua predominância da escolha da Língua Inglesa para os currículos das escolas públicas e privadas. O panorama acerca da formação de professores de ELE começa a sofrer mudanças a partir dos anos 80, quando a Língua Espanhola passa a ser disciplina do Ensino Básico. A partir deste ano, com a expansão do capitalismo, o Brasil, bem como os demais Países de Terceiro Mundo, é convidado a engajar-se no novo processo de desenvolvimento econômico e social. Ressurge então os princípios do liberalismo, mas com novos ideais humanistas, o Neoliberalismo, como descreve Severino: O que está em pauta é a total liberação das forças do mercado, a quem cabe a efetiva condução da vida das nações e das pessoas. Daí a pregação do livre-comércio, da estabilização macroeconômica e das reformas estruturais necessárias, em todos os países, para que o sistema tenha alcance mundial e possa funcionar adequadamente. Opera-se então severa crítica ao Estado do Bem-Estar Social, propondo-se um estado mínimo, em seu papel e funções. [...] Os mercados financeiros são liberados e expandidos. Os Estados nacionais tornam-se reféns das políticas internacionais do grande capital. (SEVERINO, 2006, p. 302) Nesse contexto de pensamento de redemocratização do Brasil, busca-se uma retomada na pluralidade da oferta de LE nas escolas públicas, contudo suscita-se também a discussão se “[...] a língua estrangeira a ser ensinada na escola deveria ser exclusivamente o espanhol, por ser mais próxima de nós que estamos inseridos na América Latina, e nem mesmo conhecemos a língua de nossos vizinhos de fronteira” (CELADA, 2002, p. 87). Ainda segunda a pesquisadora: [...] Estamos diante de uma cunhagem “clivada” histórica e ideologicamente, pois, ao mesmo tempo que expressa de forma concentrada uma série de relações a respeito da língua espanhola e dos “irmãos” ou “vizinhos latino-americanos” que sempre esteve presente no imaginário dos brasileiros, também mostra as posições desencontradas que estes mantêm sobre isso (CELADA, 2002, p. 87). Ao questionar sobre a escolha do Espanhol como Língua Estrangeira a ser adotada nas escolas brasileiras nos remete à história de cooperação e integração no continente latino americano que teve início desde a segunda metade do século passado, com inúmeras 45 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO tentativas como a Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), em 1960; o Pacto Andino, idealizado em 1969; o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), firmado em 1978 entre o Brasil e outros 07 países; a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), que substituiu a ALALC em 1980; e a assinatura entre Brasil e Argentina no Protocolo de Integração Regional, em 1985, o que favoreceu para a criação do MERCOSUL em 1989. Segundo Gadoti e Mânfio (1993, p.19) esse estabelecimento de relações bilaterais rumo à integração trouxe marcas decisivas nos planos políticos econômicos, culturais, militares, etc. Dentre elas, no tocante políticas e difusão de ELE, podemos citar a criação da Associação de Professores de Espanhol do Estado de São Paulo (APEESP) em 1983; o surgimento do Instituto Latino-Americano, em 1987; e a Associação Brasileira de Hispanistas, já em 2000. Diante dessa conjuntura, com a assinatura do tratado do MERCOSUL, em 1989, o qual consolida o livre comércio entre alguns países da América Latina, a Língua Espanhola adquire valor econômico e privilégios no contexto escolar e acadêmico. Motivados pelo Tratado do MERCOSUL, em 1991 o Ministério da Educação do Brasil, Paraguai, Argentina, e Uruguai assinam em Brasília um Protocolo de Intenções, no qual previa as modificações na estrutura curricular para garantir o ensino das línguas oficiais do MERCOSUL (português e espanhol) através do sistema educacional de cada um desses países. (CELADA, 2002). Neste mesmo ano (1991), foram elaborados os Princípios de MERCOSUL enfatizando alguns interesses específicos e em 1992, com o Plano Trienal de Educação, texto oficial do MERCOSUL, percebeu-se a grande importância dada à educação como fator de integração regional, sem sacrificar sua identidade singular: Que o setor educacional buscará desenvolver nos cidadãos uma consciência favorável ao processo de integração dos quatro países; Que a educação tem um papel fundamental para que esta integração se consolide; Que a educação depende, em grande parte, da capacidade dos povos latino-americanos de reencontrar seus valores comuns e de afirmar sua identidade ante os desafios do mundo contemporâneo; O interesse de difundir o aprendizado dos idiomas oficiais o MERCOSUL, espanhol e português, através dos sistemas educacionais formais, não formais e informais; A necessidade de garantir um nível adequado de escolarização, assegurando uma educação básica para todos, respeitadas as características culturais e linguísticas dos Estados - Membros; A necessidade de estimular maior integração entre educaçãotrabalho - emprego; Tornar os sistemas escolares compatíveis e harmônicos, para 46 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO que o ensino seja equivalente nos quatro países (PRINCÍPIOS DO MERCOSUL, 1991). Está previsto aqui uma abordagem e medidas para o ensino das línguas oficiais do MERCOSUL que, como afirma Durão (1998), têm por objetivo “implementar o ensino de espanhol e do português nas instituições de diferentes níveis e modalidades do sistema educacional para melhoria da comunicação entre os países que formam o MERCOSUL” (DURÃO, 1998, p. 11). E, ainda segundo o autor, para atingir tal objetivo, destaca como principais linhas de trabalho introduzir nos programas, nos diversos níveis de escolarização, o ensino de português e de espanhol; propor alternativas metodológicas para o ensino da mesma; desenvolver programas para a formação e capacitação docente que facilitem o ensino do idioma. Como consequência, o espanhol passa a ser visto não mais apenas como representativa de uma literatura erudita, mas como idioma com relevância em termos políticos e econômicos, o que faz crescer o interesse pela sua aprendizagem. Assim, dentre as várias discussões que vêm à tona com o nascimento do MERCOSUL, surge uma que é de interesse deste estudo: a corrida em direção ao ensino/aprendizagem da Língua Espanhola no Brasil. Desde a assinatura do Tratado do MERCOSUL o ensino de ELE nas escolas brasileiras passou por três novas orientações. A primeira delas, em 1993, com a reformulação o Projeto de Lei nº 4004, que estabelecia a obrigatoriedade do ensino de ELE nas escolas brasileiras, promulgando a oferta e obrigatoriedade do espanhol apenas para o Ensino Médio, facultando sua inclusão no Ensino Fundamental. A segunda orientação surge com a Implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - 9.394/1996, quando o Brasil passa por um grande processo de mudança educacional. Paralelo a esse momento, com a apresentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)5, é suscitado, no cenário educacional brasileiro, uma série de discussões sobre os novos rumos do ensino no país e de suas implicações políticas, éticas, 5 Os PCNs são documentos criados com base na LDB 9.396/96 e no Parecer nº 15/98 do Conselho Nacional de Educação/Câmera de Educação Básica (PCN do Ensino Médio) não com o intuito de serem um instrumento normativo de caráter obrigatório, imposto a todo o território nacional, mas sim como uma ferramenta para o aprofundamento e a discussão do processo educacional brasileiro, com vistas a promover o desenvolvimento de uma cidadania crítica e consciente. (ROJO, 2002). 47 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO tecnológicas, filosóficas e ideológicas, além da visível preocupação da integração educação plena para a vida e o mercado laboral. O modelo que inspirou a concepção dessa legislação foi a Ley Orgánica de Ordenación General del Sistema Educativo (LOGSE) - 1/1990, proposta pelo governo da Espanha para regulamentar a educação no país. Assim como a LDB, a LOGSE faz referência à preocupação com a formação ampla do indivíduo e sua preparação para o exercício pleno da cidadania; à atenção ao mundo do trabalho e da tecnologia; ao desenvolvimento de valores éticos para a vida em sociedade e para o respeito à diversidade social e cultural. Ambas as leis esperam que o trabalho realizado nas escolas desenvolva alunos com autonomia na aprendizagem e capazes de solucionar problemas cotidianos diversos. (BRASIL, 1996; ESPANHA, 1990). Assim, com a LDB nº 9394/96 é sancionada a oferta obrigatória de pelo menos uma língua estrangeira moderna, e a escolha ficará a cargo da comunidade escolar, ficando condicionada às possibilidades da instituição de implantação do idioma. (Art. 26/§ 5º). Para o Ensino Médio, esta mesma Lei dispôs da inclusão de uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição (Art. 36, III), sendo que a escolha dessa segunda língua fica livre para a escolha da instituição de ensino. Contudo, no que concerne ao ensino de LE, a legislação brasileira limita-se a indicar seu caráter de matéria obrigatória na parte diversificada dos currículos determinando os níveis de atuação (a partir do Ensino Fundamental II) e em que proporção (ao menos uma LE para o Ensino Fundamental e duas para o Ensino Médio). Porém, o texto não aprofunda em que grau ou maneira deve ser desenvolvido o trabalho com os idiomas estrangeiros. São os PCNs os documentos responsáveis em apresentar linhas metodológicas e ideológicas para o ensino aprendizagem da LE: Independentemente de se reconhecer a importância do aprendizado de várias línguas, em vez de uma única, e de se pôr em prática uma política de pluralismo linguístico, nem sempre há a possibilidade de se incluir mais do que uma língua estrangeira no currículo. Os motivos podem ir da falta de professores até a dificuldade de incluir um número elevado de disciplinas na grade escolar. Assim, uma questão que precisa ser enfrentada é qual, ou quais línguas estrangeiras incluir no currículo. (...) Pelo menos três fatores devem ser considerados: - fatores 48 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO históricos; - fatores relativos às comunidades locais; - fatores relativos à tradição.(...) Deve-se considerar também o papel do espanhol, cuja importância cresce em função do aumento das trocas econômicas entre as nações que integram o Mercado das Nações do Cone Sul (Mercosul). Esse é um fenômeno típico da história recente do Brasil, que, apesar da proximidade geográfica com países de fala espanhola, se mantinha impermeável à penetração do espanhol (BRASIL, 1999, p. 22- 23). Considerando que a escolha de que LE estudar deve estar relacionada, segundo o caráter legal, às características da comunidade escolar e ao papel de tal idioma na vida social da comunidade, com o advento do MERCOSUL a busca pela demarcação do espaço do ELE nas escolas (com prioridade e preferência sobre as demais línguas) dá origem à terceira orientação sobre o ensino da ELE com a promulgação da Lei nº 11.161, de agosto de 2005, que torna obrigatória a oferta de ELE nos estabelecimentos de Ensino Médio, buscando atender aos interesses políticos e econômicos do Brasil como país hispanofalante. No que dispõem sobre o ensino de ELE a Lei 11.161/2005 (BRASIL, 2005) determina a oferta obrigatória da língua espanhola pelas escolas de ensino médio, sendo de matrícula facultativa por parte do aluno, facultando também a obrigatoriedade de oferta ao ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), tanto para a rede pública como para a rede privada de todo o Brasil. Ainda de acordo com o Art. 5º desta Lei, as normas necessárias a sua execução está sob a responsabilidade dos Conselhos Estaduais de Educação e do Distrito Federal, pontuando a concordância com as condições e peculiaridades de cada Unidade Federativa, e conclama em seu Art.6º o apoio e estímulos no âmbito da política nacional de educação. A ideia de globalização e do conceito de “cidadania global” ressalta a importância da integração do indivíduo no mundo. Aprender uma LE é uma forma de fazer parte do mundo, ser um cidadão global. Para tanto, os objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (1998) estão focados num mundo multilíngue e multicultural no qual o aluno está inserido, conforme estão descritos abaixo: - vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua estrangeira, no que se refere a novas maneiras de se expressar e de ver o mundo, refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir e as visões de seu próprio mundo, possibilitando maior entendimento de um mundo plural e de seu próprio papel como cidadão de seu país e do mundo; 49 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO - reconhecer que o aprendizado de uma ou mais línguas lhe possibilita o acesso a bens culturais da humanidade construídos em outras partes do mundo; - identificar no universo que o cerca, as línguas estrangeiras que cooperam nos sistemas de comunicação, percebendo-se como parte integrante de um mundo plurilíngue e compreendendo o papel hegemônico que algumas línguas desempenham em determinado momento histórico (BRASIL, 1998, p. 66 - 67). Tais objetivos podem converter-se em um rico subsídio de exploração das possibilidades de transformação, a partir de questionamentos da ordem vigente, à medida que possibilita discutir as relações de poder entre os países e as desigualdades na qualidade de vida de alguns grupos sociais, investigando as causas e consequências de tal hegemonia, uma vez que o contexto atual evidencia que enquanto as camadas dominantes mantiveram e ampliaram seus privilégios e as camadas médias foram atendidas em algumas de suas reivindicações sob o poder de negociação; os seguimentos populares alcançaram poucas ou nenhuma conquista econômica, social e cultural incluindo a educação, como sinaliza Severino (2006): Apesar de o atendimento das necessidades do povo fazer parte explícita do discurso político oficial, como se fosse o objetivo primordial das políticas públicas, na realidade, no tecido socioeconômico, não ocorreram mudanças significativas, nem quanto à quantidade nem quanto à qualidade. é o que mostram a injusta distribuição não só da renda como também dos bens culturais e os índices da desigualdade social, que permanecem até hoje (SEVERINO, 2006, p.300). As novas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM)6 retoma a reflexão sobre o aprendizado de LE numa sociedade globalizada, discussão já trazidas pelos PCNs (1998). Esse documento (OCEM) propõe o letramento crítico como suporte teórico para inclusão social, por acreditar que a transformação social pode ser operada a partir de um ensino que desperte a consciência crítica para diferentes visões de mundo expressas na e pela linguagem. Mas especificamente, o documento de Orientação dedicado ao conhecimento de espanhol traz “que a função maior da língua estrangeira no contexto escolar é de contribuir para a formação do cotidiano” (OCEM, 2006, p. 164), considerando ainda “o papel educativo 6 As Orientações Curriculares para o Ensino Médio foram elaboradas a partir de ampla discussão com as equipes técnicas dos Sistemas Estaduais de Educação, professores e alunos da rede pública e representantes da comunidade acadêmica. O objetivo deste material é contribuir para o diálogo entre professor e escola sobre a prática docente. (ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO ; VOLUME 1, 2006, p.05) 50 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO que pode ou deve ter o ensino de línguas, em especial do Espanhol, na formação do estudante, naquilo que este lhe proporciona em termos de inclusão social e étnica, na constituição de sua cidadania” (OCEM, 2006, p. 129). Por outro lado, o OCEM, sobre o Conhecimento de Espanhol, deixa brechas para uma formação mecanicista quando afirma que “o foco do ensino não pode estar, ao menos de modo exclusivo e predominante, na preparação para o trabalho ou para a superação de provas seletivas para o vestibular” (OCEM, 2006, p. 147). Infelizmente podemos afirmar que esta é basicamente a realidade com a qual nos deparamos no cotidiano escolar nas práticas de ensino/aprendizagem de uma LE, uma característica tradicionalista arraigada às práticas do Sistema de Ensino que comparo aqui à força de conformação social que segundo Severino, é uma tendência da Educação: Pela sua própria natureza, a educação tende a atuar como força de conformação social, mas precisa atuar também como força de transformação social. A conformação nasce da necessidade de conservação da memória cultural da espécie, força centrípeta, apelo da imanência, enquanto que a transformação, força centrífuga, apelo da transcendência, busca um avanço, a criação do novo, gerando elementos que respondam pela criação de nova cultura. (SEVERINO, 2006, p. 307) O direito ao pluriculturalismo e ao multilinguismo, abordados nos objetivos dos PCN’s, é garantido pelos Artigos 215 e 216 da nossa Constituição Federal. Assim, a Lei 11.161/2005 surge para romper a memória de não especificidade da língua estrangeira, que até então prevalecia na legislação, abrindo espaço para a promoção do direito real ao plutriculturalismo e ao multilinguismo, suscitando uma série de debates entre os docentes de espanhol, atuantes nos diversos níveis de ensino, não apenas colocando-se contra ou a favor da lei, mas também discutindo as reais condições para a implantação desta e a estrutura dos cursos de formação de professores de espanhol como língua estrangeira. Em sua fala, durante a entrevista, Carmen fez questão de desabafar sua insatisfação e angustia sobre a condução da implantação e validação da Lei 1.161/2005 nas escolas: Olha!, eu fico muito preocupada com o futuro da profissão porque a gente sabe que tem uma Lei que foi aprovada em 2005 que até hoje não se cumpriu, essa lei tem um prazo de cumprimento que eram 5 anos, então teoricamente ele terminaria em 51 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO 2010, agente já está em 2013 e não sabe de nenhuma escola estadual na Bahia que exista professor de espanhol, quer dizer, deve existir, uma ou duas entre mil que tenha...; a gente viu um concurso estadual onde os profissionais não foram convocados... (CARMEN) Um dos problemas apontados para a falta de implementação e eficácia dessa Lei e do processo de ensino/aprendizagem de ELE esconde-se na ausência de professores com formação específica qualificada, pois ainda é pequena a oferta de cursos de formação de professores de espanhol e, em sua maioria, por se tratar de curso de dupla habilitação uma grande parcela dos graduandos acabam identificando-se mais com o ensino da Língua Portuguesa não sentindo-se seguro ou disposto para lecionar a Língua Espanhola. No contexto atual em que estamos submersos, a compreensão do mundo globalizado leva-nos a uma visão de professor de língua estrangeira imbuído do espírito de transformação das estruturas, um movimento de ultrapassagem e ampliação do universo de relações de conhecimentos, uma prática de ensino/aprendizagem crítico- reflexiva que vai além da mecanização de inserção das classes populares no mercado de trabalho. 2.2 Perspectivas e possibilidades para a formação de professores de Espanhol como Língua Estrangeira Nos anos 30, quando da organização da primeira Universidade no Brasil, o que se esperava da formação de um estudante do curso de Letras era a “alta cultura”, o procedimento de formação para o docência ficava, portanto, delegado à Faculdade de Pedagogia. Contudo, com as mudanças vividas no sistema capitalista, que organiza os poderes do mundo de hoje, essa relação educação/trabalho passa a ter outros contornos nos cursos de Letras. As constantes reformas curriculares começam a incorporar disciplinas de formação profissional nesses cursos, exigidas pela ideia de trabalho qualificado. Nesse contexto, analisando as metas determinadas pelas políticas públicas para a formação de professores de língua estrangeira no Brasil: “[...] preparar o jovem para a sociedade da informação e da globalização”, como afirma Nóvoa (1999, p.2), parece notória a “incumbência” do professor em adaptar-se à nova realidade educacional, às novas concepções 52 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO que se delineiam mediante as exigências do mercado de trabalho, levando-o a ter que revisitar sua prática e investir na sua formação profissional. Atualmente, muitos cursos de licenciatura em Letras com Língua Estrangeira ignoram ou não valorizam a relevância da articulação entre o tal conteúdo e a atividade a ser realizada em situação de trabalho. Na formação de professores de língua se desconsidera a multiplicidade de olhares teóricos, reduzindo a questão do ensino da língua ao domínio de um trabalho procedimental: ensinar espanhol reduz-se a conhecer e saber reproduzir determinados procedimentos pedagógicos, sem que seus fundamentos teóricos de sustentação sejam trazidos como questões que merecem discussão entre profissionais. No âmbito dos cursos de licenciatura em Língua Espanhola, é frequente colocar o foco quase que exclusivamente na relação entre o que o estudante aprende na licenciatura e o currículo que ensinará no ensino básico. Mas, é preciso ir adiante, saber como hoje os licenciados de ELE aprendem a ser professores dessa língua e chegam a ser profissionais, na busca de encontrar caminhos adequados aos anseios da sociedade. Além disso, Oliveira (2009, p.29) é categórico em afirmar que: “a grande maioria dos professores de línguas estrangeiras nas escolas públicas no Brasil falam muito pouco ou não falam a língua estrangeira que lecionam”, acrescentando que “os cursos superiores responsáveis pela formação de professores de LE não estão cumprindo seu papel satisfatoriamente”. Tanto é assim, que é bastante comum ouvir de graduandos desses cursos que não se sentem seguros para ensinar a língua estrangeira que estudam. A identidade pessoal do indivíduo se constrói ao longo da existência humana, na relação com os outros e com o meio sociocultural, da mesma forma, a identidade profissional, não há um marco zero neste processo. Sua construção, garante Pimenta (2004), está condicionada socialmente, dependendo de espaços de formação ou de emprego para se estruturar. Logo, as transformações ocorridas no contexto educacional têm feito crescer a demanda por métodos coerentes com as necessidades a serem enfrentadas, e formação profissional adequada aos objetivos a serem alcançados. Considero que um dos momentos mais importantes na trajetória do professor de ELE encontra-se na saída do sistema escolar e na entrada e confrontação no mercado de trabalho. A entrada numa instituição formal de ensino constitui-se em ato significativo para a 53 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO identidade do profissional. É lá que se vai constituir uma projeção da teoria para a prática em um contexto real. A escola é uma instituição organizada com saberes a aprender, seleções e avaliações a estabelecer. Decorre daí a busca de identificação com um grupo de referência; a imitação7 de mestres/professores da sua formação inicial e/ou de sua trajetória escolar; a imagem de si; projeções para o futuro profissional; a apreciação de suas próprias capacidades, realizações de desejos, frustrações, crenças, valores, etc. Schön (1983) denominou esse repertório de crenças, pressupostos, valores, conhecimentos e experiências de "sistemas apreciativos", salientando que é por meio deles que o professor estrutura seu trabalho de sala de aula, uma vez que ele precisa compreender suas próprias crenças, sentidos a percepção de mundo para só então entender e dirigir suas práticas educacionais. Moraes e Amarante (1989) destacam três aspectos esperados pelo mercado de trabalho para o perfil de um profissional de línguas: a) desempenho linguístico, especialmente no tocante desempenho oral; b) desempenho didático pedagógico, ou seja, capacidade de tomar decisões de caráter programático e metodológico; c) desempenho interpessoal, que exige criatividade, dinâmica, perspicácia, paciência, dentre outros aspectos. Um perfil bem diferente da realidade encontrada na maioria dos graduandos e/ou graduados que irão enfrentar o mercado de trabalho. Percebendo o importante papel transformador que o professor exerce como agente histórico e social, é inegável ressaltar que seu desempenho é diretamente influenciado pela sua qualificação, e pensar como essa formação tem acontecido torna-se uma discussão necessária e pertinente. No entanto, é necessário ultrapassar os limites da formação como exigências de políticas públicas. O que estudos revelam é que muitos professores participam de atividades de formação continuada como enriquecimento curricular, mas nem sempre estas contribuem para uma mudança de atitude em sua prática. Para Bourdieu: 7 Schön (1993) reconsidera a questão da imitação, tão pejorativamente vista por certos profissionais de várias áreas, acreditando que imitação é mais do que uma mímica mecânica - é uma "forma de atividade critica", pois para se imitar a hábil ação de alguém deve-se primeiramente entender o que há nela de essencial. (p. 90). 54 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO o diploma “universaliza” o trabalho porque, análogo nesse aspecto à moeda, transforma-o num “trabalhador livre” num sentido de Marx, mas cuja competência e todos os direitos correlativos são garantidos em todos os mercados (por oposição ao produto “da casa” que está acorrentado a um mercado porque todas as suas propriedades lhe vêm do cargo que ocupa). Garante uma competência de direito que podem corresponder ou não a uma competência de fato (juridicismo inerente ao certificado escolar). (BOURDIEU, 2007, p. 132) Explorar a formação como titulação é um dos caminhos seguidos por muitos profissionais. Documentos como os da Associação Nacional para a Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006 e 2008); e nas concepções de formação de professores para a Educação Básica de Brzezinski (1999(A), 1999(B), 2002 E 2008); Freitas (1999, 2002, 2003, 2006 E 2007); KUENZER (1998, 1999, 2007) e MARQUES (2003), apontam que a questão da formação de professores é vislumbrada como um dos elementos-chave nas proposições políticas governamentais referentes à qualificação do sistema educacional. Contudo, na prática, nem sempre essa qualificação tem uma atuação direta na necessária ação transformadora esperada pelo profissional da educação, nem em uma mudança significativa na estrutura das escolas e nos papeis de docentes e alunos. Durante os últimos trinta anos o campo de atuação da língua espanhola vem gradativamente expandindo-se, ganhando espaço no Ensino Fundamental e Médio, em escolas pública e privada. Após a promulgação da Lei 11.161/2005, há um expressivo aumento no campo de trabalho e um crescimento significativo de cursos de graduação em PortuguêsEspanhol para atender a demanda. Contudo, essa rápida expansão, sem uma infraestrutura prévia, configura-se como mais um elemento complicador do processo. Ainda sobre o crescimento da oferta do espanhol no ensino básico e sobre a falta de formação específica para essa área Fernández (2008) atenta para o fato de que: A lei educacional (LDB) não prevê cursos específicos de formação, no nível de graduação, de professores de LE para esse público, mas o mercado de trabalho passou a exigi-los. Constata-se, então, que temos uma demanda real e cada vez maior e nem os cursos de graduação se prepararam para enfrentá-la, nem o texto legal a incorporou. (FERNÁNDEZ, 2008, p. 277) 55 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO Nesse processo de reordenação de algumas estruturas e propostas no cenário educacional, no período dos anos 80 e 90, toma importância o papel do professor reflexivo, que pesquisa em sua própria sala de aula. O professor, segundo essa visão, assume-se como sujeito político, capaz de discutir a realidade histórico-social em que se insere como trabalhador, a partir de sua prática docente, sendo apto, nesse contexto, a atingir os objetivos propostos pelas novas configurações. Benassuly (2002) destaca a figura do professor reflexivo nesse cenário: Falar dos professores como educadores reflexivos é proporcionar-lhes elementos por meio dos quais possam romper com as ideologias tecnocráticas e instrumentais que, na maioria das vezes, perpassam sua prática cotidiana. É colocá-los no patamar de sujeitos políticos, capazes de refletir as mediações que estão postas no espaço dos seus mundos vividos e no espaço social, onde as interações se constituem em uma rede de intersubjetividades, mediadas pela linguagem, e onde os saberes são gestados a partir de suas próprias positividades. (BENASSULY, 2002, p. 190) Não se compreende, assim, o professor meramente cumpridor de ordens sobrevindas de instâncias superiores, sem autonomia para desenvolver suas ações. Está clara a necessidade nas salas de aula, de professores que transformem esse espaço em um ambiente de "reflexão" de sua própria prática, "dessa forma, esse professor passa a ser um pesquisador da sua ação docente, vendo seus alunos como sujeitos do processo de construção de novos conhecimentos” (STURM, 2008, p. 341) e passa a entender que a pesquisa se desenvolve também em outros espaços que não apenas os universitários. Para tanto, a universidade deve ser o lócus das discussões sobre a formação de professores de LE e a necessidade da escola (res)significar sua prática. Em concordância com Gramsci (1978) defendemos que as academias deverão se tornar a organização cultural de sistematização, expansão e criação intelectual. Ainda segundo o teórico, cabem às Universidades: a tarefa humana de educar os cérebros para pensar de modo claro, seguro e pessoal, libertado-o das névoas e do caos nos quais uma cultura inorgânica, pretensiosa e confusionista ameaçava submergi-lo, graças a leituras mal absorvidas, conferências mais brilhantes do que sólidas, conversações e discussões sem conteúdo [...]. (GRAMSCI, 1978, p.145) 56 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO Contudo, desafortunadamente, os vários estudos nesta área têm constatado que a formação de professores de línguas tem sido feita com base no modelo tradicional de ensino, no qual se privilegia a teoria em detrimento da prática, onde o professor é considerado um mero reprodutor de conteúdos, entretanto, temos aqui uma questão complexa que optaremos por tentar encontrar algumas sinalizações a esse respeito nas falas dos professores entrevistados. Nesse contexto, os professores colaboradores com a pesquisa, ao serem questionados sobre o espaço para a reflexão sobre a formação enquanto professor de ELE, sinalizaram em suas entrevistas a ausência desse espaço para reflexão, como podemos observar na fala de Laura, que é amplamente ratificada com a exposição de Anita: Existia entre nós alunos mesmos. Isso no geralzão, né. É claro que sempre existia uns (professores) que conversavam a respeito, né, a gente não pode também generalizar. Mas a maioria não falava não. (LAURA) a reflexão existia entre os colegas. Quando você fala em haver espaço para essa reflexão, significa que o professor chamou para essa reflexão, e não houve esse chamado por parte de nenhum professor. Eu não me lembro.... não me lembro. A reflexão existia entre nós, um grupo restrito que se reunia sempre, que estudava junto e que criticávamos muito a forma como se apresentava o curso, as carências, as lacunas que o curso estava deixando. (ANITA) Em contrapartida, o professor Pablo acredita existir espaço para essa reflexão, porém tem consciência que a mesma não é sistemática e acontece aleatoriamente. Concordando com as mesmas ideias de Pablo, o professor Ramón acrescenta em sua fala que: Então não adianta discutir a teoria se a sua metodologia e a sua prática reflete o contrário disso. Então, que tipo de consciência, de formação adequada você vai dar? Ele vai reproduzir todo o discurso que é muito mais fácil do que você tentar ser inovador, porque vai demandar de novas práticas. Sobre isso ai o curso refletia, mas não fazia nada para melhorar. (RAMÓN) Faz-se necessário, que em todos os momentos do curso, os professores formadores ofereçam espaço para essa reflexão sobre a formação enquanto professor de ELE, pois os momentos de debate, discussão e reflexão são essenciais na formação da identidade docente. 57 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO Com o propósito de contribuir com a melhoria do processo ensino aprendizagem de línguas, foi publicado, em 09/07/2011, o Parecer do Conselho Nacional de Educação/Câmara Superior de Educação (CNE/CES) 0492/2001, que estabelece as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Letras. Está claro neste parecer que, durante sua formação acadêmica, o graduado em Letras, tanto em língua materna quanto em língua estrangeira clássica ou moderna, nas modalidades de bacharelado e de licenciatura, deverá ser identificado por múltiplas competências e habilidades: Nesse sentido, visando à formação de profissionais que demandem o domínio da língua estudada e suas culturas para atuar como professores, pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos, roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades, o curso de Letras deve contribuir para o desenvolvimento das seguintes competências e habilidades: · domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira, nas suas manifestações oral e escrita, em termos de recepção e produção de textos; · reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico, educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico; · visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações linguísticas e literárias, que fundamentam sua formação profissional; · preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado de trabalho; · percepção de diferentes contextos interculturais; · utilização dos recursos da informática; · domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e aprendizagem no ensino fundamental e médio; · domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino. O resultado do processo de aprendizagem deverá ser a formação de profissional que, além da base específica consolidada, esteja apto a atuar, interdisciplinarmente, em áreas afins. (BRASIL, 2001, p.30) Entretanto, a formação de professores, em sua maioria, continua sendo feita no padrão tradicional em grande parte das Instituições de Ensino Superior. Em um sentido mais restrito, nos cursos de Letras com Língua Estrangeira - Espanhol, por exemplo, não é raro observar seus egressos despreparados para ensinar a Língua Alvo. Como relata Pablo sobre sua opção em não atuar em curso de idiomas por não se sentir apto, em especial na habilidade da fala: Inclusive eu nunca trabalhei em cursos de idioma, embora eu já tenha sido convidado algumas vezes, já me senti seduzido algumas vezes, mas nunca havia me sentido apto para tal. Talvez por entender que o professor de idiomas, de curso de idioma, melhor dizendo, deve dominar a língua em sua completude. Eu imaginava 58 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO assim, e não me sentia preparado dessa maneira, um conhecedor profundo de língua espanhola. Hoje eu entendo que isso acaba se colocando um tanto utópico. (PABLO) Paiva (2004) também concorda com essa ideia de precariedade nos cursos de formação de professores de línguas quando afirma que: Durante o período em que estive na presidência da Comissão de Especialistas de Ensino de Letras [...] fiz várias vistas a instituições particulares e examinei inúmeros processos, o que me habilita a dizer que a situação da formação do professor em nossa área é muito precárias [...]. os projetos pedagógicos são ainda muito tradicionais e a maioria apresenta ementas e bibliografias defasadas. (PAIVA, 2004, p. 193) Nesse contexto, em alguns momentos, há um reconhecimento de que não está nas mãos do professor – neste caso específico o docente formador de professores de ELE – o total controle sobre seu trabalho, há questões que ultrapassam seus limites e possibilidades de atuar: Há dificuldades geradas ou ampliadas em função do próprio corpo docente da instituição, que nem sempre possui a competência desejável ou as condições necessárias para o desenvolvimento de um trabalho de melhor qualidade, ou, inclusive, não assume a sua parcela de responsabilidade. Há, igualmente, questões ligadas à própria instituição que não assume compromissos efetivos com a formação geral e específica do aluno (não investe como seria adequado na qualificação dos docentes, organiza grupos numerosos, atribui baixa carga horária aos cursos, há a falta de infra-estrutura etc., etc., etc.). (FERNÁNDEZ, 2008, p. 278) Busca-se a necessária formação de uma professor de ELE que saberá contribuir para o despertar crítico de seus alunos, usando a LE como instrumento transformador do contexto social em que vive; uma educação contra-ideológica que ofereça ao cidadão as ferramentas do conhecimento que podem dar sentido às práticas mediadoras de sua existência real. (SEVERINO, 2006). Esse importante papel de formação política e contra ideológica passa fundamentalmente pela atuação do professor que, conforme Leffa (2005) e Moita Lopes (2003), têm um importante papel político nas escolas, à medida que são mediadores do 59 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO processo de construção de sentidos pelos alunos e do questionamento desses discursos hegemônicos. 60 2 PELAS RUAS MARCHANDO, INDECISOS CORDÕES: A SEARA DO ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO Pablo Picasso 61 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS O curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola da UEFS tem seus aspectos legais fundamentados na Lei de Diretrizes e Bases de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece a formação mínima do docente para a educação básica em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena. Os principais objetivos do curso são: a) formar profissionais capazes de atuar no ensino fundamental e médio nas áreas de Língua Portuguesa e respectivas literaturas e de Língua Espanhola e respectivas literaturas; b) formar profissionais capazes de atuar no magistério superior, na área de Letras; c) formar profissionais capazes de atuar em instituições de pesquisas. Assim, em consonância com os objetivos listados, a formação básica do graduado no curso de Letras com Espanhol da UEFS é o magistério, porém ele deve estar apto para atuar, também, em instituições de nível superior, em empresas jornalísticas, em agência de publicidade, em agência de turismo, e editoras. Para tanto, a instituição precisa ter institucionalizada uma proposta curricular que busca viabilizar o desenvolvimento de tais objetivos. Neste capítulo, externaremos nossa compreensão sobre a importância do currículo em todas as áreas do conhecimento, pois é nele que se deposita grande parte da confiança, expectativa e responsabilidade para a aquisição dos conhecimentos, competências e habilidades que requer toda a sociedade; em seguida faremos uma breve apresentação da proposta curricular do curso de Letras com Espanhol da UEFS. Acreditamos que esse capítulo pode ser importante para nos balizar em um melhor entendimento das falas dos professores entrevistados sobre sua trajetória de formação. 3.1 O currículo e sua identidade para os cursos de formação 62 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS Tão familiar ao cotidiano, no mais amplo sentido da extensão, o currículo, segundo Popkewitz e Bernnan (2000), criado socialmente em meio a determinadas crises sociais, econômicas e culturais, foi continuamente recriado por grupos sociais em diferentes momentos históricos dentro das comunidades acadêmicas. Ainda nos dias atuais, o currículo continua sendo identificado, com o "plano de estudo". Neste caso, o currículo significa pouco mais do que o elenco e a sequência de matérias propostas para um dado ciclo de estudos. Em termos práticos, como escreve Ribeiro (1989), o plano curricular concretiza-se na atribuição de tempos letivos semanais a cada uma das disciplinas que o integram, de acordo com o seu peso relativo no conjunto dessas matérias e nos vários anos de escolaridade que tal plano pode contemplar. Este conceito de currículo, muito próximo do conceito de programa, evoluiu para um conceito mais amplo que privilegia o contexto escolar e todos os fatores que nele interfere. Mas o currículo não é apenas planificação, ele também é a prática em que se estabelece o diálogo entre os agentes sociais, os técnicos, as famílias, os professores e os alunos. O currículo é determinado pelo contexto, e nele adquire diferentes sentidos conforme os diversos protagonistas. Para Sacristán (2000): O currículo faz referencia à interação e ao intercâmbio entre professores e alunos expressando- se em práticas de ensino-aprendizagem sob enfoques metodológicos muito diversos, através de tarefas acadêmicas determinadas, configurando de uma forma concreta o posto de trabalho do professor e o de aprendiz dos alunos. (SACRISTÁN, 2000, p. 26). Muitos caminhos foram percorridos na proporção em que ia se institucionalizando o currículo. Procurando um ponto de equilíbrio as teorias curriculares transitaram do tecnicismo mais ingênuo aos desenvolvimentos teóricos mais avançados na tentativa se convergirem harmoniosamente a teoria, escrita a priori, com as exigências da prática. As teorias curriculares diferenciam-se pela importância que atribuem a conceitos como aprendizagem, conhecimento, dimensão humana, cultura ou sociedade. É através da teoria que teremos a compreensão do objeto e intenções de um determinado grupo social. Temos como teorias do currículo: 63 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS Teorias curriculares não-críticas, que tem uma visão de pedagogia tradicional e tecnicista do currículo onde este deve ser neutro e seu foco está voltado em ter uma escola que funcione como uma fábrica, baseada nos princípios de Taylor, esse que igualava o sistema educacional ao modelo organizacional e administrativo das empresas. O professor é o centro desse processo e deve ser respeitado com regras e disciplina rígida. A escola transmite conhecimentos acumulados ao longo da história como verdade absoluta e os alunos devem se enquadrar para poder atuar na sociedade, assim o aluno é um ser submisso, preso ao aprender e fazer. Teorias curriculares críticas. As primeiras críticas a pedagogia tradicional surge em meados dos anos 60 com os movimentos sociais e culturais que questiona a desigualdade. A visão crítica quebra o saber capitalista como um código indecifrável, no qual só a elite burguesa tinha acesso e daí pra baixo apenas seguiam-se regras. Nessa proposta, o currículo deve funcionar para seus alunos como instrumento de emancipação e libertação, ou seja, o currículo deve ser percebido como um campo que prega a liberdade e um espaço cultural e social de lutas. Autores como Freire (1996), Saviani (1983), Libâneo (2004), Apple (1979), Bourdieu e Passeron (1982), trabalham com essa teoria. Teorias curriculares pós-crítica, na qual o currículo é uma linguagem de significados, imagens, falas que revelam histórias esquecidas, vozes silenciadas, códigos distintos. Surgida no século XXI, essa teoria critica a desvalorização do desenvolvimento cultural e histórico de alguns grupos étnicos e os conceitos da modernidade, como razão e ciência, direcionando suas bases para um currículo no qual se vincula conhecimento, identidade e poder, com temas como gênero, raça, etnia, sexualidade, subjetividade, multiculturalismo, entre outros. Outra perspectiva desse currículo é a fundamentação no pós-estruturalismo que acredita que o conhecimento é algo incerto e indeterminado. No Brasil, o inicio deste campo de estudo data da década de 70 e desde então presenciamos sucessivos deslocamentos com respeito às explicações e possibilidades de intervenção curricular. Criticando o excessivo textualismo e abstracionismo das elaborações teóricas pósmodernas e pós-estruturalistas, Michael Apple e Dennis Carlson (2000) continuam defendendo uma política de redistribuição e de reconhecimento. Para esses curriculogistas, 64 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS inspirados nas posições gramscianas, as perspectivas pós-modernas e pós-estruturalistas acabam por cultivar dualidades entre o velho e o novo, o que dificultam perceber a ideia de continuidade ou até mesmo de descontinuidade no interior dessas categorias. Conforme afirma Macedo (2013), o que nos parece significativo nessas tensões é percebermos que, mais do que nunca, o currículo deve ser desconfigurado, rasurado, uma vez que os novos cenários, atores/autores curriculares já não correspondem às formas convencionais de implementar o aprendizado e a formação. Constituído no dia a dia da vida social e nas decisões tomadas pelas comunidades acadêmicas (estudantes, professores, família, políticos, empresários, especialistas), o currículo está imerso em um espaço de negociação e conflito social. Nessa perspectiva, para Bourdieu (2007), o currículo escolar se constitui um campo de força. Contribuindo com esse debate, para Silva (1996), (...) o currículo não é elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e particulares (SILVA, 1996, p. 83) Instalam-se aqui os visíveis polos de tensão entre a vida interna da instituição e as exigências que vêm da sociedade (nova produção de conhecimento, demandas da empresa, políticas nacionais e internacionais); as produções de conhecimento e seus processos de transmissão; autonomia da instituição formativa e as fontes de financiamento; dentre outras dicotomias que por vezes travam o andamento do processo ensino/aprendizagem. As teorias educativas e curriculares mais modernas evidenciam no currículo a necessidade de problematizar suas matérias, conteúdos, códigos e contextos, imprimindo uma relação direta com a produção de identidades. Nessa perspectiva, o currículo de um curso de formação de uma Língua Estrangeira deve abordar a Língua-alvo não somente em seu valor instrumental, mas especialmente em seu valor educativo e integrador, visando o desenvolvimento social e cultural. De maneira ampla, o currículo de um curso de formação de professores de uma LE precisa ser gerador ou facilitador de construções de sentidos, de experiências de vida, permitindo aos seus discente/futuros profissionais atuarem sobre seu entorno e sobre si mesmo. 65 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS 3.2 O Curso de Letra com Espanhol da UEFS e sua proposta curricular O projeto de implantação da Licenciatura em Letras com Língua Espanhola, elaborado por uma comissão de três professores mestres e especialistas com formação em Língua Espanhola, foi apresentado para avaliação e aprovação no ano de 1998, alterado pelo Colegiado de Letras e Artes no ano de 1999 e renovado em 2006. Dentre as justificativas para a implantação do curso na UEFS, está a expansão do idioma no cenário mundial, com destaque para o advento do MERCOSUL, fator preponderante para o Brasil ter um crescente interesse em saber espanhol. No projeto relata-se, como cenário que favorece a necessária implantação do curso na UEFS, a implantação de espanhol nos cursos de idioma, onde predomina o ensino da Língua Inglesa; também mencionam a Nova LDB 9.394/96, que obriga as escolas da rede particular e pública a oferecer uma segunda língua a partir da primeira série do Ensino Médio, de acordo com a disponibilidade da instituição; e já em seu projeto de renovação, de 2006, menciona também a Lei 11.161/2005, que decreta em seu Art. 1º que o ensino da língua espanhola deve ser de oferta obrigatória pela escola; encerrando a justificativa com o fato de na ocasião o curso de formação em Língua Espanhola, na Bahia, só ser ofertado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, e pela Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus. O corpo do projeto não menciona nenhuma lei nem normativas que regulamentam a educação superior brasileira nem a formação de professores, nem tampouco leis que regem as normas para a constituição e o funcionamento dos cursos superiores no Brasil. Menciona-se apenas, na justificativa do projeto, a LDB 9.394/96 como responsável pela normatização do ensino da Língua Estrangeira nas escolas do Ensino Fundamental e Médio. Segundo o Projeto curricular em vigor, o currículo do curso foi elaborado tendo em vista a formação do professor com dupla habilitação: Língua Portuguesa e Língua Espanhola, apto a atuar em escolas de Ensino Fundamental e Médio, bem como em Instituições Universitárias. A proposta menciona ainda a necessidade cada vez maior de dar ao discente uma visão de pesquisador. 66 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS Tendo em vista a formação do professor com uma dupla habilitação, para a elaboração do currículo, o projeto especifica alguns aspectos relevantes, tais como: necessidade de uma sólida formação em áreas básicas como Língua Portuguesa, Língua Espanhola e suas respectivas literaturas; Sequência evolutiva do conteúdo; disciplinas de formação pedagógica em uma sequência ininterrupta, iniciando somente após o aluno adquirir um conhecimento “do que ensinar” e culminando com a prática de ensino “como ensinar”; Distribuição das disciplinas optativas em dois semestres; 200h de atividade complementares extra-sala, obrigatórias; Apresentação, ao final do curso, de uma Monografia aplicada ao Ensino, possibilitando a abertura à especialização e ao campo das pesquisas. Sobre o item componentes curriculares do curso, o projeto define a duração do curso em um máximo de 12 e o mínimo de 08 semestres, com oferta de 20 vagas a cada semestre letivo. A carga horária e a distribuição das disciplinas nos falam um pouco mais sobre a realidade que forma o conjunto do ensino de ELE durante o Curso, em especial quando nos recordamos que o mesmo é um curso de dupla habilitação, ou seja, forma o graduado para atuar com a Língua Portuguesa e a Língua Espanhola e suas respectivas literaturas. Desde sua implantação até o momento a distribuição da carga horária total do curso já passou por três reformas. Em seu primeiro projeto de implantação, 1998, o curso apresentava a proposta de 3.200 horas/aulas. No ano seguinte, com uma nova proposta, aprovada pela Resolução CONSUPE 96/99, a carga horária do curso passa a ser de 3.050 horas/aula. Com vistas à renovação do reconhecimento do curso, conforme requerimento do Conselho Estadual de Educação, segundo a Resolução CEE/BA 01/2001, em 2006 foi elaborado o projeto de renovação da Licenciatura, a qual está em vigor atualmente. De acordo com a Resolução CNE/CES Nº. 18, de 2002 que institui Diretrizes Curriculares para os Cursos de Letras o curso em questão foi reorganizado para ser integralizado com a carga horária de 3.080, em oferta semestral. A carga horária do Curso foi distribuída conforme quadro a seguir: ATIVIDADE Disciplinas Básicas Disciplinas Profissionalizantes CARGA HORÁRIA 300 h 1.575 h 67 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS Disciplinas de Cunho Humanístico Disciplinas Pedagógicas Disciplinas Complementares Optativas Atividades Complementares1 TOTAL 135 h 690 h 180 h 200 h 3.080 h QUADRO 1: Carga horária do curso de Letras com Espanhol da UEFS No total de 116 disciplinas 88 são comuns a todos os cursos de Letras; e 28 disciplinas (incluindo as disciplinas básicas, pedagógicas, de cunho humanístico e as optativas) específicas do curso de espanhol. Nessa nova proposta, a Atividade Complementar é acrescida de 30 horas em sua carga horária, saltando de 170 horas para 200 horas durante o curso. Após a referência da carga horária total do curso, e com base na grade curricular (semestre 2013.01), somamos a carga horária das disciplinas específicas ligadas ao ensino/aprendizagem da Língua Espanhola e verificamos que para estas estão destinadas um total de 915 horas, o que corresponde a um pouco mais de 29% da carga horária total do curso, como podemos conferir no quadro que segue: CÓDIGO DISCIPLINA LET 187 LET 188 LET 189 LET 190 LET 361 LET 191 LET 801 LET 811 LET 192 LET 802 LET 812 LET 803 EDU 255 EDU 256 Estudo da Língua Espanhola I Estudo da Língua Espanhola II Estudo da Língua Espanhola III Estudo da Língua Espanhola IV Civilização Hispânica Estudo da Língua Espanhola V Literatura Espanhola I Literatura Hispâno Americana I Estudo da Língua Espanhola IV Literatura Espanhola II Literatura Hispâno Americana II Literatura Espanhola III Metodologia do Ensino da Língua Espanhola Estágio supervisionado em Língua Espanhola CARGA PERÍODO/ HORÁRIA SEMESTRE 75 1º 75 2º 75 3º 75 4º 45 4º 75 5º 60 5º 45 5º 75 6º 60 6º 45 6º 60 7º 75 7º 105 8º QUADRO 2: Carga horária de disciplinas específicas para a habilitação em Língua Espanhola 1 Entende-se como atividade complementar a participação do aluno em eventos tais como congresso, seminário, encontros acadêmicos, mini-cursos, palestras, simpósios, oficinas e atividades de pesquisa e extensão, bem como monitorias. 68 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS Não foram contabilizadas, nesse quadro, disciplinas optativas, pois estas não mantém uma constância em sua oferta, nem a garantia de sua escolha pelo graduando. Soma-se um total de 420 horas paras as disciplinas de linguística e gramática e da Língua Espanhola; 315 horas para as disciplinas voltadas para a Literatura Espanhola e Hispano-americana; e 180 horas dedicados às disciplinas práticas de Metodologia e Estágio Supervisionado em Língua Espanhola. Percebe-se com a análise desses dados, que há uma instrumentalização do discente na área da linguística e gramática da língua espanhol em detrimento da cultura e da literatura, o que fatalmente fragmenta a formação do professor de ELE e pode gerar problemas quando o "futuro" professor se deparar com a realidade da sala de aula, pois o professor de ELE é, antes de tudo, um professor de Linguagens e, sim, terá de abordar tanto os aspectos linguísticos e formais da língua, quanto sua dimensão literária e cultural. Comentando os novos rumos apontados pela LDB 9.394/96 e explicitados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Faria (1999) afirma que: [...]a literatura pode [a partir da nova legislação e dos Parâmetros Curriculares Nacionais] ocupar um lugar primordial na formação escolar. É necessário, porém, que seu estudo não se feche unicamente na literatura erudita, mas se abra, sem preconceitos elitistas, para outras manifestações literárias, como a literatura para crianças e jovens[...]. (FARIA, 1999, p. 9) É salutar ressaltar aqui que não basta à literatura figurar nos currículos apenas em termos quantitativos, ela precisa ser algo vivo e no dia-a-dia das escolas e universidades, ou seja, é importante que haja espaço para a cultura e literatura da Língua-alvo nas aulas, nos projetos, nos murais, nos intervalos de aulas, envolvendo a comunidade interna e externa. Enfim, a cultura e a literatura precisam ser um contexto e não o pretexto para o ensino/aprendizagem de uma língua tanto dentro das escolas básicas quanto nos ambientes universitários. Outra questão que chama atenção é o fato de as disciplinas de Metodologia e Estágio Supervisionado em Língua Espanhola, que integra o núcleo das disciplinas pedagógicas, se concentram nos dois últimos semestres do curso. Esta questão é amplamente questionada e reivindicada entre os professores colaboradores que em sua totalidade abordam sua 69 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS ineficiência na estruturação e distribuição durante o curso, sugerindo uma revisão e reestruturação do mesmo, uma vez que vai de encontro à Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior, e em seus Artigo 1º resolve que da carga horária mínimo do curso – 2800 (duas mil e oitocentas) horas – devem ser destinadas 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso e 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado ofertadas a partir do início da segunda metade do curso. Em razão da importância e das repercussões da estrutura curricular no processo de formação, resulta fundamental posicionar-se diante da qualidade do curso de licenciatura e especialmente a formação de professor de ELE, no centro do debate. Nessa perspectiva, nos próximos capítulos, abordaremos o processo de formação de professores de ELE que vivenciaram esse currículo, suas perspectivas, os discursos e práticas que compõem sua trajetória. 70 3 AINDA FAZEM DA FLOR SEU MAIS FORTE REFRÃO: A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO E A MICRO REALIDADE DO CURSO DE LETRAS COM ESPANHOL DA UEFS Pablo Picasso 71 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Neste capítulo, à luz de reflexões teóricas e a partir dos relatos obtidos durante as entrevistas e questionários, abordaremos a interface na trajetória de formação durante a graduação no curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola, tentando aprofundar os olhares nos diferentes desafios encontrados pelos estudantes de língua espanhola, identificando como se dá a formação de professores de ELE na Licenciatura. Durante a pesquisa tive perguntas a responder e objetivos a alcançar, e ao buscar respondê-las e compreendê-las, importantes constatações foram consolidando-se. Para melhor explicação, dividimos os dados coletados em alguns eixos temáticos que surgiram na ocasião da leitura e análise dos dados: a escolha pelo curso de formação inicial e suas implicações no caminho traçados e vividos por esses sujeitos; o perfil profissional, as perspectivas do curso e as reflexões sobre a formação; competências e habilidades necessárias a um graduado em ELE. 4.1 Rabiscando e traçando caminhos: a escolha profissional A escolha profissional é uma decisão muito importante na vida dos indivíduos, pois dela depende seu projeto de vida. Mas, nem sempre, na história da humanidade, durante a escolha de uma profissão manteve-se esta configuração de liberdade de escolha. Historicamente, a opção por uma profissão ou ocupação no mercado de trabalho passou por inúmeros processos e transformações refletidos diretamente pelo momento histórico de cada época. Os ancestrais da humanidade organizavam-se como atividade de coleta e mais tarde de caça. Havia poucas diferenciações de função, apenas aquelas determinadas pelo sexo, 72 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA originada consequentemente pela especificidade orgânica na reprodução da espécie. Justificado pelo seu vigor físico e agilidade na locomoção, a caça era atribuição dos homens; às mulheres era definido a função da agricultura e da criação dos filhos. Infere-se dai, que nesse contexto, não havia a possibilidade nem a necessidade de grandes escolhas no que se refere ao desempenho das funções. Na Grécia Antiga, o trabalho era a atividade dos homens não livres que tinham a função de produzir a existência material. Neffa (1999, p. 130) destaca que: Para os grandes filósofos Gregos, e especificamente para Platão e Aristóteles, o trabalho era uma atividade exclusivamente física, que se reduzia ao esforço que deveriam fazer as pessoas para assegurar seu sustento, satisfazer suas necessidades vitais e reproduzir sua força de trabalho (circunscrita a sua dimensão meramente física). (NEFFA,1999, p. 130) Ser escravo, artesão, camponês, cidadão ou trabalhador manual, nessa época, independia de qualquer tipo de escolha, pois estava atrelada à condição de classe da família dos indivíduos ou de acordo com as vitórias ou derrotas nas guerras. Avançando na história, durante a Idade Média, especificamente no feudalismo, repetese o mesmo fenômeno com a estratificação da sociedade em camadas sociais: nobres, clérigos, senhores e vassalos. A produção visa o sustento das pessoas e não tem em foco o mercado que nesse tempo apenas começa a se desenvolver. Também nesse estágio de desenvolvimento social da humanidade, ainda não é possível falar em escolha de profissão por parte dos sujeitos. A estrutura social está cristalizada e determina o que cada um vai fazer, seu prestigio e poder dentro da sociedade. A única vocação que impera nesse momento é a religiosidade que justifica que a posição social ocupada pelos indivíduos é uma missão divina, uma “vontade de Deus”. A escolha profissional só assume relativa importância quando se efetiva o modo de produção capitalista. Segundo Braverman (1981, p. 55) o capitalismo impõe uma nova ordem social que é marcada por algumas características fundamentais que dominam o processo de produção: o trabalhador, para garantir sua sobrevivência, precisa vender sua força de trabalho para os proprietários dos meios de produção; o trabalhador passa a ser livre de todo tipo de 73 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA relação jurídica e tem direitos iguais para vender sua capacidade de trabalhar; e por fim o principal objetivo do trabalho (produção) é o mercado, visando lucro. Tais características reforçam e justificam a ascensão ou decadência de determinados cursos e carreiras na sociedade contemporânea. As constantes mudanças do mercado de trabalho; as incertezas geradas pela economia global; falta de estabilidade no emprego; dente outros, são fatores decisivos para a escolha de uma profissão. É nesse contexto histórico social do capitalismo que a questão da escolha profissional passa a ter importância uma vez que passa a prevalecer a ideia de vocação, de homem certo no lugar certo, ascensão social e poder, acesso ao mercado de trabalho. Pra Bock, S. (1989) A posição do individuo no capitalismo, não é mais determinada,... pelos laços de sangue. Agora, esta posição é conquistada pelo individuo segundo o esforça que depende para alcançar esta posição. Se antes esta posição era entendida em função das leis naturais referendadas pela vontade divina, agora, ao contrário, o individuo pode tudo, desde que lute, estude, trabalhe, se esforce, e também (por que não?) seja um pouco aquinhoado pela sorte. (BOCK, S., 1989, p.15) A revolução burguesa pregava a igualdade entre os homens e a ideia de escolha profissional passa a constituir uma dada base material; passa a prevalecer a máxima de que a pessoa escolhe o seu caminho a partir das condições em que vive em função de suas vontades e aptidões. Autores como SOARES (2002); SPOSITO (2002), dentre outros, apontam para a insegurança sofrida pelos indivíduos diante da escolha profissional e também para as incertezas ligadas ao mundo do trabalho, como a escolha de um curso universitário, o primeiro emprego, experiências, exigências de mercado de trabalho, qualificação e diversificação e cursos superiores. A escolha profissional faz parte de um processo que leva em consideração a combinação de fatores externos e internos ao indivíduo. A influência da família e sua condição social são determinantes na escolha profissional do sujeito. Soares (2002) afirma que a família interfere no processo de assimilação da realidade da criança e isso vai moldando a formação de hábitos e interesses, além disso, os familiares costumam projetar o futuro de seus filhos e os mesmos, às vezes inconscientemente, cedem a esses apelos. Outro aspecto 74 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA considerado pelo individuo na escolha de uma carreira são as oscilações do mercado de trabalho fruto das mudanças constantes. As percepções, atitudes e motivações são três fatores psicológicos interligados que interagem de modo particular em cada indivíduo desencadeando atitudes e escolhas diferenciadas. Segundo Hurtado (1983) motivos internos e externos que se encontram na esfera consciente (o indivíduo sabe porque está agindo de determinada maneira) ou na esfera inconsciente (nesse caso, o indivíduo não sabe porque se comporta de determinada maneira), levam o indivíduo a desejar intensamente alguma coisa a fim de conseguir atingir certo objetivo. 4.1.1 A escolha pelo Curso de Letras com Espanhol da UEFS A escolha por uma profissão perpassa por diferentes tópicos e questionamentos fundamentais e decisivos com a remuneração, valorização pelo mercado de trabalho, acessibilidade ao curso de formação e até mesmo pela paixão pela futura carreira. A afetividade desenvolvida pelo indivíduo que já teve contato com a língua espanhola – seja por encantamento com a língua ou sua cultura; ou admiração ou empatia pelo professor que leciona a LE – pode ser um estopim para a escolha do idioma como seu propósito pessoal e profissional. Assim, buscando entender como e por que os sujeitos colaboradores com essa pesquisa se constituíram professores e o que os conduziram à trajetória como professor de ELE, procurei indagar sobre quais razões que o fizeram escolher o curso de Licenciatura em Letras com Espanhol e como esse idioma surgiu em suas vidas. Não com muita surpresa, ouvi dos sujeitos da pesquisa, de uma maneira geral, que o contato real com o espanhol se deu em consequência da falta de identificação com outros idiomas ou a impossibilidade de ingressar em um curso idealizado. Sobre esse aspecto a professora Carmen desabafa dizendo que "A maioria das pessoas que entram no curso de espanhol nunca querem fazer espanhol, querem fazer outra coisa e entram no curso de espanhol por acaso, mas acabam se apaixonando pelo curso." 75 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Tal afirmativa se ratifica na trajetória de outros professores entrevistados, como a própria professora Carmen que inicialmente almejava fazer o curso de Turismo; o professor Ramón que iniciou o curso de Letras Vernáculas e só depois, por processo de transferência interna, passou a cursar Letras com Espanhol; e o professor Pablo que desejava fazer o curso de Jornalismo ou Comunicação. Contudo, contrariando a fala da professora Carmen, as professoras Anita e Laura trazem em seus relatos que a escolha pelo curso de espanhol é decorrente de um encantamento anterior pela língua: eu sempre gostei de aprender línguas, né. Mesmo quanto eu tinha aulas de inglês, que eu não gostava de estudar inglês, pela forma como ele era apresentado, eu tinha vontade de... de avançar [...] a UEFS implantou espanhol aqui e surgiu o curso de extensão aqui. Ai eu comecei a estudar, e simplesmente me apaixonei! E ai eu queria, assim: eu sempre fui uma pessoa aficionada por educação, sempre trabalhei na área de educação, desde que me conheço por gente, porque minha mãe tinha escolinha e eu ajudava minha mãe a ensinar desde meus 14 anos de idade. Então o vínculo com a educação sempre foi muito forte e eu queria continuar, né... ir para a graduação e ai me apaixonei pelo espanhol. Não deu outra, fui tentar Letras com Espanhol. (ANITA) na verdade eu sempre pensei em fazer espanhol, porque como eu tive espanhol no Ensino Médio, como eu te deixei bem claro, eu me encantei pela língua em si. (LAURA) A escolha pelo curso de Letras com Espanhol na UEFS, em alguns casos, também está atrelado às questões financeiras e/ou de mobilidade. A UEFS, como descrito no primeiro capítulo dessa dissertação, cumpre seu papel social de proporcionar aos cidadãos de Feira de Santana e das regiões circunvizinhas a acessibilidade ao Ensino Superior, como explicitado na fala do professor Pablo e da professora Carmen: E como eu moro em uma cidade próxima de Feira de Santana, a única possibilidade de fazer um curso de graduação seria aqui em Feira de Santana, que não contava com o curso de jornalismo nem de comunicação. Ai..., assim... o curso que mais se assemelhava a esse curso de comunicação era o curso de Letras, e dentro do universo do curso de letras pensei na possibilidade de aprender um idioma, e o idioma que me chamava atenção a principio foi o espanhol. (PABLO) Como eu tinha 17 anos quando eu fiz vestibular minha mãe me disse que eu não poderia ir para Salvador para estudar turismo na UNEB, onde tinha na época a faculdade, e na faculdade de Feira era pago e eu não tinha condições; então ela fez, 76 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA "olha você vai ter que se virar na UEFS porque a gente não tem condições de pagar um curso superior pra você, então você vai ter que fazer lá. (CARMEN) Independente dos motivos ou condições que levaram os sujeitos a optarem pelo curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola da UEFS um tópico relevante, que esteve comum em todos os relatos, é a paixão, encantamento, "a relação de afetividade" que foi desenvolvida pelo, como afirma o professor Pablo. acabei escolhendo o curso de graduação em Letras, que se assemelhava com o curso de Jornalismo e de brinde veio a possibilidade de escolher uma língua estrangeira que foi o espanhol, o que acabou me suscitando um certo interesse, uma certa..., uma certa relação de afetividade com o passar do tempo. (PABLO) Ou ainda com a fala da professora Carmen que também demonstra o encantamento pela língua espanhola que surgiu após seu ingresso no curso: E entrei pensando em fazer outra graduação depois. Depois de 4 anos ia fazer uma graduação em turismo, mas no meio do curso, o espanhol tomou conta de mim, eu desisti totalmente de turismo, desisti de uma carreira de engenharia ambiental, que inclusive, eu comecei a fazer enquanto eu estava estudando espanhol, parei no quanto semestre, eu disse: "não é minha cara, eu vou continuar espanhol!" E em fim, eu terminei espanhol (risos). (CARMEN) Outro fator relevante que esteve presente na fala dos professores colaboradores com a pesquisa foi o fato de a maioria já ter tido um contato formal anterior com o idioma. Dos cinco professores entrevistados três apontaram ter mantido de alguma maneira o contato com a língua antes do ingresso no curso. A professora Anita já apresentava um contato formal com o idioma anterior a seu ingresso na graduação, adquirido através do curso de extensão PALLE, oferecido pela Universidade. A professora Laura relata que seu contato com a Língua Espanhola foi através das aulas da disciplina no Ensino Médio, contato esse que motivou sua escolha: "eu tive espanhol no Ensino Médio, como eu te deixei bem claro, eu me encantei pela língua em si". (LAURA). 77 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA O professor Ramón destaca que seu contato inicial aconteceu através do curso à distância do Instituto Universal Brasileiro, e é a este curso que ele atribui ser o responsável por parte da sedução pelo idioma e de algumas facilidades no desenvolvimento de sua prosódica durante o curso de graduação: eu tinha estudado inicialmente em casa, fazendo um daqueles cursos a distância do Instituto Universal Brasileiro, né?!. E... me senti seduzido. Então quando eu fiz o disciplina espanhol I, eu já senti algumas facilidade em fazer a pronuncia de determinados fonemas por conta do conhecimento prévio, ainda que incipiente, mas eu já tinha me balizado. (RAMÓN) Contudo, a fala da professora Carmen discorda dessa estatística de que a maioria dos sujeitos que integram o curso de Letras com Espanhol possuem contato anterior com o idioma ou qualquer apropriação do mesmo, e aponta ainda a não obrigatoriedade de tal conhecimento. Em sua fala a professora chega a relatar esse fato com certa admiração ao expor que "quando a gente entra em um curso de espanhol a gente...., teoricamente a gente não precisa saber falar a língua. Eu lembro que ninguém sabia nada de espanhol." (CARMEN). No Curso de Graduação em Espanhol são quatro anos (em média) organizados para o aluno dar conta de apropriar-se das competências, habilidades, teorias e práticas necessárias para ser um bom profissional, como destaca a professora Anita: "são quatro anos só dentro da universidade, não é pouca coisa, mas são quatro anos pra você absorver o máximo." (ANITA). As falas das professoras Carmen e Anita sinalizam para o fato de que a maioria dos graduandos entra no curso de licenciatura em língua estrangeiras - neste caso o espanhol - sem nenhuma fundamentação ou aprofundamento linguístico do idioma. Nesse sentido, os quatro anos que compõe a graduação serão responsáveis pela formação didático/pedagógica necessária a um curso de licenciatura, e pelo desenvolvimento desde a base, dos aspectos linguísticos e interculturais do indivíduo que ingressa no curso, fato que nos motiva a investigar em que medida o curso está conseguindo cumprir essa missão. Após ingressar na realidade acadêmica, o indivíduo busca uma identidade, vai experimentando e se construindo, buscando seu espaço, seus direitos e deveres, e 78 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA inevitavelmente começa a agir com mais criticidade; busca intelectualizar-se por diversos caminhos (livros, internet, seminários e debates); vive momentos de conflitos e contradições na construção da identidade, pontuada por Raitz (2003) como processo que estão relacionados e se formam por meio das interações sociais. Nesse ínterim, durante as entrevista foi pedido aos sujeitos que fizessem um breve histórico de sua trajetória profissional para que fosse possível termos uma ideia panorâmica dos principais campos de atuação do professor de ELE. Nos próximos parágrafos descreveremos de forma resumida a trajetória de cada um desses sujeitos, destacando os principais campos de atuação. Anita se descreve como professora aficionada pela educação e destaca que sempre trabalhou nessa área. Desde seus catorze anos de idade, Anita já trabalhava dando aulas na pequena escola de propriedade de sua mãe. Começou a atuar como professora de ELE no segundo ano da graduação como bolsista na Universidade, no programa Universidade para Todos - um curso preparatório para o vestibular. Anita destaca que apesar do pouco período na graduação, já tinha estudado a língua no curso de extensão (PALLE) e estava estudando o idioma no curso de idiomas FISK. Durante a graduação, Anita também trabalhou, como voluntária, em outros cursos preparatórios para o vestibular, como o Verbos Estudantil; e na oferta de cursos de espanhol em associações e em uma Colégio público de Feira de Santana, o que resultou na implantação do idioma nessa instituição, sinaliza orgulhosa a professora. Há cinco anos, Anita é professora de ELE no Ensino Superior, atuando no curso de Letras com Espanhol. A professora Laura começou a ensinar ELE no início de sua graduação em uma escola privada de seu município, em turmas de 5ª a 8ª série. No começo, Laura contou com o auxílio de um profissional que não era formado em Letras com Espanhol, mas atuava na área. Atualmente Laura continua dando aulas de espanhol em turmas de 5ª a 8ª série em escolas da rede pública e privada, mas também atua como professora de Língua Portuguesa nessas mesmas instituições. Carmen começou a atuar como professora de ELE por volta do terceiro semestre de graduação. A professora iniciou sua experiência em um estágio da prefeitura, trabalhando com crianças de alfabetização, e, paralelamente, em uma escola privada com alunos do 79 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Ensino Fundamental I. Depois Carmen passou a atuar no curso de extensão de espanhol da UEFS, o PALLE, e atualmente leciona no curso técnico integrado no Instituto Federal da Bahia. O professor Ramón, que hoje atua como professor de Língua Espanhola e Língua Portuguesa em cursos técnicos integrados, no Instituto Federal Baiano, iniciou sua trajetória como professor de ELE ainda na graduação, no quinto semestre. Ramón destaca que dava aulas de Língua Portuguesa em uma escola de sua região e por falta de professor de ELE, passou a ministrar aulas das duas disciplinas. Na Universidade, Ramón atuou como professor também no curso de extensão PALLE. As experiências de sala de aula e os caminhos trilhados na Universidade durante sua graduação, depois de alguns anos como professor de ELE, Ramón optou por trabalhar apenas como professor de Língua Portuguesa, e só recentemente, por força do destino, voltou a ser professor de ELE. Assim como os demais professores, Pablo também começou a atuar como professor de ELE nos primeiros aos da graduação. Sua primeira experiência foi em um curso preparatório para o vestibular, sobre o qual Pablo destaca, em suas lembranças, que esse foi o mesmo curso que ele havia sido aluno muito recentemente. Como consequência desse trabalho, Pablo foi convidado para dar aulas de Espanhol em uma escola privada de Ensino Fundamental, para o segundo ciclo - do 6º ao 9º ano; e posteriormente, trabalhou com as mesmas séries em uma escola da rede pública. Atualmente Pablo atua no Ensino Superior, como professor de ELE, no curso de Letras com Espanhol. A maior parte dos professores começa atuando em curso preparatórios para o vestibular ou em escolas de ensino fundamental; seguindo para as séries do Ensino Médio e Técnico; galgando, em alguns casos, a carreira no Ensino Superior. Nos chama atenção ao fato de nenhum dos professores entrevistados, nem mesmo os professores que hoje lecionam no ensino superior, atuarem, até aqui, em curso de idiomas, e ainda relatar sua insegurança para lecionar nesse segmento, que é uma das pretensões de preparação profissional prevista no perfil profissiográfico do curso. Perguntado sobre a possibilidade de atuar em curso de idiomas, o professor Pablo reagiu dizendo que a proposta até surgiu, mas ele não se sentia seguro para atuar nesse 80 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA seguimento, pois acreditava que sua formação não estava compatível com os pré-requisitos que ele acreditava serem necessários a um professor deste tipo de curso: eu nunca trabalhei em cursos de idioma, embora eu já tenha sido convidado algumas vezes, já me senti seduzido algumas vezes, mas nunca havia me sentido apto para tal. Talvez por entender que o professor de idiomas, de curso de idioma, melhor dizendo, devesse dominar a língua em sua completude. Eu imaginava assim, e não me sentia preparado dessa maneira, um conhecedor profundo de língua espanhola. (PABLO) Durante a análise das trajetórias também ficou claro que todos os colaboradores começaram a atuar como professores de ELE ainda nos primeiros anos da graduação, na fase inicial da aquisição do idioma, ainda cheios de dúvidas e inseguranças. Esses profissionais iniciaram sua carreira conscientes de sua imaturidade, como relata a professora Laura: “porque como eu te disse, né: eu entrei imatura e comecei imatura também a ensinar”. (LAURA) A justificativa para os convites a esses estudantes do espanhol, que acabam se transformando em professores de ELE, pode estar presente na crescente demanda pelo ensino do idioma no território brasileiro, pois de acordo com Cruz (2001), [...] no território nacional, a demanda pelo espanhol tem crescido vertiginosamente, conforme atestam seguidamente os anúncios dos meios de comunicação (jornais, revistas, TV, etc.), o que tem incentivado o interesse pela publicação de materiais didáticos nessa LE e a procura de profissionais qualificados na área. (CRUZ, 2001, p. 14) É válido ressaltar aqui, que essa variável só veio surgir a pouco mais de uma década, já que antes disso o idioma não apresentava valor expressivo no cenário brasileiro. Atualmente, esse cenário modificou não apenas a influência na escolha profissional, mas também o interesse dos aprendizes no espaço escolar, o que exige dos cursos de licenciatura uma estrutura voltada para a valorização e motivação do profissional, levando-o a perceber o valor e a importância de sua futura aérea de atuação. 81 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA 4.2 O futuro professor de Espanhol como Língua Estrangeira Nesta seção, busco identificar e analisar como os profissionais entrevistados veem as expectativas em relação à formação, e também ao mercado de trabalho, perpassando pelas crenças sobre o processo de ensino aprendizagem durante o curso e formação de Língua Espanhola em questão. 4.2.1 Crenças e expectativas O processo de formação inicial de professores é permeado por crenças e expectativas. Tais elementos vêm crescendo nos últimos anos e segundo pesquisas de grandes estudiosos da área (ALMEIDA FILHO, 2006; SILVA, 2010; ALVAREZ, 2007; BARCELOS, 2004; SCHULZ, 1996; PAJARES, 1992; BERNAT e GVOZDENKO, 2005), possuem um papel significativo no processo de ensino e aquisição de um novo idioma e na prática de ensino do professor de LE. No Brasil, o acervo de Linguística Aplicada tem sido agraciado com inúmeros títulos desde 1995, quando Barcelos defendeu sua tese pioneira sobre o assunto. No âmbito do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, Bernat e Gvozdenko (2005) afirmam que o termo crenças nesse contexto foi usado pela primeira vez por Papalia (1978) em um artigo intitulado Students’ beliefs on the importance of foreign languages in the scool curriculum que relata os resultados de um questionário aplicado a alunos da 9ª série, com o objetivo de identificar o que esses alunos acreditavam sobre a importância do ensino de uma LE no currículo escolar. O resultado apontou que os alunos acreditavam que a LE ajudava a compreender melhor as culturas estrangeiras e a sua própria língua e por isso ocupavam um lugar importante no currículo escolar. As crenças permeiam todo o processo de ensino aprendizagem de uma LE, podendo interferir positiva ou negativamente, bem como conduzir o indivíduo ao sucesso ou fracasso. As crenças atuam como filtros e pode dificultar ou até bloquear a aquisição de novos conhecimentos. Silva (2005) define crenças como: 82 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Ideias ou conjunto de ideias para as quais apresentamos graus distintos de adesão (conjectura, ideias relativamente estáveis, convicções e fé), As crenças na teoria de ensino e aprendizagem de línguas são essa ideias que tanto alunos, professores e terceiros têm a respeito dos processos de ensino/aprendizagem de línguas e que se (re)constroem neles mediante as suas próprias experiências de vida e que se mantêm por um certo período de tempo (Silva, 2005, p. 77) Nesse contexto, as crenças podem vir a ser modificadas com o decorrer do tempo em decorrências das práticas e experiências do indivíduo. Bracelos (2004) defende as crenças como maneiras de construção da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e resultado de um processo interativo; logo, crenças são sociais, mas também individuais, dinâmicas, contextuais e paradoxais. (BARCELOS, 2004, p. 18). Expectativa pode ser definida como “um tipo de crença que se refere a um acontecimento ou fato que pode vir a concretizar-se, ou não, no futuro” (PAVAN, 2008, p.8). Em português, expectativas se referem à condição de quem espera pela ocorrência de alguma coisa, algum acontecimento, baseando-se em probabilidades ou na possível efetivação desta. Desta forma, a expectativa esta interligada à construção dinâmica de crenças, que se movimenta e acontece de forma antecipada. Pavan (2008) ainda define expectativas como “um estado emocional que projeta o interesse, desejo e/ou motivação do indivíduo e o faz agir em prol de um acontecimento ou fato que pode vir a concretizar-se no futuro” (PAVAN, 2008, p. 56). Nesse contexto, no processo de ensino aprendizagem, a compatibilidade de expectativas entre alunos e professores influenciam positivamente na aquisição de uma nova língua, desta forma, quanto maior a convergência de ideias entre alunos e professores, maior será a aprendizagem. Nessa perspectiva, enquanto as expectativas podem influenciar a maneira pela qual o indivíduo reage e experiencia um novo ambiente; a crença, segundo White (1999, p. 443), ajuda aos indivíduos a definir e entender o mundo e a si mesmo, tendo assim uma função adaptativa, desempenhando um papel crítico na definição do comportamento. White (1999, p. 443 – 444) acredita que há uma correlação entre crenças e expectativas. Contudo, segundo a autora, as expectativas são moldadas pelas crenças uma vez 83 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA que estas são desenvolvidas antes da experiência num processo, contexto, particular. Sobre a ideia de inter-relação entre crenças e expectativas Ribas (2007) afirma que: a relação entre as crenças e expectativas pode ser explicada se recorremos à visão de Scheibe (19970: 26) que define expectativas como crenças como ocorrências futuras, aparecendo como uma sub-classe de crenças que se referem ao futuro e guiam o comportamento declarado. As expectativas exercem influência nas escolhas que o indivíduo faz, nas chances com as quais se arrisca e nas hipóteses que adota. (RIBAS, 2007, P. 112) Quando as crenças e expectativas dos professores não são compatíveis com as crenças e expectativas dos alunos, pode gerar um choque de expectativas, resultando na redução das possibilidades de sucesso no resultado das aprendizagens, podendo levar alunos e docentes à desmotivações, desinteresse ou até mesmo à interrupções de cursos. Schulz (1996, p. 344) afirma que pesquisas sobre crenças de alunos podem ajudar a predizer conflitos e expectativas que podem contribuir para a frustração, ansiedade, falta de motivação, e, em alguns casos, ao término do estudo de uma LE. Haja vista que as crenças e expectativas – considerando os termos como complementares – podem influenciar na maneira como o indivíduo encara sua profissão e a si mesmo, suas decisões e ações em sala de aula, procurei perceber, nos professores entrevistados quais eram suas crenças e expectativas ao entrar no curso de graduação em Letras com espanhol da UEFS, durante o processo de formação nesse curso, e com relação ao mercado de trabalho e sua nova profissão. Nos parágrafos que seguem, abordaremos as crenças e expectativas dos professores entrevistados em relação à aquisição do ELE no processo de formação e para a prática profissional. Ao serem perguntados sobre quais as crenças e expectativas ao ingressar no curso, 100% dos entrevistados apontaram para a expectativa de aprender as quatro destrezas, em especial, confessam que tinham a crença que sairiam do curso sabendo falar o Espanhol, que os professores ensinariam isso, como está descrito nos excertos que seguem: naquele momento eu imaginava que um professor devesse dominar completamente a língua pretendida em termos de escuta, em termos de fala, em termos de léxico, em termos de semântica, em todos os aspectos. (PABLO) 84 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA achava que ia aprender, que ia sair de lá sabendo falar espanhol, que os professores iriam ensinar isso, mas na verdade, não é bem o que acontece. (LAURA) Entretanto, fica claro também, em 100% das falas, que essas expectativas em relação à aquisição do ELE sofreram modificações ao longo do curso, como mostram os excertos abaixo: quando eu ingressei no curso, eu confesso que eu ingressei um pouco..... enganada, com o que seria o curso. Eu achava que eu teria aulas de língua espanhola de uma forma muito forte, que eu iria realmente aprender espanhol aqui na UEFS. E isso não aconteceu! Então a perspectiva de aprender aqui não correspondeu. (ANITA) mas as expectativas apenas ficaram como expectativas, porque era um curso recém implantado na UEFS, então tinha uma deficiência no corpo docente, alguns dos professores saíram para se especializar nas pós-graduações da vida.... e ai acabou ficando lacunar, porque não tinha profissional suficiente que atendesse a essa demanda, sobretudo à demanda acadêmica. (RAMÓN) Além da mudança no foco em relação às habilidades linguísticas, notamos que houve um “descontentamento” de alguns entrevistados, o que inferimos ser pela frustração de suas expectativas quanto à aquisição da língua. Schulz (1996) assinala que indivíduos que não tem suas expectativas satisfeitas, podem vir a questionar a credibilidade do professor e/ou das abordagens de ensino, em especial nos casos em que não é dado o feedback corretivo. É necessário que o professor explicite aos alunos o porquê da não satisfação de suas expectativas, na tentativa de evitar que o ensino e aprendizagem possam trilhar caminhos opostos. Nessa perspectiva, o excerto citados anteriormente e o que segue abaixo nos dá clara evidência desse tipo de ocorrência: Nós, enquanto profissionais de educação, professores de espanhol, eu acho que todos que passam pela universidade, busca copiar os bons exemplos, aprender com os bons exemplos e com os maus exemplos também (ênfase). Quando eu digo assim é porque durante minha formação eu tive exemplos excelentes de professores de língua espanhola, os quais eu me espelho até hoje. (ANITA) Outra evidência de insatisfação dos alunos e à frustração de suas expectativas podem ser encontradas no fato de 60% dos professores entrevistados mencionarem que precisaram 85 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA buscar complementar a sua formação em cursos livres de idioma, estimulada pela evidente insatisfação entre as aulas de ELE ministradas na universidade, principalmente no tocante a prática da oralidade dentro da sala de aula: Então, eu esperava aprender mais em termo de língua espanhola. Aprendi muito, isso é inegável, mas tive que... ir buscar fora... porque a UEFS não me deu aquilo que eu desejava que ela me desse. Na verdade, a extensão me deu muito mais em termos de aprendizagem da língua do que o curso de língua em sim aqui dentro da Universidade. (ANITA) Eu tive que correr atrás, e o correr atrás agente sabe que demanda de um tempo ou outro, de uma dinâmica que se já tivesse sido sinalizada por esse profissional, os caminhos já seriam encurtados. (RAMÓN) A busca por cursos de idioma como referência para o aprendizado do ELE reforça a crença de que não é possível aprender LE nos cursos de licenciatura em Letras (SILVA, 2006; VELOSO, 2007), ou para a cristalização da conjectura de que se aprende melhor uma LE em cursos livres de idioma (VIEIRA ABRAHÃO, 2002, 2004; BARCELOS, 2004), visto que a maioria dos entrevistados marcou a busca por cursos de idioma para o aprimoramento profissional. Em relação ao ensino de Língua Espanhola no âmbito nacional, busquei compreender que perfil os entrevistados consideram ser o esperado para o profissional de ELE. Ao serem perguntados sobre qual perfil profissional acreditava ser esperado para um professor de ELE, três dos entrevistados classificaram a pergunta como difícil e os cinco refletiram e vacilaram muito para responderem. A maioria das respostas estava interligada ao ideal do que eles esperavam encontrar durante sua formação, como afirma Carmen: Bom, primeiro eu sempre achei que um professor de espanhol tinha que ter conhecimento(...) Então a primeira base é que tem que ter conhecimento de causa; eu tenho que dominar. Então um professor, é claro, tem que saber ler, tem que saber ouvir bem, tem que saber falar bem, tem que ter todas as habilidades bem desenvolvidas; então, tem que saber se comunicar. Então, isso era o que eu prezava inicialmente. E depois eu fui aprendendo que o professor tem que ter ética, que professor tem que saber tratar as pessoas como seres humanos. Enfim isso eu fui aprendendo ao longo da formação. E essas coisas a Universidade me ensinou muito. (CARMEN) 86 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Carmem expõe em sua fala o que acredita ser a completude de uma formação de professor de ELE. A professora menciona a importância de sua formação teórica, mas não se prende única e exclusivamente a essa item necessário à formação de um bom profissional. Durante sua trajetória de formação ela percebeu e aprendeu a importância de valores éticos, morais e práticos que fazem a diferença no cotidiano da sala de aula. Resumidamente as respostas dos professores entrevistados concordam com a ideia de Carmen de que para ser um bom professor tem que dominar o idioma. Assim, podemos afirmar que tal crença se concretiza na insegurança de atuar em sala de aula e não ser capaz de responder às perguntas dos alunos (BARCELOS, 2004). Contudo, não se pode dizer que alguém ‘domina’ outra língua, pois além de muito complexa está em constante mutação, como bem percebeu Pablo, ao longo de sua trajetória: Hoje eu entendo que isso acaba se colocando um tanto utópico. Ninguém deve se colocar um profundo conhecedor de qualquer idioma que seja. Eu não conheço profundamente a língua portuguesa que é minha língua nativa, então não devo ambicionar a profundeza, profundidade, melhor dizendo, em qualquer outra língua. (PABLO) Também perguntamos aos entrevistados se os mesmo acreditavam terem suas ideias de perfil profissional contempladas pelo curso de formação em Letras com Espanhol da UEFS e mais uma vez 100% dos professores responderam negativamente a essa questão, como ilustra os excertos abaixo: Eu..., eu penso que a minha formação ela não tem atendido a esse perfil, especialmente porque a nossa Universidade, ela como boa parte da universidades do Brasil, elas ainda têm se voltado a uma recepção passiva do idioma estrangeiro, no caso do espanhol. (PABLO) Ainda considerando as crenças e expectativas, inspirado no depoimento de Pablo, outro fator que podemos evidenciar é a inseguranças dos professores com relação ao conhecimento linguístico adquirido ao ingressarem no mercado de trabalho. Todos os professores entrevistados revelaram não se sentirem seguros para ministrarem aulas de ELE, considerando o conhecimento linguístico adquirido durante o curso de graduação: 87 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA de fato eu não me sentia preparado. Assim, mas eu me esforçava ao máximo, sempre estava estudando pra não fazer, como dizem por ai: feio. Mas eu ativava uma coisa que eu tenho em mim que eu acho importante... que eu acho que a gente tem que ser cênico. Eu acho que quando a gente é um pouco cênico, nesses aspectos..., não é que a gente consegue enrolar o outro, mas consegue desviar do outro, algumas fraquezas nossas. (RAMÓN) A insegurança para atuar em sua área de formação fatalmente é considerada alarmante e negativa para o curso de formação de ELE. Nas entrevistas nos chama a atenção o fato de que alguns professores, mesmo já atuando como professor no ensino superior, não se sentem confortáveis para atuar como professor de cursos de idiomas. Tantas inseguranças e reticências para atuarem em sua área de formação fatalmente revelam um traço negativo na tarefa da formação de professores de ELE, e, portanto, necessitam ser estudadas com uma maior cautela. 4.2.2 Desenvolvendo competências e habilidades O mundo vive em uma constante inundação de informações e necessidades de mudança e aperfeiçoamento constante. O conhecimento produzido pela humanidade torna-se cada vez mais efêmero, em especial pelo mercado de trabalho. Atualmente, os conhecimentos técnicos específicos adquiridos na universidade não apresentam uma longevidade e exige do profissional uma incessante retomada aos espaços de formação para a atualização dos conhecimentos e competências técnicas que se renovam em um espaço de tempo cada vez menor. Durante um curso de graduação, busca-se as competências e habilidades necessárias para o bom desempenho profissional, a preparação para o desenvolvimento autônomo crítico e consciente. Em se tratando de um curso de língua estrangeira além de uma formação que contemple os aspectos sócio-históricos dos alunos e o desenvolvimento de uma prática reflexiva, faz-se necessário estar atento ao desenvolvimento das competências e habilidades necessárias à aquisição de uma segunda língua: leitura, audição, oralidade e escrita. 88 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Nessa perspectiva, nesses novos tempos que vivemos, é requisito fundamental em uma formação universitária o desenvolvimento de competências múltiplas. No entanto, esses critérios ainda são pouco explorados ou inexistentes nos currículos dos cursos. Nacif e Camargo (2009) em seu artigo “Desenvolvimento de Competências Múltiplas e Formação Geral na Base da Educação Superior Universitária” destacam que: Um conjunto importante de competências, habilidades e qualidades, transversais às competências técnicas, juntamente com uma formação geral com fortes bases conceituais são cada vez mais centrais na formação dos estudantes nas universidades. Esses dois eixos são fundamentais na formação universitária necessária no mundo do trabalho do século XXI. (NACIF; CAMARGO, 2009) Tais demandas nos levam a refletir sobre a abordagem das competências e habilidades na formação dos graduados do curso de Letras com Espanhol da UEFS e como esse eixo temático foi percebido na formação dos entrevistados e quais as influências e interferências em sua formação e atuação profissional. A formação de professores de LE tem exigido a preparação de profissionais em diversas competências e habilidades, capaz de otimizar o processo de ensino aprendizagem da língua, ou seja, um profissional que atue com práticas crítico reflexivas. Na “era do conhecimento” o mercado de trabalho exige do trabalhador um conhecimento mais genérico e mais amplo, o que permite a esse profissional uma execução de tarefas diferentes em um campo de ação mais ampla. O conceito de profissionalização deve estar associado à ideia de competência. Neste subcapítulo serão apresentadas as competências de professores de línguas e a relação dessas competências com aquelas indicadas nas resoluções do Conselho Nacional de Educação que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica do Ministério da Educação. Para tanto, o conceito de competências será retomado com base em Perrenoud (1993, 1999, 2000), Almeida Filho (1999 e 2006) e nos documentos oficiais para os cursos de formação de professores. Phelippe Perrenoud tem recebido grande destaque no Brasil quando discorre sobre esta questão da importância de uma formação reflexiva dos professores, com investimento na aquisição de competências e habilidades. A competência para Perenoud (1999, p. 7) é 89 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA entendida como “uma capacidade de agir naturalmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. Para o autor, o sistema educacional só terá a capacidade de formar competências se houver, por parte deste, a transformação nas práticas de ensino. Perrenoud (1995, p. 133) esclarece que tem que haver uma ruptura com a didática tradicional para dar ênfase aos alunos como sujeitos ativos da sua própria aprendizagem. No Brasil, desde os anos 1990, a reforma curricular vem reforçando a ideia da formação profissional centrada no desenvolvimento de competências e habilidades. Um exemplo disso está na Proposta de Diretrizes para a formação inicial de professores da Educação Básica em cursos de nível superior (BRASIL, 2000, p.48), que dão grande destaque à formação de competências como forma de melhoria da qualificação profissional dos professores. Este documento entende como importante “a) definir o conjunto de competências necessárias à atuação profissional; b) tomá-la como norteadoras tanto da proposta pedagógica quando da organização institucional e da gestão da escola”. Na proposta presente nos novos referenciais para a formação docente, os professores devem ser preparados para transmitir o conteúdo teórico construído em cursos de formação, para a realidade da sala de aula, em atividades práticas para o ensino, visando a otimização do processo de aprendizagem de seus alunos. Na resolução CP 1/2002 e CP 2/2002 do CNE a inclusão da prática como componente curricular, a antecipação do oferecimento da prática pedagógica, a perspectiva da transposição didática em currículos de curso de formação, são algumas medidas que viabilizam o trabalho teórico numa dimensão mais prática, apontadas em situações escolares reais que requerem a devida mobilização de competências na ação. Ainda de acordo com o Artigo 3º da Resolução CP 1/2002 do Conselho Nacional de Educação, p.02, a formação inicial deve se pautar em três princípios norteadores desse preparo para o exercício profissional específico: I - a competência como concepção nuclear na orientação do curso; II - a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor, tendo em vista: 90 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA a) a simetria invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer em lugar similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na formação e o que dele se espera; b) a aprendizagem como processo de construção de conhecimentos, habilidades e valores em interação com a realidade e com os demais indivíduos, no qual são colocadas em uso capacidades pessoais; c) os conteúdos, como meio e suporte para a constituição das competências; d) a avaliação como parte integrante do processo de formação, que possibilita o diagnóstico de lacunas e a aferição dos resultados alcançados, consideradas as competências a serem constituídas e a identificação das mudanças de percurso eventualmente necessárias. III - a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção do conhecimento. (BRASIL, 2000, p. 02) Nessa perspectiva, o conjunto de competências a serem desenvolvidos durante a formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e modalidades da educação básica deve tratar de formas de atuação contextualizadas, numa situação escolar menos abstrata. O contexto contemporâneo exige do profissional mais do que o conhecimento da língua alvo (proficiência) e o treinamento para o ensino. Segundo Almeida Filho (1997, p.17) é necessário que o professor construa e desenvolva, em sua trajetória, as competências linguístico-comunicativa, profissional, teórica e por fim a competência aplicada. Para o autor, todas essas competências apresentam-se de forma interligada e processual. A competência linguístico-comunicativa, aliada a uma competência profissional, configura-se como uma busca constante pelo crescimento pessoal e a tomada de consciência sobre seu papel no processo de ensino e aprendizagem de línguas. Além disso, é preciso também construir e desenvolver a competência teórica – os conhecimentos teóricos formalizados, aprendidos e (re)construídos na forma de pressupostos e princípios estabilizados – para que seja possível aperfeiçoar a competência aplicada, que consiste na capacidade do professor para ensinar de maneira crítica, de acordo com uma subcompetência teórica. Segundo o autor a competência aplicada é indispensável para que o professor capacite-se a ensinar de acordo com uma “abordagem consciente e mapeada” (ALMEIDA FILHO, 1993, p.20). Esse conjunto de competência é o que se espera que o aprendiz de línguas alcance no decorrer das disciplinas reservadas à língua espanhola no currículo de formação de licenciados no idioma. Contudo, embora o desenvolvimento de competências e habilidades estejam presentes nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação, elas raramente são 91 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA desenvolvidas de forma sistemática. A tendência dentro nas universidades é privilegiar os conteúdos específicos – necessário, mas não suficiente – em detrimento da formação estruturante que o desenvolvimento dessas competências e habilidades proporcionam. Nessas condições, é priorizada a transmissão dos conhecimentos específicos e não sobra lugar nos currículos para a formação geral e o desenvolvimento de competências múltiplas, como é relatado por alguns dos professores entrevistas nessa pesquisa. Ao serem perguntados como percebiam o desenvolvimento das competências e habilidades durante o curso de formação, todos os entrevistados oscilaram e refletiram antes de emitirem uma resposta. Também é válido ressaltar que dentre todas as respostas percebe-se a imprecisão na ideia de competência e habilidade desenvolvidas durante o curso. Dados históricos nos mostram que a noção de competências como norteadora do processo de formação não é recente. Segundo Macedo (2013), o seu retorno acontece num contexto de crítica a uma certa burocratização da formação e, consequentemente, do currículo. A proposta de formação por competências critica as formações que privilegiam o abstracionismo acadêmico. Entretanto, ainda hoje, percebemos que a ideia de competências e habilidades está dentro de uma corrente teórica que não é consenso entre os professores. Ao ser questionada sobre esse aspecto em sua graduação, Carmen apenas aponta que foi positivo, atribuindo o êxito alcançado, em grande parte, à sua facilidade para falar: Bom!, eu acho que foi muito positivo quando você é exposta à língua, quando o professor te cobra pra falar, então você precisa se comunicar... então a necessidade da comunicação ela vem assim, te assustando inicialmente, mas como eu sempre gostei de falar, e falava muito, para mim não foi tão complicado (...) E ai, enfim, fui desenvolvendo outras coisas ao longo do curso, e isso me ajudou a crescer, a desenvolver tudo isso... essas habilidades. (CARMEN) Ramón, por sua vez, menciona a visão estruturalista de alguns professores, e falta de articulação entre teoria e prática no processo ensino aprendizagem: Primeiro, é... como essa questão das competências comunicativas... nessas teorias da comunicação todas voltadas para essa destreza: o falar, o ouvir e o escrever... desenvolvendo todas as habilidades... alguns professores ainda tem uma visão muito estruturalista, né?!, o espanhol pelo espanhol, sem tentar entender que uma coisa estava imbricada na outra. (RAMÓN) 92 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA O professor não nos deixa claro a sua compreensão de visão estruturalista da língua empregada por muitos professores, mas nos permite resgatar, em sua fala, a percepção da complexa construção e transformação do conhecimento a ser aprendido e do conhecimento a ser ensinado; a difícil tarefa que reside na seleção do tratamento a ser dado a esse conteúdo e tomar as decisões didáticas e metodológicas que vão orientar a atividade do professor e dos alunos com o objetivo de construir um ambiente de aprendizagem eficaz. Dando continuidade, Ramón atribui à fala, à competência comunicativa, a chave para o bom desenvolvimento das demais competências: Se na fala não vai bem, certamente o conhecimento dos outros aspectos ele não vai ter certa acuidade, ele não vai perceber determinados traços, porque se ele não consegue perceber o que os outros falam , dificilmente ele vai conseguir decodificar o que se fala. Então, se ele não faz essa decodificação, ele pode prejudicar o plano morfológico e consequentemente o sintático. (RAMÓN) Para Hymes (1979), antropólogo de formação, não é bastante que o indivíduo saiba e use a fonologia, a sintaxe e o léxico da língua para caracterizá-lo como competente em termos comunicativos. É preciso que, além disso, o indivíduo saiba e use as regras do discurso específico da comunidade na qual se insere. O indivíduo demonstra possuir competência se sabe quando falar, quando não falar, e a quem falar, com quem, onde e de que maneira. Hymes foi o primeiro a incorporar ao conceito de competência as dimensões sociais, e demonstrou claramente estar preocupado com o uso da língua. Foi ele quem introduziu comunicativo ao termo competência. Canale e Swain (1980, p. 28-31), buscam transformar o conceito de Hymes – essencialmente teórico – em unidades pedagogicamente manipuláveis, que poderiam servir de base para uma grade curricular e prática de sala de aula ao incluírem quatro novas competências no processo de ensino aprendizagem de L2/LE, a saber: a) competência gramatical que implica no domínio do código linguístico, a habilidade em reconhecer as características linguísticas da língua e usá-las para formar palavras e frases; b) competência sociolinguística que implica no conhecimento das regras sociais que norteiam o uso da língua, compreensão do contexto social no qual a língua é usada; c) competência discursiva que diz 93 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA respeito à conexão de uma série de orações e frases com a finalidade de formar um todo significativo; e d) competência estratégica que como a competência comunicativa é relativa, estratégias de enfrentamento devem ser usadas para compensar qualquer imperfeição no conhecimento das regras. Para Canale e Swain, os alunos só adquirem competência comunicativa se ficassem expostos, de maneira uniforme, a essas quatro formas de competência. Essa ideia de se trabalhar as competências e habilidades ainda é algo impreciso, e, por vezes, surreal no dia a dia da sala de aula, até mesmo na formação acadêmica. Pablo justifica a imprecisão percebida nas respostas dos entrevistados ao afirmar categoricamente, em seu depoimento, que hoje ele reconhece que na época da graduação havia uma dificuldade em compreender essa ideia e conceitos de competências e habilidades, entendendo que essa falta de clareza também acomete aos professores do curso de formação: Bem! É... na época da graduação, eu não tinha uma consciência clara dessas competências e habilidades. Acho que até mesmo os professores não tivessem essa clareza quanto a esses critérios de ensino aprendizagem de competências e habilidades (...) Não havia um planejamento claro, um acordo pactuado entre alunos e professores no sentido de que essas são as competências que os alunos deverão compreender..., deverão adquirir, ou as mesmas habilidades também, e quais os caminhos traçados pra isso. Então não havia esse pacto, não havia essa clareza; e isso obviamente acabava tornando o trajeto de ensino aprendizagem um pouco nebuloso..., eu diria. (PABLO) O professor ainda declara que havia uma tentativa se suprir essas lacunas, mas as mesmas não foram satisfatórias: Tentava-se criar situações de escuta, tentava criar situações de oralidade e de escrita, mas sem uma... um atendimento teórico, eu penso; e talvez até metodológico, pra o desenvolvimento dessas competências. E de maneira que eu acho que o tratamento disso foi bastante... não sei se superficial, mas bastante mediano. (PABLO) Nessa perspectiva, é possível afirmar que não há uma afirmação categórica de quais e quantas competências devem ser desenvolvidas pela instituição de ensino, mas Gentile e Bencini (2000, p.12), baseado em uma classificação feita pelo colombiano Bernardo Toro, 94 4 OS AMORES NA MENTE, AS FLORES NO CHÃO, A CERTEZA NA FRENTE A HISTÓRIA NA MÃO: PENSANDO E (RE)PENSANDO TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA enumeram algumas: 1) dominar a leitura, a escrita e as diversas linguagens utilizadas pelos homens; 2) analisar, sistematizar e interpretar dados, fatos e situações; 3) compreender o entorno social e atuar sobre ele; 4) localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada; 5) planejar, trabalhar e decidir em grupo. Para esses teóricos, a transmissão de conhecimentos precisa ser substituída pelo desenvolvimento de competências. Contudo, um importante empecilho para o desenvolvimento de uma formação geral e competências múltiplas reside no conservadorismo existente nas práticas de organização e gestão acadêmica dentro das universidades. A liberdade existente na legislação é cerceada pela prática extensiva do desenvolvimento curricular mais conservador e uniforme. 95 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Pablo Picasso 96 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA O estudo das relações entre teoria e prática no campo da educação reacende uma questão antiga que até o momento não foi resolvida: como se relacionam a teoria e a prática na formação do educador? No contexto de formação inicial, a relação teoria e prática é um discurso de grande relevância. Dentre esses estudos, podemos citar o de SCHÖN (2000), NÓVOA (1992), GAULTHIER (1998), TARDIF (1998) E PERRENOUD (1993), VIEIRAABRAHÃO (2006), entre outros. Nesse capítulo discuto, a partir de pesquisas e discussões de alguns autores mencionados acima e dos dados fornecidos pelas entrevistas com os professores colaboradores com a pesquisa, o lugar da Teoria e da Prática no programa de formação de professores, buscando interpretar como a teoria e a prática são articuladas no programa de formação de professores de Língua Espanhola da UEFS, no sentido de desenvolver as múltiplas cocompetências exigidas a esse profissional. Pensando os cursos de licenciatura, entendemos a necessidade da teoria e da prática apresentarem-se de maneira articulada, considerando a prática como espaço de criação e reflexão e não meramente como lócus da aplicação de um conhecimento científico e pedagógico. Teoria e prática, formação científica e pedagógica devem fundamentar-se em torno da concepção de profissional que se quer formar. Para pesquisadores como Almeida Filho (2000) e Vieira-Abrahão (2000), os professores deveriam aprender a utilizar o conhecimento teórico em apoio à sua prática, aprendendo a avaliar tal conhecimento de modo crítico. Compartilho da ideia de que o ambiente universitário é o espaço de aprendizagem, por meio da observação, da teoria e da prática de sala de aula que pode oferecer ao aluno/futuro professor o caminho para a prática consciente que o conduza a uma competência profissional. Visando saber qual a relação da teoria com a prática durante a formação no curso de Licenciatura em Espanhol da UEFS e como esta se revela no dia a dia de sala de aula, durante as entrevistas foram realizadas perguntas como: qual a sua visão sobre a relação teoria e prática nas disciplinas que compunham seu curso de graduação? Houve espaço para refletir 97 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA sobre essa formação? Como se deu a transação de estudante em formação para profissional de ELE? Como se configura a sua prática? Além dessas perguntas, por se tratar de entrevistas semiestruturada, os professores colaboradores forneceram outras informações sobre esse processo de relação entre teoria e prática durante sua trajetória. Pelo fato desse assunto ser de grande relevância no desenvolvimento da presente pesquisa, faço uma breve revisão de literatura específica sobre essa questão, buscando interpretar como a teoria e a prática são articuladas nos programas atuais de formação de professores intercalando o mesmo com as falas dos entrevistados. 5.1 A relação teoria e prática na formação docente Todo processo de ensino aprendizagem é permeado por conhecimentos teóricos e práticos por se tratar de uma atividade intencional que exige conhecimentos, estabelecimento de objetivos, planejamento, avaliação e intervenção para atingir seu propósito final. Nessa perspectiva é mister afirmar que nesse processo, a relação teoria e prática é um ação indissociável e incessante, onde reside uma relação de autonomia e dependência relativas. Segundo Vázquez (1977, p.203) a finalidade imediata da atividade teórica é proporcionar um conhecimento indispensável para transformar a realidade ou traçar finalidades que antecipem idealmente sua transformação. Por sua vez, é na atividade prática que se realiza o projeto idealizado teoricamente, cujo processo e resultado não é uma mera aplicação da teoria, mas um conjunto de ações que implica em interações e exige realimentações para superar os imprevistos. Na realidade brasileira, é a partir da década de 1990 que se inicia o desenvolvimento de pesquisas que, considerando a complexidade da prática pedagógica e dos saberes docentes, buscam resgatar o papel do professor, destacando a importância de se pensar a formação numa abordagem que vá além da acadêmica, envolvendo o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente. Pensando-se as políticas de formação de professores é preciso lembrar que a questão vem sendo discutida em várias instâncias, tais como: Organizações Internacionais, notadamente o Banco Mundial; o Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação e 98 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Secretarias Estaduais, de onde emanam diferentes “recomendações”, e pelas Associações Científicas que congregam pesquisadores e profissionais da educação, bem como de entidades de classe do magistério. As normas básicas sobre formação de professores, elencadas na LDB, definem que a formação deve ser feita em nível superior (exigência a ser cumprida até 2007) e que terá por fundamentos teorias e práticas, inclusive capacitação em serviço; aproveitamento da formação e experiências anteriores. De acordo com as políticas atuais as mudanças que se fazem necessárias no processo de formação docente, tendo em vista a construção de um novo perfil profissional de professores, referem-se à valorização de outro tipo de abordagem, que priorize o conhecimento didático (“como ensinar”), e não os fundamentos da educação. Argumentando que os modelos de formação adotados no Brasil não contribuem para que as pessoas aprendam e exerçam cidadania num mundo cada vez mais exigente, o documento Referências Curriculares para Formação de Professores (BRASIL, 1998) indica a necessidade de mudança no que se refere às suas práticas , e aponta os pressupostos nos quais se apoia, destacando-se, para os objetivos desta seção, a necessidade de metodologias pautadas na articulação teoria-prática, na resolução de situações-problemas e na reflexão sobre a atuação profissional. Nesse ínterim, a Resolução CNE/CP 1/2002, que institui as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, estabelece que todas as disciplinas pedagógicas terão sua dimensão prática que deverá permear todo o período de formação, transcendendo o estágio supervisionado, promovendo as diferentes práticas e em uma perspectiva interdisciplinar com ênfase nos procedentes de observação e reflexão, visando a atuação em situação contextualizada. Entretanto, apesar da referida Resolução, em seu Artigo 11, enfatizar a necessária organização da matriz curricular em eixo articulador das dimensões teórico práticas; e que a prática deve estar presente desde o inicio do curso e que todas as disciplinas devem ter sua dimensão prática (Resolução CNE/CP 1/2002, Art. 12), percebe-se que tais regulamentações da relação entre teoria e prática avançam apenas na formulação dos conceitos, porém não apresentam medidas efetivas para sua implementação e, insistentemente, os estágios e práticas de ensino têm se mostrado o único espaço de “aplicação da teoria”. 99 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Devido à regulamentação do preparo de docentes para o ensino regular, os programas de formação de professores constituíram-se em disciplinas de natureza pedagógica e disciplinas de conteúdo. Segundo Pereira (1999), na área educacional, esse modelo de formação é denominado de Racionalidade Técnica, que consiste na aplicação dos conhecimentos científicos adquiridos durante o processo de formação na graduação na prática do dia a dia de sala de aula. Nessa perspectiva, temos o Estágio Supervisionado como disciplina destinada à aplicação de conhecimentos e habilidades científicas e pedagógicas no período final do curso. Percebe-se que esse modelo da racionalidade técnica separa a teoria da prática na formação profissional. Pérez-Gómez (1995) afirma que esse modelo é uma proposta estreita para a formação de professores, pois prioriza o desenvolvimento de competências e habilidades técnicas. O autor ainda argumenta que esse modelo leva á crença de que, para ser um bom professor, basta o domínio da área do conhecimento específico que se vai ensinar. Contudo, apesar das inúmeras críticas atribuídas a esse modelo de formação, na atualidade, ele continua sendo uma prática ativa na maioria dos programas de formação docente (Pereira, 1999; Pérez-Goméz, 1995), visto que as disciplinas de conteúdo pedagógico e as disciplinas de conteúdos específicos são pouco articuladas. Na formação de professores de espanhol da UEFS essa realidade não é diferente. Nas entrevistas, foi possível perceber essa insatisfação na dicotomia teoria x prática. Trago para ilustrar, a fala do professor Pablo que aponta a estrutura curricular e a ação dos professores formadores como causa e consequência dessa falta de articulação entre teoria e prática durante todo o curso: Nosso currículo é um currículo bastante defasado. Na época da minha graduação já era bastante defasado porque não contemplava essa perspectiva teórico/prática; as disciplinas simplesmente seguiam uma divisão de carga horária e de conteúdos ao longo das seis línguas que formavam a graduação; mas sem essa perspectiva teórico/prática. Quer dizer, sem essa perspectiva teórico/prática, as coisas eram aglomeradas e.... não, não... consigo dizer com clareza, que não havia um link, uma comunicação entre as disciplinas, quer dizer, determinado professor construía sua ementa e tentava aplicar sua ementa da melhor forma possível, com os recursos que lhe era disponível no momento, com a formação que lhe era disponível no momento, mas sem uma comunicação clara, eu posso dizer, entre uma disciplina e outra disciplina. (PABLO) 100 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA A professora Laura também relata essa carência na articulação teoria e prática em sua formação: Você tem que ler muita coisa, é tudo muito pra você em sim, mas não como você passar isso pros seus alunos, né!. Como você ministra uma aula utilizando aquilo... Isso não teve. Como você juntar o que você aprendia lá teoricamente com a prática. Era muito mais teoria. Até dos professores mesmos utilizarem essas práticas para estarem ensinando a gente, já seria um exemplo para nós atuarmos na sala de aula, né?! (LAURA) Ratificando a fala dos outros professores a professora Carmen confirma a falta de atividade prática associada à teoria e acrescenta que a mesma só é percebida durante o estágio: “Falta a prática, porque a teoria a gente já tem. A teoria é excelente, é muito bonita, inclusive, mas a gente só tem prática no estágio, e é um período muito curto.” (CARMEN) Percebe-se que o contato com a realidade escolar, fomentado pela universidade, continua acontecendo apenas no último ano do curso. O curso de Letras com Espanhol, em análise, traz essa realidade, na qual a disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Espanhola e Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa, responsável por discutir e articular a prática com a teoria só são ofertadas apenas no último semestre do curso. Além disso, para os alunos que já começam a trabalhar no meio do curso, como foi o caso de todos os entrevistados dessa pesquisa, não há a preocupação de uma articulação ou aproveitamento dessas experiências eram os próprios estudantes/professores quem buscavam esse apoio quando/se necessário, como afirmam os professores Pablo e Carmen: A necessidade do trabalho..., a urgência do trabalho, obviamente me forçou a essas duas atividades pelo menos por um bom espaço de tempo, elas acontecessem de forma concomitante. E... isso fazia com que eu conseguisse tentar levar muita da experiência que eu tinha aqui na universidade – muita!, pouca!, não sei! – mas a experiência que eu tinha aqui na universidade para os espaços de atuação enquanto professor. E... o inverso também, quer dizer, trazer um pouco da realidade que eu tinha fora da universidade, nos espaços de minha atuação profissional, pra tentar pensar esse ensino, essa aprendizagem aqui dentro. É claro que tudo não aconteceu dessa forma perfeita e conectada que eu reproduzo agora, mas havia um link sim, eu buscava um contato entre o trabalho que eu desenvolvia e as minhas atividades de ensino, de estudo aqui na universidade. (PABLO) 101 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Carmen acrescenta que durante sua formação sempre buscou desenvolver a autonomia, característica que a professora acha de fundamental importância para a sua vida pessoal e profissional: eu era muito curiosa e ia procurar tudo isso... Quando eu tinha uma dúvida ai eu ia perguntar a professora e dizia assim: "professora, olha, eu li isso... assim, assim, desse jeito, é assim mesmo?" ai então eu tirava as dúvidas. Mas eu gostava muito de ser autônoma e é uma qualidade..., é uma habilidade que eu tento desenvolver isso em meus alunos hoje. (CARMEN) Em vertente oposta ao modelo de formação com base na racionalidade técnica, surge o Modelo de Racionalidade Prática, que segundo Pereira (1999) a prática é vista aqui como um espaço de criação e reflexão em que novos conhecimentos são constantemente gerados e modificados. Os problemas e dificuldades percebidos na atividade prática são levados e discutidos nas disciplinas teóricas, portanto, nesse modelo, desde o primeiro ano de formação, o contato com a prática deve estar presente. Contudo, Pereira (1999), em crítica feita a esse modelo de racionalidade prática, destaca para o cuidado de não incorrer no erro da supervalorização da prática em detrimento da formação teórica, tão relevante para a formação do professor. O autor reforça a importância do equilíbrio entre teoria e prática. Concorda-se com Frigotto (1996, p. 390) quando observa que “a perda da perspectiva teórica e epistemológica tende a reduzir a formação e a prática do educador a uma dimensão puramente técnica ou didática”. Atualmente o princípio da formação do profissional reflexivo, desenvolvido por Schön (1995, 2000), passou a influenciar o paradigma de formação inicial presente na maioria dos cursos de Licenciatura. Esse paradigma de professor reflexivo busca investir e valorizar o desenvolvimento dos saberes dos professores, considerando-os como intelectuais capazes de produzir conhecimentos, de participar de decisões, reinventando ideias de uma escola democrática e de qualidade. Nesse paradigma o profissional reflexivo é envolvido não só em uma formação técnica, mas em oportunidades de vivenciar experiências, colocando em prática seus conhecimentos. Entretanto, conforme aponta Zeichner (2003), a formação profissional de tais professores pautada no paradigma reflexivo esbarra-se em alguns aspectos, dos quais destaco 102 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA dois que tem inviabilizado a concretização da formação na perspectiva reflexiva: um desses aspectos refere-se à grande influência do modelo retórico, ainda presente e arraigado nos programas de formação, que engessa as ações de professores e alunos/futuros professores, não permitindo o rompimento com a racionalidade técnica. No tocante formação de professores de ELE, Pablo destaca que sua formação não atendeu a esse perfil reflexivo, ao contrário, era marcante a passividade no processo ensino/aprendizagem da língua. Para o professor urge uma mudança de pensamento na perspectiva de problematizar o ensino da língua espanhol: Eu penso que a minha formação ela não tem atendido a esse perfil, especialmente porque a nossa Universidade, ela como boa parte das universidades do Brasil, elas ainda têm se voltado a uma recepção passiva do idioma estrangeiro, no caso do espanhol, a gente ainda sofre uma espécie de síndrome de colonização, em que aquilo que vem do exterior, seja na indumentária da fala, no acento, na curva melódica da produção da língua, na própria necessidade de repetir aspectos culturais desses países que produzem língua... língua espanhola, por exemplo. Então eu entendo que a gente não está preparado para problematizar o ensino de língua estrangeira... (PABLO) O segundo, e não menos importante aspecto apontado por Zeichner (2003), diz respeito ao longo distanciamento entre a teoria e a prática. A teoria está dentro da universidade e a prática está exclusivamente dentro das escolas primárias e secundárias, inviabilizando a possibilidade da teoria ser produzida na prática, e a prática ser usada como elemento de reflexão e teoria. Ramón, em sua entrevista, atribui isso ao caráter de bacharelado que se faz presente nos cursos de licenciatura. Para o professor, esse fato traz um grande esvaziamento político e até acadêmico, que obriga o futuro professor aprender com suas experiências, o que consequentemente esbarra em uma série de equívocos na tentativa de encontrar acertos: infelizmente a gente viveu um momento em que a licenciatura tem muito mais um caráter de bacharelado. Então, a gente não tinha prática educativa que nos balizasse pra entender que tipo de estratégias a gente poderia utilizar em determinados conteúdos. Então por conta disso, a gente.... vive uma solidão política e até acadêmica com relação a esse aspecto e a gente vai ter que ir construindo através de nossa própria experiência. E ai a gente acaba transferindo como se ensina na Língua Portuguesa, tentando construir um elo com o espanhol, fazendo jogral, fazendo jogos, conversação..., coisas que também já foram convencionadas. (RAMÓN) 103 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA A articulação entre teoria e prática tem sido buscada por todos, mas a forma como essa articulação é entendida precisa ser (re)significada para que não se configure em uma única forma de relacionamento entre teoria e prática. E, é no interior das práticas e estágios, elementos curriculares constitutivos próprios dos cursos de formação docente, que se apresenta grande parte das formas de articulação entre teoria e prática. Portanto, para dar continuidade a essa discussão seguiremos com a discussão e análise do tratamento que é dispensado ao Estágio Supervisionado durante o curso de formação em espanhol da UEFS. 5.2 O Estágio Supervisionado Toda proposta de formação profissional exige uma forma de aproximação com a prática, geralmente denominada como estágio. Esses estágios podem ser de duas naturezas: curricular e profissional. O primeiro ocorre ao longo do curso, articulado com as disciplinas teóricas; e o segundo, após a formação teórica. No Brasil, a formação docente, historicamente, exige apenas o estágio curricular, que é oferecido após ou paralelamente às disciplinas de Didática e Metodologia do Ensino (PIMENTA, 1994, p.21). Essas atividades de prática de ensino aparecem na LDB 9394/96, conforme o Artigo 65, com a exigência de no mínimo 300 horas para o curso de graduação de formação de professores. Caracterizada basicamente pelo estágio supervisionado, essas práticas de ensino sofrem alterações a partir da Resolução CNE/CP 2/2002, a qual altera para 400 horas o estágio supervisionado, além de propor mais 400 horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso. Esse parecer obrigou uma reformulação nos cursos de formação de professores a fim de repensarem o que vem a ser efetivamente práticas de ensino. Em se tratando dessa prática, ainda não há um consenso a respeito do que realmente englobaria uma prática pedagógica e nessa discussão várias concepções vêm a tona inclusive entre os docentes dos cursos de licenciatura. 104 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Ao analisar a Resolução CNE/CP 1/2002, em seu Artigo 12, encontramos o direcionamento para os momentos em que a prática deve estar presente, (re)afirmando a necessidade da mesma compor todos os momentos do curso: § 1º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso. § 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor. § 3º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática. (RESOLUÇÃO CNE/CP 1/2002) Já no Artigo 13, desta mesma Resolução, é possível perceber algumas concepções implícitas a respeito do que vem a ser prática, inclusive orientando que a mesma deve transcender o estágio supervisionado: Art. 13. Em tempo e espaço curricular específico, a coordenação da dimensão prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar. § 1º A prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à atuação em situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de situações-problema. § 2º A presença da prática profissional na formação do professor, que não prescinde da observação e ação direta, poderá ser enriquecida com tecnologias da informação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores, produções de alunos, situações simuladoras e estudo de casos. § 3º O estágio curricular supervisionado, definido por lei, a ser realizado em escola de educação básica, e respeitado o regime de colaboração entre os sistemas de ensino, deve ser desenvolvido a partir do início da segunda metade do curso e ser avaliado conjuntamente pela escola formadora e a escola campo de estágio. (RESOLUÇÃO CNE/CP 1/2002) Percebe-se aqui que a legislação traz de forma clara uma concepção de prática de ensino. A questão reside, entretanto, em de que forma podemos viabilizar essa prática nos cursos de formação. Dentre as atividades de práticas de ensino destaco, para este subcapítulo, o Estágio Supervisionado como componente curricular que deve tem por finalidade aproximar o acadêmico da realidade de sala de aula, onde será possível relacionar teoria e prática em um 105 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA campo investigativo, no intuito de constituir um ponto de reflexão entre a licenciatura e o exercício da profissão. Morais (1982), citado por Pimenta afirma que: O estágio deve ser um momento de síntese dos conteúdos das matérias de ensino, das teorias de aprendizagem e das experiências pessoais, bem como deve constituirse em um processo de reflexão-acão-reflexão, que ultrapassa a experiência (restrita) no colégio de aplicação (PIMENTA, 2002, p. 75) Nesse caso, o estágio também é uma atividade teórica na medida em que possibilita momentos de aproximação com a prática educativa com o objetivo de fundamentar os conhecimentos adquiridos (PIMENTA, 1994, p, 121). Lima (2002, p. 250) cita outros estudiosos que falam sobre a relação da prática dos estágios supervisionados como os estudos desenvolvidos por SCHÖN (1995), ALARCÃO (1996), PERRENOUD (1999), NÓVOA (1992), PIMENTA (1994), entre outras literaturas que tem contribuído para que as práticas de estágio sejam repensadas, e novas perspectivas sejam abertas. O curso de Licenciatura em Letras com Espanhol da UEFS, foco desta pesquisa, por se tratar de uma dupla habilitação oferece duas disciplinas de Estágio Supervisionado, um em Língua Portuguesa e a outra em Língua Espanhola, ambas com carga horária de 105h e ofertadas no último semestre do curso. Essa disciplina tem como pré-requisito a disciplina de Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Metodologia do Ensino da Língua Espanhola, respectivamente. Disciplina esta, que por um bom tempo, e ainda hoje, parece ser a disciplina própria para tratar desta dimensão de articulação das diversas facetas que envolvem a formação prática do professor. A professora da disciplina Estágio Supervisionado em Língua Espanhola, do curso supracitado, fala sobre essa questão: Seriam 04 semestres de estágio, mas só temos no final do curso, na verdade, tem Metodologia, onde é feito um trabalho de observação e coparticipação também, de 15h, mas na Metodologia ele vai ver todos os métodos, o histórico dos métodos, de como surgiu, porque surgiu, o que cada um trás de teoria, né, teoria linguística e pedagógica, como trabalhar... É uma disciplina densa porque eles vêem essa questão prática, eles vão analisar livro didático, e vão, à luz do que viram nas metodologias vão observar a prática de professores de língua espanhola, observando o que esses professores trazem das características, os métodos, como é que trabalha, fazendo depois uma reflexão em sala de aula. E nesse meio tempo ainda vai produzir unidade didática, projeto... Então em 75 horas a gente tem que 106 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA fazer milagre, já saindo do curso. Lembrando que hoje no 7º semestre o aluno tem Metodologia do Ensino de Língua Espanhola, Metodologia Científica e Metodologia da Língua Portuguesa, então ele tem que produzir 03 projetos: dois didáticos e um de pesquisa. O que causa um transtorno. São muitos projetos em tão pouco tempo, e no semestre seguinte que é o momento do estágio, que deveria ser um momento de reflexão, seria o estágio como um momento para refletir a própria prática, esse é o momento mais corrido porque tem a monografia para fazer e ficam angustiados para terminar o estágio, que passa a não ser vivido como deveria ser vivido. (PROFESSORA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA ESPANHOLA) O professor Ramón, em sua entrevista, também se posiciona com relação a essa estrutura densa, que sobrecarrega as disciplinas de Metodologia e Estágio, sugerindo mudanças na estrutura curricular: acho que estágio não deveria ser uma disciplina de final de curso, eu acho que metodologia não deveria ser somente aquela disciplina que é prévia, que antecede um semestre do estágio de língua espanhola. Eu acho que deveria ter um cadenciamento. Então deveria assim: prática educativa do ensino da língua espanhola voltada para os aspectos linguísticos, pra educativa voltada para o ensino da literatura... agente tem que tentar entender tudo isso, e na metodologia a culminância de todas essa práticas, pra a gente já ir para o estágio balizado. (RAMÓN) Como o foco deste estudo é a habilitação dos docentes que atuam como professores de ELE, discutiremos apenas a disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Espanhola. A ementa desta disciplina, que tem como código EDU 256, propõe o planejamento, preparação teórico-prática e avaliação de estágio, visando a formação do futuro professor para o ensino da língua espanhola nas instituições de ensino fundamental e médio, tendo, como pressuposto, uma visão crítica e reflexiva acerca do ensino da língua espanhola em todas as atividades do estágio. Em contrapartida, traça como objetivos: • Profissionalizar licenciados em língua moderna-espanhola com a finalidade de despertar e difundir o interesse pela aprendizagem da mesma em instituições da rede pública e privada ou classes especializadas. • Inserir o educador no ambiente real de trabalho, através da prática de atividades técnicas, pré-profissionais, sob supervisão do docente-orientador. • Conscientizar o educador da necessidade de renovar, através de técnicas e métodos adequados e modernos, o estudo da língua em questão. (PROGRAMA DA DISCIPLINA – em anexo) 107 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Quanto à proposta metodológica traçada no programa da disciplina consta de planejamento de estágio, em grupo, orientado pelo professor da disciplina, através de diálogos semanais, discussões de socialização da disciplina e elaboração do relatório final, com o apoio da bibliografia recomendada; planejamento e realização da observação inicial; supervisão de estágio, diariamente, pelo coordenador e pelo professor regente e a avaliação dos processos didáticos, em grupo ou individualmente, bem como a avaliação final do estágio. Em diálogo com a professora responsável pela disciplina, a mesma expõe e lamenta a situação como a disciplina está posta, e a considera engessada pela grade curricular do curso e fala sobre a necessária mudança do mesmo, expondo como acredita ser o ideal: 105 horas, sendo que é dividido em 45h teórico, 35h de observação e coparticipação e 25h de prática. É muito pouco. Um novo currículo está tramitando. O ideal é que o estágio tenha em 04 momentos: o estágio 01, aonde o aluno vai para observar o ensino fundamental; o estágio 02, aonde o aluno vai para observar o ensino médio; o estágio 03 onde ele vai aplicar as atividades no ensino fundamental; o estágio 04 para aplicar no ensino médio. Então teríamos 02 anos.... o momento do estágio, que deveria ser um momento de reflexão, seria o estágio como um momento para refletir a própria prática, esse é o momento mais corrido porque tem a monografia para fazer e ficam angustiados para terminar o estágio, que passa a não ser vivido como deveria ser vivido. Então o currículo precisa ser mudado urgente. E a gente percebe a angústia dos alunos, a carência em muitos aspectos e a gente não consegue contemplar as necessidades porque quando encontra essa realidade já está lá na ponta, já está no final. Percebe as dificuldades, mas o currículo não permite maiores intervenções. O resto o aluno vai aprender na prática e sozinho. (PROFESSORA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LÍNGUA ESPANHOLA) Destacamos, dessa concepção, que essa separação entre teoria, desenvolvida no decorrer do curso, e prática, apresentada aos alunos apenas ao final do curso em caráter terminal, prioriza a técnica e desconsidera o caráter criativo da prática. Na formação docente brasileira, o estágio, ainda que deva ser constituído por um conjunto de atividades que os alunos devem realizar durante o seu curso no futuro campo de trabalho, tem sido associado à prática de ensinar e, consequentemente, ao polo prático da formação em contraposição ao polo teórico constituído pelas disciplinas de estudo (PIMENTA, 1994, p.21). Tal percepção é confirmada nas entrevistas dos professores colaboradores, quando apontam para a falta de articulação teoria e prática e o pouco suporte que é fornecido pela disciplina de Estágio Supervisionado, em especial, pela forma como esta se dispõe na matriz curricular, como está claro na fala de Carmen: 108 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Eu particularmente, meu estágio de espanhol foi uma semana porque não tinha espanhol ainda na rede pública né!, então a professora brilhantemente teve a ideia de fazer uma oficina de uma semana e isso ajudou muito. (CARMEN) Outra unanimidade na fala dos entrevistados foi a constatação do quão corrido foi a prática na disciplina de Estágio, fato confirmado e justificado anteriormente pela professora da disciplina. Para ilustrar trago a fala da professora Laura, quando relata seu estágio: O meu estágio mesmo foi bem corrido... na verdade, em uma semana eu concluí. Em uma semana agente fez tudo... Nós elaboramos um projeto, [...] de estudo da língua, envolvendo a literatura, a literatura infantil, ai esse projeto durou uma semana, foi eu e mais duas colegas, então foi muito curto... não deu pra dizer assim: ah! eu pratiquei. (LAURA) Na fala da professora Laura pode ser denunciada a impossibilidade de manter a estrutura e tratamento que é dispensada à disciplina de Estágio Supervisionado durante o curso. É notório que uma semana é tempo irrisório para conseguir contemplar os objetivos propostos pela disciplina, muito menos as necessidades suscitadas durante a trajetória de formação. Desenvolver o estágio em forma de oficinas com duração de uma semana fatalmente estará configurando-se em um fingir da realidade. Está claro aqui, que mesmo que estudos e propostas de formação docente tenham enfatizado a importância da articulação entre teoria e prática e situado o estágio como atividade teórica e meio de aproximação com a prática, e se reconheça que existem experiências inovadoras que apresentam avanços, ainda prevalece a tradicional dicotomia. Assim, de acordo com a proposta de Donald Schön, a formação dos profissionais da educação não deve ocorrer nos moldes de um currículo normativo que primeiro aponta a ciência, depois a sua aplicação e por último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico-profissionais (PIMENTA, 2002). Um profissional formado nesses moldes certamente enfrentará grandes dificuldades na resolução de situações problema que surgem no dia a dia de sua profissão uma vez que estas 109 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA transcendem os conhecimentos elaborados pela ciência. É nessa perspectiva que Pimenta (2002) aponta para uma formação através da reflexão, análise e problematização. É preciso combater essa dicotomia e afirmar que a formação teórico/prática ocorre simultaneamente, assim como reflexiva, crítica e criadora de identidade (PERRENOUD, 2002). 5.3 De estudante a professor de Espanhol como Língua Estrangeira Este subcapítulo dirige a atenção para o quarto bloco da entrevista intitulado “a prática como professor de ELE”. No bloco em questão, busca-se obter dados sobre as ações que orientam a prática do professor de ELE, no local de trabalho; as superações, traumas, estratégias, desafios e possibilidades do professor de ELE como o objetivo de identificar elementos que caracterizem essa prática e o elo estabelecido com a trajetória de formação. Como já relatado no corpo desta pesquisa, todos os professores entrevistados começaram a atuar em sala de aula como professor de ELE ainda durante a graduação, justificado pela demanda do mercado de trabalho, associados aos interesses financeiros e à oportunidade de atuar na sua área de formação, essa oportunidade era recebida pelos (futuros)professores com grande satisfação, como explica Pablo em seu relato: à medida que eu vim pra universidade, cursando me parece que um, dois, ou três semestres, eu fui dar aulas nesse curso de pré-vestibular, e foi uma experiência bastante interessante porque de qualquer forma foi o primeiro momento que eu me senti enquanto professor de espanhol..., de alguma forma eu era professor de espanhol. É... por mais que houvesse uma restrição na minha prática enquanto professor, e por mais que houvesse uma restrição nos objetivos que eram propostos naquele tipo de trabalho, é... foi uma experiência bastante exitosa. (PABLO) Contudo, como expressado na fala de Pablo, e ratificado por Laura, começar a atuar ainda no inicio ou no meio da graduação traz algumas limitações em suas práticas de sala de aula e os maiores prejudicados são os alunos: eu comecei a trabalhar utilizando o básico mesmo porque foi em meu primeiro ano de faculdade... Eu creio que eu não dei tudo o que eu poderia ter dado... aqueles alunos não saíram como os que hoje saem, né, que ainda não vão completos... tem sempre muito mais a acrescentar... (LAURA) 110 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Com o primeiro contato em sala de aula, os professores percebem que a realidade desenvolvida na academia era muito díspare da realidade encontrada nas salas de aula, como desabafa Carmen: A gente tem noções de como a gente pode vir a trabalhar em sala de aula, a gente tenta se aproximar desse contexto, mas, todas as pessoas que eu conheço e que fizeram graduação comigo, que atuam na área, e que são pouquíssimas inclusive, a gente sempre conta as experiências de que não é nada do que a gente viu na graduação. (CARMEN) Assim, percebendo que tais orientações durante a formação não auxiliavam satisfatoriamente em suas tarefas cotidianas como professor de ELE, procurei entender como se dá o processo de execução e preparação dos conteúdos a serem ministrados pelos sujeitos por mim entrevistados. Anita descreve que nesse primeiro momento, buscando suprir suas carências, realizava os planejamentos em equipe e se debruçava para estudar os conteúdos que tinha dúvida. A professora também relata a imaturidade no início da carreira e os equívocos que são cometidos: Você começa muito verde. Não é?!. Cometendo alguns equívocos, inclusive, na própria língua e se dando contra e tendo que corrigir imediatamente. Nós preparávamos as aulas. E eu descobri que nem sempre aquilo que era preparado era o que dava certo aplicar na sala (...) Então eu tive que aprender muito. Eu tive que começar a buscar formas e meios para começar a aprimorar minhas aulas para que eles não se desinteressassem (...) Eu tinha que me debruçar e estudar antes de dar aula, conteúdos gramaticais, especificamente, eu poderia citar aqui, por exemplo, pronome complemento, que o grupo todo sentou para preparar uma aula... (ANITA) Já a professora Carmen confessa que aprendeu com uma de suas professoras da graduação a balizar sua prática sempre em cima de uma teoria, e segue esse ensinamento até hoje: ela (referindo-se a uma professora da graduação) sempre falava que você precisa estudar a teoria pra todos saberem o que você está fazendo. E ela ensinou pra a gente que a teoria fundamenta a maneira como as coisas se processam na prática. Então hoje em dia o que eu busco é (...) o que é que vai fundamentar essa minha 111 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA ideia? ai eu vou atrás da teoria e começo a investigar a teoria até chegar na minha prática e isso é legal porque você faz a aula com mais segurança (...) Então essa é a parte mais interessante de unir a teoria com a prática. (CARMEN) Nesse fragmento de sua fala Carmen revela uma articulação da teoria com a prática em seu processo de formação, que nem ela própria consegue perceber, pois em falas anteriores a professora nega ter existido essa articulação durante sua trajetória. Essa contradição em seu discurso nos induz a responsabilizar a estrutura do curso, pois o mesmo não oferece aos graduandos a reflexão e maturidade necessária para perceber essa relação da teoria com a prática, pois a teoria é o fundamento do conhecimento e o fazer nasce do conhecer. No caso de Carmen, foi a uma professora específica que conseguiu despertá-la para essa relação, uma vez que essa percepção deveria ser inata ao curso. Outro aspecto levantado como uma das grandes dificuldades enfrentadas no planejamento e desenvolvimento das atividades está na quantidade de aulas que lhes é destinada durante a semana, na grade curricular do Ensino Fundamenta e Médio, que aqui ilustro com a fala do professor Pablo: a carga horária é bastante reduzida, me parece que 1hora/aula para carda turma, uma aula semanal para cada turma, uma aula de 50 minutos, o que obviamente impede qualquer tipo de trabalho duradouro em termos de aquisição e problematizarão da língua. (PABLO) É notório, que aprender uma língua estrangeira envolve uma série de aspectos a serem desenvolvidos que apenas uma aula semanal não possibilita. Ainda sobre a preparação e desenvolvimento das aulas, os professores entrevistados expuseram que muitas vezes é impedido de realizar um trabalho mais amplo e reflexivo, contemplando as quatro destrezas, porque o foco esperado pela gestão das unidades de ensino para o ELE é o conhecimento da gramática para o exercício de tradução, trazendo um pouco da abordagem para a leitura, pois carrega em sim a aquisição do vocabulário. Pablo, ao descrever sua atuação em sala de aula, toca nessa questão: as condições de trabalho elas são as mais adversas possíveis em se tratando de ensino de língua estrangeira, especialmente porque se trata de uma carga horária 112 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA absolutamente reduzida, e... em termos de escolas públicas ou privadas, há uma atenção quase que voltada simplesmente para o exames de vestibular, o acesso , o ingresso desses alunos nas universidades. Então, o tratamento que é dada às línguas estrangeiras é um tratamento bastante restrito e voltado para esse fim. Dessa maneira, o trabalho que eu desenvolvi durante esse momento de atuação nas escolas de ensino fundamental e médio, ele se restringiu simplesmente a isso (...) Os trabalhos eram de aprendizagem, de decodificação, melhor dizendo, de elementos, de aspectos linguísticos da língua, que marcasse uma certa diferença da língua espanhola e língua portuguesa, que era nossa referência naquele momento. Era algo realmente voltado para esse universo de vestibular. (PABLO) Esse objetivo traçado para o ensino/aprendizagem da Língua Espanhola na Educação Básica justifica-se única e exclusivamente por uma visão mercadológica, pois o objetivo das escolas é preparar seus alunos para os vestibulares e processos seletivos, como afirma Anita: O aluno tinha que ter um espanhol mais instrumental pra aprovação em concurso público. Então tinha a característica de espanhol para fins específicos. Nesse caso ai, para o vestibular (...) Mas as questões de leitura e produção de textos, nós trabalhávamos muito, muito mesmo. (ANITA) Para Jovanovic (1986): O ensino da Língua Estrangeira sempre manteve a gramática em lugar de destaque, dando aos exercícios estruturais um lugar privilegiado, como se mediante a sua realização o aluno pudesse vir a ser treinado para produzir respostas sempre corretas. (JOVANOVIC, 1986. p. 153) Percebe-se que a aprendizagem do idioma muitas vezes é pautada em uma abordagem tradicional e os cursos de formação inicial ainda não conseguiram capacitar profissionais reflexivos capazes de entender que como profissionais autônomos, ao refletir sobre suas práticas, os mesmos são capazes de estabelecer caminhos que suprimam as deficiências e carências de um ensino normativo. . Não pretendo dizer aqui que a gramática deve ser excluída do processo de ensino aprendizagem de idiomas, mas antes, é preciso entender que esta não é o único objeto das aulas, mas parte do processo de aquisição da L2, como afirma Possenti (2004, p. 56); “falar contra a ‘gramatiquice’ não significa propor que a escola seja só ‘prática’, [que] não reflita 113 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA sobre as questões da língua (...) trata-se apenas de reorganizar a discussão, de alterar prioridades”. Ao serem, perguntados sobre o coletivo de trabalho, também foi possível destacar algumas insatisfações. A primeira delas diz respeito à desmotivação dos colegas de trabalho, ilustrada na fala de Carmen quando relata sua experiência: As pessoas que trabalham em escolas estaduais, pelo menos como é minha experiência, elas não sentam e explicam pra você como é a realidade da escola. Elas simplesmente desmotivam e dizem "olha, isso que você está pensando não vai funcionar, isso não vai ser legal... não, não faz isso... [...] E tem a questão do professor ser solitário..., como eu fui solitária aqui por um ano e meio aqui na escola... Assim, é legal por um lado porque tudo o que tem da área você faz... mas não tem ninguém para dialogar, pra ver se você tá caminhando certo... par saber se aquilo pode ser bom, ou se tem algo melhor para fazer... então esse é o lado ruim da solidão. (CARMEN) Em contrapartida, Laura afirma não sentir essa solidão apenas porque ela também é a professora de Língua Portuguesa e acaba integrando a Língua Espanhola aos projetos e atividades da língua materna: Aqui eu não sinto muito isso porque como eu sou professora também de português então eu tenho um espaço maior lá dentro. Porque professora de Língua Portuguesa sempre é bem vista na elaboração de projetos... então tento sempre estar juntando os projetos que eu faço para Língua Portuguesa com a Língua Espanhola também... Então para mim fica mais tranquilo. (LAURA) O trabalho em conjunto, em especial a aceitação e troca de experiências entre seus pares é de fundamental importância para uma prática articulada e significativa para os educandos. Para Lima “os professores precisam ser parte de uma comunidade de colegas que influenciem as tentativas de repensar e experimentar práticas” (LIMA, 2004, p.13). Assim, planejamento em conjunto possibilitará a discussão dos propósitos e objetivos traçados, permitindo ainda a reflexão de suas ações. A outra insatisfação apontada pelos professores entrevistados, está no pouco prestígio dado à disciplina no imaginário escolar. Ilustro esse descontentamento com o fragmento da entrevista da professora Anita, que se posiciona muito bem a esse respeito: 114 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA porque assim, no conselho de classe se o aluno perdeu só em Língua Espanhola ou em Inglês, ele nem vai para o conselho de classe, porque a língua estrangeira não tem importância. É só pra preencher o currículo, porque é obrigatória por Lei. Então o professor não tem os outros instrumentos que os outros tem, porque as outras disciplinas tem força. (ANITA) O conhecimento da língua é desvalorizado e encarado, por membros da comunidade escolar apenas como uma disciplina para cumprir carga horária, além de faltar recursos, dentre tantos outros entraves que enfraquecem o professor de espanhol que desiste de posicionar-se, se anulando e anulando a disciplina. Por último, foi perguntado aos professores entrevistados sobre a atuação com pesquisa e/ou extensão durante sua prática de sala de aula no ensino básico por considerar que o trabalho dentro do tripé ensino/pesquisa/extensão faz parte do processo de emancipação do professor e consequentemente do aluno. Pedro Demo (2000) coloca que a pesquisa deve fazer parte de toda a trajetória educativa, como um princípio educativo na base de qualquer proposta emancipatória. Sem grandes surpresas, todos os professores responderam que não conseguem trabalhar, no ensino básico, com pesquisa nem com extensão. Carmen justifica que não se sente segura para desenvolver pesquisa ou extensão com seus alunos: ainda tenho muitas dificuldades, inclusive eu conversei com uma colega, que ela é de português, colega nossa de lá da escola, e ai eu perguntei a ela como é que a gente desenvolve um projeto de pesquisar com alunos do ensino médio. Porque minha grande dúvida é: será que esse aluno vai ter maturidade para desenvolver um projeto? que tipo de projeto eu posso apresentar para que desenvolva, sem é.... dizer que é um projeto com um grau de dificuldade muito grande, ou dizer que é um projeto muito fácil... por exemplo. (CARMEN) Pablo, em seu discurso, diz que só hoje, atuando no ensino superior, percebe a pesquisa e extensão como subsídios para a formação do professor reflexivo. Ao ser questionado sobre o trabalho com a pesquisa e/ou extensão enquanto professor do ensino básico ele justifica que não desenvolveu nenhum dos dois e culpa a sua formação que não lhe motivou ou preparou para desenvolver projetos dessa natureza: 115 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA A principio não porque a minha experiência com pesquisa tem sido bastante insipiente, mas é claro que isso se constitui um objetivo, uma meta, uma ambição [...] É muito simples, na minha graduação, a pesquisa, era um.... objeto vazio. Eu lamento inclusive, muito, não ter me voltado para a pesquisa durante a graduação, e lamento, sobretudo porque essa atividade não era algo divulgado entre os professores, talvez porque esta também não fosse uma atividade desenvolvida pelos professores. Nós não tínhamos uma tradição de que se oferecesse professores pesquisadores; o professor era simplesmente voltado para a docência. Inclusive nossa graduação sofre dessa carência ainda hoje (...) A pesquisa ela é quase que em última instância, quando trazida para o jogo..., trazida para o debate. Já a extensão, ela talvez acontecesse também de forma mediana porque há uma certa exigência por parte da Universidade em estabelecer links, em se estabelecer diálogos com a comunidades, com o meio externo. (...) Em termos de pesquisa isso infelizmente não acontecia. (PABLO) Freire (1996, p. 29), ao afirmar que “ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo eu educo e me educo.”, posiciona a pesquisa com bagagem fundamental na formação de qualquer educador. Merecem destaque ainda Geraldi (1998) com a pesquisa-ação entre os professores; André (1995) com a associação da pesquisa universitária e básica; e Maldaner e Schnetzler (1998) na defesa da integração dos conhecimentos da ação educativa, para a superação da dicotomia teoria/prática. Assim, nessa nova perspectiva o professor passa a atuar como produtor de conhecimentos, com ações norteadas por pensamentos e ações que marcarão sua prática. 5.4 A formação é continuada O homem é um ser mutável e, como tal, as coisas com que ele mantém relação também estão envolvidas nesse processo de mutação. Nas últimas décadas, com o avanço do conhecimento, e sua relação direta com o desenvolvimento profissional, trouxe à tona a necessidade de atualização e de aperfeiçoamento constante dos que atuam na educação. Logo, a forma de educar e de ensinar também passa por processos de mudanças constates. Rodrigues e Esteves afirmam que: A formação não se esgota na formação inicial, devendo prosseguir ao longo da carreira, de forma coerente e integrada, respondendo às necessidades de formação 116 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA sentidas pelo próprio e às do sistema educativo, resultantes das mudanças sociais e/ou do próprio sistema de ensino. (RODRIGUES E ESTEVES 1993, p. 41) Por isso, ao sair da universidade, o licenciado não deve pensar que sua vida acadêmica acabou. Ser um educador exige ser um profissional dinâmico, autônomo e em constante formação. Por conseguinte, a necessidade de continuidade de quem já é professor é criada a partir da responsabilidade da difusão do saber socialmente construído, do necessário acompanhamento da evolução do conhecimento. Sobre formação continuada, Machado (1999), citando Nóvoa, propõe que: No sentido individual a formação estimula uma perspectiva crítico-reflexivo que forneçam os meios de um pensamento autônomo e as dinâmicas de auto-formação participada, pois estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional. (MACHADO, 1999) Entretanto, para Christov (1998), o termo formação continuada, encerra forte crítica aos antigos programas de treinamento, capacitação, aperfeiçoamento e/ou reciclagem, na medida em que insinua o prestígio da construção da autonomia intelectual do professor. Nessa perspectiva, a formação continuada trata-se não apenas de cursos, seminários, simpósios, congressos, mesas-redondas, encontros, conferências, oficinas, dentre outros, mas todo e qualquer programa que inclua um conjunto de recursos diversos, que ocorra de maneira concatenada e ao longo da vida. Pablo, um dos professores colaboradores da pesquisa, define a formação continuada como algo essencial à vida do ser humano. Para ele, o sujeito é um ser em construção, em desenvolvimento e que, portanto, estará sempre em processo de aprendizagem, completando seu pensamento acerca da formação continuada, com a seguinte reflexão: ...é preciso que se entenda que essa formação continuada ela não necessita necessariamente de momentos estanques, pragmáticos de produção, de formação, de aquisição de certificado, de diplomação pra isso. Se forma e se reforma, se constrói e se desconstrói de forma conjunta ao longo de toda a vida, e é preciso que a gente passe a refletir um pouco mais sobre isso. (PABLO) 117 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA António Nóvoa (1992) classifica a formação continuada em dois modelos: estrutural e construtivo. A Formação continuada estrutural é fundamentada na racionalidade técnicocientífica. Oferecidos por agências legitimadas, organiza-se com base em proposta previamente organizada, centrada na transmissão de conhecimentos e informações de caráter instrutivo. Esse modelo de formação, em sua maioria, não considera a experiência profissional e ostenta a ideia de que os conhecimentos científicos teóricos são superiores aos conhecimentos da prática. Já a Formação continuada construtiva, ainda segundo Nóvoa (1992), ocorre de uma relação em que formadores e formandos são colaboradores, predispostos aos saberes produzidos em ação. Esse tipo de formação leva em conta os saberes desenvolvidos no exercício da profissão, apoiados e validados pela própria experiência, partindo de situações contextualizadas que favorecem a reflexão, articulando significativamente teoria e prática. É comum o uso de grupos focais, oficinas, dinâmicas de debates, além de exercícios experimentais, estudos de casos, seguidos de discussões. Segundo Demo (2002, p. 72), “a qualidade da educação depende, em primeiro lugar, da qualidade do professor”. Nesse contexto, a própria precariedade da formação inicial, também observada por Demo (2002) já implicaria a necessidade de uma via de compensação/complementação. Entretanto, a educação continuada não pode ser considerada apenas como um reparo a uma formação inicial ineficiente. Por esse motivo, Perrenoud (2000) entende a formação continuada como a competência responsável pela manutenção e pelo desenvolvimento de todas as outras adquiridas ao longo da vida, seja profissional, seja pessoal. A formação continuada assume a incumbência da aquisição de novas competências de forma a contemplar as novidades que se apresentam ao professor. Como idealiza o professor Ramón, no decorrer de sua entrevista, ao ser perguntado sobre sua compreensão de formação continuada: eu acho que essa formação continuada ela é justamente pra nos dar essa consciência do que de fato nós adquiridos, o que fazemos e o que poderemos fazer... é o que poderemos fazer a partir daquilo que já fazemos; eu acho que isso é importante, eu acho que tem que ser ofertado, tem que ser credibilizado... (RAMÓN) 118 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Com o propósito de obter dados sobre como os educadores vêem o processo de formação continuada, durante as entrevistas, foram feitas algumas perguntas sobre essa temática com o objetivo de identificar elementos que caracterizem as práticas e/ou participação dos sujeitos nesse processo de formação e sua interferência na trajetória pessoal/profissional do sujeito. Ao serem perguntados sobre como se configura sua formação continuada em sua trajetória ficou claro que três dos cinco professores entrevistados concebem essa formação como um processo estrutural ao considerarem como formação continuada apenas os cursos de capacitação, especialização, mestrado, como se configura na fala da professora Anita quando diz que fez duas especializações, agora está com projeto pensado para mestrado; e da professora Laura ao referir-se também à especialização como único instrumento de formação continuada de sua trajetória: Eu creio que seja importante aprimorar sua prática apesar de que, como eu já te disse, não dei continuidade. Eu parei, ai fiz a pós, mas que foi mais uma questão.... salarial, não foi uma questão de aprendizado, porque essas pós-graduações a distância não lhe acrescentam muita coisa não. (LAURA) Nessa fala da professora Laura, se encerra a velha e pública história da precariedade do salário pago aos professores induzindo os profissionais da área à inversão dos valores da real necessidade de uma qualificação profissional. Outro aspecto que agrava ainda mais essa situação, conforme Demo (2002, p. 71) está na “pequenez da política oficial, sempre mais interessada em impactos políticos do que na qualidade da aprendizagem, bem como nos problemas com a formação do professor”, o que conduz a políticas – orientações teóricas, estatutos, normas, parâmetros, conteúdos, procedimentos – muito mais atentos aos aspectos quantitativos que qualitativos da formação de professores e muitas vezes alheios aos interesses e necessidades da comunidade das quais eles servem. Outro fator relevante apontado como dificuldade encontrada na/para a formação continuada pela professora Carmen reside na dificuldade financeira e na falta de tempo para realizar os cursos que são ofertados em sua área de atuação: 119 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Bom!... primeiro é a dificuldade financeira, porque a maioria dos cursos não é nada barato, e quando é acessível ele é em uma cidade que você não vai conseguir se deslocar, ou ainda ele vai acontecer em dias que vai coincidir com teu trabalho e o chefe não vai te liberar pra você fazer o curso né. Então a gente tem a dificuldade financeira e de tempo, e depois de deslocamento.... (CARMEN) O fator tempo está, indubitavelmente, dentre os mais importante empecilho para formação continuada de professores. Autores como Bruno (1998), Christov (1998), Marques (2000) e Mercado (1999) advertem para a necessidade de que o professor tenha tempo disponível para repensar sua prática. Contudo, é obrigação das secretarias de educação (re)organizarem o tempo e os espaços escolares no intuito de promover as condições para a formação dos professores. Nesse intuito, no âmbito do serviço público em geral, a Constituição Federal, Artigo 39, Parágrafo 2º, exige a instauração de tais políticas, na medida em que atrela o plano de carreira dos servidores a um processo de capacitação, e como demais aparatos legais específicos da área da educação, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999) reconhecem as diversas dimensões dessa atividade e, coerentemente, estabelecem espaço e tempo na rotina escolar para esse fim, como, por exemplo, na LDB 9.394/96, Artigo 67, a qual determina que: os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais de educação, assegurando-lhes: [...] aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico para esse fim; [...] período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho. (BRASIL, 1996) Pablo, em outro fragmento de sua fala, chama a atenção justamente para esse tratamento que é dispensado às políticas de formação continuada em nosso país: É..., eu entendo que a formação continuada ela acaba se colocando enquanto uma necessidade sobretudo humana. Eu tenho uma certa resistência talvez ao tratamento do termo, porque me parece uma exigência por parte do mercado e por parte das políticas públicas que se instituem no país, uma exigência de formação continuada. Só que da forma que isso tem sido aplicada no Brasil, agente entende uma demanda em larga escala de oferta de cursos, da participação de cursos, do incentivo profissional quando da participação e desenvolvimento desses cursos; mas isso de forma bastante sistêmica e pragmática. Essa noção de formação continuada, ela não tem acontecido de forma problematizada dentro do conjunto de políticas públicas que são implementadas no Brasil. (PABLO) 120 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Face ao exposto, sendo a formação continuada dos professores um direito e um dever desses profissionais, esta só é possível mediante sua pré-disposição em promover mudanças de práticas no âmbito do comportamento, dos valores, dos sentimentos e dos conhecimentos, o que reforça a necessidade de reflexão e ação sobre essa temática. 121 5 APRENDENDO E ENSINANDO UMA NOVA LIÇÃO: REVELANDO A TEORIA NA PRÁTICA Salvador Dali 122 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO Chegando ao final desse trabalho, deparo-me com a certeza de que as considerações que aqui serão feitas assumem um caráter de inconclusibilidade, pois o contato com o outro, a relação dialógica estabelecida com os sujeitos colaboradores com a pesquisa – sujeitos marcados por um processo social e cultural – me deu a certeza de que valores se alteram, ideias evoluem, práticas se transformam e as particularidades aqui expostas e analisadas, daqui a algum tempo, certamente apresentarão diferentes interpretações, novos olhares, outras certezas. Iniciei esse estudo revivendo em minhas memórias a minha trajetória pessoal/profissional – considerando seu caráter de indissociabilidade – pois precisava situarme no tempo e espaço que ocupo. Ouvir e compreender minha história previamente serviu como fonte de fortalecimento das angustias e questionamentos que inspiraram o desejo nessa pesquisa. Consciente dessa certeza, me senti receptiva para ouvir o outro sem a preocupação de invadir seu espaço, suas lembranças, suas memórias, que embora considere individuais e intransferíveis, carregam consigo toda uma carga coletiva. Os estudos empreendidos por Maurice Halbwachs (1990) contribuíram definitivamente para a compreensão dos quadros sociais que compõem a memória. Para ele a memória aparentemente mais particular remete a um grupo. O indivíduo carrega em si a lembrança, mas está sempre interagindo com a sociedade, seus grupos e instituições. São no contexto destas relações que construímos as nossas lembranças. Nas palavras de Halbwachs (2006): Se nossa impressão pode apoiar-se não somente sobre nossa lembrança, mas também sobre a de outros, nossa confiança na exatidão de nossa evocação será maior, como se uma mesma experiência fosse começada, não somente pela mesma pessoa, mas por várias. (HALBWACHS, 2006, p. 25) 123 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO Assim, compartilho da ideia de que o sujeito ao reviver sua trajetória profissional certamente fala por si e pela classe de docente que representa. Nessa perspectiva, trago comigo a certeza que não entrevistei apenas cinco professores, mas um coletivo deles. Ao escolher trabalhar com a formação inicial de professores de espanhol e a implicação na prática pedagógica dos docentes dessa área, refletindo como os mesmos vêm lidando com as demandas e necessidades formativas para essa área, fez-se necessário situar a origem e evolução desse idioma no cenário educacional brasileiro. Trabalhos como os de CELADA (2012), MARIANI (2004), STURZA (2006), SERRANI (1988), entre outros, refazem o percurso de situar o lugar da língua espanhola entre as línguas portuguesa, indígena e outras línguas estrangeiras no espaço geográfico brasileiro. Após a leitura de uma breve retrospectiva histórica do processo de implantação de ELE no cenário educacional brasileiro, percebe-se que sua trajetória vai além de um simples processo de implantação e execução, mas configura-se como uma luta de resistências entre décadas, buscando, em cada brecha e oportunidade, afirmar a sua importância e valor. Contudo, é valido ressaltar que os interesses econômicos, representado nas últimas décadas pelas relações e acordos, com destaque para os países do MERCOSUL, possibilitou grandes intercâmbios e ligações socioculturais sólidas. A exemplo disso, tem a Lei 11.161/2005, que considerada um grande marco para a implantação do Espanhol nas escolas de Ensino Médio e Fundamental, rompe com anos de exclusão da língua, atestando o direito ao multiculturalismo e ao pluriculturalismo nas escolas, direitos estes já garantidos pela Constituição Federal, em seus artigos 215 e 2016. Leffa (2005) considera que a problemática do ensino de língua estrangeira aponta para dois focos de pesquisa: o político, que envolve uma escolha de uma determinada comunidade por uma língua estrangeira; e o metodológico – foco desta pesquisa – que diz respeito à problemática que envolve a atuação do professor em sala, com ênfase ou na escrita ou na fala, a partir das abordagens de ensino de línguas e das melhores formas de ensinar um determinado conteúdo. Nessa perspectiva, a promulgação da Lei 11.161/2005, atrelado ao desejo de valorização da Língua nas escolas brasileiras, esbarra em alguns entraves como a falta de organização e políticas pedagógicas, bem como na formação de profissionais qualificados. A 124 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO implantação do idioma nas escolas ficou refém de interesses políticos e, na Rede Pública, em especial, é caracterizada pelo desinteresse dos gestores e da comunidade escolar. O ELE é visto como um apêndice, tendo pouco valor no espaço escolar frente a outras disciplinas. É notório que essa desvalorização do idioma afeta diretamente a motivação pessoal/profissional do docente e está explicita em vários fatores como a reduzida carga horária destinada à disciplina (01 hora/aula semanal); a falta de recursos para o desenvolvimento de um trabalho interativo e dinâmico; e a solidão docente no planejamento de atividades, o que geralmente induz ao docente de ELE a desistir de posicionar-se e/ou posicionar sua disciplina no espaço escolar. Mota (1999) nos revela que: Uma concepção de homem enquanto ser energético, se trabalhada durante a formação do professor, pode proporcionar o desenvolvimento de uma ação docente e discente mais “gratificante”. Neste caso, a contribuição de Reich, para a educação volta-se para a relação professor-aluno, tomando por base o seu principio de energia que pode fundamentar a formação do professor. (MOTA, 1999, p.15) Ao perceber essas dificuldades na fala de meus interlocutores, percebo também a grande necessidade de um ensino de ELE fundamentado em uma perspectiva reflexiva. Destarte, não é o que acontece na maioria dos cursos de formação de professores e também não foi percebido na Licenciatura em Letras com Espanhol da UEFS. Os resultados nos mostram que há pouca ou nenhuma reflexão dos professores em formação inicial, ou seja, o processo reflexivo não é utilizado na prática. Muitas dificuldades registradas neste estudo se dão pela vigência de uma abordagem tradicional de ensino, pouco ligada ao uso efetivo da língua, onde perdura a dissociação da teoria com a prática. De acordo com Schön (2000), um Ensino Prático Reflexivo é um tipo de ensino prático voltado para auxiliar os estudantes a adquirirem os tipos de talento artístico, ou seja: “[...] tipos de competência que os profissionais demonstram em certas situações da prática que são únicas, incertas e conflituosas” (SCHÖN, 2000, p. 29). Buscando responder uma das perguntas centrais dessa pesquisa que é entender como a formação teórico prática, no curso de graduação em Espanhol contribui para preparar o professor para suas experiências de sala de aula, fizemos uma breve exposição do currículo 125 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO vigente do curso de Letras com Espanhol da UEFS e constatamos que o mesmo ainda está preso a uma estrutura tradicional que inviabiliza o trabalho conjunto da teoria com a prática. Moreira e Silva (2005) entendem currículo como o conjunto de todas as experiências de conhecimento proporcionadas aos estudantes – que está no centro mesmo da atividade educacional. Entretanto, discussões sobre currículo só ganham o centro das atenções quando surge alguma proposta de introdução de uma nova disciplina ou a volta de uma antiga. Assim, o currículo é tomado como algo dado e indiscutível, raramente sendo alvo de problematização, mesmo em círculos educacionais profissionais. Conforme percebemos no discurso dos sujeitos entrevistados, o currículo do Curso de Letras com Espanhol da UEFS configura-se como uma série de disciplinas teóricas. A prática materializa-se apenas no último semestre do curso com a disciplina de Estágio Supervisionado. Fato que se configura como um descumprimento da Resolução CNE/CP 2/2002, a qual altera para 400 horas o Estágio Supervisionado, que deve ser vivenciado ao longo do curso. Os depoimentos, de forma geral, mostram que durante sua formação foram melhores trabalhados aspectos mais técnicos como o vocabulário e a gramática da língua. Afirmações que nos remete à importante discussão na área sobre a formação inicial de professores de ELE ser fortemente pautada na racionalidade técnica. No esteio da discussão, Pereira (1999) sinaliza que ainda hoje as disciplinas de conteúdo específico se sobrepõem às de cunho pedagógico, havendo entre elas pouca articulação. Ao nos depararmos com um currículo que traz características de uma abordagem tradicional, que prioriza a teoria em detrimento da prática, o mesmo nos evidencia uma forte contradição no desenvolvimento real de habilidades e competências necessárias ao profissional da área. Uma contradição já detectada na literatura consultada e no cotidiano de sala de aula, como afirmam Ropé e Tanguy: Os usos que são feitos da noção de competência não nos permitem uma definição conclusiva. Ela se apresenta, de fato, como uma dessas noções cruzadas, cuja opacidade semântica favorece seu uso inflacionado em lugares diferentes por agentes com interesses diversos. (ROPÉ; TANGUY, 1997, p.16) 126 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO Uma lacuna que precisa ser preenchida, pois a formação de professores de ELE exigida pelo mercado busca profissionais dotados de um conhecimento mais genérico e mais amplo. Schnetzier (2002) aponta que os programas de formação inicial de professores, costumam tratar os conteúdos e ou temas ensinados como desconexos da realidade vivenciada pelo professor, sendo pautada na racionalidade técnica, sem abordarem discussões de cunho epistemológico, impossibilitando o professor de fazer reelaborações, refletir, analisar e problematizar os conceitos, buscando assim o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias a sua formação. Não podemos deixar de externar aqui a importante inserção dos profissionais em formação na atuação com a pesquisa e a extensão. Com efeito, a concepção de ensino superior disposta no Artigo 207 da Constituição Federal, “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Para Catani e Oliveira (2002) este artigo 207: (...) parece ter implícita a pretensão de confirmar um dado modelo de universidade, ou melhor, de confirmar a própria universidade como instituição e ideal de referência para o conjunto das IES. Nesse sentido, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão visa a concretização de um padrão de qualidade na oferta da educação superior. (CATANI E OLIVEIRA, 2002, p. 78) Entretanto, a extensão e, em especial, a pesquisa foram apontado pelos sujeitos como precários em sua formação inicial, e que como consequência inviabiliza o desenvolvimento em sua prática profissional balizada no ensino/pesquisa/extensão, enquanto professores do ensino básico. Acredita-se que o modelo pedagógico identificado como o principio da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão afirma uma aproximação mais orgânica da instituição de ensino com a sociedade, além de promover uma formação que implique o questionamento da realidade, e uma formação teórico-crítica indispensável ao sujeito. Por fim, outra carência apontada pela pesquisa reside na importância da estruturação e implantação de políticas públicas educacionais para a oferta de cursos de formação 127 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO continuada, em especial por estarmos focado em um público do recôncavo baiano, que diferentemente dos que residem dos grandes centros urbanos, o acesso à continuidade dos estudos esbarra na pouca oferta e incentivo, perpassando também pela falta de tempo e recursos financeiros dos professores que tem um histórico de baixa remuneração. Vários são os autores que apresentam discussões sobre esta temática e ressalta sua relevância para os profissionais do ensino, como CANDAU (1997), PIMENTA (2002), entre outros. Destacamos que a formação continuada não descarta a necessidade de uma boa formação inicial, mas para aqueles profissionais que já estão atuando, há pouco ou muito tempo, ela se faz relevante, uma vez que o avanço dos conhecimentos, tecnologias e as novas exigências do meio social e político impõem ao profissional, à escola e às instituições formadoras, a continuidade e aperfeiçoamento da formação profissional. A formação continuada, essencial para a qualificação profissional, precisa ser valorizada tanto pelo docente quanto pela instituição de ensino. Ambos devem estar dispostos a romper as barreiras em prol de uma educação ativa. Nesse caso, conforme advoga Alarcão (2001), urge que a escola mude; que rompa com velhos paradigmas, que se enquadre na atualidade. E, para que isso seja possível, é necessária uma mudança de pensamento sobre a escola, é necessário que acreditemos na possibilidade de encontrar caminhos melhores e mais adequados para os problemas vivenciados no momento. É válido ressaltar que apesar da realidade conflituosa percebida no cenário de formação e atuação como professores de ELE, encontrei profissionais cheios de expectativas que não desistiram de buscar uma ação transformadora, uma transformação dessa realidade de dificuldades no processo de ensino/aprendizagem, que se arrasta por décadas. Imbuída desse sentimento, defendo aqui a importância da (re)estruturação do curso contemplando o trabalho articulado e indissociável da teoria com práticas e que esta última esteja presente em todo o processo de formação inicial. Ressaltando ainda, a importância da necessária motivação profissional na busca de uma (re)significação do profissional da área. No entanto, considerando o caráter inconclusivo deste trabalho, em especial por nutrir o desejo de adensar este estudo, quiçá enveredando pelas narrativas autobiográficas de professores de ELE em seu processo de formação/ação. Ouso encerrá-lo, por ora, inspirada na canção “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, que influenciou os títulos 128 6 VEM, VAMOS EMBORA QUE ESPERAR NÃO É SABER: CONSIDERANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SEM CHEGAR A UMA CONCLUSÃO desse trabalho, convidando-os a caminhar e cantar e seguir a canção rumo à transformação, dentro das inúmeras perspectivas singulares e coletivas apontadas pelos professores de ELE. Pois nessa imensa teia que forma, (re)forma e (trans)forma o processo ensino/aprendizagem, somos todos iguais, braços dados ou não, nas escolas, nas ruas, campos e construções. Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, e toda hora é hora, de refletir e (re)pensar o processo de ensino aprendizagem na perspectiva de fazer acontecer. 129 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores. Porto: Porto, 1996. ________. (Org.) Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: ARTMED, 2001. ALMEIDA FILHO, José Carlos P. Crise, transições e mudanças no currículo de formação de professores de línguas. In: M. B. M. FORTKAMP E TOMITCH, L. M.B. (orgs). Aspectos da Lingüística Aplicada: Estudos em homenagem ao professor Hilário I. Bohn. Florianópolis: Insular, 2000, p. 33-47. ________. (Org.). O professor de língua estrangeira em formação. 2. ed. Campinas, SP: Pontes, 2005. ________. Dimensões Comunicativas no Ensino de Línguas. Campinas: Pontes, 1993. ________. Tendências na Formação Continuada do Professor de Língua Estrangeira. In: Ensino e Pesquisa, vol.1, APLIEMG, 1997. _______. Prefácio. 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São Paulo: Editora UNESP, 2003. 140 APÊNDICES APÊNDICE 01 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)1 Prezado colaborador, Você está sendo convidado(a) para colaborar com a pesquisa “Caminhos traçados x caminhos vividos: formação e prática de professores de Espanhol como Língua Estrangeira” desenvolvida por Lívia Tosta dos Santos, discente de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Feita de Santana (UEFS), sob orientação da Professora Drª. Maria Helena da Rocha Besnosik. O objetivo central do estudo é identificar o elo estabelecido entre a formação de professores de ELE e as implicações em suas práticas pedagógicas, refletindo como tais profissionais vêm lidando com as demandas e as necessidades formativas para essa área. Sua participação é voluntária, isto é, ela não é obrigatória e você tem plena autonomia para decidir se quer ou não participar, bem como retirar sua participação a qualquer momento. Você não será penalizado de nenhuma maneira caso decida não consentir sua participação, ou desistir da mesma. Contudo, ela é muito importante para a execução da pesquisa. Serão garantidas a confidencialidade e a privacidade das informações por você prestadas. Qualquer dado que possa identificá-lo será omitido na divulgação dos resultados da pesquisa e o material armazenado em local seguro. A qualquer momento, durante a pesquisa, ou posteriormente, você poderá solicitar do pesquisador informações sobre sua participação e/ou sobre a pesquisa, o que poderá ser feito através dos meios de contato explicitados neste Termo. A sua participação consistirá em responder perguntas de um roteiro de entrevista a pesquisadora do projeto, e posteriormente permitir uma ou mais observações a sua prática de sala de aula em data(s) pré-agentada(s). A entrevista, mediante sua autorização, será gravada em áudio e/ou vídeo. 1 Este é redigido em duas vias, sendo uma para o participante e outra para o pesquisador. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deve ter suas páginas numeradas possibilitando a integridade das informações contidas no documento. 141 APÊNDICES As entrevistas serão transcritas e armazenadas, em arquivos digitais, mas somente terão acesso às mesmas a pesquisadora e sua orientadora. A(s) observaçõe(s) serão registradas por anotações feitas pelo(a) presquisardor(a) durante a mesma. Ao final da pesquisa, todo material será mantido em arquivo, por pelo menos 5 anos, conforme Resolução 196/96 e orientações do CEP/ENSP. Os resultados serão divulgados na dissertação apresentada para a conclusão do curso, e posteriormente poderão ser apresentados em palestras, comunicações, relatórios individuais e artigos científicos. _________________________________________________ Assinatura do(a) Pesquisador(a) Responsável Lívia Tosta dos Santos Matrícula: 06244082 Contato com a pesquisadora responsável: Endereço: Rua Santo Estevão, 224; Bairro: Cento; Cidade: Muritiba-Ba; CEP: 44340-000 Email: [email protected] Cel: (75) 81052373 __________________________________________________ Assinatura do(a) Professor(a) Orientador(a) da pesquisa Maria Helena da Rocha Besnosik Email: [email protected] Feira de Santana, ______ de _________________ de 2013. Declaro que entendi os objetivos e condições de minha participação na pesquisa e concordo em participar. _________________________________________ (Assinatura do sujeito da pesquisa) Nome: ________________________________________________________________ End.: __________________________________________________________________ Cel: __________________________________________________________________ RG: _____________________________________________ 142 APÊNDICES APÊNDICE 02 TERMO DE AUTORIZAÇÃO Pelo presente instrumento, eu, abaixo firmado e identificado, autorizo, graciosamente, à discente do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana, Lívia Tosta dos Santos, portador (a) do RG 0927895790, sob orientação da Professora Doutora Maria Helena da Rocha Besnosik, a utilizar minha entrevista, a ser veiculada, primariamente, no material em texto desenvolvido como Trabalho de Conclusão de Curso, ou ainda destinadas à inclusão em outros projetos educativos, sem limitação de tempo ou de número de exibições. Esta autorização inclui o uso de todo o material criado durante as entrevistas e observações, pela discente, da forma que melhor lhe aprouver, notadamente para toda e qualquer forma de comunicação ao público, tais como material impresso, CD (“compact disc”), CD ROM, CD-I (“compact-disc” interativo), “home video”, DAT (“digital áudio tape”), DVD (“digital vídeo disc”), rádio, radiodifusão, televisão aberta, fechada e por assinatura, bem como sua disseminação via Internet, independentemente do processo de transporte de sinal e suporte material que venha a ser utilizado para tais fins, sem limitação de tempo ou do número de utilizações/exibições, no Brasil e/ou no exterior, através de qualquer processo de transporte de sinal ou suporte material existente, ainda que não disponível em território nacional, sendo certo que o material criado destina-se à produção de obra intelectual organizada, conforme expresso na Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais). Na condição de titular dos direitos patrimoniais de autor da série de que trata o presente, a discente poderá dispor livremente da mesma, para toda e qualquer modalidade de utilização, por si ou por terceiros por ela autorizados para tais fins. Para tanto, poderá, a seu único e exclusivo critério, licenciar e/ou ceder a terceiros, no todo ou em parte, no Brasil e/ou no exterior, a título gratuito ou oneroso, seus direitos sobre a mesma, não cabendo a mim qualquer direito e/ou remuneração, a qualquer tempo e título. Feira de Santana, _____ de ________________ 2013. Assinatura: ________________________________________ Nome: ________________________________________________________________ End.: __________________________________________________________________ RG: ______________________________________________ _________________________________ Assinatura do(a) discente/pesquisador(a) Lívia Tosta dos Santos Matrícula: 06244082 ___________________________________ Assinatura do(a) Professor(a) Orientador(a) Maria Helena da Rocha Besnosik 143 APÊNDICES APÊNDICE 03 ROTEIRO DE ENTREVISTA Para o desenvolvimento das entrevistas semiestruturadas foi desenvolvido o seguinte roteiro inicial e flexível, o que permite sua reestruturação ao longo das entrevistas com os colaboradores da pesquisa. BLOCOS OBJETIVO DO BLOCO QUESTÕES ORIENTADORAS BLOCO 1 Selecionar professores de ELE que se graduaram no Curso de Letras Legitimação com Espanhol da UEFS e entrar em da entrevista contato com os mesmos para saber da possibilidade de colaborarem no desenvolvimento da pesquisa; informar sobre os instrumentos da pesquisa, explicar o problema, o objetivo, e as contribuições do estudo; disponibilizar o questionário por meio digital e agendar a entrevista informando sobre o uso do gravador e a preservação de sua identidade. BLOCO 2 Obter dados sobre a motivação para Quais razões que o fizeram escolher o curso de graduação em escolher o curso de História do Letras com Espanhol da UEFS e Licenciatura em Língua sujeito posteriormente atuar como professor Espanhola? de ELE, com o objetivo de identificar elementos que Já havia um contato anterior possibilitem conhecer suas com a língua? características e perfil profissional. Faça um breve histórico de sua atuação profissional BLOCO 3 Formação do professor de ELE Obter dados sobre a trajetória de formação dos sujeitos durante seu curso de graduação; o perfil profissional esperado; as perspectivas, possibilidades; desafios e dificuldades do percurso, com o objetivo de conhecer os sentidos e características atribuídas pelos sujeitos à estrutura prático/pedagógica desenvolvida em sua trajetória de estudo. Que perfil você considera que se espera do professor de ELE? Como você pensa sua formação? Atende a esse perfil? Como se deu o desenvolvimento das competências e habilidades? Qual a sua visão sobre a relação teoria e prática nas disciplinas que compunham seu curso de graduação? Houve espaço para refletir 144 APÊNDICES BLOCO 4 A prática como professor de ele BLOCO 5 Formação continuada BLOCO 6 Síntese final/ Agradecimentos Obter dados sobre as ações que orientam a prática do professor de ELE no local de trabalho; as superações, traumas, estratégias, desafios e possibilidades do professor de ELE, como o objetivo de identificar elementos que caracterizem essa prática e o elo estabelecido com a trajetória de formação. sobre a formação do professor de línguas? O curso de licenciatura em espanhol da UEFS oferece uma dupla habilitação (Língua Portuguesa e Espanhol). Qual a sua visão sobre a dupla habilitação? Como se deu a transição de estudante em formação para profissional de ELE? O que você acredita ser importante falar sobre sua atividade como professor de ELE: - o seu coletivo de trabalho; - os prescritos do seu trabalho (prática); - sua atuação na extensão e/ou pesquisa; - interferências e contribuições do cotidiano; superação, traumas, estratégias, desafios e possibilidades; Obter dados sobre como os educadores vêem o processo de formação continuada, com o objetivo de identificar elementos que caracterizam as práticas e/ou participações dos sujeitos nesse processo de formação e sua interferência na trajetória pessoal/profissional do sujeito. Como se configura sua formação continuada? Quais perspectivas, possibilidades e/ou limitações você visualiza na/para a formação continuada de professores de ELE? Quais as contribuições reais dessa formação continuada na prática docente? Obter dados sugeridos espontaneamente pelos sujeitos colaboradores com o objetivo de captar informações, tópicos ou temáticas que não foram contemplados nos blocos anteriores; agradecer a importante colaboração com esta pesquisa. Tem mais algum ponto sobre a formação e/ou a prática de professores de ELE que você considera importante e gostaria de destacar? 145 APÊNDICES APÊNDICE 04 QUESTIONÁRIO PARA OS PROFESSORES As informações coletadas neste instrumento de pesquisa serão utilizadas com finalidade estritamente científica. Por gentileza, queira responder às questões abaixo. Sua identidade será preservada. 1. Nome: ______________________________________________________________ 2. Idade: _________ 3. Sexo: ( ) M ( )F 4. Quantos anos de experiência como professor(a) de Língua Espanhola? ____________ 5. Ano de inicio do Curso em Licenciatura em Língua Espanhola: _______________ 6. Ano de conclusão do Curso em Licenciatura em Língua Espanhola: ____________ 7. Rede de atuação: ( ) Apenas na rede pública ( ) Apenas na rede particular ( ) Nas redes públicas e particular 8. Carga horária de trabalho: ( ) 20h semanais 9. Turnos de trabalho: ( ) Matutino 10. Atuação: ( ) Ensino Fundamental ( ) 40h semanais ( ) Vespertino ( ) 60h semanais ( ) Noturno ( ) Ensino Médio ( ) Ensino Superior ( ) Outros: ___________________________________________________ 11. Qual a modalidade que você cursou o Ensino Médio: ( ) Magistério ( ) Outra modalidade. Especifique: ______________________ 12. Você realiza/realizou Pós-graduação? 146 APÊNDICES ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado Qual/Quais: __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ Ano e Conclusão: ____________ ______________ 13. Você estudou Espanhol antes de entrar para a faculdade? ( ) Sim ___________ ( ) Não Se sim, informar: Onde: ______________________________________________________________ Por quanto tempo? _____________ Nível atingido: _________________________ 14. O que você faz ou fazia, fora da sala de aula, para desenvolver as habilidades da fala, escuta, leitura e escrita? ______________________________________________________________________ 15. Como você considera seu nível de conhecimento de Espanhol como Língua Estrangeira hoje? ( ) Básico ( ) Intermédio ( ) Avançado 147 ANEXOS ANEXO 01 GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO Criada em 1842 PARECER Número: 39/ 2009 Interessado: Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS Município: Feira de Santana - Bahia Assunto: Renovação de Reconhecimento do Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola Relatora: Conselheira Ivete Alves do Sacramento Aprovado pelo Conselho Pleno Câmara de Educação Superior Processo Em, 17/02/2009 CEE Nº 0015431-5/2007 I – RELATÓRIO Histórico e Tramitação A Universidade Estadual de Feira de Santana por meio do Oficio de N°112 de 2007, de seu Magnífico Reitor Professor José Onofre Gurjão Boavista da Cunha, encaminha a este Conselho solicitação de Renovação de Reconhecimento do Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola, modalidade presencial, ministrado no Campus Universitário, em Feira de Santana – Bahia. O Processo é constituído da Inicial, do Projeto de Reconhecimento do Curso e do Relatório da Comissão de Verificação, com dados e informações que atendem às exigências de Resolução CEE Nº. 17, de 2001, sendo encaminhado a esta Relatora em 23 de julho de 2007. Atendidas as diligências, que constitui o anexo II, o Processo foi reencaminhado à Relatora em 21 de outubro de 2008. A Comissão de Verificação foi designada através de Portaria CEE de N° 21, de 2007, constituída pela Professora Sylvia Maria Campos Teixeira, Mestre em Estudos Lingüísticos, e pela Professora Marileide dos Santos Oliveira, Mestre em Letras, ambas da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, sob a presidência da primeira, procedeu verificação in loco, com vistas à Renovação, conforme exigência de Resolução CEE Nº 17, de 2001. II - FUNDAMENTAÇÃO Da Instituição A Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, teve sua origem a partir da Faculdade Estadual de Educação de Feira de Santana, na década de 70, criada sob a denominação de Fundação Universidade de Feira de Santana FUFS, posteriormente transformada em autarquia 148 ANEXOS através da Lei Delegada Nº. 12, de 30 de dezembro de 1980, passando a atual denominação. Foi autorizada pelo Decreto Federal Nº. 77.496, de 27 de abril de 1976. A Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS foi reconhecida através da Portaria Ministerial de Nº. 876, de 19 de dezembro de 1986, posteriormente foi recredenciada pelo Decreto Estadual de Nº. 9.271, de 14 de dezembro de 2004, embasado no Parecer CEE Nº. 312, de 8 de dezembro de 2004. O Campus Universitário situa-se à Avenida Universitária s/n, Br 116, Km 03, Bairro Novo Horizonte. A Instituição congrega ainda o Campus Avançado de Santo Amaro – BA, o Campus Avançado de Lençóis, e outros prédios localizados em diferentes bairros de Feira de Santana, onde funcionam além de atividades de ensino, atividades de pesquisa, e de extensão, tais como: o Observatório Antares; Centro de Cultura Amélio Amorim; Centro Social Urbano, Horto Florestal e Clínicas Odontológicas. Do Município O Município de Feira de Santana está localizado na Região Econômica do Paraguaçu a 108 Km, a noroeste da capital da Bahia, cidade do Salvador. Segundo o IBGE, a população do município é de 527. 625 habitantes. O Município conta atualmente com o Conselho Municipal de Educação; a Rede Estadual de Educação; a Rede Municipal de Educação; e a Rede Particular de Educação que atendem a zona urbana e a zona rural. Dispõe de 118 escolas de Educação Fundamental na zona rural, destas 12 são da Rede Estadual e 106 da Rede Municipal, contando com 647 Professores, sendo 194 da Rede Estadual, 446 da Rede Municipal e 07 da Rede Particular. Na zona urbana, o Município de Feira de Santana possui 308 escolas de Ensino Fundamental, e 51 escolas de Ensino Médio. O Ensino Fundamental congrega um total de 3.507 Professores, sendo: 1.546 da Rede Estadual, 799 da Rede Municipal e 1.162 da Rede Particular. Por outro lado, no Ensino Médio o Município possui apenas 51 escolas na zona urbana e 08 escolas na zona rural, mantendo um total de 1.503 Professores distribuídos em 1.341 Professores na zona urbana e 162 Professores na zona rural. No sistema público de ensino, a rede estadual mantém a maioria das escolas no Ensino Médio, e foi implantado o Centro de Educação Tecnológica da Bahia – CETEB da Rede Estadual de Educação no município. Estudos constatam carência de professores para atender algumas disciplinas específicas do Ensino Médio, no Município e nas cidades da Região, principalmente na Zona Rural. DO CURSO Atos Legais O Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola tem seus aspectos legais fundamentados na Lei de Nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, que estabelece a formação mínima do docente para educação básica em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena. Foi reconhecido pelo Parecer do Conselho Federal de Educação N° 7.837 de 03 de setembro de 1976, e autorizado pelo Decreto Estadual N° 8.165, de 20 de fevereiro de 2002. Fundamenta-se ainda na Resolução 149 ANEXOS CONSEPE/UEFS Nº 54, de 2001, no Parecer CNE/CP Nº. 09, de 2002, no Parecer CNE/CP Nº 28, de 2001, na Resolução CNE/CP Nº. 1, de 2002, na Resolução CNE/CP Nº 2, de 2002; na Resolução CONSU/UEFS Nº. 06, de 2003, na Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 09, de 1998, na Resolução CONSEPE/UEFS de Nº. 26, de 1999, na Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 05, de 2006, na Resolução CONSEPE/UEFS Nº 165, de 2005 e na Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 06, de 2005. Estrutura Física, Equipamentos e Recursos Tecnológicos O Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola da UEFS funciona nas instalações do Campus de Feira de Santana, utilizando salas de aula, laboratórios de informática e da Biblioteca Central Julieta Carteado, ou seja, toda infra-estrutura já instalada e em funcionamento em decorrência dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação mantidos pela UEFS. O prédio onde funciona o Curso de Licenciatura em Letras possui uma secretaria ampla e clara, totalmente mobiliada; salas para professores; cinco salas de aulas amplas e ventiladas e um laboratório de informática com vinte e cinco computadores, impressora e acesso à internet. Da Biblioteca A Biblioteca Central da UEFS ocupa um prédio e é dirigida por profissionais habilitados. O acervo está informatizado e conectado com as unidades e cursos da Universidade através do Sistema Integrado de Bibliotecas – Pergamum, composto por: a) Biblioteca Setorial Pierre Klose – implantada em 15/09/2007 – funcionando de segunda-feira a sexta-feira de 8h às 12h e de 14h às 18h – Feira de Santana. b) Biblioteca Setorial Solar do Biju – implantada em 10/02/1998 – funcionando de segunda-feira a sexta-feira de7h30m às 19h e aos sábados de 7h30m às 12h – Santo Amaro da Purificação. c) Biblioteca Setorial do Observatório Astronômico Antares – implantada em 12/08/1997 – funcionando de segunda-feira a sexta-feira de 8h às 12h e de 14h às 18h – Feira de Santana. d) Biblioteca Setorial Monteiro Lobato – implantada em 20/05/1998 – funcionando de segundafeira a sexta-feira de 8h às 12h e de 14h as 18h – Feira de Santana. e) Biblioteca do Centro de Educação Física – implantada em 08/05/1999 – funcionando de segunda-feira a sexta-feira de 8h as 12h e de 14h as 18h – Campus Universitário da UEFS. f) Biblioteca Setorial Renato Galvão – implantada em 30/06/1978 – funcionando de segunda-feira a sexta-feira de 8h às 12h e de 14h às 18h – Campus Universitário da UEFS. g) Biblioteca Setoral Campus Lençóis – implantada em 09 de agosto de 2002 – funcionando de segunda-feira a sexta-feira das 8h às 12h e das 14h às 18h em Lençóis. O acervo bibliográfico é composto de Livros, CD`s, DVD’s, Monografias, Dissertações e Teses. Os Estudantes acessam a biblioteca por intermédio de senhas individuais. 150 ANEXOS Há 36.569 (trinta e seis mil quinhentos e sessenta e nove) títulos para o Curso de Letras, destes 423 (quatrocentos e vinte e três) títulos estão voltados para área de literatura de Língua Espanhola. Da Concepção Curricular e finalidades A Língua Espanhola, atualmente, é a quarta língua em número de falantes, estando atrás apenas do mandarin, do inglês e do hindu; e a primeira língua neolatina mais falada no planeta. O Mercado Comum do Cone Sul - Mercosul tem favorecido a criação de uma série de mecanismos e de setores de intercâmbio econômico e lingüístico-cultural entre o Brasil e outros países que o integram: Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. Assim, no Brasil é crescente o interesse em aprender a Língua Espanhola, não só pelos motivos expostos, mas para atender aos ditames da Lei 11.161, de 5 de agosto de 2005, que no seu art.1º expressa: que o ensino de Língua Espanhola, de oferta obrigatória pela escola, de matricula facultativa para o aluno, será implantado gradativamente nos currículos plenos de ensino médio, ou seja, seguindo o que já estava expresso na LDB. É de grande relevância a continuidade da oferta deste curso em Feira de Santana, uma vez que, os estudos de Língua Espanhola vêm sendo implantados por instituições privadas de língua estrangeira, pelas escolas de ensino fundamental e médio da rede particular e pública, constituindo-se, pois, em urgência a formação plena dos docentes para atuarem nesta região do Estado da Bahia. O Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola da UEFS tem como objetivos principais: 1. formar profissionais capazes de atuar no ensino fundamental e médio nas áreas de língua portuguesa e respectivas literaturas e de Língua Espanhola e respectivas literaturas; 2. formar profissionais capazes de atuar no magistério superior, na área de Letras; 3. formar profissionais capazes de atuar em instituições de pesquisas. Assim, a formação básica do profissional do Curso mencionado é o magistério, porém ele deve estar apto para atuar, também, em instituições de nível superior, em empresas jornalísticas, em agência de publicidade, em agência de turismo, e editoras. De acordo com a Resolução CNE/CES Nº. 18, de 2002 que institui Diretrizes Curriculares para os Cursos de Letras o curso em questão foi organizado para ser integralizado com a carga horária de 3.080, em oferta semestral, sendo o máximo de 12 semestres e o mínimo de 08 semestres. A carga horária do Curso foi distribuída conforme quadro a seguir: ATIVIDADE Disciplinas Básicas CARGA HORÁRIA 300 h 151 ANEXOS Disciplinas Profissionalizantes Disciplinas de Cunho Humanístico Disciplinas Pedagógicas Disciplinas Complementares Optativas Atividades Complementares TOTAL 1.575 h 135 h 690 h 180 h 200 h 3.080 h Fonte: Projeto do Curso - UEFS O Curso exige o cumprimento de 47 disciplinas, ai incluídas a monografia e as disciplinas optativas conforme matriz curricular e fluxograma, em anexos. As Atividades Complementares foram regulamentadas pela Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 54, de setembro de 2001 cuja carga horária de 200 horas foi regulamentada pela Resolução CONSEPE/UEFS Nº. 23, de 21 de junho de 2004. O Trabalho de Conclusão de Curso é realizado no oitavo semestre e está registrado como disciplina pertencente à área de Educação - EDU 257 Monografia Aplicada ao Ensino. Entende-se como Atividades Complementares a participação dos alunos em eventos, tais como congressos, seminários, encontros acadêmicos, míni-cursos, palestras, simpósios, atividades de pesquisa e extensão e monitorias. O Estágio Supervisionado integra o núcleo das Disciplinas Pedagógicas, sendo realizado em duas disciplinas específicas: Estágio Supervisionado de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (105 horas) e o Estágio Supervisionado de Língua Espanhola (105 horas). Do Corpo Docente O Corpo Docente do curso de Letras da UEFS é composto de 88 (oitenta e oito) professores efetivos, sendo 30 (trinta) doutores, 37 (trinta e sete) mestres, 18 (dezoito) especialistas e 03 (três) graduados. Na área específica de Língua Espanhol há 03 (três) mestres e 04 (quatro) especialistas. Quanto ao regime de trabalho, 4 professores têm 20 horas, 36 professores atuam em regime de 40 horas e 48 professores são de dedicação exclusiva. Do Corpo Discente São oferecidas 20 vagas a cada processo seletivo anual, sendo preenchidas as vinte desde o ano de 1998 até 2008.1, perfazendo um total de 420 alunos matriculados. Destes, 157 já formaram, conforme quadro a seguir: SEMESTRE 2002.1 2002.2 2003.1 2003.2 2004.1 FORMADOS 09 -10 18 19 152 ANEXOS 2004.2 2005.1 2005.2 2006.1 2006.2 2007.1 TOTAL Fonte: Projeto de Curso – UEFS 16 23 12 16 20 14 157 Conforme o Projeto de Curso do ano de 1999.2 ao ano letivo de 2007.2, registraram-se 67 abandonos. Da Coordenação do Curso A Coordenação do Curso é exercida atualmente pela Professora Ana Cláudia da Costa Dórea Mestre em Literatura Espanhola, Professora Assistente, em Regime de Dedicação Exclusiva, integrante do quadro docente efetivo da UEFS. Da Comissão de Verificação Segundo a Comissão de Verificação constata-se que o Projeto do Curso em apreço contempla as Bases Legais orientadoras dos currículos para os cursos de formação de professores da educação básica em termo de fundamentação e organização estrutural que traduzem um desejo de inovação. Houve uma preocupação com a sintonia e equilíbrio na distribuição das quatro grandes áreas do curso de Letras (Estudos Lingüísticos, Estudos Literários, Estudos Pedagógicos e Estudos Culturais) que estão presentes nos eixos curriculares. A Comissão de Verificação ressalta ainda o esforço louvável da equipe da UEFS para promover inovações e ressignificações para essa importante dimensão de formação do professor. Evidencia ainda a Comissão de Verificação a indicação do componente Monografia como uma alternativa de trabalho de Conclusão do Curso com o objetivo de enfatizar a investigação, além do respaldo legal nas Diretrizes Curriculares que acena para perspectiva da formação do professor formador. Entretanto, a Comissão de Verificação destaca alguns ajustes a serem feitos nos seguintes aspectos: 1. aperfeiçoamento de algumas ementas consideradas sucintas ou pouco esclarecedoras; 2. revisão dos pré-requisitos considerados em números excessivos e em espaços inadequados, tanto no âmbito das práticas, quanto no âmbito dos estágios; e 3. ampliação do acervo bibliográfico destinado ao curso específico. Considerações Finais 153 ANEXOS A Universidade Estadual de Feira de Santana foi pioneira no Estado da Bahia a oferecer o Curso de Letras, Licenciatura em Língua Espanhola, enfrentando no início das atividades o primeiro problema que era a falta de professor qualificado (mestres e doutores) em língua e literatura de língua espanhola, para lecionar no curso. Enfrentado este primeiro obstáculo, a UEFS tem formado profissionais habilitados e hoje requisitados para atender à legislação do país que considera a língua e literatura espanhola como a segunda opção do ensino médio, principalmente, para estudos de língua estrangeira. O Projeto de Renovação de Reconhecimento, segundo a Comissão de Verificação, se insere nos ditames das exigências legais, principalmente deste Conselho. Entendem-se e acatam-se as recomendações da Comissão de Verificação, que deverão ser incluídas na nova Proposição de Renovação de Autorização do Curso, proposta em andamento na UEFS, apresentada como Anexo neste Projeto, e a ser submetida, posteriormente, a este Conselho. Assim, somos de parecer favorável à Renovação de Reconhecimento do Curso por atender às condições de funcionamento, apresentar quadro docente competente e qualificado, e pertencer a Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, instituição pública mantido pelo Governo do Estado, Recredenciada pelo CEE e de reconhecida intervenção positiva na comunidade baiana. Conclusão e Voto Ante o exposto, somos de parecer que este Conselho Estadual de Educação aprove a Renovação de Reconhecimento do Curso de Licenciatura em Letras com Língua Espanhola, oferecido pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, 20 vagas, carga horária de 3.080 (três mil e oitenta) horas, com o subseqüente encaminhamento deste Ato ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, em cumprimento ao estabelecido no § 2º, do art. 3º, da Lei 7.308, de 02 de fevereiro de 1998. Salvador, 17 de fevereiro de 2009. Ivete Alves do Sacramento Conselheira Relatora VOTO DO CONSELHO PLENO O Conselho Estadual de Educação, em Sessão de 17 de fevereiro de 2009 resolveu acolher o Parecer da Câmara de Educação Superior. ASTOR DE CASTRO PESSOA Presidente 154 ANEXOS ANEXO 02 155 ANEXOS 156 ANEXOS 157 ANEXOS 158 ANEXOS ANEXO 03 FLUXOGRAMA COLEGIADO DO CURSO LETRAS [Home] [Perfil Profissiográfico] [Docentes] [Currículos] [Grades Curriculares] [Fluxogramas] [Horários] [Contato] 159 ANEXOS ANEXO 04 160 ANEXOS 161 ANEXOS 162 ANEXOS