NARRATIVAS DE PROFESSORES EM FORMAÇÃO EM UM CURSO DE LETRAS:
SUAS CRENÇAS E EXPERIÊNCIAS SOBRE APRENDER LE (INGLÊS)
Hélvio Frank de Oliveira1
Docente do Curso de Letras da UEG - UnU Itapuranga e mestrando em Linguística Aplicada
1
pela Universidade de Brasília.
RESUMO
As narrativas escritas sobre a história de aprendizagem de uma língua estrangeira (LE)
compõem um verdadeiro papel de reflexão e avaliação dos valores contextuais percebidos no
ato cultural de desenvolvimento dessa habilidade. Quando um indivíduo conta suas
experiências de aprender, por meio de análise dos discursos relatados, podemos inferir
algumas crenças presentes na atuação desse participante durante o processo de lidar com o
novo conhecimento. O uso desse instrumento, aliado a outros, juntamente com uma análise
apurada, pode, sem dúvida, sanar muitos problemas advindos da estreita relação entre os
agentes da aprendizagem de uma LE, a saber, professor, aluno e terceiros. Isso porque nesse
mesmo processo, além desses atores (in)diretos, há que se levar em consideração fatores
sociais, históricos, físicos, psicológicos, culturais, etc. interligados nele. São tais aspectos que
consagram a atu(ação) do indivíduo por meio da vivência e da interação contínuas, abarcando
o caráter contextual, que é tão importante nesse processo dinâmico de relação social humana.
Nessa perspectiva, este trabalho busca suscitar, por meio de análise de narrativas, possíveis
crenças e experiências relevantes durante o processo de aprender LE (inglês) de alguns alunos
do curso de Letras de uma universidade pública no interior do estado de Goiás. Trata-se de
um estudo de caso, de base qualitativa, que permeia a teoria sociocultural de Vygotsky
(2000); a abordagem contextual para investigação das crenças, de Barcelos (2004) e VieiraAbrahão (2006); as experiências de aprendizagem (Micolli, 2006); e ainda a utilização da
narrativa como instrumento de pesquisa (Barcelos, 2006). Os resultados permitem evidenciar
alguns dados já relatados em estudos anteriores, mas, pelo caráter contextual que abrange,
compartilham também de comprovações inéditas que ampliam as atenções que professores de
LE precisam pensar maduramente quando se trata da formação desse profissional.
Palavras-chave: crenças de aprender, narrativas de experiência, língua inglesa.
1
Introdução
No contexto nacional, Miccoli (2006), que tem produzido estudos focando e
caracterizando a experiência de aprender em sala de aula, afirma que o processo de ensino e
aprendizagem consiste em ações contínuas de (re)construção de experiências. As
experiências, por sua vez, caracterizam-se pela interação e adaptação dos envolvidos em seus
contextos, a partir do princípio de continuidade, provocando grandes embates ao interpor,
nessa atuação, valores de experiências anteriores para a modificação das futuras.
Assim, a experiência, caracterizada pelas tentativas do aprendiz na tarefa, é
influenciada pelos meios físico, social e cultural, onde o ser humano evolui e se desenvolve
através de pensamentos, percepções, sentimentos, sofrimentos e ações em um processo
participativo, contínuo e transformador do meio e dos seres humanos que nele vivem. A
estreita relação entre agir, sofrer ou vivenciar forma a experiência. Estudá-la, portanto,
consiste em conceder voz àquele que vivencia o processo, e revelação àquele que investiga tal
componente.
Junto da experiência estão as crenças sobre a aprendizagem. Esse construto
corresponde, nesse caso, às concepções e percepções sobre o que seja esse aprender, e tornase, portanto, muito importante de ser analisado, quando aliado às experiências, por serem as
crenças, muitas vezes, o resultado que surge a partir das ações e experiências dos aprendizes a
respeito de aprender uma LE. Miccoli (2006) ressalta sobre a relevância dessa dupla
combinação influenciada e compartilhada pelo contexto. As experiências, postas sob análise,
também possibilitam uma melhor compreensão sobre o que acontece no cenário sociocultural.
Por isso devem ser refletidas, para que haja mudança em cada situação, quando for o caso.
Barcelos (2006), por seu turno, também analisa a dicotomia experiências e
crenças. Àquelas cabem os (re)ajustamentos de orientação de tarefas de ordem prática no
esquema ação – resposta, ao passo que as crenças dizem respeito às hipóteses e testes, de
ordem mental, avaliadores de uma ação e até mesmo de uma experiência. Assim as crenças
são co-construídas por meio das experiências num processo interativo de interpretação.
Um ponto comum que se destaca nessas autoras resenhadas é a evidencia que elas
dão aos aspectos situacionais, sociais, culturais que desenvolvem na e da prática de aprender
um idioma, quando se referem a crenças e experiências. Nesse bojo, confirmo, crenças e
experiências como elementos importantes de serem analisados para uma abordagem reflexiva
sobre o ensino e aprendizagem de LE (inglês).
Neste artigo, utilizo o termo experiência de aprendizagem como referência às
experiências passadas (ou anteriores) na tarefa de aprender, e crenças, por seu turno, como
2
concepções e percepções a partir de experiências e (atu)ações desenvolvidas pelos
participantes, incluindo, nessa dicotomia, os contextos educacional em que se desenvolveram.
Material e métodos
Este artigo inclui-se no âmbito qualitativo, proposto por um estudo de caso, ao
analisar um recorte contextual, isto é, um grupo de trinta alunos dos quatro anos de um curso
de Letras de uma universidade pública. O instrumento utilizado foram as narrativas por eles
escritas, as quais foram coletadas na oportunidade de apresentação de um minicurso por mim
oferecido, durante uma semana do curso de Letras. Por meio de uma dinâmica, esses
participantes, utilizando pseudônimos, foram motivados a escrever sobre como foi sua
experiência de aprendizagem de LE (inglês).
Segundo Aragão (2008), ao dar voz as suas experiências, os participantes sentemse valorizados e refletem sobre as dinâmicas das experiências humanas de aprendizagem. E
essa consciente reflexão provocada pela narrativa, fomenta seu desenvolvimento consciente e
efetivo nas (inter)relações (MICCOLI, 2006) do complexo sistema de ensinar-aprender uma
língua, o qual envolve, como visto, muitos elementos. Para Aragão (2008), por meio da
reflexão, damos significados às experiências e nos vemos responsáveis por nossos atos.
É com essa expectativa que tais narrativas foram sugeridas, a fim de identificar
quais crenças sobre aprender inglês possuíam esses alunos e ainda visualizar como foram suas
experiências iniciais e anteriores com o idioma antes de chegarem à faculdade.
Resultados e discussão
Por meio de análise das falas desses participantes, comprovei 28 menções
positivas em se tratando da situação atual com a língua. A maioria desses alunos, embora
alguns apresentem dificuldades, mantêm sua motivação alta na aprendizagem de LE (inglês)
na universidade.
Mais de 50% dos participantes, no geral, confirmam essas respostas quando
afirmam que “passaram a ver com outros olhos o inglês na faculdade”, outrora quando
configuram o inglês (não) aprendido nos ensinos fundamental e médio como raso ou
superficial, portanto, não motivador.
Primeiramente porque eu sempre estudei em escolas públicas e como todos sabem o
ensino da rede pública não é muito bom, muito menos contagiante. O interessante é
que antes eu não gostava muito da língua inglesa, a partir das aulas aqui na faculdade,
eu passei a ver com outros olhos e hoje sou professora de língua inglesa. (Beltrana)
Comecei a gostar de inglês aqui na faculdade, porque até então não tinha percebido
3
como essa língua é interessante e importante para a nossa vida, ela está em todos os
lugares. (Rocha)
Assim, o meu contato e o meu prazer pelo estudo do inglês começou na Universidade,
onde encontrei um professor que mudou a minha maneira de ver a língua inglesa e me
mostrou que é possível, sim, aprender uma língua estrangeira, e que isso poderia ser
feito de uma maneira agradável. (Ruan)
Estudei sempre em escola pública, e me deparei com a aula de inglês justamente na
quinta série. A princípio, achei legal, a professora era excelente e eu me interessei pela
matéria. Com o passar dos anos as aulas foram ficando chatas, não consegui entender
bem, não conseguiam transmitir de forma clara, sem contar que nem sempre tínhamos
esses professores disponíveis. Aprendi a detestar o inglês. Quando cheguei na
faculdade, tive grandes dificuldades, mas pude superá-las com a ajuda de professores
bem capacitados e esse processo de superação me fez amar o inglês. (Silva)
Em análise maior, pude inferir, através desses e de outros relatos, a crença já
detectada por outros estudos: a de que o professor é o responsável pelo aprendizado (Barcelos,
2004). A maioria das falas revela que ao professor e à instituição cabe o papel de transmitir a
boa aprendizagem. Dessa forma, diferentemente do que vemos em teorias da linguística
aplicada, tal pressuposto nos faz pensar que a função do aluno é esperar passivamente pelo
resultado.
Em contrapartida, observando o contexto, acredito que essa autonomia no ensino
superior vividas pelos participantes, com vistas à consciência da aprendizagem de inglês e,
com isso, à reflexão sobre os resultados, algumas vezes, compete à análise sobre o processo
de aprender que possuem tais estudantes. Fato que acusa a importância da maturidade e da
formação do aprendiz, o que quase sempre não ocorre na infância e adolescência, nos
primeiros níveis de ensino. Se o aluno observa criticamente sua prática de aprendizagem, ou
seja, é autônomo e consciente sobre suas tarefas, ele tende a buscar mudanças singulares em
favor da aprendizagem.
Pelos mesmos relatos, é possível ainda visualizar outra ponte existente entre os
ensinos fundamental e médio, e o ensino superior no que se refere às habilidades em LE
(inglês). No ambiente universitário, específico do curso de Letras, esses participantes revelam
a ênfase nas habilidades prática e de uso do idioma, tidas como “diferentes”: falar e ouvir.
Nesse sentido, ao ensino fundamental e médio são endereçados os desempenhos “clássicos”
de escrita e de leitura. Esse choque de diferentes abordagens nos faz supor, por outro lado, o
alvo que cada um precisa atingir: os estudantes do colégio almejam passar no vestibular. Sua
capacidade, então, gira em torno de ler e interpretar textos em inglês. Por essa razão, o tipo de
enfoque metodológico nas habilidades da ponta do lápis. Enquanto que, nas grades
curriculares desses futuros habilitados em ensinar inglês como LE, há mais ênfase nas
4
modalidades de uso, falar e ouvir. Talvez prevendo a importância profissional de saber e, por
consequência, dominar, em todas as esferas, o idioma, nas suas mais variadas modalidades,
isto é, viver a língua e usá-la naturalmente.
Os termos “desafio” e “dificuldade” de aprender inglês também foram bastante
mencionados nas narrativas. Em geral, os participantes inferiram, a esse respeito, sobre a
questão de, agora no ensino superior, terem que lidar, superar e sanar as dificuldades
experienciadas no ensino anterior. Veja a ponta do extremo:
No início quando na 5ª serie comecei a conhecer um pouco de inglês, me deslumbrei,
achei lindo e as notas eram ótimas, pois era só decorar as regrinhas e passar para a
prova que a professora aplicava. Mas quando cheguei na faculdade, o susto foi maior
que eu esperava, saber falar as palavras que na escrita não tinha nada a ver, saber
escrever uma palavra que a pronúncia era totalmente diferente, e ouvir, nem se fala,
parece que era de outro planeta. Contudo, espero superar, e vencer mais este desafio
que eu tracei para o meu futuro, e também espero que com o tempo, eu realmente
aprenda e que eu saiba falar para os meus alunos. (Drica)
A afetividade, nesses casos, por parte do professor e aluno, é outro aspecto que
pode influenciar positivo ou negativamente as situações de aprendizagem, segundo os relatos:
Bom, comecei a estudar inglês na quarta série. Era uma aula muito legal, divertida,
onde pintávamos, desenhávamos e brincávamos, era uma forma muito divertida, mas
quando entrei para o 6º ano foi começando a ficar chato e fui me desligando e passei a
não gostar de inglês. Quando cheguei na faculdade, báhhh... uma bomba. Um inglês
totalmente diferente, foi um choque tremendo, não me identifiquei com a professora e
não consegui aprender e até hoje esforço muito para aprender. O inglês na verdade é
um gigante que vou vencer. Assim espero, porque nada é impossível. (Glenda)
Pois bem, na escola aprendi algumas pronúncias que eram erradas, e só agora estou
aprendendo as pronúncias certas, pois na faculdade tudo é diferente. Foi um grande
desafio, mas tive a professora X que me ajudou muito, e agora o professor Y que
também tem nos ajudado muito, apesar de nos assustar no começo. Agora está tudo
bem e quase não tenho medo do inglês e gostei mais ainda dele. Já estou até
ensinando. (Valdívia)
Eu sempre tive muito interesse em aprender a língua inglesa, mas no ensino
fundamental é ler e escrever, no ensino médio não foi muito diferente. Sendo assim,
eu gostava muito da maneira e da facilidade que uma professora do ensino médio
ensinava, eu a admiro muito. E por sua causa, passei a gostar do inglês. (Lovely)
Já conferido por outros estudos, há relatos tirando por conclusão a crença positiva
da importância que o idioma mundial tem ocupado no contexto de globalização atual:
Atualmente a língua inglesa é mundialmente falada, busco aprender uma nova língua
devido às necessidades do mundo moderno. (Clara)
A língua estrangeira moderna o inglês é muito fundamental na vida de qualquer ser
humano que se situe neste nosso mundo globalizado. (Lovely)
No mundo globalizado em que vivemos hoje, é muito difícil não se interagir com o
inglês. (Norma)
5
Conclusões
Diante do que vimos, é elementar trazer à tona a importância da autonomia na
aprendizagem por parte do aluno. Se o professor forma para ensinar, consequentemente, o
aluno deveria formar-se para aprender. Tal ação representaria, pelo menos, a reflexão sobre o
seu desempenho prático após uma dada tarefa.
De fato, muitos autores (Almeida Filho, 1999, Aragão, 2008) entendem que ser
consciente sobre o processo é garantir meios para mudar convicções, e tornar, assim,
significativa a aprendizagem. Uma verdadeira experiência consiste no sentido atribuído em
torno de uma atividade. E aprender inglês, nesse caso, precisa ter revelação interessante, para
que o sucesso seja o resultado ciente de que houve mudanças que melhoraram a trajetória
durante as várias estradas para o caminho da aprendizagem.
Referências
ALMEIDA FILHO, J. C. P. Análise de abordagem como procedimento fundador de autoconhecimento e mudança para o professor de língua estrangeira. In: ALMEIDA FILHO, J. C.
P. (Org.). O professor de língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, 1999, p.1127.
ARAGÃO, R. Emoções e pesquisa narrativa: transformando experiências de aprendizagem.
In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v.8, n.2, p. 295-320, 2008.
BARCELOS, A.M.F. Crenças sobre aprendizagem de línguas, linguística aplicada e ensino
de línguas. In: Linguagem & Ensino, v.7, n.1, p.123-156, 2004.
__________. Narrativas, crenças e experiências de aprender inglês. In: Linguagem & Ensino,
v.9, n.2, p.145-175, 2006.
MICCOLI, L.S. A experiência na linguística aplicada ao ensino de línguas estrangeiras:
levantamento, conceituação, referências e implicações para a pesquisa. In: Revista Brasileira
de Linguística Aplicada, vol. 6, n. 2, p.207-248, 2006.
VIEIRA-ABRAHÃO, M.H. Metodologia na investigação das crenças. In: BARCELOS, A.M.
F; VIEIRA-ABRAHÃO, M.H.(Orgs.). Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no
aluno e na formação de professores. 1 ed. Campinas: Pontes Editores, v. 1, 2006, p. 219-232.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 230p.
6
Download

(introdução, objetivos, material e métodos, resultados e discussão e