A REBELIÃO DAS MASSAS,
SEGUNDO ORTEGA Y GASSET
Eliane Souza da Silva
Aluna do Curso de Filosofia da UFJF.
Bolsista PIBIC da UFJF.
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Apresentação
José Ortega y Gasset nasceu em Madri em 1883, no seio de uma família burguesa e
liberal. Seus pais dirigiam o jornal El Imparcial, que influenciou Ortega a se converter,
depois, num grande jornalista.
Em 1904 doutorou-se em filosofia com a tese sobre os terrores do milênio. Depois foi
professor na Escola de Magistério e mais tarde ocupou a cátedra de Metafísica da
Universidade de Complutense, onde ficou até 1936.
Ortega y Gasset participou ativamente do governo da República, até que,
decepcionado, abandona a política para dedicar-se à filosofia.
Ortega viajou para vários países: França, Holanda, Alemanha, Argentina, etc., e
regressou a Madri em 1945.
Foi o filósofo mais lido e escutado em seu tempo. Sua presença na literatura e
pensamento espanhol é decisiva.
Sua filosofia ataca o racionalismo e defende a inserção e preeminência da razão na
vida. Morreu em Madri em 18 de outubro de 1955.
A geração de Ortega y Gasset encontra uma Espanha mergulhada em problemas
sociais, foi a época da restauração monárquica de Afonso XII e a regência de Maria Cristina.
Para o filósofo, tais problemas surgiram do mau uso da razão no exame da vida social
e política. Os homens deveriam utilizar a razão e a sensibilidade para examinar os problemas
que impediam a Espanha de se firmar como nação.
Se a obra de José Ortega y Gasset foi certa em seu tempo, hoje, podemos dizer que o é
ainda mais. As teses de Ortega só se tem feito cumprir e em sua caracterização do homemmassa nós podemos ver algo além do homem atual, dominando todas as esferas da vida.
Analisando um pouco o nosso mundo, encontramos, hoje, o que poderíamos chamar
de o começo de uma nova idade de crises.
Deparamos com a realidade de uma série de valores que estão a se perder, há fatos que
estão abalando a sociedade. Comprovamos, pelos jornais, que estão ocorrendo coisas
estranhas em todo o mundo; há violência, insegurança, pessoas inconformadas, grandes
perturbações.
A sensação de instabilidade faz-nos pressentir uma série de riscos para o futuro.
Um deles é o crescimento demográfico, ficando a terra pequena para os seus
habitantes. Esse problema afeta todas as pessoas de todas as partes do mundo.
O problema da repartição da riqueza não é, pois, somente um problema físico, mas
também um problema intelectual, psicológico e moral e percebemos que, a humanidade terá,
provavelmente, um maior avanço técnico, mas não um avanço moral nem espiritual.
Em todo o mundo os povos se tornam presa dos poderosos.
Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência de filosofia. As
massas são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma
inteligência de rebanho. Quanto mais vaidades e futilidades se ensine, mais estarão os homens
arriscados a não se deixar tocar pela luz da filosofia.
Os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão
suficiente da vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o
ilimitado desejo de poder, o fanatismo das ideologias, tudo isso proclama a antifilosofia. E os
homens não o percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. Ortega indica que o
homem pode mudar sua vida a partir da transformação da realidade em que vive, o caminho
mais simples é melhorando a educação e o nível cultural das pessoas, que segundo Ortega,
são instâncias que aproximam os homens.
A partir dos textos sobre política do filósofo Ortega y Gasset verificamos que sua
principal preocupação era incentivar o homem a sair da sua condição de minoridade e
caminhar para construir sua vida singular.
“O homem é, queira ou não, um ser constantemente forçado a buscar uma instância
superior. Se consegue por si mesmo encontrá-la, é um homem excelente; se não, é pois um
homem-massa e necessita recebê-la de outrem”, frisa Ortega y Gasset.
Este trabalho constitui uma síntese acerca da obra de Ortega intitulada: A rebelião das
massas (tradução de Marylene Pinto Michael e Maria Estela Heider Carvalho). São Paulo:
Martins Fontes, 2002, 300 pg.
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Ortega vivencia uma Espanha mergulhada em problemas sociais, tais problemas
surgem do advento das massas ao pleno poderio social. Ortega assiste ao triunfo de uma
hiperdemocracia, época em que a multidão governa, na qual a massa atua diretamente sem lei,
impondo suas aspirações e seus gostos. Massa, segundo Ortega, não é o homem operário,
porque sabemos que há pseudo-intelectuais desqualificados como há operários com almas
admiravelmente disciplinas, o homem-médio ou também chamado homem-massa é aquele
que não é especialmente qualificado, não diferenciado dos outros homens, não exige mais de
si mesmo, não atribui a si mesmo um valor e se sente como todo mundo. Para Ortega y
Gasset, a humanidade pode ser dividida em duas classes, as que exigem muito de si mesmas e
se acumulam de dificuldades e deveres, e as que não exigem nada de si em especial, viver é
ser a cada instante o que já são, sem esforço para aperfeiçoamento de si próprias como bois à
deriva, e, pertencendo a segunda classe a massa acha que tem o direito de impor e dar força de
lei aos seus problemas do dia-a-dia. Ortega afirma que a característica do momento é que a
alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o
impõe em toda parte. A massa fez sucumbir tudo o que é diferente, individual, qualidade e
especial. Quem não for e pensar como todo mundo corre o risco de ser eliminado. Essa crise
já ocorreu na história e suas características e conseqüências são conhecidas, o nome é rebelião
das massas. Esse é o fato também do nosso tempo.
Ortega denuncia em seu livro esse homem triunfante, “aristocrata por herança”,
porém, intimamente ele nada tem a ver com suas riquezas, porque não são originárias dele.
Está condenado a representar o outro, portanto, a não ser como o outro nem ele mesmo. Sua
vida perde autenticidade, inexoravelmente, e converte-se em mera representação ou ficção de
outra vida. Ortega descreve que o homem-massa acha que a vida é fácil, superabundante, sem
limitações trágicas, considera seu haver moral e intelectual como bom e completo, esse
contentamento consigo mesmo o induz a se fechar para qualquer instância exterior, a não
escutar, a não submeter suas opiniões a julgamento algum e a não contar com a existência dos
outros, é propenso a ter como ocupação central de sua vida os jogos, os esportes, o culto ao
corpo e a preocupação com a beleza dos trajes, há em suas atitudes falta de romantismo na
relação com a mulher, prefere a vida sob a autoridade absoluta a um sistema de discussão.
Ortega observa que o homem-médio, só percebe a superabundância dos meios, mas não as
angústias. Não percebe que a organização do Estado é instável, e quase não sente obrigações,
pensa que nasceu para fazer o que lhe dá vontade. Explica Ortega que não é que não se deva
fazer o que se tem vontade, é que como o destino – o que vitalmente se tem que ser ou não se
tem que ser – não se discute, apenas se aceita ou não. Se o aceitamos somos autênticos, se não
o aceitamos, somos a negação de nós mesmos. O destino não consiste naquilo que temos
vontade de fazer, mas é reconhecido e mostra seu perfil claro e rigoroso, na coincidência de se
ter que fazer o que não se tem vontade. Ortega esclarece que estamos numa época de
“correntes” e de “se deixar levar”. Quase ninguém apresenta resistência aos redemoinhos
superficiais que se formam na arte ou nas idéias, na política ou nos usos sociais. Por isso, a
retórica impera mais que nunca.
Na Espanha de Ortega quase todos os Estados são governados por pessoas
adormecidas que combatem pelas sombras e ambicionam o poder, não vêem que só haverão
de ter poder os homens felizes, com um modo de vida honesto e sábio. Ortega entende que o
homem instruído na arte de governar, que goza de outras honras e tem vida preciosa, o
discípulo, o filósofo, melhor protegeria o Estado, porém, as massas passaram a conhecer e
empregar hoje, com relativa eficiência, muitas técnicas não só materiais como também
jurídicas e sociais, antes só empregados por indivíduos especializados. Os direitos humanos e
do cidadão, inicialmente um simples teorema, idéia de poucos, no século XIX, a massa ia se
entusiasmando com a idéia desses direitos como um ideal, porém, não os exercitava, nem se
valia deles, mas sob legislações democráticas continuava vivendo. O povo já sabia que era
soberano, porém, não acreditava nisso. Hoje aquele ideal se converteu numa realidade,
inclusive quando massacra e tritura instituições onde aqueles direitos são sancionados. Hoje
ocorre a soberania do indivíduo não qualificado, do indivíduo humano genérico, os direitos
niveladores da generosa inspiração democrática se converteram, de aspiração e idéias, em
apetites e supostos inconscientes. Mas Ortega indaga: Os sentidos daqueles direitos não era o
de libertar aquelas almas humanas de sua servidão interior e proclamar dentro delas uma certa
consciência de domínio e dignidade? O objetivo não era que o homem-médio se tornasse
dono, senhor de si mesmo e de sua vida? Porque os liberais, democratas e progressistas se
queixam? Ortega diz que talvez o homem-massa não levou em consideração que a sociedade
é sempre aristocrata, por sua essência, a ponto de ser sociedade na medida em que é
aristocrata e deixa de sê-lo na medida em que se desaristocratiza. Então, não se estranhe que
ele atue por si e diante de si, que reclame todos os prazeres, que imponha sua vontade com
decisão, que se negue a servidão, esses são alguns atributos perenes e inerentes, hoje, à
consciência da massa. A vida do homem-médio agora é constituída pelo repertório vital que
antes caracterizava apenas as minorias culminantes.
Ortega diz que a vida pode ter altitudes diferentes, e a vida média se desenvolve hoje
numa altura superior àquela em que se encontrava ontem devido ao desejo, gerado e realizado
a partir do século XIX que foi a “cultura moderna”. Na análise de Ortega esse termo transmite
uma sensação de “altura dos tempos”, vida nova, superior à antiga, o homem do presente
sente que sua vida é mais vida que todas as antigas, isto é, que o passado inteiro se tornou
pequeno para a humanidade atual, nossa vida sente-se, de repente, de maior tamanho que
todas as vidas. O que aconteceu é que pelo fato de sentir-se mais vida, perdeu todo o respeito
e atenção para com o passado, o passado já não é mais possível como modelo. Essa grave
dissociação entre passado e presente acontece em nosso tempo e isso conturba a vida nestes
anos e também no tempo de Ortega. Os homens sentem que ficaram sozinhos de repente, os
mortos já não podem ajudar-nos, os modelos, as normas de conduta já não nos servem,
resolvemos nossos problemas sem a ajuda ativa do passado. Ortega indica que a mudança
dessa mentalidade surge com a superação da estreiteza, ou seja, não achar que nosso tempo
“moderno” seja definitivo, para sempre. Não sabemos o que poderá acontecer no mundo
amanhã, isso é imprevisibilidade e vida autêntica, podemos citar como exemplo o Império
Romana, símbolo de um poder definitivo, com majestosas construções imperiais, era eterna,
porém, percebia uma melancolia dos edifícios eternos. Isso nos mostra que a realidade da
história é uma pura ânsia de viver. A decadência é um conceito comparativo, Estado superior
para o inferior, isso é opinião parcial. Ortega sugere que não há mais que um ponto de vista
justo e natural instalar-se nessa vida, contemplá-la de dentro e ver se ela mesma se sente
decaída, minguada, avaliar a decadência a partir da vida. Ortega diz que sua época, assim
como nossa época atual, julga-se melhor que as outras e ao mesmo tempo não tem a certeza
de seu destino, orgulha de suas forças, porém, é temerosa delas.
Para o filósofo o mundo cresceu de repente, e com ele e nele a vida, o conteúdo do
homem-médio hoje é todo o planeta, a globalidade aumentou o horizonte da vida, podemos
estar em mais lugares que antes, consumir em menos tempo vital e mais tempo cósmico, para
o homem era uma questão de honra vencer o espaço e o tempo cósmico. O crescimento
substantivo do mundo consiste no fato de incluir mais coisas. Cada coisa é algo que se pode
desejar, fazer, repelir, gozar, a quantidade de possibilidades oferecidas ao comprador atual é
praticamente ilimitada, cresce a vida do homem na dimensão de potencialidade, no campo
intelectual surgem mais caminhos de raciocínio, mais ciência, mais problemas, mais pontos
de vista, o rol de profissões hoje é grande, atinge-se performances que superam grandemente
o passado, convencendo-nos que o organismo humano de nosso tempo tem a capacidade
superior das conhecidas antes. Ortega não fala de qualidade de vida presente, mas de seu
crescimento qualitativo e potencial e isso decanta na mente do homem-massa a sensação de
prepotência. Enfim, para Ortega vivemos num tempo que se sente fabulosamente capaz de
realizar, mas não sabe o que realizar, domina todas as coisas, todavia, não é dono de si
mesmo, a sensação é de estar à deriva na abundância, se aninha na alma contemporânea essa
estranha dualidade de prepotência e insegurança. Sob sua máscara de generoso futurismo, o
progressista abandona sua preocupação com o futuro e se coloca no presente. Assim como
Ortega observou em sua época, hoje o mundo parece vazio de projetos, metas e ideais. A
deserção das minorias dirigentes foi de tal ordem que se encontra sempre na razão inversa de
rebelião das massas.
Ortega analisa que nossa vida, como conjunto de possibilidades é superior a todas as
outras historicamente conhecidas, mas pelo fato de seu formato ser maior, transbordou todos
os princípios, normas e ideais legados pela tradição. O passado nos diz o que devemos evitar e
não o que devemos fazer, temos que inventar nosso próprio destino. Para Ortega,
circunstância e decisão são os dois elementos essenciais que compõem a vida, viver é sentirse fatalmente forçado a exercer a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. As
circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos que nos decidir, mas o que
decide é nosso caráter. Na sociedade que Ortega analisa e também a atual, é o homem-massa
que domina, é ele que decide, o poder público está nas mãos de um representante de massas,
estas aniquilaram toda a oposição possível, o poder público vive o dia presente, não apresenta
um futuro transparente, sem uma evolução que se possa imaginar, vive sem princípios, meios
e fins. Escapa de problemas momentaneamente, mesmo a custa de acumular mais conflitos
depois. Nas escolas, não foi possível fazer mais do que ensinar às massas as técnicas da vida
moderna, mas não se conseguiu educá-las, não as ensinou o sentido da vida, foram dadas a
elas os instrumentos para viverem intensamente, mas não a sensibilidade para os grandes
deveres históricos, neles se inocularam, atropeladamente, o orgulho e o poder dos meios
modernos, mas não o espírito. As gerações tomam a direção do mundo como se o mundo
fosse um paraíso sem pegadas antigas, sem problemas tradicionais e complexos, o adubo da
semente humana foi à democracia e a técnica. Homem-massa é a pura potência do maior bem
e do maior mal.
Ortega prevê filosoficamente o desastre do homem-massa a partir dos elementos que
compõem a sua psique, que são: livre expansão de seus desejos vitais e radical ingratidão para
com tudo que tornou possível a facilidade de sua existência, é a mesma psicologia da criança
mimada que não tem noção de seus próprios limites, acha que tudo lhe é permitido e não é
obrigada a nada, não considera ninguém como superior a ele. Para Ortega, três princípios
tornaram possível um novo cenário para a existência do homem-massa: a democracia liberal,
as experiências científicas e o industrialismo. Esses princípios, segundo Ortega, são
procedentes dos séculos anteriores, a honra do século XIX foi colocar a grande massa social
em condições de vida radicalmente opostas às que sempre o haviam rodeado, o mundo que
rodeia o homem novo não faz com que ele se limite a nenhum sentido, não lhe apresenta
nenhum veto nem contenção, mas, ao contrário, fustiga seus apetites que, em princípio,
podem crescer indefinidamente. Esse mundo moderno, não só tem as perfeições e amplitudes
que efetivamente tem, como, sugere a seus habitantes uma segurança inabalável de que
amanhã será ainda mais rico, mais perfeito e mais amplo, pensa-se que os automóveis daqui a
cinco anos serão mais confortáveis e mais baratos que os atuais. Para Ortega o homem vulgar,
ao se encontrar com este mundo técnico e socialmente tão perfeito, pensa que foi criado pela
Natureza, mágica da automação, e nunca se lembra dos geniais esforços de indivíduos que a
sua criação pressupõe, as massas não são solidárias com as causas do seu bem-estar, não
admite que essas facilidades se apóiam em virtudes raras do homem, cujo menor fato
ocasionaria o desaparecimento dessa construção. As novas massas encontram uma paisagem
cheia de possibilidades e segura, e tudo isso rápido, à sua disposição, sem depender de seu
esforço prévio, a própria perfeição com que o século XIX organizou certas esferas da vida é a
origem do fato de que as massas beneficiárias não a considerem como organização, mas como
natureza. Assim, abandonada à sua própria inclinação, a massa, tende a destruir as causas de
sua própria vida.
Para o filósofo somos aquilo que nosso mundo nos convida a ser, as características
gerais que ele nos apresenta serão as características gerais de nossa vida. O mundo, no
passado, se apresentava para o homem-médio, cheio de dificuldades, perigos, limitações de
destino, dependência. O novo mundo aparece hoje como um âmbito de possibilidades
praticamente ilimitadas, segura, onde não se depende de ninguém, como conseqüência, o
homem-massa está habituado a não apelar por si mesmo a nenhuma instância fora dele, está
satisfeito do jeito que é e como causa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e qualificar
como bom tudo o que tem em si, opiniões, apetites, preferências ou gostos, nada o faz tomar
consciência de que é limitadíssimo, incapaz de criar ou conservar a própria organização que
dá à sua vida essa amplitude e esse contentamento, não percebe que a vida só tem sabor se
está a serviço de algo transcendente e como as circunstâncias não o obrigam a apelar para
coisas fora dele, deixa de apelar e se sente senhor de sua vida. A nobreza para Ortega é
sinônimo de vida dedicada, sempre disposta a superar a si mesma, a transcender do que já é
para o que se propõe como dever e exigência. Vida nobre é diferente de vida vulgar e inerte,
que se restringe a si mesma, condenada à imanência perpétua, a não ser que, algum fator
externo a obrigue a reagir, o homem-massa é incapaz de qualquer esforço que não seja o
estritamente imposto como reação a uma necessidade externa. São homens nobres, os únicos
ativos e não reativos, para os quais viver é uma tensão permanente, um treinamento constante.
Ortega esclarece que o que segue hoje é conseqüência do mundo organizado pelo século XIX,
ao produzir automaticamente um homem novo, deu-lhe apetites formidáveis, meios poderosos
de toda ordem para satisfazê-los, econômicos, corporais (higiene, saúde), civis e técnicos
(conhecimentos parciais e eficiência prática). Depois de ter-lhe dado essas potências, o século
XIX o abandonou a si próprio, então o homem-médio se fechou em si mesmo, acreditando
que se basta a si mesmo, se tornou indócil, porém a indocilidade política não seria grave se
não se originasse de uma outra mais profunda e decisiva, a indocilidade intelectual e moral.
Ortega diz que pelo fato de o mundo e a vida se mostrarem abertos ao homem
medíocre, sua alma se fechou, ele se tornou incapaz de transferir-se para o próximo e
proclama a vulgaridade como um direito, ou seja, sua coleção de tópicos, preconceitos,
pedaços de idéias, palavras vazias ao acaso foram sendo amontoadas em seu interior, e com
audácia, quer impor-las. Antes o homem-massa nunca tinha achado que tinha “idéias” sobre
as coisas, tinha crenças, tradições, experiências, provérbios, hábitos mentais, mas não se
acreditava possuidor de opiniões sobre como as coisas são ou devem ser, sua atitude resumia
a repercutir, positiva ou negativamente, a ação criadora dos outros. Hoje, constata Ortega, o
homem-massa perdeu a audição e tem as idéias mais taxativas sobre tudo o que acontece e
deve acontecer no universo, falta ao homem-massa a consciência de que para ter idéias é
necessário antes se dispor a querer a verdade e a aceitar as regras do jogo que ela imponha.
Ortega esclarece que ter uma idéia é crer que possui as razões dela e é crer que existe uma
razão, um mundo de verdades inteligíveis. Idear, opinar, é a mesma coisa que apelar para essa
instância, submeter-se a ela, aceitar seu código e sua sentença, crer que a forma superior de
convivência é o diálogo em que se discutem as razões de nossas idéias. Para o filósofo, o
homem-massa rejeita a obrigação de acatar essa instância suprema que se acha fora dele, o
novo, agora, é acabar com as discussões e se detesta qualquer forma de convivência que por si
mesma implique o acatamento de normas objetivas, desde a conversação, até o Parlamento,
passando pela Ciência. No trato social elimina-se a “boa educação”, a literatura, como “ação
direta”, se constitui no insulto, se renuncia a cultura e retrocede a uma convivência medíocre,
vai diretamente à imposição do que se quer através da violência, não percebe que civilização é
antes de tudo vontade de convivência.
Para Ortega, a rebelião das massas apresenta uma dupla interpretação, favorável e
desfavorável. Pode ser o veículo de uma nova organização de humanidade, ímpar, mas
também pode ser uma catástrofe no destino humano. Não há nenhum progresso seguro,
nenhuma evolução, sem a ameaça de involução e retrocesso, tudo é possível na história,
porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo cuja
substância é o perigo. O primitivismo que neste ensaio apresenta seu pior aspecto é por outro
lado e em certo sentido, condição de todo grande avanço histórico. Ortega verifica que o
século XIX, com a condição defeituosa de sua responsabilidade deixou-se levar pelo lado
favorável dos acontecimentos e não atentou para os perigos que a hora mais agradável possui,
não se mantiveram alertas e vigilantes, por isso, hoje, apoderou-se na direção social um tipo
de homem ao qual não interessam os princípios de civilização, não tem a massa a
sensibilidade última para com o destino da ciência, da civilização, naturalmente os interessa
os anestésicos, automóveis,..., mas essas coisas são apenas produtos dessa civilização. Na
geração de Ortega, assim como hoje, é cada vez mais difícil atraírem discípulos para os
laboratórios de ciência pura, isso ocorre porque as pessoas mostram o maior interesse pelo
uso de aparelhos e medicamentos criados pela ciência. Enquanto os demais campos da cultura
tornam-se problemáticos – a política, a arte, as normas sociais, a própria moral -, há uma que,
a cada dia, comprova sua eficiência: a ciência empírica. Cada dia é uma nova invenção, um
novo analgésico, vacina, que beneficia esse homem-médio, provisoriamente, porque vive-se
com a técnica, mas não da técnica, esta dura quanto durar a inércia do impulso cultural que a
criou, o interesse pela técnica não garante a sobrevivência da técnica, porque ela não
sobrevive depois que tiver morrido o interesse pelos princípios da cultura. Ortega analisa que
há uma desproporção entre os benefícios que o homem-médio recebe da ciência e a gratidão
que lhe dedica, isto é, que não lhe dedica. A ciência não tem concorrência, já que a política,
direito, arte, moral, religião se acham em crise. Ortega diz que no caso da Filosofia, ela não
necessita de proteção, atenção ou simpatia da massa. Está consciente de seu aspecto de
perfeita inutilidade, e com isso liberta-se de qualquer sujeição ao homem-médio. Sabe que é
problemática por essência e abraça com alegria seu destino livre de pássaro de Deus, sem
pedir a ninguém que lhe dê atenção, sem se promover ou se defender. Se alguém se beneficia
dela espontâneamente, alegra-se por mera simpatia humana, mas não vive do proveito alheio,
não o premedita nem o espera.
Ortega verifica que os princípios em que se apóia o mundo civilizado não existem para
o homem-médio atual. Os valores fundamentais de cultura não o interessam, não é sensível a
eles, não está disposto a colocar-se a seu serviço, isso porque quanto mais a civilização
avança, mais se torna complexa e difícil, quanto maior o progresso, mais a civilização está em
perigo. Cada vez é menor o número de pessoas cuja mente está à altura desses problemas, o
que falta não são os meios para a solução; são cabeças, há algumas cabeças, mas o povo
vulgar não quer colocá-las sobre os ombros, isso constitui a tragédia mais elementar da
civilização. Para Ortega, conforme os problemas vão se complicando, também vão se
aperfeiçoando os meios para resolvê-los, mas é preciso que cada nova geração domine esses
meios adiantados. Entre estes há um associado ao avanço da civilização, que é ter muito
passado atrás de si, muita experiência, em suma: história. Ortega diz que o saber histórico é
uma técnica de primeira ordem para conservar e continuar uma civilização provecta. Não
porque dê soluções positivas para o novo aspecto dos conflitos vitais, a vida é sempre
diferente do que foi, mas porque se evita que se cometam os erros ingênuos de outros tempos.
Porém, se alguém, além de ser velho, e, portanto, cuja vida começa a ser difícil, perde a
memória do passado, não aproveita sua experiência, então tudo passa a ser desvantagem. O
século XIX perdeu ”cultura histórica”, apesar dos especialistas a fizerem avançar muito como
ciência. A este abandono devem-se, em boa parte, seus erros peculiares, que hoje pesam sobre
nós, iniciou-se a involução, o retrocesso à barbárie, isto é, a ingenuidade e primitivismo de
quem não tem ou esquece o passado. Hoje triunfa o homem-massa e, portanto, só projetos
feitos por ele, saturados de seu estilo primitivo, podem conseguir uma aparente vitória, mas
não evitarão os lugares-comuns da experiência histórica, porque o futuro triunfa quando
colocado nas mãos de pessoas verdadeiramente “contemporâneas” que sintam pulsar sob seus
pés o subsolo histórico, que conheçam a altura presente da vida e repudiam todo gesto arcaico
e selvagem.
Ortega sintetiza a civilização em democracia liberal e técnica. A técnica
contemporânea nasce em cópula entre o capitalismo e a ciência experimental. Nem toda
técnica é científica, só a técnica moderna da Europa tem uma origem científica, e dessa
origem vem seu caráter específico, a possibilidade de um progresso ilimitado. Essa técnica
tornou possível a proliferação da casta européia, o técnico passa a ser o engenheiro, o médico,
o economista, o professor..., considerados o grupo superior. Ortega diz que o homem de
ciência atual é o protótipo do homem-massa, a própria ciência converte-o automaticamente
em homem-massa, porque para progredir, a ciência necessitou de que os homens de ciência se
especializassem, e não ela própria e sim os homens, com isso o homem de ciência foi se
adstringindo, se recluindo num campo de atuação intelectual cada vez mais estreito, o
científico por ter que reduzir sua órbita de trabalho, foi perdendo contato com as outras partes
da ciência com uma interpretação integral do universo. Para o filósofo, a especialização
começa numa época que chama de homem civilizado o homem “enciclopédia”. É um homem
que mesmo dessa ciência só conhece bem a pequena parte de que ele é um ativo pesquisador,
chega a proclamar como virtude o fato de não se inteirar de nada que esteja fora da estreita
paisagem que cultiva especialmente, e chama de diletantismo a curiosidade pelo conjunto do
saber. O fato é que com a escassez de seu campo visual, consegue descobrir novos fatos e
fazer avançar sua ciência, que ele quase não conhece, e com ela a enciclopédia do
pensamento. Para Ortega a ciência moderna, raiz e símbolo da civilização atual, acolhe dentro
de si o homem intelectualmente médio e lhe permite operar com êxitos, o pesquisador que
descobre um novo fato da Natureza tem uma impressão de domínio e segurança em sua
pessoa. O especialista “sabe” muito bem seu mínimo rincão de universo, mas ignora
radicalmente todo o resto. O especialista não é um sábio, porque ignora tudo quanto não faz
parte de sua especialidade, tampouco é um ignorante, porque é um homem de ciência e
conhece muito bem sua porciúncula de universo. Se comportará em todas as questões que
ignora, não como um ignorante, mas com toda a arrogância de quem em seu campo especial é
um sábio. Ao especializá-lo, a civilização tornou-o satisfeito dentro de sua limitação; e
quererá predominar fora de sua especialidade, e ele se comportará sem qualificação e como
homem-massa em quase todas as esferas da vida, com estupidez com que pensam, julgam e
atuam hoje na política, na arte, na religião. Essa condição de “não escutar”, de não se
submeter a instâncias superiores, chega ao máximo nesse homem parcialmente qualificado, há
muitos homens de ciência, poucos homens cultos.
Segundo Ortega, o progresso íntimo da ciência necessita de regulamentação de seu
próprio crescimento, de um trabalho de reconstituição e isso requer um esforço de unificação
cada vez mais difícil, que cada vez envolve regiões mais vastas do saber total, Ortega cita
como exemplo Einstein, que precisou saturar-se de Kant e Mach para poder chegar a sua
aguda síntese. Ortega diz que a ciência experimental, fruto da especialização, não poderá
avançar por si mesma se não se encarregar uma geração melhor de lhe construir algo mais
poderoso, já o “homem de ciência”, ignora como devem estar organizados a sociedade e o
coração do homem para possam continuar existindo pesquisadores, pensa que a civilização
está aí, simplesmente, como a crosta terrestre e a selva primigênia.
Ortega diz que a massa não atua por si mesma, veio ao mundo para ser dirigida,
influída, representada, organizada, até mesmo para deixar de ser massa, ou pelo menos,
aspirar a isso. A massa precisa nortear sua vida pela instância superior, constituída pelas
minorias excelentes. Para Ortega o dia que voltar a imperar na Europa uma filosofia autêntica
se tornará a compreender que o homem é, queira ele ou não, um ser constitutivamente forçado
a procurar uma instância superior. Se consegue encontrá-la por si mesmo, é um homem
excelente, se não, é um homem-massa e precisa recebê-la daquele. Para Ortega, a massa
pretende atuar por si mesma e isso é rebelar-se contra seu próprio destino. Há um progresso
de violência como norma acontecendo, o que leva Ortega a falar da rebelião das massas.
Ortega analisa que o perigo que ameaça está civilização é o Estado contemporâneo onde a
supremacia dos nobres é substituída pelo predomínio dos burgueses. É significativo precaverse contra a atitude do homem-massa diante do Estado, o homem-massa vê o Estado
assegurando sua vida, mas não tem consciência de que é uma criação humana inventada por
certas virtudes que ontem existiram nos homens e que se podem evaporar amanhã. O homemmassa pensa que o Estado tem que assumir, imediatamente, qualquer dificuldade, conflito ou
problema na vida pública de um país e tentará faze-lo funcionar a qualquer preço, resultado
disso é a estatização da vida, o intervencionismo e a anulação da espontaneidade social pelo
Estado,
ou
seja,
a
espontaneidade
social
será
frequentemente
violentada
pelo
intervencionismo do Estado, nenhuma nova semente frutificará. Para Ortega, o estatismo é a
forma superior em que se transforma a violência e a ação direta em norma. Ele explica que a
sociedade começa a ser escravizada, o Estado pesa como uma supremacia antivital sobre a
sociedade, toda a vida se burocratiza. Dentro de pouco tempo a sociedade não basta para o
Estado e é preciso chamar os estrangeiros. Os estrangeiros são donos do Estado e o povo
inicial, tem que viver como escravos deles.
Ortega destaca a importância dos mandos para o exercício normal da autoridade, o
qual se fundamente sempre na opinião pública, jamais alguém mandou na terra baseando seu
mando essencialmente em outra coisa que não na opinião pública. O Estado é, o Estado da
opinião, não se pode mandar contra a opinião pública é uma situação de equilíbrio. Ortega
analisa que a maior parte dos homens não tem opinião e é preciso que esta venha de fora sob
pressão, sem opinião, a vida do homem seria o caos, careceria de organicidade. Sem alguém
que mande reinará o caos na humanidade. Toda mudança de imperantes é ao mesmo tempo
uma mudança de opinião que vive a humanidade e por isso há ordem, Roma, por exemplo, no
seu auge, era a grande mandona e pôs ordem no mediterrâneo e arredores. No período de pós
2ª guerra mundial a Europa parou de mandar no mundo, ficou sem objetivo para si e para os
demais, sem mandamentos que obriguem viver de certo modo. A vida transformou-se em
pura disponibilidade, a juventude no tempo de Ortega, de tanto sentirem-se livres, isentas de
travas, acabam por sentir-se vazias, como podemos ver hoje. Uma vida em disponibilidade é
mais negação de si mesma que a morte, porque viver é ter que fazer alguma coisa determinada
– é cumprir um encargo -, e, na medida em que nos esquivamos de pôr nossa vida a serviço de
alguma coisa, esvaziamos nossa existência. Para Ortega, mandar é dar tarefas às pessoas,
colocá-las na rota de seu destino, impedir sua extravagância, que costuma ser vida vazia,
desolação. Segundo Ortega, a vida humana, por sua própria natureza, tem que estar dedicada a
algo, caso contrário, caminhará desvinculada, sem tensão e sem “forma”, vazia sem ter o que
fazer, sem terem a que se dedicar. Como tem que ser preenchida com alguma coisa, dedica-se
a ocupações falsas, que não impõem nada de íntimo, de sincero, hoje é uma coisa, amanhã é
outra, oposta a primeira. Analisa Ortega que viver é ir disparado em direção a algo é caminhar
em direção a uma meta, a meta não é meu caminho, não é minha vida, é algo fora dela, mais
além, se resolve andar egoísticamente, não avança e um labirinto caminha dentro de si
mesmo. Ortega diz que o que se manda que faça é, no final, que participe de uma empresa, de
um grande destino histórico, não há império sem programa de vida. “quando os reis
constroem, tem que fazer as estradas”. Schiller. A ciência, a arte, a técnica e todo o resto
vivem da atmosfera tonificante que a consciência de mando cria. Se esta faltar às pessoas se
tornam definitivamente cotidianas.
Para Ortega, a vida criadora exige um alto nível de higiene, de grande decoro, de
constantes estímulos, que excitam a consciência da dignidade. A vida criadora é vida enérgica
e esta só é possível numa destas duas situações: ou quando se é o que se manda ou quando se
está num mundo onde aquele que manda é reconhecido por nós como tendo pleno direito para
o exercício de tal função, ou mando ou obedeço. Mas obedecer não é agüentar – agüentar é se
envilecer -, mas ao contrário, é estimar o que manda e seguí-lo, solidarizando-se com ele,
colocando-se com fervor sob a tremula de sua bandeira. Quando ninguém pensava nisso fora
do velho continente, ocorreu para alguns da Alemanha, França e Inglaterra, por volta de 1945,
esta idéia: Será que estamos começando a decair? Esta idéia foi acolhida pelo público e todos
falam na decadência européia como de uma realidade concluída. Os povos se deparam com
um limite em sua evolução estatal, pois não sabem imaginar um Estado para constituí-lo, a
realidade vital e concreta é essencialmente confusa, o que for capaz de se orientar dentro dela
com precisão, o que não se perder na vida tem uma mente clara, o homem de mente clara olha
de frente para a vida e se conscientiza de que tudo nela é problemático, e sente-se perdido, e
esse olhar trágico o fará ordenar o caos de sua vida. Para Ortega nossas idéias científicas são
válidas na medida em que nos sentimos perdidos ante um problema e compreendemos que
não nos podemos apoiar em idéias recebidas, receitas, aquele que descobre uma nova verdade
científica teve que triturar antes quase tudo que tinha aprendido.
Ortega diz que a política é muito mais real que a ciência, porque se compõe de
situações únicas em que o homem se encontra mergulhado de imediato, querendo ou não. O
Estado é um projeto de trabalho e um programa de colaboração, conclamam-se as pessoas a
que façam algo juntas. É um simples dinamismo – a vontade de fazer algo em comum -, e
devido a isso a idéia estatal não é limitada por nenhum marco físico, é algo que vem de e vai
para. O Estado a toda hora está superando o que parecia ser o princípio material de sua
unidade, cuja unidade consiste em superar qualquer outra unidade conhecida. Para o filósofo,
o Estado qualquer que seja sua forma – primitiva, antiga, medieval ou moderna -, é sempre a
conclamação que um grupo de homens faz a outros grupos humanos para executarem uma
empresa juntos, - é a organização de um certo tipo de vida comum. Estado e projeto de vida,
programa de trabalho ou de conduta humanos, são termos inseparáveis. As diferentes classes
de Estado nascem das maneiras segundo as quais o grupo de empresário estabelece a
colaboração com os outros, não é a comunidade anterior que torna viável a convivência
política, mas a comunidade futura e o efetivo trabalho comum, não o que fomos ontem, mas o
que vamos fazer juntos amanhã, isso é o que nos reúne no Estado. A capacidade de fusão é
ilimitada, não só de um povo com o outro mais de todas as classes sociais dentro de cada
corpo político, conforme a nação cresce a colaboração interna se torna coesa. Para Ortega o
passado nacional projeta incentivos no futuro, ao defender a nação defendemos nosso
amanhã, não nosso ontem, todo fazer é realizar um futuro. A nação, antes de possuir um
passado comum, teve que criar essa comunidade, e antes de criá-la teve que sonhar com ela,
desejá-la, projetá-la, e basta ter projeto próprio para que a nação exista, ainda que não se
realize, ainda que sua execução fracasse como já aconteceu tantas vezes, a nação é uma
empresa que se sai bem ou mal, que se inicia depois de um período de experiências, que se
desenvolve, se corrige, da qual “se perde o fio” uma ou várias vezes, e é preciso recomeçar
ou, pelo menos reatar. Ortega diz que o âmago de uma nação é em primeiro lugar, um projeto
de convivência total numa empresa comum, em segundo lugar, a adesão dos homens a esse
projeto incitativo. A nação nunca está feita, está sempre se fazendo ou se desfazendo, depende
se é uma empresa vívida.
Ortega vivência uma Europa que não tem certeza de que é ela que manda, nem o resto
do mundo de ser mandado, padecendo de uma grave desmoralização, que manifesta na
rebelião das massas. A soberania histórica encontra-se em dispersão, já não há “plenitude dos
tempos”, porque isso supõe um futuro claro, predeterminado, quem desconfiar de tudo o que
hoje é apregoado, ostentado, ensaiado ou elogiado, estará certo, desde a mania do esporte
físico até a violência na política, desde a “arte nova” até os banhos de sol nas ridículas praias
da moda, tudo é um capricho leviano, não é uma criação que parte do fundo substancial da
vida, não é aspiração nem missão autêntica, tudo é vitalmente falso, estamos diante de um
estilo de vida que cultiva a sinceridade e é ao mesmo tempo falsificação. Não há na época de
Ortega assim como hoje nenhum político que sinta a inevitabilidade de sua política.
Ortega diz que a Europa ficou sem moral, o centro de seu regime vital consiste
precisamente na aspiração de viver sem se submeter a qualquer moral. O moralismo chegou a
vulgaridade extrema que qualquer um se vangloria de exercitá-lo, reduz se a crer que se tem
todos os direitos e nenhuma obrigação, quando se apresenta como reacionário ou antiliberal é
pra poder afirmar que a salvação da pátria, do Estado, dá o direito de passar por cima de todas
as outras normas e de massacrar o próximo, principalmente se o próximo tem uma
personalidade valorosa. Seu aparente entusiasmo pelo operário artesanal, o miserável e a
justiça social serve-lhe de disfarce para poder desvencilhar-se de qualquer obrigação como a
cortesia, a veracidade, o respeito, admiração pelos indivíduos superiores. Para Ortega, as
pessoas se declaram “jovens” porque ouviram que o jovem tem mais direitos que obrigações.
Ainda que pareça mentira, chegou-se ao ponto de se fazer da juventude uma chantagem, com
ela, aspira-se que o homem vulgar possa sentir-se eximido de qualquer sujeição. O homemmassa carece simplesmente de moral, que é, por essência, um sentimento de submissão a algo,
consciência de serviço e obrigação, quem não quer se submeter a nenhuma norma tem que se
submeter a norma de negar toda moral, e isso não é moral, mas imoral, uma moral negativa
que conserva da outra a forma vazia. Para Ortega o homem-massa ainda está vivendo do que
nega e do que os outros construíram ou acumularam. Das insuficiências sofridas pela cultura
européia se origina essa forma humana hoje dominante.
Ortega diz que hoje o dinheiro tem mais força do que deveria ter, mas ele só tem esse
vigor devido ao valor que se atribui a ele e sua influência só é decisiva quando os demais
poderes organizadores da sociedade desaparecem, ou seja, quando as outras formas de
prestígio se volatizam (poderes históricos verdadeiros – raça, religião, política, idéias), fica
sempre o dinheiro que por ser material não pode se volatizar. O importante é evitar a
concepção econômica da história fazendo dela uma monótona conseqüência do dinheiro, daí
conclui-se a insuficiência da análise marxista da história econômica, pois é bem evidente que
em muitas épocas humanas o poder social do dinheiro foi muito reduzido e outras energias
alheias a econômica nortearam a convivência humana, talvez se possa duvidar que o dinheiro
seja um poder primário e substantivo, talvez seja o dinheiro que dependa do poder social,
parece verossímil que o dinheiro seja um fator social secundário, incapaz de inspirar a grande
arquitetura da sociedade. Para Ortega, o dinheiro só manda quando não há outro princípio que
mande e como em nosso tempo nem a religião nem a moral dominam a vida social e
tampouco o coração da multidão e como a cultura intelectual e artística é menos valorizada,
resta só o dinheiro. O poder social do dinheiro será tanto maior quanto mais coisa houver para
se comprar e não quanto maior for a quantidade do próprio dinheiro. O industrialismo
moderno junto aos progressos de técnica geram o acúmulo de objetos comerciais, ampliando
o comprar. Hoje o homem invejado é aquele que pode comprar, gastar.
Ortega crê que há grandes forças anônimas que atuam em nós e em cada época, ele
entende que é possível definir o sexo de todas as épocas, sendo o nosso tempo, tal com o dele,
caracterizado pela juventude masculina, pela falta de interesse pela mulher, a vida tem um
caráter mais rude. Ortega presencia o senhor do mundo sendo o rapaz, que se entrega a seus
gostos e apetites, sem preocupar com o resto, sem prestar homenagem a nada que não seja sua
juventude. As moças perderam o hábito de serem galanteadas e esse gesto, que representava a
fusão de todas as qualidades da virilidade, hoje lhes pareceria afeminado. Ortega diz que a
beleza física varonil passa a ter um valor enorme, tanto que a intenção da figura feminina
atual é a de se parecer um pouco com o homem jovem. Sendo a mulher a inventora da
“cortesia”, com sua retirada do primeiro plano social chega o império da descortesia, essa
míngua do poder feminino sobre a sociedade é a causa de que a convivência seja tão áspera
em nossos dias. Para Ortega é muita coincidência que no presente, o comportamento feminino
seja o mesmo ponto comum: a assimilação do homem. Hoje a mulher imita o homem no
vestir e adota seus jogos violentos. Ortega analisa que não temos consciência de tudo o que é
impulso histórico coletivo e empurra a vida histórica inteira em uma ou outra direção, cada
qual acredita viver por conta, em virtude de razões que supõe personalíssimas. Mas o fato é
que sob essa superfície de nossa consciência, atuam as grandes forças anônimas que nos
mobilizam a seu capricho. Porque fazemos algo? Cada um apresentará uma razão diferente,
que encerrará alguma verdade, mas não a suficiente.
Para Ortega, viver é em resumo, uma operação que se faz de dentro para fora, e por
isso as causas ou princípios de suas variações tem que ser procuradas no interior do
organismo humano, então, toda a vida sendo rítmica, a história também o é e os ritmos
fundamentais são justamente os biológicos, ou seja, há épocas me que predominam o
masculino outras o feminino, há tempos de jovens e tempos de velhos. A história é, antes de
tudo, história da alma, o interessante é descrever esses predomínios rítmicos na consciência.
Ortega reflete que a vida tem a condição inexorável de se cansar, de se tornar imune a certos
estímulos e no tempo certo, reabilitar-se para o estímulo oposto. Se há um estímulo na
horizontal, outro surge na vertical, por exemplo, nas gerações anteriores, século XVIII
(Romantismo), os jovens sentiam sua própria juventude como transgressão do dever, hoje a
juventude parece dona indiscutível da situação. O jovem atual vive sua juventude com
tamanha determinação e ousadia, despreocupação e segurança, que parece existir só nela. A
maturidade tem a seus olhos um valor quase ridículo, os adultos encontram a necessidade de
ter que retroceder um pouco no caminho já percorrido como se tivessem se enganado e
tornando mais jovens do que são. De acordo com Ortega, o tom adotado pela vida objetiva é o
juvenil e isso nos força a adotá-lo. Hoje o homem e a mulher maduros vivem com a vaga
impressão de que quase não tem o direito de viver e começam a tomar atitudes servis. No
momento, a imitam em seu modo de vestir. Assim também era a vida social em toda a Europa
na época de Ortega, só os jovens das classes médias podiam viver à vontade. Para Ortega
seria conveniente alertar os seres humanos que ele não é só alma e sim uma união mágica de
espírito e corpo e que a vida necessita objetivamente de maturidade, portanto, a juventude
também precisa dela. O admirável do moço é o seu exterior; o admirável do homem feito é
sua intimidade, isso é o gérmem da dialética das idades. A juventude goza o ócio florescente
que lhe foi proporcionado por gerações sem juventude, mas corre o risco de chegar a
maturidade sem aptidão.
Quanto ao pacifismo, Ortega o considera como a crença de que a guerra é um mal e
aspira-se a eliminá-la como meio de relacionamento entre os homens. Mas, até que ponto é
absolutamente possível à desaparição das guerras? A guerra não é um instinto, mas uma
invenção que deu origem a base de toda a civilização: disciplina. Para Ortega todas as outras
formas de disciplina originaram-se da primigênia, que foi a disciplina militar. O pacifismo se
converte em nula beatice quando não leva em consideração que a guerra é uma genial e
formidável técnica de vida e para a vida. O pacifismo desconheceu tudo isso e encarou sua
tarefa como fácil. Como a guerra pode ser substituída? Para Ortega o enorme esforço que é a
guerra só poderá ser evitado na medida em que se entender por paz um esforço ainda maior,
se guerra é uma coisa que se faz, também a paz é uma coisa que se tem que fazer, que se tem
que fabricar. Um país que acredita que o máximo que pode fazer em prol da paz é desarmar
cai num grande erro, pois a guerra é um meio que os homens inventaram para resolver certos
conflitos, a renúncia à guerra não elimina esses conflitos. Segundo Ortega, enquanto não se
inventasse outro meio, a guerra reapareceria inexoravelmente, a vontade de paz não é uma
boa intenção, um desejo cômodo, mas sim um sistema de novos meios de relacionamento
entre os homens. É imoral pretender-se que uma coisa desejada se realize magicamente, só
porque a desejamos, só é moral o desejo que é acompanhado da enérgica vontade de preparar
os meios para sua execução. O pacifismo então, para Ortega, consiste em construir a outra
forma de convivência humana que é a paz. O pacifismo precisa se conscientizar que está num
mundo onde falta ou está debilitado, o requisito principal para a organização da paz, isso quer
dizer que a efetiva transformação técnica do mundo é um fato muito recente e que sua
mudança está produzindo agora suas conseqüências radicais devido a aproximação técnica e o
distanciamento moral. Hoje, assim como na Europa de Ortega, faltam princípios de
convivência que estejam vigentes e aos quais se possa recorrer. Ortega examina que uma parte
da Europa queria introduzir alguns princípios “novos”, a outra defendia os tradicionais. Esta é
a prova de que nenhum deles estava em vigor e que perderam a qualidade de instâncias.
Ortega tenta estabelecer as bases de uma “pedagogia política”, para regular os
conflitos de interesses e os valores, pois como se vê os problemas são de ordem moral e a
ferramenta que cada homem possui para se orientar em sua vida é a razão, a vida se fortalece
com a razão. Ortega valoriza a vida de todos de modo igual, sem destruir os valores de cada
pessoa, sua intenção era socializar os homens no princípio da amizade. Esta obra trata-se de
um convite para sermos Bons, Justos e Melhores no real sentido dos termos.
Conclusão
Nesta obra Ortega denuncia a chegada do homem-massa ao poder social, destacando
quais as causas e as consequências desse fato para os indivíduos e a sociedade. Ortega define
o homem-massa como sendo aquele que não recorre a uma instância superior, não considera o
valor da tradição e não busca o aperfeiçoamento próprio, tudo isso gera uma estreiteza de
pensamento, apesar do avanço da ciência empírica que trouxe o aprimoramento da técnica, o
homem-massa carece de princípios, metas e ideais legados pela tradição. Ortega nos alerta
para o valor de uma vida que transcende do que já é para o que propõe como dever, e um dos
meios propostos para atingir tal condição é a educação. Ortega nos convence da necessidade
de uma educação que ensine o sentido da vida, que gere uma sensibilidade para os grandes
deveres históricos, uma sensibilidade para com o destino da ciência e da civilização. Faz falta
uma formação que aprofunde a visão sobre todos os aspectos da vida e busque soluções
humanas para os problemas que as circunstâcias apresentam. Faz falta uma formação humana
que dê ferramentas para uma ação consciente e ativa e não uma ação inconsciente e reativa
para brotar as qualidades intrínsecas em cada ser humano tornando-o autêntico, seguro e
construtor do futuro.
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a rebelião das massas segundo ortega y gasset