UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MARIA LILIANA CORREIA DOS ANJOS PROGRAMA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO EM MEIO ABERTO: REFLEXÃO ACERCA DOS LIMITES E POSSIBILIDADES VIVENCIADOS PELOS PROFISSIONAIS NO ACOMPANHAMENTO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI FORTALEZA 2013 2 MARIA LILIANA CORREIA DOS ANJOS PROGRAMA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO EM MEIO ABERTO: REFLEXÃO ACERCA DOS LIMITES E POSSIBILIDADES VIVENCIADOS PELOS PROFISSIONAIS NO ACOMPANHAMENTO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Rosemary de Oliveira Almeida. Fortaleza-Ceará 2013 3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho Bibliotecário (a) Leila Cavalcante Sátiro – CRB-3 / 544 A592p Anjos, Maria Liliana Correia dos. Programa de atendimento socioeducativo em meio aberto: reflexão acerca dos limites acerca dos limites e possibilidades vivenciadas pelos profissionais no acompanhamento de adolescentes em conflito com a lei / Maria Liliana Correia dos Anjos. — 2013. CD-ROM 117f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 mm)”. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2013. Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade. Orientação: Profª. Drª. Rosemary de Oliveira Almeida. 1. Sinase. 2. Medidas socioeducativas. 3. Políticas públicas. 4. Atendimento socioeducativo. I. Título. CDD: 320.6 4 5 6 Dedico esse trabalho ao Senhor Deus e aos meus pais e meus irmãos, por todo apoio e confiança. 7 Senhor, Eu te peço o dom da humildade. Eu não quero ser arrogante, não quero ser maior do que meus irmãos. Eu te peço o dom da humildade. Quero lembrar sempre de que sou pó e ao pó haverei de voltar. Quero servir com amor sem nada esperar em troca. Eu te peço o dom da humildade. Quero viver cada dia lembrando-me de teus ensinamentos. Eu te peço o dom da humildade. Quero que cuidem de mim sem nenhuma arrogância. Eu te peço o dom da humildade. Quero ser um servidor. Eu te peço o dom da humildade. Padre Marcelo Rossi (Àgape) 8 AGRADECIMENTOS Aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a elaboração deste trabalho e, de forma particular: A Deus, a mais infinita gratidão e por estar presente em todos os meus momentos. A meus pais, Zaqueu (in memoriam) e Liana, principalmente a minha querida mãe, símbolo de força, coragem, determinação e sabedoria. Essa vitória não teria sido possível se não trouxesse comigo tudo o que aprendi com você. Obrigada por me incentivar e nunca desistir de nada nessa vida. Essa conquista é nossa. Aos meus queridos irmãos, Zaqueu Filho e David que, mesmo com alguns desentendimentos (afinal, não fugimos à regra dos irmãos), são motivos de muito orgulho para mim. Ao meu querido e amado noivo, Gabriel. Você é e sempre será a peça chave desta dissertação. O seu amor transcende todas as barreiras, e com você aprendo todos os dias a difícil arte de amar e de ser amada. Obrigada por tudo: pelo seu amor, pela paciência quando eu trocava os passeios para escrever a dissertação, pelas “caronas” para deixar as cópias da dissertação, pela ajuda nas descrições auditivas das entrevistas, enfim, pela nossa maravilhosa vivência. Uma simples palavra descreve o que eu sinto por você: AMO-TE MUITO! Aos meus avós maternos (in memoriam), Raimundo e Alzira, que cuidaram de seus filhos com muita sabedoria. Queridos vovô e vovó, onde estiverem estarão muito orgulhosos de sua neta. À professora Rosemary Almeida, minha orientadora, onde agradeço pelo valioso crescimento e aprendizado que pude aprender com a senhora. Obrigada pela disponibilidade e paciência na realização desta dissertação. Minha eterna gratidão e admiração pela sua sensibilidade com que conduz sua vida. Ao professor Geovani Jacó por ter aceitado o convite para participar da banca de avaliação e por suas contribuições na banca de qualificação, suas dicas foram essenciais na construção dessa pesquisa. Ao professor Luiz Fabio, mesmo sem me conhecer, aceitou o convite para participar da banca de avaliação. Obrigada pela disponibilidade e compromisso mesmo na última hora. À equipe do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo pela colaboração na pesquisa, aos trabalhadores antigos que como eu, acreditam que o Programa pode alcançar dias melhores. Em especial, a equipe do Núcleo 3, que está nos meus pensamentos e no meu coração: Marilac, Valdinely, Vilma, Andressa, Jediel, Aldaci e Fabiana. E aos que não se encontram mais no núcleo: Kléber e Roney. Hoje, me encontro em outro núcleo de Liberdade Assistida, mas nossos momentos de alegria e companheirismo serão eternos. 9 Agradeço pelas boas-vindas e amizade carinhosa a qual fui recebida pela equipe do Núcleo 6 (Adriana, Fabiana, Rafaela, Silvelir, Karina, Dna. Socorro, Maria da Paz, Rejane e Valéria). Obrigada por tudo e pela ajuda que cada um empreendeu na construção dessa pesquisa. Agradeço pela amizade de vocês. Aos colegas do Mestrado, nessa caminhada árdua na busca pela titulação. Hoje vencemos mais uma etapa de nossa vida, com a certeza de que continuaremos zelando pela nossa amizade. Em especial à Karina, Eniana, Andra, Irlena, Sarah, Monalisa, Lara e Ana. Aos amigos de hoje e eternos: Rafaela, Suzany, Jéssica, Ana Joyce, Nara, Iarley, Julio César, Alessandro e o Levi. A todos os meus amigos antigos e recentes, que, de alguma forma, contribuíram para minha formação humana e profissional. A Pedrita (a cachorra da família) que nos momentos de angústia e cansaço era quem me dava carinho e acalento, mesmo quebrando a casa toda e comendo o que não devia, ficando sempre sentadinha ao meu lado enquanto eu passava as madrugadas digitando esta dissertação. 10 RESUMO O presente estudo busca apontar os limites e possibilidades das ações desenvolvidas por profissionais que executam as políticas públicas de atendimento a crianças e adolescentes, mais especificamente, as medidas socioeducativas em meio aberto, do Programa de Atendimento Socioeducativo, mediante suas percepções e criação de sentidos sobre o próprio trabalho fazendo um contraponto com as orientações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). A pesquisa, de cunho qualitativo e com metodologia baseada em entrevistas semiestruturadas com os sujeitos operadores do sistema socioeducativo, buscou fundamentação em documentos do Programa de Atendimento Socioeducativo e em revisão bibliográfica em obras pertinentes ao tema. O estudo apresenta uma breve incursão teórica sobre os conceitos de infância e juventude e referentes às práticas e políticas voltadas a este segmento no Brasil, especificamente, os adolescentes autores de atos infracionais. Explana-se o cenário atual da política de atendimento voltada a esses sujeitos, abordando as medidas socioeducativas e os princípios e diretrizes do SINASE. Os dados e informações da pesquisa foram coletados por meio de entrevista com 17 profissionais das mais diversas áreas do saber, que lidam, de forma direta, na execução das medidas socioeducativas. Ao término da investigação, concluiu-se que, apesar dos 6 anos de execução no processo de municipalização em Fortaleza, tal processo, apresenta fragilidades que, se não diagnosticadas em tempo hábil, podem refletir em práticas que ferem os princípios que norteiam os serviços prestados pelos trabalhadores aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto. Palavras-chave: SINASE. Medidas Socioeducativo. socioeducativas. Políticas públicas. Atendimento 11 RÉSUMÉ Cette étude vise à identifier les limites et les possibilités d'actions développés par des professionnels qui exécutent les politiques de soins pour les enfants et les adolescents, plus particulièrement, les mesures éducatives en milieu ouvert, Programme d'Assistance Socioéducatif sur leurs perceptions et la création de significations sur le travail lui-même un contrepoint aux orientations des services socio-éducatifs nationaux (SINASE). La recherche, une méthodologie qualitative et basée sur des entretiens semi-structurés avec les sujets gestionnaires de réseau de garde d'enfants, ont cherché justification documents présence Socio du programme et revue de la littérature sur les travaux pertinents sur le sujet. L'étude présente un bref aperçu sur les concepts théoriques de l'enfance et de la jeunesse et sur les pratiques et les politiques dans ce segment au Brésil, plus précisément, les adolescents qui ont des infractions. Explique le scénario actuel de soins de santé axé sur ces sujets, aborder les mesures éducatives et les principes et lignes directrices de Sinase. Les données et les informations de l'enquête ont été recueillies au moyen d'entrevues avec 17 professionnels de diverses disciplines, qui traitent directement dans la mise en œuvre de mesures éducatives. A la fin de l'enquête, il a été conclu que, malgré six années d'exécution dans le processus de municipalisation à Fortaleza, ce processus présente des faiblesses qui, si elle n'est pas diagnostiquée à temps, pourrait refléter les pratiques qui violent les principes qui guident les services offerts travailleurs adolescents en exécution des mesures éducatives en milieu ouvert. Mots-clés: Sinase. Les mesures éducatives. Les politiques publiques. Services socio-éducatifs. 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CREAS - Centro de Referência Especializado da Assistência Social CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CLT – Consolidação das Leis de Trabalho DCA - Delegacia da Criança e do Adolescente. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FEBEM- Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FONACRIAD - Fórum Nacional de Dirigentes Governamentais de Entidades Executoras da Política de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor ILANUD - Instituto Latinoamericano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente LA – Liberdade Assistida LAJ - Liberdade Assistida do Juizado da Infância e da Juventude LAM - Liberdade Assistida Municipalizada. LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social PSC - Prestação de Serviços à Comunidade ONG – Organização Não-Governamental ONU - Organização das Nações Unidas MSE - Medida Socioeducativa SAM - Serviço de Assistência ao Menor SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................................14 1 O ESPAÇO EMPÍRICO DA PESQUISA: SITUANDO O PROGRAMA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO – COMO TUDO COMEÇOU..............................................................................................................................26 1.1 A construção histórica do Programa de Atendimento Socioeducativo...................................26 1.2 Compreendendo as Políticas Públicas e a Questão Social para adolescentes no Brasil...........31 1.3 As medidas socioeducativas de acordo com o ECA................................................................36 1.4 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) – das orientações à efetivação da lei 12.594/2012...................................................................................................................43 1.4.1 SINASE e o Princípio da Incompletude Institucional..........................................................47 1.4.2 O Princípio da Municipalização das Medidas Socioeducativas em meio aberto..................48 2 A HISTÓRIA DOS TRABALHADORES SOCIAIS NO ACOMPANHAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL................................................................52 2.1 Política (s) de Atendimento aos adolescentes infratores e atuação dos trabalhadores sociais.52 2.2 A atuação dos profissionais nos anos de 2006 a 2012: O Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo........................................................................................................................59 3 OS PROFISSIONAIS E O TRABALHO NA POLÍTICA PÚBLICA ATINGINDO O UNIVERSO DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI – PERCEPÇÕES, LIMITES E POSSIBILIDADES............................................................................................75 3.1 O adolescente na contemporaneidade e o envolvimento com o delito.....................................75 3.2 Limites e possibilidades que se manifestam no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo...........................................................................................................................84 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................110 APÊNDICES...............................................................................................................................115 14 INTRODUÇÃO A presente dissertação tem como objetivo analisar os limites e possibilidades das ações desenvolvidas por profissionais que executam as políticas públicas de atendimento às crianças e adolescentes, mais especificamente, as medidas socioeducativas em meio aberto, mediante suas percepções e criação de sentidos sobre o próprio trabalho. Para esta compreensão, inicialmente, a pesquisa analisou as referidas medidas, sob a responsabilidade do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade), com consequente discussão sobre as propostas escritas no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) no que tange à orientação sobre os recursos humanos no atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. O SINASE (Lei 12.594/12) contém um conjunto de orientações baseadas em princípios que norteiam as práticas pedagógicas e vão, desde a aplicação até a execução de medidas socioeducativas em meios aberto e fechado, sendo enquadrado no subsistema de garantias de direitos sociais como: saúde, educação, assistência social e outros. O locus específico de análise são os Núcleos de Liberdade Assistida Municipalizada (LAM.) das Regionais I, II, III, V e VI da cidade de Fortaleza-CE1, assim como a Prestação de Serviços à Comunidade que são órgãos responsáveis pela execução das medidas socioeducativas. Os Núcleos de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços estão vinculados à Secretaria Municipal de Direitos Humanos que, por sua vez, é o órgão da Prefeitura Municipal de Fortaleza responsável por formular, planejar e executar políticas públicas para crianças e adolescentes. Diante disso, a questão central deste estudo é compreender como os profissionais, com base nas exigências e condições de trabalho, se aproximam e realizam o atendimento e acompanhamento da adaptação dos adolescentes com as atividades e tarefas que lhes são oferecidas como opções ou impostas pelas medidas, e como percebem os limites e possibilidades no trabalho diário e em relação às políticas públicas na área da adolescência à luz das orientações propostas de atendimento a essa demanda, que se encontram no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). 1 A cidade de Fortaleza é dividida em Regiões Administrativas que totalizam 6 (seis) regionais, das quais foram criadas com o intuito de descentralizar os serviços da Prefeitura Municipal de Fortaleza. 15 Esta dissertação tem profunda relação com a minha profissão, o que justifica e impulsiona boa parte da redação deste texto. Minha trajetória profissional iniciou-se no ano de 2003, como estagiária de Serviço Social, trabalhando com crianças e adolescentes que residiam nas ruas de Fortaleza, através da instituição Albergue da Juventude – Polo Central de Atendimento, que teve seu funcionamento até o ano de 2004, onde realizava atendimento social com o objetivo de encaminhá-los para a rede socioassistencial e retorno para suas respectivas residências. No mesmo ano, também estagiava no Projeto Mãos Dadas (hoje, se chama Projeto Transformando Vidas), no qual trabalhava acompanhando adolescentes em conflito com a lei, na área social, no oferecimento de cursos profissionalizantes com o objetivo de incluí-los socialmente. Nos anos de 2004 a 2005, também atuei no trabalho com adolescentes em estado de vulnerabilidade social por meio da instituição Casa do Menino Trabalhador; oferecendo-lhes cursos profissionalizantes na área da alimentação e encaminhamento para o mercado de trabalho através de estágios. Diante dessas experiências, passei a gostar dessa área e, após a formatura em Serviço Social, busquei outras instituições que trabalhassem com esses públicos. A atuação como Assistente Social teve início com o primeiro emprego, trabalhando com crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual no Projeto Sentinela2, trabalho que foi uma grande fonte de aprendizagem, mas não satisfazia o lado profissional, daí porque busquei outro emprego, voltado para a área da adolescência. Essa oportunidade veio no ano de 2006, quando passei a trabalhar no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, durante seis anos de atuação na área do Serviço Social. Diante dessas experiências, optei por realizar os estudos que fundamentaram esta dissertação, sendo impulsionada pela atuação como assistente social, no acompanhamento a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no Núcleo de Liberdade Assistida Municipalizada (LAM) da Regional III, um dos órgãos responsáveis pela execução da referida medida. Mas, ao realizar a pesquisa, fiquei temerosa de como iria construí-la, pelo fato de fazer parte da instituição. A questão desafiadora era como separar a profissional da pesquisadora, tendo sido esse um exercício difícil, mas que acredito, ter sido possível mediante a construção de uma 2 O Projeto Sentinela é um projeto que atua no acompanhamento psicossocial humanizado no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e exploração sexual. 16 interação privilegiada da teoria com a prática institucional, no sentido de repensar o caminho até aqui percorrido, em busca de maior conhecimento e compreensão do caráter político e pedagógico que orienta a política pública, voltada para adolescentes em conflito com a lei. Ao pesquisar sobre a temática desta dissertação, recorri a literaturas que abordavam este tema, especialmente a tese de doutorado de Camila Holanda Marinho (2012), que abordava as relações afetivas e amorosas que ocorriam com adolescentes moradores de rua. Em sua introdução, a autora informa a dificuldade em fazer parte da instituição em que trabalhava com esses sujeitos, na realização de sua pesquisa e, ao mesmo tempo, do mundo acadêmico, o que faz ‘sentir na pele’ o que ela expõe: Percebo como a definição dos sujeitos dessa pesquisa encontra-se numa tensão entre dois mundos: o das instituições de atendimento e o mundo acadêmico. Em primeiro mundo, o institucional, em decorrência das tipologias classificadas para a execução de políticas públicas, utiliza demarcações temporais (relativas ao tempo de permanência nas ruas) e etárias (orientadas pelo ECA, que define a infância e a adolescência a partir da idade). Já o mundo acadêmico considera dimensões relacionadas às experiências subjetivas e às formas de interações sociais, na perspectiva de constituir uma definição ou um conceito. Em virtude de sua singularidade, deparo-me como uma tarefa desafiadora, que pode fragilizar a contemplação desses dois mundos [...] (HOLANDA, p.23-24, 2012). Referida autora citada ajudou-me a perceber que é possível transitar nos dois mundos, no sentido de observar o que se vivencia no campo do trabalho e da pesquisa, auxiliando a narrativa dissertativa, mas com cuidado metodológico adquirido na academia, para o devido estranhamento do que é muito familiar. Para Holanda (idem), trata-se de realizar um tipo de ‘observação vivencial’ dada a inserção nos dois campos. É necessário, portanto, que o conhecimento científico busque a veracidade dos fatos. Na realização de uma pesquisa, torna-se necessária a realização de um percurso metodológico para o alcance dos objetivos. Tomei como base a compreensão de Gil (2007, p. 26), que informa conceitua o método como “um caminho para se chegar a um determinado fim” e método cientifico, como “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento”. Considerando o fato de a presente pesquisa ter como objetivo analisar os limites e as possibilidades vivenciados pelos profissionais que trabalham nas medidas socioeducativas em meio aberto, pelo período de seis anos, foi possível uma aproximação maior com a abordagem 17 qualitativa, mediante da escuta dos sujeitos pesquisados e a descrição de suas metodologias de trabalho. A ideia foi refletir sobre as atividades executadas dentro desse processo, no sentido de compreender as representações, valores e significados dos profissionais sobre a realidade do Programa de Atendimento Socioeducativo. Buscando um maior aprofundamento sobre a temática, mediante a abordagem qualitativa, os estudos de Minayo (2006) contribuíram para a escolha dos caminhos metodológicos. Descobre-se a problemática: [...] pela empiria e pela sistematização progressiva de conhecimento até a compreensão lógica interna do grupo ou do processo em estudo. Por isso, é também utilizada para elaboração de novas hipóteses, construção de indicadores qualitativos, variáveis e tipologias (p. 57). Tendo em vista essas questões, optei por realizar uma pesquisa qualitativa baseada nos aspectos da observação direta, no contato e envolvimento do pesquisador com o fenômeno observado, para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. A escolha também ocorreu pelo fato de pertencer ao quadro de funcionários do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativa e vivenciar, junto com outros profissionais antigos, os limites e as possibilidades no acompanhamento de adolescentes em conflito com a lei, durante os seis anos de execução do referido Programa. A escolha da observação direta como método investigativo me proporcionou, portanto, o registro de acontecimentos em tempo real. Para Minayo (1994), a observação participativa enfatiza as relações informais do pesquisador no campo, permitindo captar uma variedade de situações que não são obtidas por meio das entrevistas formais, uma vez que, observadas diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais importante e evasivo na vida real. Para a coleta dos dados primários realizei, inicialmente, visitas institucionais e contatos telefônicos no sentido de levantar elementos da realidade dos Núcleos de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade como: execução do projeto, serviços prestados, espaço físico, equipe de trabalho, dentre outros. Além disso, as visitas foram realizadas com o intuito de sensibilizar os sujeitos para a participação na pesquisa. 18 Na realização das visitas, após contato prévio, elaborarei perguntas para compor o roteiro de entrevistas semiestruturadas, a serem realizadas utilizando um aparelho gravador como ferramenta (antes de iniciar cada entrevista, solicitava a autorização para o uso do gravador, em respeito à privacidade do entrevistado). Através das leituras sobre essa temática, observou-se que as entrevistas semiestruturadas têm sua forma de aplicação apontadas por Boni e Quaresma (2005, p. 75): As entrevistas semiestruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, onde informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele. Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações, obtendo assim um direcionamento maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados. Outro recurso utilizado por mim para conhecer a história do Programa de Atendimento Socioeducativo, que teve fundamental importância para a realização deste trabalho, foi a pesquisa documental. Segundo as orientações dos estudos de Gil (2002), este método trabalha com fontes que ainda não receberam nenhum estudo, podendo estar relacionada a fontes para serem reinterpretadas, de acordo com que os objetivos da pesquisa. Alguns exemplos desses documentos são: planejamentos, relatórios, documentos de instituições, arquivos, dentre outros. Para esse estudo consultei projetos, relatórios mensais de dados estatísticos, arquivos de planejamento, que se encontram na Coordenação do Programa em questão. O trabalho realizou por meio da aproximação com os profissionais de todas as categorias profissionais (Psicologia, Pedagogia, Serviço Social, Advogado, Agente Administrativo, Assessor Comunitário e Coordenador) que se encontram trabalhando desde o início do Programa, que corresponde ao período de seis anos. O instrumental adequado para a coleta de informações exploratórias foi a entrevista, que contém indicadores capazes de sugerir as possibilidades e/ou limites da realização do trabalho com adolescente em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto. Ressalto que a pesquisa procurou abranger profissionais de todos os Núcleos de Liberdade Assistida, para evitar qualquer interferência do pensamento familiar do núcleo onde trabalho, alcançando outros profissionais e assegurando a fidedignidade 19 dos resultados, possibilitando, assim, outros olhares. Também foram entrevistados profissionais da medida socioeducativa em meio aberto, de Prestação de Serviços à Comunidade. Ressalto que o objeto deste estudo encontra-se inserido em determinada condição, com suas crenças, valores e significados, que trazem uma carga ideológica, histórica, política e cultural, não podendo, simplesmente, ser apresentado por meros dados estatísticos, visto que os profissionais do Programa levantam aspectos subjetivos que expressam elementos importantes a respeito de si, do seu mundo, do seu pensar, do seu agir. Uma rápida passagem da literatura metodológica ressalta a importância do que foi dito anteriormente: Se queremos produzir práticas sociais que tenham a dimensão do coletivo, temos que dialogar com saberes múltiplos, temos que pesquisar com qualidade. O dado numérico em si nos instrumentaliza, mas não nos equipa para trabalharmos o real em movimento, na plenitude que buscamos [...] (MARTINELLI, 1994, p.21). Esta metodologia é conveniente, na medida em que, participando diretamente da instituição, a observação do cotidiano é acelerada, levando à percepção de alguns fatores dessa realidade. Trata-se da montagem de uma espécie de ‘quebra-cabeça’ que vai sendo construído e desconstruído pelas observações, com o apoio das leituras sobre o tema, permitindo certo distanciamento e objetividade na construção desta pesquisa. Reforço esta afirmação com a seguinte passagem: [...] a experiência é uma partilha, uma revelação, uma transmissão de uma vivência que revela o sentido de sua própria existência. É algo particular, relativo e subjetivo, pois duas pessoas, por mais que tenham compartilhado o mesmo acontecimento, não possuem a mesma experiência (BENJAMIM citado por HOLANDA, p.23, 2012). Os sujeitos da pesquisa foram os profissionais, de ambos os sexos, que trabalham no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, desde o ano de 2006 até 2012. No total de 71 funcionários, distribuídos nos cinco Núcleos de Liberdade Assistida Municipalizada (LAMs) e um Núcleo Prestação de Serviços à Comunidade Municipalizada (PSCM), foram selecionados 15 profissionais que trabalham nas LAMs e 2 profissionais que trabalham na PSCM, totalizando 17 profissionais. Nesse aspecto, defini o percentual de profissionais entrevistados que trabalham nas duas medidas socioeducativas em meio aberto, no período de 5 a 6 anos, até o ano de 2012, sendo este período de trabalho o critério para seleção para ter um perfil de profissionais mais antigos. 20 É importante lembrar que o pesquisador não está imune às limitações impostas pela vida cotidiana, grande parte afetada pela própria dinamicidade da realidade que a circunda. Mediante essa configuração, busquei, portanto, adequar-se às diversas situações (por exemplo, a disponibilidade do profissional para aceitar a participação na entrevista, entre outros pontos) e locais visitados (Núcleos de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade) para entrevistar os profissionais que prestam serviços no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo. Enfim, senti, na vivência, o desafio de refletir, através do diálogo, com outras categorias profissionais, que me proporcionou uma avaliação do próprio trabalho dentro do Programa em questão, ao mesmo tempo em que analisava o objeto da pesquisa, realizando confronto direto deste com os referenciais teóricos e os aspectos operacionais. Sobre o trabalho de campo, Minayo diz: Não se pode pensar um trabalho de campo neutro. A forma de realizá-lo revela as preocupações científicas dos pesquisadores que selecionam tanto os fatos a serem coletados como modo de reconhecê-los. Esse cuidado faz-nos lembrar, mais uma vez, que o campo social não é transparente e tanto o pesquisador como os autores, sujeitosobjetos de pesquisa interferem dinamicamente no conhecimento da realidade (MINAYO, 1994, p. 107). Nesse ínterim, para complementar a coleta de dados, busquei conversar com os 17 profissionais através de contato telefônico e, depois, visitando, ainda, os locais onde os profissionais entrevistados trabalham (as entrevistas foram realizadas nos cinco Núcleos de Liberdade Assistida e um na Prestação de Serviços à Comunidade). Esses sujeitos se encontram distribuídos nas seguintes categorias profissionais: um Coordenador, cinco Assistentes Sociais, três Agentes Administrativos, três Assessores Comunitários, um Assessor Jurídico, três Pedagogos e um Psicólogo. A cada entrevista, conheci o trabalho realizado por esses profissionais, bem como a cada visita nos Núcleos de Liberdade Assistida e a Coordenação do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo e Prestação de Serviços à Comunidade (foram visitados quatro núcleos onde se encontravam localizados os profissionais participantes da pesquisa – correspondentes ao I, II, III e VI). Assim, conheci a realidade em que se encontram tais locais depois de seis anos de execução e ali se realizaram atividades como conversas e observações, que ajudaram a desmitificar, ou seja, a ver o outro lado de maneira mais crítica, e entender o trabalho 21 realizado pelos trabalhadores desses locais. Para ilustrar esse comentário, cito o pensamento de Behring (2011, p. 42): Esse movimento em espiral e por aproximações sucessivas exige do pesquisador um processo de decisão sobre o deve abstrair e o que não se deve, sobre a definição do problema a ser investigado e sobre os elementos essenciais desse problema. [...] Para fazer isso é preciso formular proposições iniciais sobre o que essencial, desenvolvê-las e confrontar conclusões com os dados proporcionais pela experiência [...]. Nesse ponto, a pesquisa promove, conforme indica a citação, ‘um movimento em espiral’, onde o final sempre retorna ao início e vice-versa, ou seja, idas e vindas, em que a realidade se apresenta de maneiras diferenciadas no universo de cada ente pesquisado, seja na fala, no modo de pensar, de agir, de criticar, de esclarecer, de omitir, de se ausentar e em outras coisas. A pesquisa abriu, portanto, um leque de conhecimentos que me ajudaram a compreender a realidade que se apresentou, principalmente, na atuação profissional dos sujeitos pesquisados. Saliento que todos os 17 profissionais que trabalharam entre 5 e 6 anos no Programa, colaboraram com a entrevista, mas, surgiu um questionamento: - por que não entrevistar o universo de 71 profissionais? Esta pergunta circundava meus pensamentos, gerando inquietações. Assim, iniciei a busca pelas respostas, encontrando uma única justificativa, decorrente de um incidente que foi vivenciado no ano de 2009 e que foi marcante para que eu iniciasse a busca pelo campo acadêmico. Muitos profissionais começaram a buscar novas opções de trabalho, ou seja, houve a saída de, aproximadamente, 30 profissionais nesse período. E o que motivou a saída de tantos profissionais, esvaziando o Programa, quase por completo? Não dá para esquecer uma resposta dada por um determinado profissional de Psicologia que justifica sua saída no Núcleo de Liberdade Assistida – Regional III, sintetizando, um pouco, o pensamento de todos os seus colegas, em relação à opção por não continuar trabalhando no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo: O trabalho é gratificante, mesmo diante das dificuldades que enfrentamos, pudemos perceber que o pouco que fizemos muda um pouco da realidade dos meninos que atendemos, mas não sua totalidade. Estou cansado de remar contra ‘maré’, não temos estrutura física o suficiente para realizar atendimentos que condizem com os nossos respectivos códigos de éticas profissionais, não temos respeitabilidade de nossas atuações profissionais, valorização é algo que se encontra longe, porque a qualidade torna-se inferior detrimento da quantidade; o que SINASE propõe, está bem distante do que trabalhamos, pois somos equipes pequenas para uma quantidade enorme de adolescentes que chega a cada nova acolhida. Saio com o coração na mão, mas todo 22 profissional tem um hora que precisa dizer basta e procurar novas condições, ser respeitado, se fazer presente. (Relato dado em 10/10/ 2009). Ao mesmo tempo, via-se a evasão de um grande número desses profissionais, que prestaram serviços ao Programa desde o seu início e, praticamente, ajudaram a construí-lo, inclusive eu. Com isso, passei a questionar: - quais os motivos que levavam a permanência de profissionais que se encontravam desde o início do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo? E, dessa forma, iniciei as reflexões em busca de respostas a tal questionamento, até que, no ano de 2010 tive a oportunidade de fazer os testes para admissão no Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade (MAPPS), apresentando o projeto desta pesquisa sobre a problemática em estudo, o qual foi aceito dando subsídio a esta dissertação. Menciono que a presente pesquisa não foi fácil, pois me despedir do papel de profissional integrante do Programa e me tornar uma pesquisadora entrevistando os colegas, gerou dificuldades, em alguns momentos, assim como ajudou em outros. No primeiro aspecto, a dificuldade foi encontrada pelo fato de uma parte dos colegas entrevistados não me encararem como pesquisadora, mas como a colega que está ali trabalhando todos os dias e que está fazendo algumas perguntas sobre o seu próprio trabalho, que realiza dentro do Programa e com o qual já tem bastante intimidade o que, suponho, levou alguns participantes da pesquisa a se sentiram intimidados. Ilustro esse comentário com a seguinte fala de um dos entrevistados: É engraçado mulher, te ver como pesquisadora, eu trabalho contigo todos os dias, somos colegas, é difícil ver você sendo as duas coisas ao mesmo tempo (risos). Eu estou até meio tímida para falar, mas vamos lá, quero colaborar. (Assistente Social, entrevista realizada no dia 17/07/12). O segundo aspecto, ‘ser a colega de trabalho que se encontra trabalhando todos os dias no Programa’ facilitou a aproximação com os profissionais, pela convivência com eles, no trabalho, há seis anos com esses 17 profissionais. Nesse sentido, os anos de trabalho juntos ajudaram-me na construção de uma amizade com todos, o que facilitou a pesquisa em todos os aspectos (desde o contato marcando a entrevista até o seu evento). A seguinte passagem mostra o estabelecimento do vínculo formado: Olha só, estou me sentindo orgulhosa em contribuir com sua pesquisa e por ser sua amiga de tombamento (se referindo ao tempo de trabalho), dar informações de que precisa. Sua pesquisa é interessante porque esta nos levando a uma reflexão sobre nosso trabalho e do Programa. Agradeço pela oportunidade. (Profissional 6, entrevista realizada no dia 06/08/12). 23 Nas entrevistas, utilizei um gravador, com o intuito de garantir a qualidade dos discursos. Pedia, a cada entrevistado, a permissão do uso, ou não, do equipamento eletrônico (ressalto, aqui, que foi concedida a permissão de todos os participantes). Em conjunto com as entrevistas, a observação direta foi fundamental, na medida em que possibilitou a compreensão e percepção das subjetividades que foram expressas externamente como: o olhar, a entonação de voz, os gestos, o silêncio, as expressões verbais. Vale ressaltar que as entrevistas foram realizadas no espaço físico dos cinco Núcleos da LAMs e PSCM. Posteriormente, na fase de análise ou tratamento do material, ordenei os dados da pesquisa, transcrevendo as respostas das entrevistas e elaborando o relato das observações e a releitura do material. A análise dos dados colhidos foi guiada por aquilo que os profissionais avaliaram como limites e possibilidade do seu trabalho, dentro dos locais onde exercem suas atividades (Núcleos da Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade). A partir dessa percepção e da busca de compreensão reflexiva da questão central é que se estruturou o corpo deste trabalho, distribuído em três capítulos. Na busca pelo entendimento do objeto de estudo em questão, descrevo, no primeiro capítulo intitulado ‘O espaço empírico da pesquisa: situando o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo’, mostrando como tudo começou, recorrendo a uma breve explanação sobre a construção histórica do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo em seis anos de execução, através de uma análise explicativa da Legislação e do atendimento a adolescentes em conflito com a Lei no Brasil, à luz do ECA (1990) e do SINASE (2006). Faço uma discussão relatando as condições sociais das políticas públicas para adolescentes, com foco em Abad (2008) e Teles (2010), que fazem parte da atual política brasileira, aliando ao histórico do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo uma descrição da trajetória das medidas assistenciais destinadas às crianças e jovens no Brasil, bem como um resgate histórico com os estudos de Volpi (2002) e Saraiva (2002) a respeito das práticas das legislações voltadas para este segmento, especificamente quando da responsabilização do adolescente pela prática de um ato infracional. 24 No segundo capítulo intitulado ‘O trabalho dos Profissionais no atendimento socioeducativo’, apresento o contexto histórico das instituições onde se inserem os trabalhadores sociais, desde os primórdios, no período do Estado Tutelar, até a criação e execução do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Utilizei, como fonte de estudo, a política de atendimento aos adolescentes infratores no Brasil, na perspectiva de Queiroz (1987) e Oliveira (2001). Trabalhei, ainda, as intervenções profissionais, na ótica de Donzelot (1986) e de Fávero (2003). Explico sobre o trabalho executado pelos profissionais do Programa de Atendimento Socioeducativo, dialogando com as falas dos profissionais, mostrando o cenário atual da política de atendimento voltada aos jovens autores de atos infracionais, abordando sobre as medidas socioeducativas apresentadas pelo sistema em meio aberto como a Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. No terceiro capítulo cuja titulação é ‘Os profissionais e o trabalho na Política Pública atingindo o universo dos adolescentes em conflito com a lei – percepções, limites e possibilidades’, discuto sobre o universo do adolescente em conflito, descrevendo e debatendo sobre os resultados da pesquisa realizada com os profissionais antigos do Programa em questão. Para compreender esse universo trabalharei as categorias: adolescência, segundo Calligaris (1996, 2000) e Oliveira (2001); delito juvenil, na ótica de Zaluar (1994), Calligaris (1996 e 2000), Oliveira (2001) e Ferreira (2006). Ainda trato os dados obtidos na realização da pesquisa, apresentando algumas de suas avaliações sobre o trabalho realizado no Programa, sobre a política de atendimento, sobre os princípios da incompletude institucional e sobre o processo de municipalização em Fortaleza. Por fim, são enumeradas algumas dificuldades percebidas durante a pesquisa referente ao processo em estudo, bem como, a título de contribuição, elenquei avanços, possibilidades e outras recomendações. O presente estudo corrobora a perspectiva da pesquisa social, no sentido de contribuir com a compreensão profunda dos fenômenos sociais, apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social face à configuração das estruturas societais. Nesse sentido, é possível empreender análises sobre a execução de medidas socioeducativas em meio aberto, atentando para as discussões que acontecem na academia e na instituição, especialmente com foco no acompanhamento psicossocial ao adolescente, no ato infracional e na precariedade das relações trabalhistas dos profissionais. 25 Entretanto, o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo ainda tem muito que avançar e, a partir desse entendimento, é que considero relevante os resultados desta pesquisa, cujo intuito foi conhecer os limites e possibilidades vivenciados pelos profissionais, sujeitos dessa pesquisa, que me possibilitou a percepção sobre como esse processo se apresenta para a execução de uma política pública eficaz, na ressignificação da vida pessoal e social do público atendido. Portanto, uma pesquisa dissertativa não tem como intenção principal encontrar respostas definitivas acerca do objeto pesquisado, mas tem o intuito de por em movimento as reflexões acerca do tema abordado, levar ao eterno movimento “do devir” (HEGEL, 1992). Cito que, apesar de não possuir o objetivo de dar respostas definitivas, até porque novas pesquisas surgiram ao longo do tempo nesse campo, e consequentemente virão novas respostas, novas indagações, dentre outros aspectos, sempre irão surgir. Busquei, na medida do possível, expor considerações sobre o objeto pesquisado, dentro do que a realidade da pesquisa se apresentava. Por fim, registro, ainda, que todos os 17 sujeitos pesquisados foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa e sobre os recursos que seriam utilizados, tendo a garantia da preservação de sua identidade, conforme explicado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 26 1 O ESPAÇO EMPÍRICO DA PESQUISA: SITUANDO O PROGRAMA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO 1.1 A construção histórica do Programa de Atendimento Socioeducativo Para melhor situar o leitor e mostrar a formação e construção desse Programa, tomei, como base documental histórica existente, projetos de intervenção, ofícios, dados institucionais e outros. A criação e execução do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo vinculamse à antiga Fundação da Criança e Família Cidadã (FUNCI). Desde 2005, início de gestão da prefeita de Fortaleza Luiziane Lins, essas medidas socioeducativas para crianças e adolescentes foram implantadas. Segundo os profissionais que foram membros de gestões municipais anteriores e os que compuseram o Programa inicial em questão, não existia equipe específica para o atendimento dos adolescentes e jovens em medida socioeducativa em meio aberto. Dessa forma, tais medidas não haviam sido municipalizadas, estando, na época, sob o âmbito, execução e atendimento a tais adolescentes da 5ª Vara do Juizado da Infância e Juventude (JIJ). Ao iniciar a execução do Projeto, os atendimentos aos adolescentes sentenciados pela JIJ, saíram de suas dependências e passaram a ser promovidos dentro das Agências de Cidadania (atualmente, Raízes de Cidadania) ainda em parceira com Juizado supracitado. A primeira instituição fazia acompanhamentos socioeducativos da medida de Liberdade Assistida de 120 adolescentes em conflito com a lei e ainda realizava inúmeras outras atribuições que focavam o atendimento às comunidades. Ressalto, dessa forma, que a medida socioeducativa de Prestação de Serviços à Comunidade ainda não era executada pelo Município, até então. Com a grande demanda de atividades realizadas pelas Agências de Cidadania e o exacerbado atendimento socioeducativo aos adolescentes da Liberdade Assistida, aquelas não conseguiam, de fato, realizar um acompanhamento de qualidade junto a estes. Assim, com o intuito de avaliar o acompanhamento feito pelas agências de cidadania, foi criada uma equipe multidisciplinar. Esse foi o primeiro passo para repensar as atividades que estavam ocorrendo, no 27 que tange à execução da medida socioeducativa de Liberdade Assistida. Nesse processo, observou-se que as Agências de Cidadania, com inúmeras atribuições, não eram suficientes para atender à demanda por Liberdade Assistida. Diante dessa realidade, a FUNCI decidiu separar esta atividade desses equipamentos, criando, assim, o Programa das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Nesse mesmo momento, foi criada a Coordenação do Programa que, nesse período, possuía a seguinte equipe técnica: uma coordenadora geral, uma psicóloga, uma pedagoga, uma assessora jurídica, uma assistente social, um agente administrativo, dois assistentes técnicos e três estagiários das áreas da Psicologia, do Serviço Social e da Pedagogia. Além de realizar o acompanhamento socioeducativo junto aos adolescentes de Liberdade Assistida, outras atribuições definidas para essa equipe técnica. A principal concessão foi repensar direcionamentos e planejar a transição dos socioeducandos que já eram atendidos pelo Programa em questão. Conforme já referido anteriormente, antes das medidas socioeducativas em meio aberto (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade) serem direcionadas para o âmbito municipal, elas eram executadas pela 5ª Vara do Juizado da Infância e Juventude (JIJ). Essa execução não municipalizada acontecia através das equipes técnicas da Liberdade Assistida do Judiciário (LAJ) e da Prestação de Serviço à Comunidade do Judiciário (PSCJ). A partir desse redirecionamento, foi proposta, como meta do Programa, a humanização do atendimento, entendendo que, por meio desse instrumento, é possível promover uma reflexão realmente transformadora acerca da prática do ato infracional. O papel de atuação da 5ª Vara do JIJ 3, desde o ano de 2006 ate 2013, consiste em se responsabilizar pela parte jurídica das medidas socioeducativas em meio aberto e fechado. Referidas equipes técnicas dos dois equipamentos citados são responsáveis pela recepção dos socioeducandos sentenciados para que se faça cumprir a medida socioeducativa em meio aberto (LA e PSC). Além disso, outra função de tais equipes é preencher instrumentais com dados processuais e subjetivos que servem de subsídios para as equipes técnicas da LAM e 28 PSCM do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, bem como encaminhar os socioeducandos para o Programa em referência para o devido acompanhamento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei. No ano de 2006, a Coordenação das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto e parte do Projeto Raízes de Cidadania ainda faziam o atendimento direto simultaneamente. Nesse mesmo ano, observou-se a necessidade de se criar equipes especializadas no atendimento da Liberdade Assistida. Com o intuito de facilitar o acesso do adolescente ao local de atendimento, assim como para evitar problemas com a questão das territorialidades4, decidiu-se por inserir as equipes em espaços de caráter descentralizados5. Essas equipes eram orientadas pela legislação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) sendo um núcleo por Regional Municipal. Nesse mesmo período, também foi pensada a proposta pedagógica do Programa e um fluxograma de atendimento para padronizar o acompanhamento dos socioeducandos6. Em março de 2006, implantaram-se os Núcleos de Liberdade Assistida I, III e V baseados no princípio de descentralização preconizado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), nos territórios das respectivas Regionais. Por meio de pesquisas e dados estatísticos, essas regionais foram selecionadas, na época, conforme justifica a exCoordenadora do Programa, Roberta de Castro Cunha, por apresentar maior número de adolescentes e jovens em conflito com a lei. No ano seguinte, mais precisamente em 2007, implantaram-se os Núcleos de Liberdade Assistida II e VI, também no território das Regionais correspondentes. Ressalta-se que o Núcleo IV, nunca foi criado devido à pouca quantidade de adolescentes atendidos nessa área. 3 4 5 6 A 5 ª Vara do J.I.J é responsável pelas audiências e encaminhar os socioeducandos sentenciados a cumprirem medidas socioeducativas em meio aberto na Liberdade Assistida Municipalizada de acordo com regional mais próxima que esse reside (I, II, III, IV, V e VI) ou na Prestação de Serviços à Comunidade Municipalizada. Existem adolescentes ameaçados pelo fato de terem sido envolvidos com gangues de bairros que não podem circular em determinados bairros pelo risco de morte. Espaços condizentes com os parâmetros das Regionais que são bairros e divisões de Fortaleza através de subprefeituras na capital do estado do Ceará. Fortaleza está dividida em 116 bairros e em cinco distritos que historicamente eram vilas isoladas ou mesmo municípios antigos. A administração executiva da prefeitura está dividida em Secretarias Executivas Regionais (as SERs) que são ao todo 7 (SER I, SER II, SER III, SER IV, SER V, SER VI e a regional do Centro). A proposta do Projeto Político Pedagógico desde o ano de 2007, ainda está em construção e tem possibilidade de se efetivar no final do ano de 2012, que corresponde ao final da gestão municipal, para que no ano de 2013, todos os profissionais possam seguir os parâmetros desse documento no acompanhamento de adolescente em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto. 29 Em virtude disso, os adolescentes atendidos nessa regional foram distribuídos dentro dos cinco Núcleos de Atendimento das Liberdades Assistidas Municipalizadas. Ao ser interrogado, durante entrevista, o coordenador do Programa afirmou que estava prevista, até final do ano de 2012, a criação do Núcleo de Liberdade Assistida Municipalizada da Regional IV, fato que não aconteceu até a conclusão dessa dissertação. A composição das equipes de trabalho dos Núcleos de atendimento é constituída por um agente administrativo, um assessor jurídico, dois pedagogos, dois psicólogos, dois assistentes sociais e dois assessores comunitários. Ainda no ano de 20077, o Programa foi incluído no orçamento municipal de Fortaleza no que tange às Políticas Municipais de Atendimento à Criança e o Adolescente. Com a implantação dos Núcleos de Liberdade Assistida, priorizou-se a consolidação da Política Pública de acompanhamento das medidas socioeducativas em meio aberto. Nesse momento, iniciou-se, entre o Judiciário, a Sociedade Civil e os Conselhos de Direito, a discussão sobre o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo8, instrumento de caráter governamental ou não. Com a execução da Liberdade Assistida Municipalizada, iniciaram-se as atividades em relação à municipalização da Prestação de Serviços à Comunidade, no ano de 2008 que em tempos anteriores era executada também pelo Poder Judiciário. O Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo iniciou suas buscas por parceiros para executar a Medida Socioeducativa de Prestação de Serviços a Comunidade. Além disso, fez uma parceria com as Raízes de Cidadania e, aos poucos, foram incluídas outras entidades que, em sua maioria, são vinculadas à Prefeitura Municipal de Fortaleza. Durante o tempo da execução dessas parcerias os socioeducandos são encaminhados a essas entidades de apoio. No período de 2009, houve a criação da Secretaria Municipal de Direitos Humanos 7 8 A experiência desenvolvida pela Prefeitura de Fortaleza com Medidas Socioeducativas em Meio Aberto foi vista como referência no País, através da premiação com menção honrosa da 3ª Edição do Prêmio Socioeducando em 2008, promovido pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente – ILANUD, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH-PR, Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI e Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF. Em respeito às hierarquias governamentais no País no que tange à construção de planos, projetos, etc., o Plano municipal de Atendimento Socioeducativo, não está aprovado em virtude do Governo Federal não ter criado o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, que se encontra em planejamento. Portanto, ao ser criado o PNAS, o PMAS terá duas opções: ser incluído no primeiro, ou ter que se adequar aos parâmetros deste. 30 de Fortaleza (SDH) e, em consequência, a FUNCI passou a fazer parte de forma administrativa, desse novo órgão. A fim de buscar, em sua atuação, os princípios da incompletude institucional e fortalecimento dos vínculos comunitários recomendados pelo SINASE, as Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (MSEs) passaram por um redirecionamento. Nesse mesmo ano, ocorreu a firmação do convênio com Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (COMDICA), com o intuito de qualificar o atendimento socioeducativo da medida de Prestação de Serviços à Comunidade, iniciando-se, nesse evento, a construção de um Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo. No ano de 2010, o Programa passou a receber um novo nome: ‘Programa Se Garanta’ que permaneceu até metade do ano de 2012. A intenção da criação do nome pela gestão da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) foi por conta do significado da palavra ‘garanta’. Conforme o Observatório Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, essa palavra possui uma duplicidade de sentido: primeiro se deve ao fato de corresponder à ideia de Garantias de Direitos, enquanto o segundo, por se relacionar à linguagem comumente utilizada pelo público adolescente e jovem, estabelecendo uma relação de pertencimento e aproximação destes com o Programa 9”. Já no ano de 2012, desde o mês de agosto, o Programa passou por novas reformulações em relação às mudanças no processo político e pedagógico no acompanhamento de adolescentes em conflito com a lei e teve seu nome novamente reformulado, sendo, atualmente, referido como ‘Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo’. Mediante observação em campo, percebeu-se que a motivação advém da mudança de gestor na coordenação do Programa em questão. No entendimento do Coordenador do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, à época, é interessante que o nome do Programa tenha apelo mais institucional pelo fato de ser um Programa vinculado e executado por um órgão governamental. Para esse profissional, “o nome ‘Se Garanta’, não provoca visibilidade e nem respeitabilidade por outros órgãos” (entrevista realizada em 17/06/12). Por fim, percebo uma trajetória de mudanças durante os seis anos do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo no que diz respeito à execução das medidas 9 Texto retirado do site: www.obscriançaeadolecente.gov.br. 31 socioeducativas em meio aberto, principalmente, na discussão de metodologias que favoreçam a reflexão e o protagonismo dos sujeitos através de alguns reconhecimentos. Um exemplo disso seria o fato de a cidade de Fortaleza ser conhecida por ter Núcleos descentralizados respeitando os parâmetros de territorialidade previstos nas orientações do SINASE de Liberdade Assistida, além de ter, também, um Núcleo de Prestação de Serviço à Comunidade. Esses Núcleos são exclusivos para acompanhamento e atendimento de adolescentes autores de ato infracional, enquanto que em outras cidades brasileiras, as experiências de atendimento socioeducativo em meio aberto ocorrem dentro de locais como os Centros de Referência da Assistência Social (CREAS). Percebo, ainda que, o reconhecimento das conquistas em suas metodologias e outras características entrelaçadas aos desafios que se colocam para o Programa em vários âmbitos, ainda são comuns as políticas públicas, as dificuldades de articulação para os encaminhamentos para a rede socioassistencial. Essas são questões importantes no campo das políticas públicas, em especial aquelas voltadas para a juventude. 1.2 Compreendendo as Políticas Públicas e a questão social para adolescentes no Brasil A discussão apresentada anteriormente remete à compreensão das políticas públicas, sua importância e seus entraves na sua efetivação. Grande parte dos programas da área das políticas sociais, na qual se insere o objeto deste estudo, é de cunho focalista, abrange, apenas, uma parcela da população, pois, nem todos são abarcados por elas. Esta questão fica clara na afirmação de Abad (2008, p. 16), ao se referir às políticas públicas de juventude: Com esses elementos delimitados, pode-se passar a tratar as políticas de juventude, estabelecendo que constituem, segundo a classificação de Razyniski (1995), políticas setoriais ou por categorias de população e, além, disso em suas últimas versões, políticas focalizadas, já que as categorias destinatárias se definem a partir de um nível de necessidade, pobreza ou risco. Percebo essa conotação na execução do Programa que se defronta com dificuldades e desafios que uma política focalizada não poderá dar conta. Alguns exemplos desafiadores são: a barreira da drogadição no que diz respeito aos poucos locais de existência que não atende a todos socioeducandos, a violação de direitos destes; a necessidade constante de reflexão e evolução da 32 própria política pública de atendimento socioeducativo na área institucional devido à falta de relação mais próxima e atuante entre a gestão da Secretaria de Direitos Humanos e os Núcleos de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. Isso ocorre, por exemplo, em relação à parte física: as estruturas deficitárias, como falta de salas próprias, longe dos parâmetros das orientações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) para atendimento e acompanhamento dos socioeducando; profissionais que atuam no Programa em questão, em quantidade mínima em relação à quantidade de adolescentes atendidos pela Instituição, o que prejudica a qualidade do acompanhamento aos socioeducandos; rotatividade de profissionais, que não satisfeitos com as condições onde trabalham buscam outros empregos, entre outros desafios vivenciados no cotidiano do Programa em questão. Esta discussão é reforçada na resposta dada por profissional entrevistado, no que objetiva seu cotidiano profissional no Programa: O que falta é uma estrutura mais adequada, que afinal de contas de 2006 para cá, nós estamos em 2012, era para ter melhorado, naquela que se pensou em um formato ideal, sabendo que nós não temos esse formato ideal, de estrutura, de atendimento, etc (Profissional 2, entrevista realizada no dia 17/07/12). Nesse aspecto, no período de 2006 a 2012, os profissionais que atuaram na execução das medidas socioeducativas em meio aberto do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo (Liberdade Assistida Municipalizada e Prestação de Serviços à Comunidade Municipalizada), principalmente na cidade de Fortaleza, são advindos das novas percepções trabalhistas, fruto da nova ordem mundial, que têm como primazia a valorização do mercado e a minimização do papel do Estado Social. Surgem, assim, as terceirizações que acabam por findar as possibilidades de estabilização no emprego influenciando, desta forma, a evolução das práticas profissionais, o que não é diferente entre os técnicos do Programa em estudo. Esse fenômeno aumenta a precariedade dos serviços prestados, gerando grande rotatividade de pessoal e, consequentemente, a falha na qualidade do atendimento e real efetivação dos preceitos do SINASE. Do ponto de vista das obrigações profissionais, observo que lhes são exigidas habilidades e competências voltadas para as capacidades de análise crítica da singularidade dos adolescentes, e de intervenção rápida através das mediações sociais em suas particularidades. De tais profissionais são exigidas competência e postura ética, na medida em que atuam na elaboração das propostas pedagógicas, considerando aqui todas as medidas socioeducativas e a 33 implementação destas, estando presente, cotidianamente, na vida dos adolescentes atendidos, estabelecendo vínculos com eles, com suas famílias e com as comunidades. O Programa idealiza a oferta de oportunidades de diálogo com os adolescentes e ao profissional é cabido observar resultados e impactos, a partir do reconhecimento das aptidões desses adolescentes para, posteriormente, desenvolver suas potencialidades. A presente pesquisa, porém, se debruça sobre práticas efetivas e percepções do profissional em seu campo de trabalho efetivo que, nem sempre, condizem com a idealidade do Programa. A partir dessas considerações, compreendo a distância entre as concepções das políticas públicas em relação a sua execução. Essas são formas pelas quais o Estado organiza a sua atenção frente às questões de natureza social que atingem a vida da população. Como observou Abad (2008), essas políticas demonstram a visão que o Governo tem sobre tais questões e de como elas devem ser abordadas pelo poder público. Da mesma forma, Cunha (2008, p.12) considera: “As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e de seu próprio interior, sendo expressão do compromisso público de atuação numa determinada área em longo prazo”. Outra autora que se destaca, por discutir as políticas públicas, é Cristina Nobre (1999), que ressalta a orientação neoliberal quanto à execução destas. De maneira critica, ela aborda que as políticas têm como pressuposto a questão da sociabilidade constituída pela lógica do mercado, sendo vista como naturalmente harmônica, minimizando a mediação do Estado, sobretudo, em alguns segmentos sociais. Sendo assim: Na perspectiva neoliberal, como o mercado responde naturalmente às demandas e necessidades dos indivíduos, tornam-se desnecessárias e até mesmo prejudicial, a distribuição forçada de renda pelo Estado, através de um leque de serviços sociais administrados ou estimulados por ele (NOBRE, 1999, p. 21). Dessa forma, a análise da questão social no Brasil foi construída, algumas vezes, no sentido de apresentar o seu agravamento no âmbito da vulnerabilidade do trabalho, marcado pelo desemprego, precarização das relações de trabalho, pobreza, exclusão, crise de mobilidade social, resultando em amplos segmentos da população brasileira sem condições de ter acesso ao mercado de trabalho formal e, ainda, apresentando como resultado a ideia de se constituir um contingente em que alguns absorvem a violência como forma de sociabilidade. 34 Entretanto, a atenção se redobra neste item para o cuidado de não cair nas categorias binárias de exclusão do trabalho e crime, pobreza e violência. Primeiro, tem-se em vista que, nos espaços das cidades brasileiras, como afirma Telles (2010), muitos trabalhadores que atuam no campo formal acabam tendo que transitar, também, em campos de trabalho informal e ilícito. Assim, nas fronteiras do legal e ilegal, apresentam-se tais misturas que escapam à análise das associações binárias, que não dão conta da compreensão da complexa questão social, em relação à cidade, ao trabalho e à pobreza: É nesse cenário que vêm ganhando forma as figuras contemporâneas do trabalhador urbano que transita nas fronteiras porosas do legal e ilegal, formal e informal, lançando mão de forma descontínua e intermitente das oportunidades legais e ilegais que coexistem e se superpõem nos mercados de trabalho, ao mesmo tempo em que se expande uma zona cinzenta que torna incertas e indeterminadas as diferenças entre o trabalho precário, expedientes de sobrevivência e atividades ilegais (TELLES, 2010, p. 27). Considero, ainda, importante acabar com a associação pobreza e violência, atentando para a ideia da sujeição criminal de Michel Misse (2008), que considera os indivíduos separados na contemporaneidade, por meio da tipificação de seu caráter, ou de sua personalidade no formato subjetivo, como transgressor ou não-transgressor. Referido autor esclarece, também, que transgressor, ao realizar um ato ilegal, vê o crime como ‘socialmente justificável’ (MISSE, 2008, p.23), passando a deslizar para dois tipos de campos: o da subjetividade e da individualidade, que se baseará no seu caráter social ou tipificando socialmente de maneira negativa, o que ele propõe dar o nome de sujeição criminal. Essa noção acrescenta, ainda, a formulação do poder de definir uma previsão, ao incriminar um indivíduo e colocá-lo pertencente a um tipo social. Em minha experiência profissional no Núcleo de Liberdade Assistida, percebi que a presença desta noção, através dos atendimentos individuais, nos quais os adolescentes já relataram que, pelo fato de terem realizado um ato infracional no bairro onde residem, quando ocorrem outros crimes nessa mesma localidade, a polícia, normalmente, se encaminha a procurálos em suas residências, para averiguar ou, simplesmente, ‘acusá-los’ formalmente de tais delitos, sendo que, algumas vezes, esses adolescentes não comentaram tais atos. É comum eles discorrerem da seguinte forma: “fico marcado quando faço alguma coisa de errado, mesmo sendo agora um cidadão” (Atendimento realizado em 02/05/11). Ilustro essa passagem com as palavras 35 de Misse (2008, p. 23): “amplia-se a sujeição criminal como uma potencialidade de todos os indivíduos que possuam atributos próximos ou afins ao tipo social acusado”. Para significativa parcela de adolescentes do Brasil, a concretização de seu projeto de vida mostra-se, portanto, desafiadora. Em uma sociedade regida por valores de mercado, onde a renda define o acesso a bens e serviços, alguns adolescentes consideram limitadas suas possibilidades de desenvolvimento pessoal e profissional e adentram os espaços misturados, no campo da escola e da rua, nas fronteiras do legal e ilegal, como avalia Telles (2010). Muitas vezes, sem recursos financeiros, sentem-se privados do acesso às oportunidades que se apresentam às camadas de maior renda. As restrições impostas pela sua condição econômica e simbólica, no caso específico da aquisição de bens de consumo e do lazer, denotam, para o adolescente, as limitações, a injustiça e desigualdade social vigentes na sociedade e os fazem, ainda mais, descrentes em relação às oportunidades escolares, de trabalho, de consumo, de lazer e outras. O oferecimento de perspectivas de futuro às novas gerações significa mudanças na percepção de que a renda define as oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Nesta pesquisa, percebo que as políticas públicas voltadas para os adolescentes vêm se mostrando, apesar de focalizadas, necessárias especialmente em relação ao papel central da educação na promoção do desenvolvimento humano. Nessa perspectiva, as medidas socioeducativas, com suas características educativas e não meramente repressivas, são elementos de enfrentamento da questão social, implicando em reforço à negação da violência e desvinculação da associação do adolescente ao atrativo mercado da criminalidade. É nesse campo que este trabalho se estrutura, voltado para a realização da educação pelos profissionais que atendem aos adolescentes em cumprimento das medidas socioeducativas e como estes sujeitos trabalham, enfrentando possibilidades, limites e dificuldades no rol de atendimento conforme dispõem essas medidas socioeducativas. No entanto, antes de adentrar na análise do trabalho dos profissionais, considero fundamental, neste capítulo, compreender as referidas medidas, seu processo e caminhos, enfim, sua constituição e execução em Fortaleza, de acordo com a legislação apropriada, o ECA. 36 Na realização de programas para adolescentes em situação de risco pessoal e social, estão incluídos os adolescentes em conflito com a Lei, constam com medidas preventivas no Artigo 23 da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) que, em seu parágrafo único, ressalta: “na organização dos servidores será dada prioridade à infância e à adolescência em situação de risco pessoal e social, objetivando cumprir o disposto no Artigo 227 da Constituição Federal e no ECA” . Saliento que a proposta central da política nacional, que deve atender a adolescentes em conflito com a Lei, é reintegrar os adolescentes infratores (que possuem conduta descrita como crime ou contravenção penal), conforme o artigo 103 do ECA. Diante disso, há a necessidade do Estado investir, efetivamente, na integração dos adolescentes em conflito com a Lei no sistema educacional e no mercado de trabalho, cuja inserção marginal é produzida pelo sistema dominante. 1.3 As medidas socioeducativas de acordo com o ECA A busca dos aspectos históricos sobre a trajetória das práticas assistenciais voltadas às crianças e adolescentes no Brasil tornou-se objeto de estudo de inúmeros pesquisadores10 (ver FREITAS, 1999). Esses estudos revelam que o percurso da assistência voltada a esse segmento populacional surgiu no século XVII, datado em 1726, com a denominada ‘Roda dos Expostos’, ou ‘Roda dos Enjeitados’11, que era vinculada à Santa Casa de Misericórdia, tendo como finalidade a caridade cristã. Tal instituição recebia crianças abandonadas e era sustentada por um subsídio anual da Câmara Municipal, por ações da Igreja Católica e através de doações da população. Em meados do século XX, a ‘Roda dos Expostos’ foi extinta para entrar em vigor o modelo filantrópico de assistência, ressaltando-se que isso aconteceu pelo surgimento de novas 10 As fontes para as informações contidas na trajetória da assistência às crianças e aos adolescentes no Brasil, aqui por mim consideradas estão contidas em: História social da infância no Brasil, de Marcos Cezar de Freitas (org., 1999; Meninos de rua e instituições: tramas, disputas e desmanche, de Maria Filomena Gregori e Cátia Aida Silva). 11 O significado do nome Roda dos Expostos provém de um dispositivo onde se colocavam os bebês que queriam abandonar. Sua forma cilíndrica dividida ao meio por uma divisória era fixada no muro ou na janela da instituição. 37 práticas, o que não causou, entretanto, o total desaparecimento imediato das anteriores, pois várias ações caritativas funcionaram juntamente com as ações filantrópicas. Nesse apanhado histórico em discussão, no ano de 1901, foi fundado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI), nos anos subsequentes foram criadas novas entidades para assistir a crianças e jovem desprotegidos, como a Escola Correcional 15 de Novembro, em 1903, em São Paulo; a Sociedade Eugênica, em 1916; o Serviço de Assistência e de Proteção à Infância, em 1922, dentre outras. Já em 1927, foi oficializado o primeiro Código para Menores de Idade, o Código de Mello Matos. Nesse período, surgiram os primeiros estabelecimentos oficiais de internação para ‘menores’. O discurso da assistência da época trazia um discurso de caráter intervencionista e coercitivo presente nos programas assistenciais. Como ficou evidenciado, o breve resgate histórico elucidou a radical mudança paradigmática vivenciada ao longo do tempo, frente às ações e políticas voltadas para as criança e adolescentes no Brasil. No entanto, o foco deste capítulo está centrado nas práticas e legislações voltadas aos adolescentes autores de atos infracionais, que serão abordadas no decorrer dos próximos parágrafos. As discussões sobre a prática de atos infracionais por adolescentes tornaram-se objeto de preocupação, por parte da ciência jurídica, com um olhar diferenciado, no final do século XIX, aos Estados Unidos. Destaca-se que “poucas diferenciações jurídicas existiam em relação aos réus, delitos e penas” (VOLPI, 2001, p.23). A questão de atos infracionais cometidos por adolescentes tem sua formalização, de início, caracterizada como de caráter penal indiferenciado, a partir do nascimento dos códigos penais de Corte, de aspectos retribucionistas, do século XIX até 1919. A etapa mencionada se caracteriza por desconsiderar as particularidades dos menores de idade, com exceção dos menores de sete anos, que eram considerados completamente incapazes, baseando-se na tradição do direito romano, sendo equiparados aos animais. Percebia-se que a única diferença existente entre os menores sete a 18 anos de idade era a redução da pena em 1/3 em relação aos adultos (MENDES, 1999, apud VOLPI, 2001). No tabuleiro inferior e em sua abertura externa , o expositor depositava a criança que enjeitava. (Marcílio, 1999, p.55 In: FREITAS, 1999) 38 Em relação ao Brasil, a execução da pena considerada indiferenciada 12 teve inicio no ano de 1890, por meio do Código Penal da República, quando apenas os menores de nove anos não eram considerados criminosos, ou então, os menores de 14 anos que agiram sem discernimento. Dessa forma, comprovava-se a capacidade criminal dos maiores de 09 anos e menores de 14 anos, que deveriam responder a um processo criminal. No caso de serem condenados, estes eram recolhidos a estabelecimentos industriais até os 17 anos (VOLPI, 2001). Com a saída das medidas de caráter correcional e assistencialistas, surgiram as discussões e a concretização da Doutrina da Proteção Integral, que trata dos direitos de crianças e adolescentes como prioridade absoluta, sob a égide tripartite da família, da sociedade e do Estado. Baseado nos princípios da referida Doutrina, segundo a qual as políticas públicas devem ser concebidas e complementadas pelo Estado e pela sociedade, ao mesmo tempo em que, primando pela descentralização e municipalização dos atendimentos e pela busca do efetivo controle social das ações desenvolvidas por meio de espaços que garantam as representações paritárias, através do governo e sociedade civil. No que objetiva à conduta tipificada, conhecida como crime ou contravenção penal, praticada por adolescentes, a Doutrina da Proteção Integral reconhece que os socioeducandos deverão ser julgados por tribunais específicos, com procedimentos próprios, e a sua responsabilização, pela prática de um ato infracional, deve resultar na aplicação de sanções distintas daquelas utilizadas no sistema dos adultos, estabelecendo uma responsabilidade juvenil diferenciada, prezando pelas ações socioeducativas, em detrimento da mera punição (SINASE, 2006). De acordo com os estudos de Saraiva (2000), o ECA se estrutura a partir de três grandes sistemas de garantias, harmônicos entre si, quais sejam: o sistema primário, que aborda acerca das políticas públicas de atendimento às crianças e jovens, em caráter universal, para a população infantojuvenil brasileira, sem quaisquer distinções; sistema secundário, que trabalha com a ideia das medidas de proteção destinadas às crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, isso é, com direitos violados ou ameaçados de violação e, por último, o 12 A legislação de etapa indiferenciada tem como critérios de avaliação, em relação ao cometimento de algum delito por crianças ou jovem, a questão da consciência em relação ao ato infracional do discernimento. 39 sistema terciário, que informa sobre a formatação das medidas socioeducativas, aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais, ou seja, quando passam à condição de vitimizadores. Acima do que foi explicitado é que se parte para a discussão dos caminhos judiciais que o adolescente percorre quando comete um ato infracional (crime ou contravenção penal) acontecem da seguinte maneira: primeiro, são acionados vários órgãos de Segurança Pública e Judiciais, que compreendem a Polícia e o Juizado da Infância e da Juventude (JIJ). O adolescente é responsável pelos seus atos, embora não seja responsável penalmente como um adulto; ao cometer uma infração, ele é conduzido pela polícia à delegacia especializada, obrigatoriamente à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), onde é ouvido pela autoridade policial que fará um Boletim de Ocorrência (BO), ou Ato de Apreensão. Em seguida, o adolescente é encaminhado ao representante do Ministério Público e, se for reconhecida a prática da infração, ele é responsabilizado pelo ato praticado. Para isso, é aberto um processo no JIJ e o juiz marca uma audiência para ouvi-lo e aos seus pais ou responsável, podendo, de imediato, determinar ou não a aplicação de uma medida socioeducativa. Se o adolescente já estiver cumprindo internação provisória pode mantê-la. Segundo o artigo 108 do ECA, “[...] que é anterior ao julgamento e aplicação da medida não poderá ser superior a 45 dias.” Ocorrendo a comprovação da responsabilidade do ato, o adolescente deverá, portanto, cumprir uma das medidas socioeducativas de acordo com o Artigo 112 do ECA: Verificada a prática de ato infracional, autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I- Advertência; II- Obrigação de reparar o Dano; III- Prestação de Serviço à Comunidade; IV- Liberdade Assistida; V- Inserção em Regime de Semiliberdade; VI- Internação em estabelecimento educacional; VII- Qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. A aplicação das medidas está de acordo com a capacidade do adolescente de cumprila, com a gravidade da infração e com a repercussão social do ato praticado. O ECA afirma, entretanto, que a garantia dos direitos deve ser assegurada com absoluta prioridade, pela 40 comunidade e pela sociedade em geral. Diante disso, a aplicação das medidas socioeducativas é resultado do devido processo legal em que deve ser garantido ao adolescente o direito de defesa. Segundo o artigo 115 do ECA, a medida socioeducativa de advertência possui caráter informador, conselheiro e imediato. Esse tipo de medida ocorre por meio da chamada dos responsáveis do adolescente juntamente com este, ocasião em que o juiz provoca uma reflexão acerca do ato infracional cometido mediante uma repreensão, tanto ao socioeducando quanto respectivos responsáveis; ao final, é feito um termo de audiência e assinada por ambas as partes. Outra forma de responsabilização do adolescente é a medida de obrigação de reparar o dano (Art. 116 do ECA), que acontece através da restituição do bem, do ressarcimento e/ou compensação da vítima. É encarada como medida de caráter coercitivo e, ao mesmo tempo, educativo, incentivando o aprendizado do socioeducando, levando-o a reconhecer o seu erro e, a partir desse reconhecimento, reparar o dano. Já o Art.117 do ECA aborda a prestação de serviços à comunidade no qual objetiva a realização de atividades gratuitas junto às entidades assistenciais, escolas, hospitais e outros estabelecimentos que sejam provenientes de programas comunitários que não possuam fins lucrativos. A medida não pode ultrapassar os seis meses e sua carga horária semanal máxima é de 8 horas. Possui um caráter comunitário, voltado ao âmbito educativo, em relação ao socioeducando e à sociedade. A liberdade assistida encontra-se relacionada ao artigo 118 do ECA; é vista como uma medida em meio aberto, que atende adolescentes que cometeram atos infracionais mais graves e se constitui uma medida coercitiva objetivando o acompanhamento mais intenso na vida social do adolescente nos aspectos: escola, família e no trabalho. Sua efetivação acontece como uma intervenção educativa por atendimento e acompanhamento personalizado, baseado nos conceitos de proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção dos vínculos familiares, frequência à escola e inserção no mercado de trabalho, ou em cursos profissionalizantes, como o Projeto ‘Transformando Vidas’ que acontece na cidade de Fortaleza. Dependendo da gravidade do ato infracional cometido pelo adolescente, as medidas socioeducativas podem ocorrer em meios abertos, como já foi ressaltado, como também em 41 meios fechados: o regime de semiliberdade13. Trata-se de uma medida de caráter coercitivo, com a intenção de afastar parcialmente o adolescente do convívio familiar e da comunidade, mas ao ter a restrição de sua liberdade, não é privado, totalmente, de seu direito de ir e vir, o que ocorre por meio da liberação nos finais de semana, para sua residência e seu retorno para a Unidade no início da semana útil; é também uma medida socioeducativa, que possibilita acessos à escola e a cursos profissionalizantes. Outra medida socioeducativa em meio fechado é a internação, definida no artigo121 do ECA, sendo uma medida privativa de liberdade baseada nos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Ela possui caráter coercitivo, representada pela perda total do direito de ir e vir do adolescente, devendo ser cumprida em estabelecimentos exclusivos para adolescentes. Aqui no Ceará, estes estabelecimentos são conhecidos como Centros Educacionais entre os quais destacam-se: Centro Educacional Passaré (CEP), Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), Centro Educacional Patativa do Assaré (CEPA), Centro Educacional Aloísio Lorscheider (CECAL), Centro Educacional São Miguel (CESM) e o Centro Educacional São Francisco (CESF). Como reza a legislação, as medidas socioeducativas devem ser aplicadas e operacionalizadas, não apenas conforme a gravidade do ato infracional, mas sobretudo, à condição social do adolescente, sua personalidade, suas referências familiares e sociais, bem como a sua capacidade de cumpri-las e, ainda, à disponibilidade de programas e serviços no poder público, em qualquer esfera. Devem abranger os aspectos coercitivos e educativos, mas, na verdade, são ‘punitivas’; devem garantir a proteção integral e o acesso à formação e informação, porém em cada medida, essas características apresentam de acordo com a tipificação da infração cometida e/ou da reiteração na prática de atos infracionais. As medidas socioeducativas não possuem natureza de sanção penal ou civil, ao contrário, constituem-se na responsabilidade especial atribuída pelo ECA ao adolescente em conflito com a Lei, e devem habilitá-lo a alcançar a meta da medida, que é a ressocialização, resgatando sua cidadania e seus valores éticos e morais. 13 No Estado do Ceará, a medida socioeducativa de regime de semiliberdade é executada pelo Centro Educacional Mátir Francisca (CEMF). 42 Os programas socioeducativos fundamentam-se no princípio da incompletude institucional, caracterizado pela utilização do máximo possível de serviços, através da saúde, educação, defesa jurídica, trabalho, profissionalização na comunidade, dando atributo as políticas setoriais no atendimento aos adolescentes: “A operacionalização das medidas, deve prever, obrigatoriamente, o envolvimento familiar e comunitário” (VOLPI, 2002, p.21). Nesse aspecto, a integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social vem sendo implantada nos Estados Brasileiros, tendo-se como exemplo dessa integração o ‘Projeto Justiça Já’ que é executado no Estado do Ceará, para melhoria e agilização do atendimento jurídico direto ao cidadão, interessadas em atender aos anseios da sociedade que clama pela celeridade e universalização da justiça. Esse Projeto é destinado ao atendimento inicial do adolescente que comete atos infracionais, quando é apreendido pela Delegacia da Criança e do Adolescente, onde se depara com a política de atendimento aos direitos infantojuvenis preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ressalto que, no Brasil, ainda há a vigência de um sistema que não oferece garantias, educação e proteção. Em especial, como se verá nos capítulos seguintes, também não há valorização e seguimento de uma política de formação para os profissionais que atuam na área dificultando a efetivação das medidas. A inexistência ou a oferta irregular de propostas pedagógicas fazem com que as medidas socioeducativas resultem em um processo repressivo. Salienta-se que há adolescentes em conflito com Lei que, em alguns casos, ainda são tratados com maior rigor do que adultos penalmente imputáveis, ao contrário do que é previsto, como assevera Volpi: A aplicação de medidas socioeducativas não pode acontecer isolada do contexto social, político e econômico em que está envolvido o adolescente. Antes de tudo é preciso que o Estado organize políticas públicas para assegurar com prioridade absoluta, os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, e demais direitos universalizados, será possível diminuir significantemente a prática de atos infracionais cometidos por adolescente (VOLPI, 2002, p.22). Nesse sentido, a norma diz que a execução das medidas socioeducativas deve assumir o modelo de responsabilidade e de garantia do ECA, o que significa desmistificar o caráter exclusivo de protetor das medidas, reconhecendo-lhes a índole punitiva que lhes é imanente, e 43 deve ser justa, sem caráter vexatório, constrangedor e humilhante. Mas, a norma se encontra também mediada por práticas contrárias, ineficientes e ilegais, dadas às dificuldades de investimento profundo nas atividades correlacionadas à execução das medidas e na formação dos profissionais que atuam no atendimento, e dos próprios adolescentes. Para melhor compreensão, analisarei qual sistema de atendimento tem sido o carro chefe da legislação, nesse caso, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). 1.4 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) – das orientações à efetivação da Lei 12.594/2012 O ECA é fruto de uma história de lutas e conquistas da sociedade civil e dos movimentos organizados em defesa dos direitos de crianças e adolescentes; o seu posto de lei especial justifica-se pelo fato de estar voltado para a garantia da proteção integral a sujeitos que ganham prioridade absoluta, independentemente de sua condição social, física, econômica, étnica e outras. Dentre o universo de crianças e adolescentes que contam com essa legislação para a garantia de acesso a seus direitos, estão os adolescentes em conflito com a lei, que passaram a ser sujeitos de práticas associadas à inclusão social. Ferreira (2006, p. 394) afirma que o ECA não “[...] disciplinou o processo de execução de medida socioeducativa e seus incidentes”. Diante dessa lacuna, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude (ABMP) e o Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente (FONACRIAD) realizaram uma série de encontros envolvendo representantes do Poder Judiciário, conselheiros de direitos e de programas de atendimento socioeducativo, para discutir sobre uma proposta de lei de execução das medidas socioeducativas. Como resultado dessa articulação, chegou-se à construção do SINASE, através da resolução nº 119 de 11/12/2006 do CONANDA, configurando-se como um subsistema – Sistema de Garantias de Direitos (tais como saúde, educação, assistência social), que atua junto ao adolescente em conflito com a lei, por meio de um atendimento que vai desde a apresentação passando pela aplicação e execução da medida socioeducativa (SINASE, 2006): 44 O SINASE é um conjunto ordenado de princípios, regras, e critérios jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa. Esse sistema nacional inclui os sistemas estaduais, distrital e municípios bem com em todas as políticas, planos e programas específicos de atenção a esse público (SINASE, 2006, p.22). Os princípios do SINASE são orientados à luz dos regimentos da Constituição Federal, em seguida o ECA e estão relacionados a outros documentos referentes aos direitos da criança e do adolescente, inclusive as normativas internacionais assinadas pelo Brasil. Eis os princípios brevemente descritos: o respeito aos direitos humanos; a responsabilidade solidária da família, sociedade e Estado pela promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes – artigo 227 da Constituição Federal e 4o do ECA; os adolescentes são considerados como pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, sujeito de direitos e responsabilidades – artigo 227, §3o , inciso V, da Constituição Federal; e da 3o, 6o e 15o do ECA; prioridade absoluta para crianças e adolescentes baseada principalmente no princípio da proteção integral – artigo 227 da Constituição Federal e 4o do ECA; legalidade – artigo 5o da Constituição Federal; respeito ao processo legal – artigo 227, § 3o, inciso IV da Constituição Federal, artigo 40 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e os artigos 108, 110 e 111 do ECA e nos tratados internacionais; excepcionalidade, brevidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; incolumidade, integridade física e segurança (artigos 124 e 125 do ECA); respeito à capacidade do adolescente de cumprir a medida; as circunstâncias, a gravidade da infração e às necessidades pedagógicas do adolescente na escolha da medida, com preferência pelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários – artigos 100, 112, § 1º, e 112 § 3o do ECA; incompletude institucional, focada na utilização e no acesso de serviços na comunidade, responsabilizando as políticas setoriais pelo atendimento aos adolescentes – artigo 86 do ECA; a garantia do atendimento especializado para adolescentes com deficiência – artigo 227, parágrafo único, inciso II da Constituição Federal; municipalização do atendimento – artigo 88, inciso I do ECA; descentralização político-administrativa mediante a criação e manutenção de programas específicos – artigo 204, inciso I, da Constituição Federal e artigo 88, inciso II do ECA; gestão democrática e participativa na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; corresponsabilidade no financiamento às medidas socioeducativas; 45 e por último, a mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade. Nesse documento também constam as orientações em relação à prática pedagógica no atendimento socioeducativo, propondo às instituições as seguintes diretrizes: a prevalência das ações sociopedagógicas, que são atividades voltadas à garantia de direitos e formação da cidadania sobre as ações de natureza sancionatórias (que são vistas como penalidades), que responsabiliza judicialmente o adolescente; obrigatoriedade de um projeto pedagógico em consonância com os princípios do SINASE; participação crítica dos adolescentes nas práticas sociais desenvolvidas, permitindo o exercício da responsabilidade, da liderança e da autoconfiança; respeito à singularidade do adolescente, considerando as suas fases de desenvolvimento; realização de exigências possíveis de serem alcançadas pelos adolescentes considerando o seu potencial; estímulo do diálogo, com o adolescente, no sentido de garantir a sua participação no direcionamento das ações; a disciplina, como meio de alcance de um projeto coletivo e individual a ser alcançado; dinâmica institucional, que permita a troca e construção de saberes entre a equipe multiprofissional por meio da intersetorialidade; organização espacial e funcional das unidades de atendimento socioeducativo, que possibilite o desenvolvimento do adolescente; o desenvolvimento de metodologias que promovam a inclusão de temas relacionados à diversidade étnica e racial, de gênero e de orientação sexual; participação efetiva da família e da comunidade na experiência socioeducativa e formação continuada dos atores sociais envolvidos no atendimento socioeducativo através da corresponsabilidade da família, adolescente, da comunidade e das demais entidades. Diante dessa discussão sobre os princípios e propostas pedagógicas no acompanhamento aos adolescentes em conflito com a lei, sinalizada pelo SINASE, no que se refere ao Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo e aos profissionais nele inseridos, vi que estes possuem conhecimento e entendimento sobre os seus preceitos, mas percebem que o Programa em questão está longe do que o SINASE define, pois se presenciam muitas dificuldades tendo urgência em serem sanadas para que se possa, realmente, estar condizente com que a norma explicita. Ilustro, aqui, com o posicionamento de um profissional entrevistado que mostra o seu entendimento sobre o SINASE: 46 Por ser o SINASE, a lei que regulamenta a execução das MSEs, é o elemento formador central do Sistema de Garantias de Direitos, por isso irá impactar na realização do trabalho em MSEs e proporcionar mudanças para adequação à referida lei. (Assistente Social, entrevista feita no dia 06/08/12). O documento do SINASE define as competências dos órgãos das esferas federal, estadual e municipal, nas suas funções de deliberação, gestão e execução da política dos órgãos de controle, financiamento e entidades de atendimento, atribuindo um conceito de gestão participativa, com a qual convocando a participação dos atores e a compartilhar os compromissos e os resultados para com o público atendido. Nas observações de campo percebi que o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo encontra-se distante do que é assinalado no SINASE, principalmente no ponto que aborda a obrigatoriedade de um projeto pedagógico, sendo essa uma das queixas mais referidas pelos entrevistados, visto que esse fato ainda não acontece. Desde a criação e execução do Programa em questão, no ano de 2006, foram escritos vários projetos pedagógicos, mas nenhum deles teve aprovação pela gestão da Secretaria de Direitos Humanos. A alegação para a não aprovação refere-se ao fato de os projetos, na avaliação da gestão, estarem fora da realidade que a Secretaria poderia executar como, por exemplo, o aumento da quantidade de profissionais, sedes próprias para execução das medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade, salas voltadas para cursos profissionalizantes, dentre outros pontos. Percebo no discurso da Secretaria que os projetos deveriam se adequar ao que já existia (poucos profissionais para uma grande demanda de adolescentes atendidos, permanecer nos espaços oferecidos pela Prefeitura, que se encontram em total sucateamento e outros), pois não há recursos suficientes para prover o que se propõe em tais projetos, tendo que dividi-los com outros projetos existentes na Secretaria de Direitos Humanos. Essa falta de recursos se refletiu até o ano de 2012, pois, passados seis anos, ainda não existe um projeto pedagógico e o que está em execução é apenas a sugestão de uma proposta pedagógica a qual vai exposta com maiores detalhes no segundo capitulo deste trabalho, que aborda o trabalho realizado pelos profissionais pelo Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo. Mediante o exposto, é importante ressaltar que o SINASE por intermédio de seus princípios e, em especial, o Princípio da Incompletude Institucional, mostra-se como instrumento 47 que vem auxiliar as instituições e os profissionais para que atuem no atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei, evitando erros de interpretação do ECA, bem como a consolidação de práticas que remetem aos Códigos de Menores já revogados, o que será visto a seguir. 1.4.1 SINASE e o Princípio da Incompletude Institucional Na explicação sobre a execução das medidas socioeducativas, através dos programas de acompanhamento, percebo que estas se apresentam, para o adolescente, como uma proposta de ruptura com a prática de atos infracionais, para lhe propor a ele a construção de um novo projeto de vida, caracterizando-se como uma experiência educacional. Sobre isso, Ferreira (2006, p.437) afirma que: Essa concepção, que torna a experiência educacional algo importante na vida do adolescente, não deve produzir o equívoco de conceber o programa de execução das medidas de meio aberto como concentrador de todas as ações necessárias para suprir a vasta gama de necessidades dos adolescentes. Considerando tal afirmação, convém reforçar o que traz a proposta do SINASE sobre o princípio da incompletude institucional, que é apontado como “[...] um princípio fundamental norteador de todo o direito da adolescência que deve permear a prática dos programas socioeducativos e da rede de serviços” (SINASE, 2006, p.23). Nesse aspecto, o princípio da incompletude institucional demanda a participação de políticas públicas setoriais, como a educação, saúde, trabalho, assistência social, esporte e outras, numa articulação permanente entre as políticas sociais e o sistema de administração de justiça. Nesse sentido, são necessárias ações direcionadas e desenvolvidas pelas instituições nos níveis federal, estadual e municipal, assim como as organizações da sociedade civil cada uma das quais possui suas respectivas atribuições. Esse princípio está previsto pelo ECA, em seu artigo 86 e entendido no que preconiza a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), quando se trata do aspecto da intersetorialidade . Assim sendo, o SINASE (2006), como política voltada para o atendimento socioeducativo, informa que os programas de execução das medidas socioeducativas devem estar 48 vinculados aos demais programas e serviços voltados à promoção dos direitos de crianças e adolescentes, tendo o direcionamento as políticas sociais, principalmente as de caráter universal, no que rege aos serviços de assistência social e proteção. Souza (2008, p. 39), ao abordar a proposta do SINASE sobre a constituição de uma rede articulada, informa que “esta competência compartilhada, que responsabiliza uma diversidade de agentes pela promoção das políticas de atendimento à criança e ao adolescente, tem por objetivo ampliar o próprio alcance da proteção dos direitos infanto-juvenis”. Finalizando a discussão sobre o significado da incompletude institucional, considero importante ressaltar o pensamento de Ferreira (2006), quando afirma que o programa de execução das medidas socioeducativas é um ‘ponto de ancoragem’ que vai auxiliar no acesso do adolescente aos equipamentos públicos e privados, que prestam serviços educacionais, de saúde, esportivos, dentre outros. Esses programas têm como finalidade a parceria entre comunidade, família e adolescente, como uma forma de integrá-los e de rever seus horizontes pautados na busca de melhorias para a vida dos socioeducandos. 1.4.2 O Princípio da Municipalização das Medidas Socioeducativas em meio aberto O artigo 227 da Constituição, em seu parágrafo sétimo, remete ao artigo 204, que trata das ações governamentais, citando a descentralização político-administrativa das ações governamentais e informando a divisão de papéis das esferas federal, estadual e municipal. Com isso, os municípios, tidos antes como entidades administrativas dentro de uma hierarquia, passam a adquirir uma postura orientada para a autonomia. Essa descentralização, trazida para o foco das ações referentes à criança e ao adolescente, é reforçada pelo ECA, quando dispõe, em seu artigo 86, sobre essa forma de organização referente à política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente. O ECA, em seu artigo 88, aponta a municipalização como a primeira diretriz da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Ao tratar sobre a descentralização e municipalização, Costa (1993, p. 13) descreve: 49 Descentralização: entendida não como o município assumir sozinho um determinado problema, eximindo o Estado e a União de qualquer responsabilidade em relação ao mesmo. A Municipalização significa o governo local de protagonista central na formulação e implementação da política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, sem, contudo, abrir mão do apoio técnico e financeiro dos níveis supramunicipais do governo. Souza (2008) afirma que, entre os entes da Federação, os governos municipais são as instâncias mais próximas da população alvo das políticas públicas e, devido a tal fato, os municípios se tornam mais aptos à implementação de políticas, sendo, entretanto, necessário que esses municípios recebam apoio técnico e financeiro da União e do Estado. No que se refere ao atendimento socioeducativo, os municípios assumem a responsabilidade e o compromisso de execução das medidas socioeducativas em meio aberto. Ressalto que, na leitura do documento do SINASE, há apontamentos que delimitam as práticas de atendimento que devem ser prestadas, nos limites geográficos dos municípios ou dentro destes, e, no caso das medidas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, essas apresentam maior efetividade, uma vez que são executadas nos equipamentos sociais do município. Souza (2008) informa que a prática citada é vista como uma condução no caminho da efetivação da inserção social do adolescente e sua família nos equipamentos e rede de serviços públicos locais14. Esclareço, portanto, que o processo de municipalização envolve a participação dos diversos componentes do Sistema de Garantia de Direitos. Reporto, novamente, ao pensamento de Souza (2008), que informa sobre a diferenciação relativa aos papéis dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares. Apesar de haver diferenças entre ambos, vale destacar que esses Conselhos, dentro do processo de municipalização, têm em comum a função de zelar pelo atendimento aos adolescentes em situação de risco ou em conflito com a Lei, prestando informações e utilizando como meios, a fiscalização dos programas e das entidades de atendimento. 14 Na cidade de Fortaleza, o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, ente responsável pela execução das medidas em meio aberto como a Liberdade Assistida e a Prestação de Serviços à Comunidade; as duas são executadas dentro dos equipamentos sociais da Prefeitura Municipal de Fortaleza; seguindo os parâmetros previstos do SINASE em relação aos limites geográficos dos municípios ou dentro destes. 50 Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente funcionam no auxílio e controle das ações norteadoras das políticas públicas; utilizam a função deliberativa com a participação democrática da sociedade civil e comunidade; e promovem o diálogo direto com os integrantes do Sistema de Garantias de Direitos com a finalidade de fundamentar seus diagnósticos referentes à realidade, além de sua função de acompanhar a política de atendimento. Ferreira (2006, p. 425), ao tratar das ações referentes à execução das medidas socioeducativas desenvolvidas pelos municípios e pelas instituições a elas ligadas ressalta: Deve-se registrar que a execução das medidas socioeducativas em meio aberto, pelo município, não implica apenas uma nova postura administrativa ou organizacional. Há uma vertente política traduzida pelo eixo fundante da doutrina de proteção integral, que reordenou o trato das questões envolvendo a criança e o adolescente, a qual exige a necessidade de profundas alterações na implementação das práticas sociais operacionalizadas pelos profissionais e instituições envolvidas - procedimento que exige, também uma mudança ética, cultural e técnica, portanto, política. A partir dos fatos assinalados, entendo que a descentralização e a municipalização do atendimento socioeducativo sugerem a realização de um trabalho articulado entre os atores que integram a rede de atendimento e, consequentemente, a política de atendimento, no sentido de viabilizar a qualidade dos serviços prestados. O SINASE deixou de ser uma orientação para os regimentos socioeducativos tanto em meios abertos quanto fechados e passou, a partir do dia 18 de abril de 2012, a se tornar lei federal (LEI 12.590/2012), que reúne princípios, regras e critérios para a execução das medidas socioeducativas e programas de atendimento ao adolescente em conflito com a lei. No ano de 2012, o SINASE tornou-se uma lei que define as competências dos entes federativos, os planos de atendimento nas respectivas esferas de governo, os diferentes regimes dos programas de atendimento, o acompanhamento e avaliação das medidas, a responsabilização dos gestores e as fontes de financiamento. Na leitura do SINASE, este informa também direcionamentos quanto à execução das medidas socioeducativas, abrangendo os procedimentos gerais e os atendimentos individuais, a atenção integral à saúde do adolescente em atendimento15, os regimes disciplinares e a oferta de capacitação para o trabalho. 15 Com previsão específica para casos de transtorno mental e dependência de álcool ou substância psicoativa. 51 A lei supracitada recomenda a individualização do plano de execução das ações corretivas, levando em conta as peculiaridades de cada adolescente, como deficiências e dependência química16. Também trabalha, principalmente, com o princípio da não discriminação do adolescente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política, ou sexual sendo outro norteador das ações abrangidas pela lei 12.594/2012 (BRASIL, 2012). Com o advento dessa Lei, as instituições brasileiras de atendimento socioeducativo para adolescentes em conflito com a lei têm um prazo de seis meses prorrogado por mais 1 ano para adaptarem seus respectivos direcionamentos à nova lei (isto se relaciona aos projetos políticos pedagógicos). Ressalta-se que grande parte dessas instituições já se encontra seguindo as orientações do SINASE, inclusive o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo da cidade de Fortaleza, que também tem sua metodologia de trabalho baseada nos princípios da antiga orientação e está passando por uma reformulação para se adaptar à nova legislação. É, portanto, nesse contexto de compreensão das medidas socioeducativas em meio aberto, que analiso o processo de municipalização desses dispositivos legais e como este se encaixa nos limites e possibilidades vivenciados pelos trabalhadores que atuam no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo na cidade de Fortaleza. 16 Texto retirado do site: http://ezildamelo.blogspot.com.br/2012_04_01_archive.html. 52 2 A HISTÓRIA DOS TRABALHADORES SOCIAIS NO ACOMPANHAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL 2.1 Política de Atendimento aos adolescentes infratores e atuação dos trabalhadores sociais Na continuação dos estudos acerca da infância e da adolescência, analiso a relação entre o passado (como o surgimento de códigos para a penalização de menores) e presente (com a criação e aprovação do ECA e juntamente com seu mais novo instrumento de atuação dos dias atuais, o SINASE) como forma de compreender os passos no acompanhamento de crianças e adolescentes autores de atos infracionais. Para esse entendimento, é importante perceber que essa construção histórica advém não somente do eco das demandas atendidas, mas também através dos trabalhadores sociais (cito assistentes sociais, educadores especializados e orientadores), que desde os primórdios da intervenção judiciária na infância e juventude pobres, fizeram parte do cenário das políticas de atendimento atuando nessa problemática. Nos aspectos contemporâneos, tais técnicos, acrescentando a vinda de outros profissionais nas áreas de humanas como psicólogos e pedagogos, continuam sendo peças fundamentais na ampliação de medidas previstas por lei (ECA) propiciando um atendimento sociopsíquico e pedagógico a esta clientela. Sabendo que esses profissionais foram e ainda são os responsáveis diretos na intervenção institucional cotidiana na vida dos adolescentes autores de atos infracionais, torna-se relevante saber quais seus perfis com o objetivo esclarecer se estão preparados para lidar com as demandas provenientes do atendimento aos adolescentes. Assim, procuro refletir neste capítulo acerca da questão do delito juvenil, da política de atendimento que foram criadas ao longo da história, e da intervenção de profissionais, qualificados nesta área, consideradas categorias essenciais para visualizar a complexidade da questão social em que os técnicos interferem com suas práticas. Ressalto que traço um feedback com a descrição da atuação dos profissionais que trabalham no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo. Para o início desse diálogo é importante informar que a história da infância e juventude pobre no Brasil sempre veio regulada por decretos e códigos desde os primórdios. Houve muitas discussões acerca das responsabilidades do Estado e da família no processo de 53 educação das crianças em relação aos planos moral e disciplinar, com o objetivo de definir e preservar o futuro dessa clientela. Em meados do século XIX surgiram algumas profissões específicas para lidar com essa questão. Estes são conhecidos como trabalhadores sociais (profissionais advindos das áreas humanas como: assistentes sociais, educadores especializados e orientadores). Tais profissionais passaram a desenvolver o chamado trabalho social, sendo que este aparece para fazer junção com os aparelhos já pré-existentes, como: o judiciário, o assistencial e o educativo, tendo como meta principal à infância em perigo e a infância perigosa (DONZELOT, 1987). Nesse ponto, a intervenção na infância e juventude contemporânea somente aconteceu nos anos de 1920, de acordo com as transformações societárias que ocorriam na época, sendo a área jurídica a protagonista de dois aspectos: primeira, é a formulação do 'problema do menor', e a segunda, seria a busca de soluções para o mesmo. De início, houve a necessidade de um personagem importante para subsidiar o magistrado, com conhecimentos científicos, principalmente, na tomada de decisões. Essa figura, conhecida como profissional especialista ou perito, se caracterizou como médico psiquiatra, cuja competência, no período, era: […] proceder a todos os exames médicos e observações dos menores levados a juízo, e aos que o juiz determinar e fazer às pessoas das famílias dos menores visitas médicas necessárias para investigações dos antecedentes hereditários e pessoais deste (FÁVERO, 2003, p.19). Percebia-se que o comportamento do adolescente infrator era encarado como um problema psiquiátrico e, assim, a função daquele profissional era apontar, por meio de exames psiquiátricos, a busca de qual o distúrbio na personalidade do menor o levou a delinquir. Logo, a vida dos jovens com envolvimento delituoso, passou a ser gerida por técnicas inscritas nos seguintes campos: medicina, psiquiatria e pedagogia, que são aplicadas pelos trabalhadores sociais. Seguindo esse raciocínio, Donzelot (1986, p. 92) afirma: “Partindo de uma vontade de reduzir o recurso ao judiciário, o trabalhador social se apoiará num saber psiquiátrico, sociológico, psicanalítico, para antecipar a ação policial, substituindo o braço secular da lei pela mão estendida do educador”. A responsabilidade dos trabalhadores sociais advinha por meio de suas técnicas 54 interventivas, sendo uma forma de subsidiar o juiz de menores em seus pareceres técnicos quanto à decisões referentes a eles. Assim, para subsidiar seus pareceres, duas técnicas eram utilizadas como instrumental: a visita domiciliar, que tinha a função de conhecer a realidade do menor infrator e de sua família, com o intuito de averiguar a situação e policiar suas atitudes; e o inquérito social que tinha uma metodologia baseada no estudo da situação do menor infrator, o diagnóstico dessa situação e o tratamento que caberia ao adolescente. O uso das duas técnicas tinha, portanto, o objetivo de atingir a personalidade dos indivíduos e isso ocorria por meio do uso de testes psicológicos, como uma busca para justificar os motivos da atitude delituosa destes menores. O que se observava era que, com estas intervenções, havia muita confusão, pois não existia nenhuma relação entre a prática do delito e a totalidade social, assim como a realidade construída historicamente e o contexto onde se observava o delito. Para Donzelot (1986, p. 93), Os exames psiquiátricos e os testes psicológicos, são unificados por um saber interpretativo de inspiração psicanalítica. Saberes heterogêneos colocados numa perspectiva comum por meio do reagrupamento em uma jurisdição extrajudiciária composta de educadores, psicólogos, assistentes sociais e médicos psiquiatras e psicanalistas, e que irão elaborar uma síntese e fornecer um parecer circunstanciado sobre a medida oportuna a ser administrada ao menor. As discussões sobre a delinquência do ‘menor’ relacionavam essa temática a uma ‘patologia social’, afirmando que a personalidade de indivíduo, em outras palavras, o nível de periculosidade deste era decorrente do pertencimento à classe social menos favorecida. Com isso, Queiroz (1987, p.42) define ‘menor infrator’ como, [...] o marginal, indivíduo cuja personalidade deformada por fatores, sejam genéricas ou psicossociais, merece, de qualquer forma, ser isolado e afastado do convívio social. Mas o marginal é também o morador de favelas e cortiços da periferia dos centros urbanos. Ele participa de ambientes cujas as características criam as condições do crime. Observo na citação que na história da infância e da juventude, crianças e adolescentes ditos ‘marginais’ sempre foram relacionados como protagonistas de violência e delitos, e as justificativas pelo envolvimento em atos infracionais se encontravam no fato de morar em periferias, sendo áreas propensas à iniciação no mundo do crime, ocasionando uma verdadeira discriminação abrangendo fatores etnicorraciais, de gênero e econômicos que, ao longo dos anos, vem sofrendo uma série de intervenções. 55 Essa história vem sofrendo uma série de intervenções e uma delas é a aprovação e criação do Código de M – 17943/27, com a tentativa de manter a coesão social vigente da época, era uma Lei relacionada à assistência e proteção ao ‘menor’ no Brasil. Sua elaboração aconteceu sob as terminologias abandonado/infrator, cuja institucionalização ocorria caso fosse detectado uma das duas situações. O que afirmava o Código de Menores, em seu maior objetivo, era a correção do menor, por meio de atos educacionais de caráter punitivos, nas instituições, com o intuito de modificar seus valores sociais, seus pensamentos e suas ações. Um exemplo das atitudes correcionais que o Código em menção era o trabalho de alguns profissionais, dentre os quais, o profissional de Serviço Social17, cuja intervenção ocorreu entre as décadas de 1920 e 1930, como profissão vinculada ao comissariado de vigilância ou como estagiário. Nos fins de 1940, esse profissional, por meio de seu conhecimento amplo da área social, passou a interagir e a integrar, como atuante direto, a justiça da infância e da juventude. É salutar o esclarecimento de que esta demanda aconteceu em um “período em que se evidenciava o agravamento e tentativas de controle das sequelas da questão social e se ampliava a ocupação de espaços institucionais pelo serviço social” (FÁVERO, 2003: 20). Com os embasamentos norteadores da ação profissional da época, os recursos teóricos e metodológicos deste profissional não colaboravam em uma intervenção com capacidade de analisar criticamente, assim como, uma contribuição para alguma alteração na realidade social, até porque a concepção de mudança na vida desses menores, encontrava-se baseada na ideia do ajustamento. Na continuação da construção da história da infância e da juventude, no ano de 1941, através do Decreto-Lei nº 3799/41 houve a criação de mais uma instituição baseada no caráter assistencial: o Serviço de Assistência ao Menor (SAM). A instituição deste órgão teve como finalidade: “[...] de retirar da sociedade os jovens delinquentes que representavam uma ameaça à ordem pública, encarregando-se de recuperá-los através da coerção punitiva, pois dessa forma seriam corrigidos as anormalidades do caráter” (OLIVEIRA, 2003). O autor citado comenta, em outras palavras, a percepção de que crianças e adolescentes eram institucionalizados como uma maneira de reformular seus valores, 17 Profissão a qual sou formada desde o ano de 2005 pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. 56 relacionando a marginalidade como manifestação da personalidade do indivíduo. Nos anos seguintes, os ideais relacionados às palavras-chave como controle, vigilância e repressão tiveram um agravamento no País, no ano de 1964, período caracterizado pelo Regime Militar. Com novas demandas nacionais, houve a criação e execução da Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), que tinha como valor norteador a reintegração dos menores na sociedade, por meio de uma adequação de valores compartilhados em sociedade, com o respeito à propriedade privada (QUEIROZ, 1987). Acrescenta-se, ainda, como implementação das ações proposta acima, a criação da Fundação Nacional de Bem-estar do Menor (FUNABEM), por meio da Lei nº 4513/64 e a extinção do SAM. O objetivo da FUNABEM era formular e implementar a PNBEM, consolidando, juntamente com a de Lei de Segurança Nacional, pois no período ocorreu o golpe militar, em uma época caracterizada pela alta concentração de renda, tendo como consequência a exclusão, a intensificação da pobreza e o crescimento da miséria, por parte da classe trabalhadora. Nessa mesma década, ocorreu a implantação da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM) pelos Estados. No Ceará, este surgiu no ano de 1968, sendo chamada de FEBEMCE. Conhecida mais pela sigla, a FEBEM tinha como objetivo, […] prevenir marginalização e corrigir as causas dos desajustamentos do menor. A intervenção trataria 'daquele que se marginalizou ou que está sendo submetido a um processo de marginalização que consiste na privação dos meios de satisfazer as necessidades básicas' (PNBEM, 1964, p.77). As FEBEMs eram todas normatizadas pela FUNABEM, inclusive a FEBEM do Estado do Ceará que, como em todo o País, sua linha norteadora de ação era a pedagogia da punição (OLIVEIRA, 2001) através de ações violentas e estigmatizantes às crianças e aos adolescentes advindos das classes pobres. Insinuava, em seu discurso, a prevenção e a supressão das carências sociais de seus usuários, que se caracterizava por um forjamento, pois o cotidiano institucional era avistado por ações severas, fundadas nos aspectos da violência e da disciplina. A ideia do período era culpar a pobreza pela infração cometida pelo menor, caracterizando um discurso dominante que reforçava o estigma dessa classe excluída socialmente. No Ceará, por exemplo, as unidades da FEBEMCE eram caracterizadas pela privação de liberdade de adolescentes, sem que houvesse a necessidade de um processo penal, ficando de maneira única e 57 exclusiva a cargo do Juiz a decisão de seu destino. Nessa acirrada discussão, cito que, no ano de 1979, por meio da Lei nº 6697/79, foi criado o novo Código de Menores. À época, fundou-se a doutrina da situação irregular aplicada às crianças e adolescentes, que se baseava na questão da autoria de delitos, das vítimas de maus tratos e a privação de condições essenciais a sua subsistência (OLIVEIRA, 2001). Queiroz (1987), em seus estudos, aborda que o procedimento para aplicação das medidas de privação de liberdade, na época, ocorria por meio de suspeição pela autoridade policial. Com isso, os adolescentes suspeitos, nesse período, eram apreendidos, levados ao juizado de 'menores' e encaminhados à unidade de recepção, através da expedição de um ofício que não determinava prazo de término de sua internação. Em síntese, não existia a prática do procedimento judicial, eram tratados de maneira violenta e esquecidos, não havia nenhuma atividade pedagógica, conforme os discursos que diziam o contrário, ou julgamento oficial. Os adolescentes 'infratores' não eram vistos como pessoas como um todo, mas encarados como objetos da letra fria da lei judicial. Os anos 1980 ficaram conhecidos pelos processos de mobilização e organização da sociedade civil, que passava por um contexto da redemocratização política do País, no qual se questionou a política de atendimento e as práticas institucionais coercitivas e autoritárias para os adolescentes infratores (QUEIROZ, 1987). Um marco desse período foi a grande contribuição crítica do Movimento de Meninos e Meninas de Rua, política de atendimento da época, fundada em 1985, que serviu de inspiração e mobilização influenciando a Assembleia Constituinte, sendo formados dois grupos distintos: a Comissão da Criança e Constituinte e o Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (SARAIVA, 2005). Por meio das ideias propostas por ambos, houve a fusão e a inclusão na Constituição Federal de 1988 o artigo 227 que prevê: Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, a saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência , discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). Além disso, a Constituição Federal, em sua formulação, acrescenta em seus incisos LIV, LV e LXI do Art. 5º, que trata sobre o processo de defesa ao direito e dignidade humana: 58 Art. 5º. LIV- ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes; LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrito e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, 1988). Percebo uma mudança nos discursos e uma busca de melhorias na questão de crianças e adolescentes. Saiu a ideia da criança e do adolescente como objeto judicial e tutelado pelo Estado (visão do Código de Menores) e entrou a visão de pessoas como sujeitos de direitos sociais preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Após a aprovação da Constituição, substituiu-se progressivamente o Código de Menores e passou-se a procurar uma política de atendimento que pudesse regulamentar o artigo citado. Isso aconteceu com a promulgação da Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – uma forma diferenciada de tratar os assistidos pela antiga PNBEM. Nesse aspecto, o ECA representa uma mudança no tratamento de crianças e adolescentes, que são vistas como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento social sendo um marco divisório na sua forma de atuação. Afirma o Estatuto, Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, 2000). O intuito dessa nova lei é a ampliação da responsabilidade no que tange aos diversos atores sociais, indo além das visões de períodos históricos anteriores, que legitimavam o problema das crianças e dos adolescentes infratores, relacionando as suas personalidades a algo derivado de uma deformação. Mediante o que expus, toda a discussão se volta para a explicação da atuação dos profissionais na área social, no tempo passado da intervenção judiciária, que se fundou em atos disciplinadores e de controle social com aspectos voltados para as intervenções nas famílias das camadas mais pobres, cujo objetivo era evitar a desarmonia social, fruto das teorias positivistas do período. Para tanto, a base de intervenção aos infratores constituía-se em estudos e observações de seu passado, assim como de sua família, na busca de justificativas que fossem responsáveis pela mudança da estrutura familiar. 59 2.2 A atuação dos profissionais anos de 2006 a 2012: O Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo Na contemporaneidade, houve muitas mudanças nas políticas de atendimento às crianças e aos adolescentes, a partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Essas políticas foram embasadas na proteção integral e no desenvolvimento peculiar de pessoa em desenvolvimento. Tais sistemas foram criados para sanar o passado correcional, violento e controlador. Nesse ponto, discuto sobre a parte do atendimento socioeducativo proposto pela legislação em vigor, em parceria com seu mais novo aliado, o SINASE (antes, uma proposta para orientar e regulamentar; nos dias atuais, transformou-se na lei 12.590/2012, que além de regulamentar, propõe diretrizes, objetivos, entre outros pontos), interagindo, assim, com o trabalho que é realizado pelos trabalhadores do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo que se encontram orientados sob a égide dessa Lei. Ao iniciar esta discussão, saliento que o atendimento socioeducativo proposto e recomendado pelo SINASE é fundamentado na contribuição à formação de adolescentes e jovens em conflito com a lei, para que venham a se tornar “um cidadão autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais” (BRASIL, 2006, p. 46). As recomendações advindas dessa legislação encontram-se sob os eixos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê, no seu capítulo IV, que o órgão executor (no caso do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo) deve: Promover socialmente o adolescente e sua família, orientando-lhes e inserindo-lhes em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; realizar o acompanhamento escolar do adolescente, no que diz respeito à frequência e aproveitamento; direcionar o adolescente, a partir de suas potencialidades e aptidões, no sentido da profissionalização e inserção no mercado de trabalho (BRASIL, 1990). Ressaltam-se, ainda, os requisitos formais das medidas advindos do Juizado da 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, que também é parceira no acompanhamento dos socioeducandos. Esta entidade jurídica faz as devidas recomendações, da seguinte forma: “comparecer aos atendimentos marcados; recolher-se à sua residência até às 22 horas todos os 60 dias; matricular-se na rede de ensino formal, bem como frequentar a escola; não reincidir na prática de atos infracionais 18”. O Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, do ponto de vista institucional, tem como objetivo primordial a realização de atendimento socioeducativo de jovens e adolescentes submetidos ao cumprimento de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade no município de Fortaleza. Esse atendimento realiza-se por meio de um acompanhamento em que o socioeducando perceba a si mesmo como sujeito de direitos e deveres. Além disso, procura possibilitar a esses jovens a construção de um projeto de vida autônomo e articulado à família e à comunidade, de forma a não reincidir na prática de atos infracionais. Nessa perspectiva, o Programa em questão é responsável pelo atendimento de adolescentes e jovens de 12 a 21 anos, sentenciados com as medidas socioeducativas citadas no primeiro capítulo. Do ponto de vista de minha trajetória profissional, observei que, quando um projeto ou um programa é criado para atingir determinado público, principalmente em instituições sociais, é necessária, em suas respectivas formatações normativas, a criação de princípios cuja intenção seja nortear as práticas e atividades dos profissionais para o atendimento desse público. Dessa forma, o Programa em questão não escapa dessa realidade, que também possui princípios baseados em nove pontos que são descritos brevemente, a seguir. O primeiro se relaciona ao aspecto do Aprendizado Constante e isso significa que o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo trabalha baseado no princípio do Estatuto da Criança e Adolescente, no que tange à Condição Peculiar de Desenvolvimento dos jovens e adolescentes que estão sempre em processo de aprendizagem. Em relação aos profissionais que trabalham com esse público, a função desse processo é procurar provocá-los através da reflexão acerca da prática do ato infracional. No cotidiano profissional isso se apresenta nos atendimentos individuais ou grupais, realizados com os socioeducandos. Durante a observação direta dos atendimentos, percebi que os profissionais estão 18 Dados retirados do cartão de identificação dos adolescentes quando são atendidos pela Liberdade Assistida do Judiciário e são encaminhados para comparecem aos Núcleos Municipais de Liberdade Assistida no dia marcado de sua acolhida. 61 atentos à própria postura, no que se relaciona ao respeito ao adolescente, bem como à receptividade de forma educada e amistosa. Além disso, eles procuram não o ver de forma negativa, como um ser ‘perigoso’, daí porque não utilizam de atitudes moralistas. Pelo contrário, nota-se, nas entrevistas, o esforço de perceber nesse socioeducando uma possibilidade de mudanças de paradigmas no que se refere à sua inclusão social. Isso é ilustrado pela seguinte entrevista de um profissional: [...] cada adolescente é um ser individual, esse atendimento personalizado, é muito importante que eles possuam essa individualidade; no nosso trabalho a gente já trabalha com isso. Eles têm muita potencialidade, se você trabalhar em cima disso, ele vai se tornando uma pessoa diferente do era antes, vendo as coisas de uma perspectiva diferente, isso começa a mudança na vida deles. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 18/07/2012). O segundo princípio aborda a questão da Contrapedagogia, segundo a qual não se pode ignorar o conhecimento de mundo que o socioeducando traz, ao chegar ao Programa em referência. No caso dos adolescentes em conflito com a lei, a função desse princípio, antes de ser pedagógica necessária, trabalha no sentido de desconstruir muitas concepções negativas que o adolescente traz consigo. Um exemplo disso é: ‘o poder da arma’, ‘pertencer a uma gangue’, entre outros. Em relação aos atendimentos aos adolescentes, os entrevistados abordam esse princípio como uma maneira de desmistificar muitas dessas atitudes citadas e transformá-las em algo positivo. Nesse particular, apresento a fala de um dos entrevistados: [...] eu senti uma pessoa muito fria, sabe, e ele realmente fez com que a gente sentisse, mas no próprio instante que comecei a conversar com ele, eu senti que ele faltava uma conversa, um diálogo, sabe, ele dizia que não tinha amor à vida, não gostava de natal, de aniversário, de nada assim, que representasse alguma coisa assim, tinha ódio, dava vontade de matar as pessoas asfixiadas, dava vontade de esganar, então a partir dali, eu comecei a conversar com ele, e mudou totalmente, ele voltou a estudar, ele se matriculou na escola, ele veio me mostrar que tava estudando, ele começou a seguir uma religião evangélica, estava participando de grupos [...] (Profissional 3, entrevista realizada no dia 17/07/2012). O terceiro princípio refere-se à horizontalidade, que é definida como uma prática que permite ao adolescente se sentir como sujeito de direitos, exigindo que as relações dentro do Programa ocorram de maneira horizontal, ou seja, que o adolescente, além de ser ouvido, possa também se expressar. Na experiência profissional dos Núcleos, quando se realiza atendimentos grupais e individuais, observei que os profissionais estavam atentos ao que eles comentavam, criticavam, ou seja, quando dão opiniões positivas ou negativas sobre como se pode melhorar os 62 atendimentos. Esse comportamento reflexivo dos socioeducandos é muito gratificante, pois se confirma a prática deste princípio. O quarto princípio aborda a Humanização do Atendimento, significando que os profissionais do Programa ficam atentos à percepção de que existe um ser humano por trás do ato infracional, que eles reconheçam o socioeducando, não como objeto, mas como um sujeito que possui desejos, sonhos, angústias, necessidades, limites, potencialidades. Dessa forma, esses anseios e essas necessidades só poderão ser alcançados por meio de um atendimento diferenciado. Percebo a concretização desse princípio no depoimento de um entrevistado: [...] então tô bem agora, não tô usando mais droga e que foi uma decisão dele parar, olha agora tô fazendo estágio, tô gostando, acho que vou ser contratado, e outro que já terminou o estágio e conseguiu trabalho e está feliz, quando eles ligam para dizer isso e que eles vêm aqui dizer isso acho que não tem dinheiro no mundo que pague, porque você vê o brilho nos olhos deles. (Profissional 4, entrevista realizada no dia 18/07/2012). O quinto princípio refere-se ao uso do diálogo, que trabalha com a questão de que a comunicação acontece e o diálogo se estabelece entre o profissional e o socioeducando, com a finalidade de se criar um canal comum que permita a mútua compreensão. Esse princípio salienta que a medida possui um sentido para o adolescente, pois a reflexão a ser feita sobre o ato infracional se fundamenta em valores do universo do adolescente. O adolescente e o adulto (profissional) estão em fases diferentes da vida e perceber no que isso implica é fundamental para um trabalho em que os dois estejam em contato. O sexto princípio se fundamenta no respeito à singularidade, ou seja, significa a necessidade de cada socioeducando ser respeitado dentro de sua individualidade, reconhecendo sempre no atendimento socioeducativo as suas potencialidades, as suas limitações e os seus temperamentos. Entendo, assim, que cada um é diferente do outro. Isso se concretiza no acompanhamento que acontece de forma diferenciada, partindo das necessidades do socioeducando, dos seus interesses e de suas habilidades. Isso é percebido em dois pontos: no acompanhamento aos socioeducandos e nas formas de encaminhamento para a rede de garantia de direitos a eles. A execução deste princípio foi avaliada nas observações no campo no momento das entrevistas, mostrando que as equipes de atendimento observam a questão do cuidado em 63 perceber as habilidades, as potencialidades, os limites, de acordo com o perfil de cada adolescente, durante os atendimentos individuais e grupais, assim como nos encaminhamentos para a rede socioassistencial, quando esta, de fato, se efetiva em alguns momentos, mesmo não abarcando toda a demanda acompanhada pelas medidas de LA e PSC. O sétimo princípio aborda a ‘não discriminação’ que remete, diretamente, ao princípio da isonomia. Esse princípio trata sobre a vedação de tratamento discriminatório e vexatório em relação ao ato infracional, credo, etnia, orientação sexual, modo de vestir, ideologia, deficiência e qualquer outra particularidade, respeitando-o como sujeito de direito. Esse princípio acontece dentro dos Núcleos locais de MSEs como aponta o seguinte entrevistado: “[...] ninguém nasce errado, ninguém nasce ruim, são as pessoas que seguem os caminhos e ela pode modificar de cima a abaixo” (Assistente Social, entrevista realizada no dia 17/07/12). Mesmo que os profissionais sigam o princípio da não discriminação, a sociedade, de certo modo e infelizmente, ainda discrimina e exclui socialmente os advindos de medidas socioeducativas em meio aberto. Percebo isso no depoimento de um entrevistado, que relata a dificuldade das escolas em aceitarem adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Na visão do entrevistado, o ambiente escolar, que deveria ser um local de inclusão social, acaba por excluí-los através de atitudes negativas representadas pelo medo, pela falta de acreditação na mudança de atitudes, perseguições na escola, entre outros aspectos. [...] então, no momento que eles têm ciência de que esse menino cumpre uma medida já passam a tratar o menino de maneira diferenciada, já têm preconceito, que não deveria ser o local... Acho que deveria ser o primeiro local que não deveria ter preconceito era a escola, e hoje infelizmente tem... Boa parte desses meninos saem da escola porque foi maltratado por um professor, porque foi um diretor, alguém que marcou de forma bem negativa, sempre tem históricos bem negativos, e ele não se sente mais motivado a voltar a escola. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 18/07/2012). O oitavo princípio refere-se à Proteção Integral, que se encontra preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 3º, quando aborda que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Quando este princípio se relaciona ao acompanhamento socioeducativo, há o intuito de atravessar as paredes dos núcleos de atendimento, acionando a rede do Sistema de Garantias de Direitos, com a finalidade de corresponsabilizar a família e demais políticas públicas nesse processo. Em relação à corresponsabilidade da família, percebo que esta é pouco responsabilizada e que as medidas 64 socioeducativas são vistas por alguns membros da família, em especial os pais, como uma ‘tábua de salvação’, segundo informa a maioria dos profissionais. A família é alvo de muitas queixas por partes destes: Elas vêm achando que a gente é solução dos problemas dos filhos dela, que eles chegando aqui, eles vão parar de usar drogas, que aqui obramos milagres, né, na verdade não é isso, a gente tem que ter a ajuda deles (familiares), né, sozinhos não conseguimos nada (Assessora Comunitária, entrevista 17/07/2012). O nono princípio se relaciona aos Adolescentes Sujeitos de Direitos. Ressalta-se que o cometimento do ato infracional, por um adolescente, acarretará o cumprimento de medida socioeducativa como preconiza o ECA, resultado de uma responsabilização pelos seus atos, mas que, ao mesmo tempo, é necessário o reconhecimento dele como sujeito de direitos e de deveres. O entendimento desse processo pode ocorrer ao procurar garantir o acesso dos adolescentes aos direitos que anteriormente foram negados. Nesse ponto, são claramente observáveis algumas falhas no atendimento, principalmente, em relação à rede socioassistencial, visto que, quando o socioeducando é encaminhado para esta, percebo que os projetos dessa rede (cursos profissionalizantes, escola, tratamento de drogadição e outros) não abarcam toda a demanda e que poucos atingem os perfis exigidos por esta rede. Nesse sentido, muitos adolescentes atendidos pelo Programa não são recebidos, ou até mesmo são discriminados, o que é um fator de desistência nos encaminhamentos e uma violação de seus direitos. Abramo (1997) relata que o adolescente sempre foi visto no campo histórico, como ameaça à sociedade. Essa autora comenta que grande parte dos projetos que trabalham com essa demanda tem foco voltado para o enfrentamento dos problemas sociais que atingem a adolescência e que acabam por mostrar o jovem como problema em si, que necessita de intervenção para promover a sua reintegração à ordem social. Nessa perspectiva, essa prática intervencionista tem como objetivo a desconstrução de todas as considerações válidas de que o adolescente deve ser percebido como membro de um grupo, em relação ao seu modo característico, tendo expectativas e demandas específicas. Esses nove princípios fazem parte dos documentos institucionais que foram pesquisados por mim, na realização de visita à Coordenação do Programa. Perguntei ao coordenador se os profissionais tinham acesso a esse documento e, segundo informação dele, esse documento não foi disponibilizado para a leitura e compreensão dos profissionais, em virtude de 65 estar em processo de aprovação por parte dos gestores da Secretaria de Direitos Humanos. Ressalto que indaguei aos profissionais se eles tinham conhecimento de que seus trabalhos eram pautados por princípios, ao que a maioria respondeu que se encontram pautados nos princípios que regem o SINASE (citado em outro capítulo) e desconhecem a existência dos princípios do Programa, sendo um fator agravante, pois a existências deles é suma importância no acompanhamento dos socioeducandos. Percebo, pelos estudos realizados na interpretação dos princípios e a partir das falas dos entrevistados, que são colocadas como exemplo do que é praticado dentro do Programa, que os profissionais se encontram em dificuldades em colocar em prática todos os princípios, o que decorre da falta de sensibilização dos gestores que executam o Programa de Medidas em Meio Aberto. Para que ocorra essa mudança, é necessário que se criem instituições que não discriminem, de forma nenhuma, os socioeducandos, passando por condições estruturais físicas adequadas para efetivação da boa qualidade do atendimento, para que o adolescente em acompanhamento se sinta respeitado, ouvido, dentre outros aspectos. Até o ano de 2012, o Programa atendeu a 1.898 (mil oitocentos e noventa) adolescentes que foram acompanhados por 71 (setenta e um) profissionais. Esses profissionais encontram-se inseridos e distribuídos nos Núcleos de Liberdade Assistida Municipalizada das regionais administrativas de Fortaleza I, II, III, V, e VI, na Prestação de Serviços à Comunidade Municipalizada e na Coordenação do Programa em questão. Estes dados advêm da fonte de pesquisa do instrumental de coleta de dados estatísticos do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo. Ressalto que foram levados em consideração os dados referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2012. Procurei saber como os profissionais realizam o acompanhamento de jovens e adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa em meio aberto pelo Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo. Antes de responder a esse questionamento, é necessário esclarecer que as duas medidas socioeducativas em meio aberto – LA e PSC - que são norteadas pelos mesmos princípios do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, mas devido às especificidades de cada medida, existem algumas diferenças naquilo que é executado numa e noutra. Nesse sentido, procuro explicar o que elas têm em comum, pontuando, se necessário, naquilo que se diferenciam. 66 Respondendo ao questionamento apresentado anteriormente, primeiro, descrevo a trajetória institucional do adolescente, os passos de seu atendimento e, posteriormente, analiso como os profissionais elaboram e pensam essas etapas. O adolescente, ao ser sentenciado a cumprir a Liberdade Assistida e/ou Prestação de Serviço à Comunidade pela 5ª Vara da JIJ, é encaminhado para o apoio técnico das equipes da Liberdade Assistida do Juizado (LAJ) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSCJ). Além disso, realiza um apanhado processual e social através de seu instrumental e, em seguida, é repassada sua cópia para as LAMs e PSCM. Posteriormente, é marcado o dia do 1º encontro, que é chamado de Acolhida. O jovem em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, ao ser encaminhado para as LAMs e PSCM, passará a ter um acompanhamento formal por meio das seguintes atividades: acolhida (de admissão e readmissão), atendimentos individuais, atendimento em grupos, visitas domiciliares, visitas institucionais, acompanhamento escolar e encaminhamento para a rede de garantia de direitos socioassistenciais. As acolhidas são momentos de interação em que há a escuta e os esclarecimentos acerca da medida socioeducativa em meio aberto. Nesse aspecto, participam os profissionais do Programa, os socioeducandos e seus responsáveis, dos quais são divididos em dois grupos. Existem dois tipos de acolhidas para os socioeducandos e responsáveis: a acolhida de admissão e a acolhida de readmissão. A primeira é direcionada para aqueles que foram sentenciados, pela primeira vez, na medida de Prestação de Serviço à Comunidade e Liberdade Assistida. A segunda, por sua vez, é para aqueles que estão retornando à medida socioeducativa (esse evento não ocorre na PSCM; apenas nas LAMs). Ressalto que, nesses dois eventos, é construído e firmado o Contrato do Plano Individual de Atendimento do jovem e adolescente acompanhado por essas medidas. O objetivo desse contrato é responsabilizar e levar o adolescente à reflexão acerca do ato infracional, assim como corresponsabilizar seus familiares e responsáveis e traçar metas para o correto cumprimento das medidas ora em questão. As acolhidas são consideradas, pela maioria dos profissionais, como um momento prazeroso e de troca de conhecimentos entre adolescentes, familiares e as equipes técnicas. Entretanto, essas reuniões ocorrem de maneira improvisada. Segundo minhas observações, não existem salas apropriadas para o evento, sendo 67 isso motivo de muitas queixas por parte da equipe profissional e dos jovens atendidos. Vale ressaltar que já houve momentos em que se recorreram às instâncias superiores dentro da Secretaria de Direitos Humanos via, coordenação do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, para que fossem sanadas essas dificuldades, mas nada foi resolvido durante esses seis anos de execução do Programa em questão. Analisando os resultados deste Programa, percebo, portanto, estruturas deficitárias, não apenas nos eventos das acolhidas, mas em todas as atividades ocorridas nas LAMs e PSC, bem como nos atendimentos individuais, na realização dos grupos e outras ações. [...] o espaço físico é isso, é muito ruim, e também eu acho, que a gente como profissionais não temos muito autonomia, acabamos por nos conformar com isso, apesar de reclamarmos sempre à coordenação, e então a gente precisa se virar para que o acompanhamento com os adolescentes aconteça. (Assistente Social, entrevista realizada no dia 17/07/12). Após a acolhida, os socioeducandos e os responsáveis são encaminhados para a série de atendimentos individuais19. Nesses, objetivam-se atender a esse público, por meio das equipes técnicas do Programa (psicologia, pedagogia, serviço social e a assessoria jurídica). O adolescente é atendido individualmente por cada uma das categorias, configurando-se como um espaço de escuta e intervenção sociopedagógica. A partir do primeiro atendimento, inicia-se a construção do Plano Individual de Atendimento (PIA), cuja função é planejar, junto com o adolescente acompanhado pelas medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade, definindo a forma como acontecerá seu acompanhamento durante os seis meses de medida, ou seja, como ele cumprirá, de maneira correta, o que objetivam as duas medidas em relação: a escolarização, a retirada de documentos, a profissionalização, a saúde e outras atividades. Isso é representado através de um instrumental em forma de contrato em que constam prazos para que os objetivos citados acima sejam cumpridos no período de seis meses. Após o 19 A principal função desse instrumental é garantir o registro do atendimento, de forma a possibilitar o acesso das outras categorias ao que foi apreendido, assim como trabalhar temas que vão auxiliar no acompanhamento e que direcionamentos a equipe irá tomar em relação aos jovens e adolescentes dessas medidas (LAM e PSCM): as relações familiares e afetivas; perspectivas futuras relacionadas a sonhos, projetos, risco de morte, profissionalização, dentre outras; o uso de substâncias entorpecentes; as relações de amizades; questões relacionadas à violência; e demais demandas apresentadas pelo socioeducando. Ressalte-se que os atendimentos individuais são marcados quinzenalmente, totalizando o período de 4 meses, e em seguida, esses são encaminhados para os atendimentos grupais, perfazendo 2 meses restantes, finalizando os seis meses de medida de LA e/ ou PSC. 68 preenchimento, o contrato é assinado pelo adolescente e por seu familiar e é cedida uma cópia para cada um eles. Durante cada atendimento, esse adolescente, junto com os profissionais, conversam sobre o que foi estabelecido e o que realmente está sendo cumprindo dentro desse contrato. A elaboração desse contrato está acontecendo de forma gradativa, pelo fato ser um instrumental recente. Na observação em campo, vi que a maioria dos profissionais não tem o entendimento correto e tem dúvidas em relação à função desse instrumental, assim como, não ocorre a sua padronização de preenchimento nos Núcleos de LAMs e PSCM. Esses procedimentos são feitos de diversas maneiras. Durante a instauração desse instrumental não houve nenhuma capacitação informativa, portanto os profissionais o encaram da seguinte maneira: A Coordenação só sabe exigir que a gente faça esse instrumental porque a lei do SINASE entrou em vigor, e vai ser uma exigência do Juizado, e etc e tal, mas para que isso ocorra, seria interessante ela nos dar uma capacitação para adaptarmos a essa nova mudança a partir dessa lei, isso aconteceu uma vez e eu não entendi corretamente, então eu preencho esse instrumental de acordo com o meu entendimento acerca do que é medida socioeducativa (Psicólogo, entrevista realizada no dia 06/08/2012). O que percebo é que há um distanciamento entre Coordenação e os Núcleos de L.A e PSC. Isso reflete no depoimento anteriormente apresentado, no qual se visualiza o conflito existente na maneira em que são repassadas as informações. Observo que não há discussão sobre a aprovação pelos profissionais da forma em que esse instrumental está sendo conduzido, percebendo-se, de fato, a existência de uma ordem que vem de ‘cima para baixo’ e que deve ser cumprida sem questionamentos, dificultando o trabalho dos profissionais, pois o correto conhecimento desse instrumento é importante, para informar sobre os direcionamentos que devem ser mais apontados no acompanhamento socioeducativo do adolescente. Em relação à medida de Prestação de Serviços à Comunidade Municipalizada, os atendimentos individuais têm papel secundário no processo de responsabilização. A função desses é fazer um levantamento de individualidades do socioeducandos, para direcionar a escolha da atividade a ser desenvolvida no cumprimento da Medida. Além disso, atribui-se aos profissionais responsáveis pelos atendimentos o dever de identificar as demandas específicas e de garantia de direitos. Os adolescentes são acompanhados por visitas institucionais aos locais onde foram encaminhados para cumprir tal medida. 69 Depois de ter passado pelos atendimentos individuais, os socioeducandos são encaminhados para os atendimentos grupais que também são executados pelas equipes técnicas do Programa em questão, já citados em parágrafo anterior. É um momento em que são discutidas temáticas pertinentes aos eixos da educação, saúde, cidadania. Observei, durante a pesquisa, que as salas de atendimento dos Núcleos pesquisados não são adequadas no que diz respeito ao sigilo, à acústica, à adequação do ambiente (algumas salas não têm ar condicionado e sim ventilador). Esse problema estrutural torna, em alguns momentos, o ambiente de trabalho muito quente, desconfortável, dificultando e até impossibilitando o atendimento necessário. O mofo, presente nas dependências desses Núcleos, muitas vezes, causa o desconforto e o aparecimento de patologias, tanto nos profissionais quanto naqueles adolescentes que são alérgicos, entre outros aspectos. O seguinte trecho de uma entrevista demonstra essa questão: [...] a estrutura física deficitária e a quantidade insuficiente de profissionais; tem núcleos que tem uma quantidade dobrada de adolescentes e com a mesma quantidade de profissionais do início do projeto, se a quantidade de profissionais para atender os adolescentes, é insuficiente, o resultado é insatisfatório. Não é por falta de vontade, mas a estrutura física que não dá espaço para isso. É pouco profissional para muito trabalho. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). No eixo de educação, propõe-se a discussão do tema da escolarização, que é realizada pelos profissionais da Pedagogia. No eixo de saúde, contemplam-se temas como: uso prejudicial de álcool e outras substâncias entorpecentes, saúde sexual e reprodutiva, e temáticas relacionadas aos aspectos subjetivos da adolescência. Essas temáticas são debatidas pelos profissionais da Psicologia. No eixo de cidadania, incluem-se temas como: ética e cidadania, profissionalização, prevenção ao ciclo de violência e convivência familiar e comunitária, sendo que as duas primeiras temáticas são feitas pelos profissionais do Serviço Social e as duas últimas, pelos profissionais da área Jurídica. No que se refere às atividades grupais, observei, nesta pesquisa, que nem todos os núcleos encontram-se seguindo esses parâmetros, pois os Núcleos de Liberdade Assistida20 não têm estrutura física para esse tipo de evento. O atendimento grupal, quando realizado, ocorre nas 20 Um exemplo disso acontece no Núcleo III; quando ocorrem atendimentos grupais pede-se emprestada outras salas do Centro de Cidadania César Cals, local onde o núcleo funciona. 70 salas de atendimento ou em salas emprestadas que existem dentro dos órgãos, onde funcionam os respectivos Núcleos. Outras atividades que ocorrem em paralelo, juntamente com os atendimentos são as Visitas Domiciliares e as Visitas Institucionais. A primeira atividade relaciona-se às visitas feitas às residências dos socioeducandos. Esta atividade é realizada durante o período de acompanhamento da Medida, com o objetivo de compreender a realidade em que o socioeducando está inserido na comunidade onde vive, assim como oferecer orientação à família acerca de demandas identificadas durante os atendimentos individuais e grupais. Esse acompanhamento é realizado por uma dupla de profissionais, sendo composta por um técnico e um assessor comunitário. São visitas consideradas arriscadas, pois não se sabe o que vai ser encontrado, pois grande parte dos adolescentes atendidos pelo Programa em questão mora em bairros localizados nas periferias da cidade de Fortaleza. A realidade desses profissionais é sintetizada na fala de um entrevistado: Assim, tem visita que é muito arriscada para a gente. Eu me lembro uma que não vai me sair da memória, a gente chegou a um bairro, não lembro o nome, quando chegamos para visitar, estava tendo um tiroteio, né, era o primeiro dia de trabalho de uma colega nossa, ela ficou apavorada, com os pêis-pêis (barulho da arma), como ela diz (risos). Por isso, quando vamos fazer visitas, temos que ter cuidado, pois nós não recebemos nenhum tipo de auxílio (Assessor Comunitário, entrevista realizada no dia 06/08/12). Além da fala desse profissional, outros profissionais relatam que as visitas são arriscadas, pelo fato de as localidades visitadas serem, muitas vezes, ocupadas por traficantes de drogas que comandam essas áreas, com os quais muitos adolescentes já tiveram envolvimento. Acrescento que os profissionais já foram alvo de ameaças durante o exercício de sua profissão. Tendo em vista tais riscos, não há, sequer, um adicional por periculosidade nos respectivos salários, o que desestimula ainda mais o trabalho, na visão dos profissionais. Acrescento, a essa discussão, os estudos de Abramovay e Castro (2006) que abordam o fenômeno da violência juvenil, justificando que tal fenômeno encontra falta de acesso e colocação do adolescente, principalmente o das camadas populares, em relação à profissionalização, às práticas de lazer e à educação de qualidade, fatores que contribuem para uma formação ética e cultural valorativa, em que a ausência destes pode ocasionar a participação desses em atos de violência. 71 A segunda atividade, as visitas institucionais, se relaciona ao princípio da incompletude institucional. Esse princípio diz que o socioeducando deve ser atendido por uma rede articulada de serviços socioassistenciais. Nessa atividade, são realizadas pactos de parcerias, bem como são feitos os acompanhamentos dos socioeducandos inseridos nas instituições. Quanto às visitas institucionais, na medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade Municipalizada, estas acontecem com o intuito de ampliar a rede de instituições parceiras na execução dessa medida, como também servem para o acompanhamento dos socioeducandos que prestam serviços nessas instituições. Com essa gama de atividades realizadas pelas equipes técnicas das LAMs e PSCM, podem-se incluir, também, as atividades de Encaminhamentos para o Sistema de Garantia de Direitos que são: a escolarização (encaminha-se para escolas das redes municipais e estaduais de ensino em todos os níveis escolares); locais que oferecem cursos de profissionalização (como por exemplo, o Projeto Transformando Vidas, executado pelo Governo do Estado do Ceará e outros), programas de assistência social (Família Cidadã, Cadastro único, CREAS e CRAS, Instituto de Identificação, entre outros); auxílio comunitário (Defensoria Pública, Mediação Comunitária, Programas de apoio à pessoas ameaçadas de morte e outros); no campo da saúde (Postos de Saúde, Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) – Geral e Álcool e Drogas (AD), entre outras instituições às quais as equipes técnicas direcionam os socioeducandos. No decorrer desta análise, cito algumas diferenças entre trabalho realizado nas LAMs e na PSC e acrescento mais uma: nas LAMs, as atividades e atendimentos ocorrem dentro dos respectivos núcleos de atendimento; na PSC, os socioeducandos são encaminhados a cumprir a medida em alguma instituição sem fins lucrativos numa jornada máxima de 8 horas semanais (que corresponde a 2 vezes na semana, em dias alternados, e com duração de 4 horas), cujo objetivo é proporcionar a expressão de interesses e desenvolvimento de habilidades, que podem estar relacionados a atribuições administrativas (digitação, protocolação de documentos, entre outros) até passando por atividades de cunho esportivo (futebol, capoeira, dança e outras) e artístico (teatro, música e outras); O intuito deste trabalho é o alcance do reconhecimento e valorização pela comunidade em que os adolescentes estão sendo engajados pelo trabalho desenvolvido. Um 72 profissional da Prestação de Serviços à Comunidade relatou, durante entrevista, que há esse reconhecimento por meio de parceiros para onde os adolescentes são encaminhados, viabilizado, por exemplo, através da contratação de alguns destes como funcionários nos próprios locais onde cumpriram a medida de PSC. Ao final de seis meses, o socioeducando passa por uma avaliação de seu acompanhamento e o instrumental que se encaixa nessa atividade são os relatórios, cuja função é a comunicação do Programa com o Poder Judiciário. Esses instrumentos são importantes para justificar a sugestão da equipe quanto à liberação ou permanência do socioeducando na medida socioeducativa, podendo ocorrer sua regressão para uma medida mais gravosa (internaçãosanção). Essa comunicação também ocorre com esteio de relatórios circunstanciais, de acompanhamento semestral e ofícios relacionados a informações, tais como: mudança de comarca, óbito, liberação compulsória21 e processo criminal22. A função dos relatórios é sugerir um parecer sobre o processo socioeducativo do adolescente, ou jovem, no sentido de subsidiar uma decisão adequada pelo juiz. O primeiro deles se refere ao relatório circunstancial sendo visto como um relatório que pode ser encaminhado a qualquer momento no decorrer dos seis meses de medida, nas seguintes situações: privação de liberdade, paradeiro desconhecido, não possibilidade de cumprimento da medida socioeducativa e descumprimento desta. O relatório de acompanhamento, conhecido como relatório semestral, é realizado quando o adolescente completa o período de seis meses de medida socioeducativa de LA e/ou PSC; sendo que nestes, a equipe sugere o parecer acerca da continuidade (isso acontece quando há um retrocesso no comportamento do socioeducando) ou não continuidade do adolescente na medida (isso acontece quando há um progresso no comportamento deste) – que correspondem à permanência ou liberação nas Medidas supracitadas, podendo, ou não, o juiz o acatar. 21 Liberação compulsória refere-se ao relatório elaborado com o intuito de liberar o socioeducando quando ocorrem as seguintes situações: o jovem atinge a idade dos 21 anos, e quando o processo atinge mais de três anos, período máximo de permanência nas medidas socioeducativas tanto em meio aberto quanto fechado. 22 Relatório de processo penal é efetuado quando o jovem encontra-se preso como maior de idade, que corresponde aos 18 anos. 73 Os relatórios (ou pareceres sociais), na visão dos profissionais do Programa, são avaliados como uma ‘grande responsabilidade’, ou seja, avaliam-se todos os acontecimentos bons e ruins na trajetória do adolescente acompanhado pela Liberdade Assistida e/ou Prestação de Serviços à Comunidade. Trata-se da decisão de qual destino será traçado para o adolescente, sendo de âmbito positivo – no que se refere ao relatório de liberação, ou negativo – no que objetiva o retorno às duas medidas supracitadas ou para uma medida mais grave – a internação em Centros Educacionais. O Programa em questão, em virtude das dificuldades que possui, preza pela qualidade dos relatórios e pelo cuidado na escrita, para que não ocorram erros de interpretação, o que é percebido na palavra de um profissional entrevistado: Nisso, a gente faz estudo de caso, juntamos e conversamos sobre aquele adolescente, sobre as várias áreas da vida dele, até para se chegar a uma conclusão no caso de um relatório ou num caso de direcionamento. (Assistente Social, entrevista realizada no dia 06/08/2012). Apesar de serem avaliados como ‘uma grande responsabilidade’, percebi, nas entrevistas realizadas com os profissionais, queixas relativas aos procedimentos do Juizado da 5ª Vara da Infância e da Juventude, em relação às respostas dadas aos relatórios emitidos pelas equipes técnicas dos Núcleos LAMs e PSC. Isso é demonstrado em algumas situações realizadas por esse órgão como: se há um pedido de relatório de permanência para um adolescente com a idade de 18 anos que não cumpriu corretamente a Medida de L.A, por exemplo, em vez de ele retornar à medida, para um processo de readmissão, ocorre o contrário, seu processo é arquivado motivado pela sua maioridade23. Outra reclamação muito citada é a falta de comunicação entre as Varas do Juizado da Infância e da Juventude, não informando que o adolescente responde a outros processos em outras varas desse juízo. Isso também acontece nos casos em que este adolescente se encontra 23 Desde o final do ano de 2011 para 2012, por determinação do Juizado da 5ª Vara da Infância e da Juventude da cidade de Fortaleza, os adolescentes que estejam completando 18 anos durante o cumprimento das medida socioeducativas em meios abertos e fechados, seus processos estam passando por avaliações e em alguns casos arquivados, em virtude do Juiz da referida Vara, ter o entendimento de que ao se tornar maior de idade este é responsável pela consequências de seus atos sejam eles bons ou ruins, ou seja, esse passa responder penalmente como uma pessoa adulta. Há uma polêmica em torno desse posicionamento, muitos profissionais do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo não concordam essa atitude, e sim, deve visto cada caso. De acordo com o ECA, a idade de permanência, caso o adolescente tenha cometido um ato infracional antes de se tornar maior de idade, consta entre 18 a 21 anos incompletos. (Dados cedidos pelo Coordenador do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo durante uma reunião ocorrida no Núcleo III no mês de maio de 2012). 74 cumprindo Medida de internação em algum Centro Educacional. Somente se obtêm informações sobre isso, através de visitas domiciliares ou contatos telefônicos com os familiares. Quando o socioeducando não justifica a ausência aos atendimentos, o que gera uma indignação nos entrevistados, os profissionais são obrigados a emitirem um relatório constando esse dado. O detalhe disso é que o Juizado tem, em seu poder, essa informação de forma antecipada, pois é ele quem julga os processos e isso resulta na falta de repasse na comunicação para medidas socioeducativas do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo visto que há outros erros cometidos pela Vara em questão. Por fim, intercalando o que é normativo, no que diz respeito às exigências das atividades a serem desempenhadas pelos profissionais, com o que se observou nas falas e práticas dos atendimentos dos profissionais, percebo como se constroem as representações a respeito do próprio trabalho, sobre como se vê o adolescente, o Programa em questão, a situação dos adolescentes e dos profissionais, enfim sobre os temas levantados. 75 3 OS PROFISSIONAIS E O TRABALHO NA POLÍTICA PÚBLICA ATINGINDO O UNIVERSO DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI – PERCEPÇÕES, LIMITES E POSSIBILIDADES 3.1 O adolescente na contemporaneidade e o envolvimento com o delito Quando se pensa sobre o adolescente, é comum defini-lo com as seguintes características: “aborrecente, desobediente, corajoso por enfrentar regras impostas, independente e outros.” Há várias definições sobre o que é ser adolescente, assim como há vários estudos a seu respeito. A definição que mais se considera adequada é a apresentada por Assis e Constantino (2001) que ressaltam a adolescência como uma fase que não atinge só as mudanças corporais, mas a formação de identidades que visa à construção da personalidade do indivíduo. Trata-se de um ser em mutação, que sofre as influências do mundo que atravessa os muros do contexto familiar. Outro autor que também ressalta o processo da adolescência é Calligaris (2000, p.73), que trabalha com o seguinte conceito: “a adolescência é o ideal coletivo que espreita qualquer cultura que recusa qualquer tradição e idealiza a liberdade, independência, insubordinação,” características típicas da sociedade moderna. Em outras palavras, o autor afirma que a adolescência é um ideal concebido por crianças e adultos. Ao estudar o conceito de adolescência, percebo, portanto, uma representação dessa categoria que vai muito além das definições de contextos biológicos, sendo considerado uma categoria social a fim de preparar as crianças para assumirem os valores dos adultos. Assim, Quanto mais a infância se afasta de um simples consolo estético, quanto mais é encarregada de preparar o futuro [...] tanto mais se prolonga. Isso inevitavelmente força a invenção da adolescência, que é um derivado contemporâneo da infância moderna. (CALLIGARIS, 2000, p. 66-67). Portanto, a adolescência não é algo concebido naturalmente, mas uma categoria social construída a partir de condições culturais. Nesse contexto, o adolescente busca seu reconhecimento na sociedade, na qual já passa a ter que assumir responsabilidades na passagem ao mundo adulto. Nisso, muitos jovens participam de grupos seja de amigos, de estilo, de 76 religião, de gangues e outros, buscando reconhecimento mútuo. Assim, consomem desesperadamente produtos úteis e inúteis, reforçando tanto a visibilidade daquele grupo quanto o seu poder aquisitivo, ou melhor, o dos pais. Com esse comportamento, procuram encontrar o reconhecimento desejado por eles e instigado pela sociedade, uma vez que o grupo tende a seguir os mesmos parâmetros, desejos, valores, gostos, comportamentos, impondo, sem dificuldades, certa conformidade definida de consumo. Para Calligaris (2000.p.57-58), [...] os grupos, nascidos como amparo contra a moratória, imposta pelos adultos [...] são culturalmente exaltados pelo marketing, que tem todo interesse em apresentá-los como coesos, [...] comercializando as senhas de reconhecimento e todos os traços do “look” suscetíveis de circular no mercado. Melucci (1997) trabalha com o conceito de adolescência, no sentido de que, nessa fase, o adolescente inicia seu processo no desenvolvimento de sua autonomia, superando a fase da infância, na caminhada à vida adulta. Assim,“[...] o indivíduo ordena suas escolhas e comportamento, construindo um complexo de pontos de referência para suas ações” (1997, p. 08). Uma comparação do adolescente das sociedades passadas com o adolescente das sociedades dos dias atuais mostra que o primeiro não vislumbrava um futuro pois, a justificativa se aliava a eventos como guerras e epidemias; já para o segundo, o futuro é percebido como representante de maiores possibilidades, visto que ele possui a capacidade de opção por essas possibilidades sociais24. Para alguns autores, no espectro do universo da adolescência, engloba-se o conceito de juventude e, na busca por uma definição acerca desta categoria, aporta-se na ideia clássica de juventude, como etapa de transição entre a infância e o sujeito adulto, sobre a qual Glória Diógenes (2007) pontua sua opinião, comentado sobre a ambiguidade que circunda o ser juventude: [...] falar de juventude é praticamente tentar traduzir um lugar de passagem, uma transição, uma indefinição. [...] De algum modo, pode-se afirmar que a juventude projeta, atualmente, uma ambiguidade: ela é identificada como uma solução, o futuro do País (pois está se tornando adulta) e, concomitantemente, representa o foco de maior fragilidade, tensão e conflito no tempo presente (DIÓGENES, 2007, p. 194). 24 No decorrer de sua explanação, entende-se do autor que essas possibilidades sociais consistem na abertura para uma realidade menos “transmitida” e mais “construída”, visando a autorrealização e tendendo a uma variabilidade e reversibilidade de escolha (MELUCCI, 1997). 77 Os estudos sobre as categorias adolescente e juventude, na mesma medida que se complementam, também se diferenciam e se confundem. Isso acontece porque existem legislações que afirmam que há diferença entre essas duas categorias, como por exemplo, o Estatuto da Juventude recentemente aprovado pelo Governo Federal, que ressalta a correspondência da faixa etária de jovens na idade de 18 a 29 anos. Já a delimitação cronológica da ONU afirma que juventude corresponde à idade dos 15 aos 24 anos, que apresenta uma divisão em dois períodos: a adolescência25 e a juventude, propriamente dita. O ECA assevera que a adolescência, como momento específico da vida de um jovem, é uma fase transitória para a vida adulta, onde o sujeito está em formação: “na interpretação dessa Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e adolescente como pessoas em desenvolvimento” (ECA, artigo 6o). Vale ressaltar que os conceitos de adolescência e juventude aqui apresentados procuram subsidiar o entendimento acerca dessas categorias e auxiliar na compreensão do processo histórico da infância e da adolescência brasileiras, que vem sendo discutindo neste trabalho e, principalmente, focar o que se desencadeou no Brasil, a partir da década de 1980, quando crianças e adolescentes tornaram-se alvos de diferenciadas políticas e intervenções. Abramo (1997) mostra que a categoria adolescência, nos anos de 1980, é considerada com aspectos de patologia, no que diz respeito a sua apatia, desembocando em alguns pontos como: o individualismo, o consumismo, o conservadorismo e a indiferença aos assuntos públicos e políticos da época. A visão geral desse período é a de que a adolescência foi caracterizada pelo fato de não ter dado continuidade ao movimento cultural iniciado anteriormente, no período histórico da Ditadura Militar, nas décadas de 1960 e 1070 (anos em que se vivenciou o auge da repressão a todas as formas de expressão - que vai desde o campo político aos aspectos da liberdade individual), sendo receptora de uma herança produzida pela sociedade dessas décadas e não se reconhecendo como um agente de mudança. Em relação aos anos 1990, considerou-se uma geração de poucas mudanças, mas se percebeu uma grande quantidade de adolescentes nas ruas, com atitudes e ações de características 25 O Estatuto da Criança e do Adolescente considera como adolescente aquela pessoa que tem entre doze e dezoito anos de idade (Art.2o, ECA). 78 individuais, repercutindo na violência dos atos envolvidos, além do consumo de drogas e envolvimento com a criminalidade; segundo relato da aludida autora uma das justificativas diante desse quadro acontece em virtude da: [...] a falência das instituições de socialização, da profunda cisão entre integrados e excluídos, de uma cultura que estimula o hedonismo e leva a um extremo individualismo, os jovens aparecem como vítimas e promotores de uma “dissolução do social”. O pânico, aqui, se estrutura em torno da própria possibilidade de uma coesão social qualquer (ABRAMO, 1997, p. 83). Um fator que se destaca nesse período é que a ação desses adolescentes pode ser considerada uma resposta à conjuntura econômica e social em que estavam inseridos; esses, em grande parte, foram e ainda são vítimas até os dias atuais da omissão da família e do abandono do Estado, que os leva também para o campo da violência. As formas de exclusão citadas anteriormente são também ponto de discussão comentadas por Zaluar (1999, p.95), que adiciona mais um fator: a questão da segregação, ao tratar da adolescência em relação à raça/etnia, onde faz a seguinte consideração: “os negros são discriminados por sua aparência (cor, textura do cabelo, formato do nariz, tamanho da boca) e a ela são agregados adjetivos pejorativos, ofensivos e perversos. O branco é reconhecido como modelo”. Ressalto que outra forma de exclusão citada por Zaluar (idem) é a questão territorial, no que se refere à localização da moradia (bairros estruturados e voltados para as camadas pobres, de acordo com o nível econômico da população); no entanto, ao finalizar sua explanação, afirma que o formato mais grave de exclusão é a do campo econômico, que desemboca em outros tipos de exclusão. Na contemporaneidade, o adolescente se vê envolvido em uma lógica de consumo exacerbado, tendo como influência a lógica da massificação repassada pelos meios de comunicação, principalmente a mídia televisiva, que é considerada um meio de maior alcance populacional. O que esse meio promove? Considerada uma forma de alienação, esta promove uma padronização estética na sociedade que vai desde a forma de se vestir até o modo de se posicionar, dentre outros aspectos, traduzindo a realidade vivenciada na atualidade. Toda essa discussão é evidenciada na afirmação de Nunes (2007, p. 57): Estamos, portanto, por um lado, em pleno processo de legitimação de um padrão 79 cultural, e, por outro, o seu rebatimento em um ambiente de desigualdade social econômica. Aqui é importante que se fixe o fato de que se trata de bens cuja valoração é definida coletivamente, de forma ampla e considerados altamente desejáveis. Há, no contato com os meios de comunicação, a generalização de gostos e de padrões estéticos que, ao atingirem populações de desprovidas de recursos, são reelaborados segundo critérios e meios próprios. Nesse contexto, Tejadas (2007, p.227) aponta que, diante desse contexto de invisibilidade dos jovens, o desejo de pertencimento ocorre pela materialização nos atos e atitudes violentas se constituindo um meio de aquisição de visibilidade, sendo “[...] resgate de autopoder do indivíduo e seu exercício sobre outras pessoas, naquele momento”. Diante dessa realidade, a cultura da sociedade moderna é fundada na busca pela autonomia, cabendo a cada indivíduo buscar a própria mobilidade social, mediante a busca por um reconhecimento social. Isso se reflete na procura pelos adolescentes nos objetos consumidos, não como uma maneira de se satisfazer ou pela qualidade de uma determinada mercadoria, mas pela reprodução da imagem que ela representa na tentativa de encobrir o vazio permanente que sentem. A explicação deste comportamento reside na “cultura narcísica” 26 em sintonia com o consumo, pois […] narciso em tempo de globalização é um homem [...] isolado em um deserto societário[...]não é uma ausência de sociabilidade, mas uma nova socialização flexível[...] pois não há mais a necessidade de seguir as prescrições coletivas, uma vezes que o sujeito existe para si próprio (OLIVEIRA, 2001, p. 76). A autora em questão comenta que existem outros fatores que podem estar presentes na vida de um jovem que comete ato infracional27: a violência no ambiente familiar, a violência desencadeada nas comunidades; uso da droga como meio de se refugiar do sofrimento e o jovem ser aceito em um grupo. Além desses fatores, lembro que a criminalidade não atinge, apenas, as classes pobres da sociedade, pois, atualmente, adolescentes de classes médias a ricas, se 26 Destaco aqui, a mudança na construção das individualidades após a transição da sociedade tradicional à moderna. Os sujeitos se tornam preocupados apenas consigo, com a dimensão do eu, de ter para ser, Assim, busca o isolamento tornando-se indiferente ao mundo e aos outros sujeitos sendo facilmente captado pelos apelos consumistas. Em síntese, o narcisista é uma pessoa a alheia aos outros e as emoções, ou seja, o indivíduos da sociedade contemporânea, são facilmente captados, ludibriados pelo desejo capitalista, atendendo sem hesitações aos apelos de consumo constantes. 27 Ato infracional: ação praticada por criança ou adolescente, parecida com ações definidas como crime ou contravenção pena, mas não se caracteriza como delito adulto, pelo aspecto legal da inimputabilidade penal, isto é, crianças e adolescentes não podem responder processos na formatação dos adultos e sim, medidas socioeducativas . 80 envolvem em atos delituosos28. Na visão de Oliveira (op. cit.)., o delito representa para o jovem a possibilidade de inclusão social por meio do consumo, visto que, na sociedade contemporânea, é preciso ter para ser, conforme afirma também os estudos de Baumam (2001). Ou seja, é preciso ter dinheiro, ter roupa da moda, é necessário ser reconhecido socialmente. Por outro lado, para Oliveira (2001) o delito também significa uma busca de autonomia, Mas não se trata de uma autonomia enquanto afirmação da singularidade. Trata-se de uma expressão autônoma onde o objetivo máximo é a realização do eu, a superação de limites, o rompimento com os freios, o trânsito sobre as leis como formas de negar magicamente o desamparo (OLIVEIRA, 2001, p. 103). Todavia, o delito pode estar sendo visto pelos jovens como o meio mais ‘fácil’ e ‘rápido’ de adquirir renda e ter acesso a bens e à estética juvenil globalizada (OLIVEIRA, 2001). Esta condição contrapõe-se, portanto, à maneira considerada legítima de inclusão e mobilidade social: a inserção no trabalho e na escola. A partir disso, percebo uma sociedade contemporânea marcada pelo consumo exagerado. Um autor que retrata bem esta sociedade é Bauman (2001), que trabalha a questão de um mundo que circunda em torno de objetos que são continuamente produzidos para responder a satisfações momentâneas e particulares, sem dimensão de futuro, em um mercado que afirma que é possível e necessário ter e querer tudo, sempre mais, a qualquer preço – e imediatamente. Mediante discussão sobre o mundo volátil, em ter e querer tudo e ser reconhecido por isso, relacionado às representações de mercado e consumo na contemporaneidade, é que muitos jovens buscam atitudes que vão desde práticas legais às ilegais, conforme referido por Telles (2010). A partir disso, um dos atalhos para esse reconhecimento, segundo os estudos de Oliveira (2001), é o delito juvenil, podendo ser considerada uma estratégia de sobrevivência encontrada pelos jovens, moradores das periferias do País, na busca do reconhecimento em um mundo de privações, exclusões e individualismo. Mas o delito não atinge, apenas, as classes de 28 A título de exemplo da inserção dessas classes no cometimento de atos infracionais, o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo atende a adolescentes advindos dessas classes (encontram nas faixas salariais de 3 a 5 salários mínimos – classe média e acima de 5 salários – classe rica , em número reduzido) no qual seus atos infracionais correspondem em grande parte a: sequestros relâmpagos, pichações, furto de pequenos objetos em lojas, uso de drogas, estelionato etc. Esses dados foram extraídos do quadro estatístico que os núcleos de L.A e a PSC enviam mensalmente à coordenação do Programa que datam o ano de 2012. 81 baixa renda, como já explicitado no capítulo I; atinge outras classes sociais de alto poder aquisitivo, não relacionado, portanto a questão da pobreza. Estas questões são importantes quando desvelam a experiência de atendimento ao adolescente em conflito com lei, por mim vivenciada pela autora, ou seja, para os atendimentos, tanto nas LAMs quanto no PSCM. Quando questionados sobre as razões de terem roubado, furtado, ou outro tipo de ato infracional, os profissionais compreendem que os adolescentes buscam a via do delito para responder a essa omissão e satisfazer seus anseios na tentativa de uma possível ascensão social, visto que não veem possibilidade de consegui-la através do trabalho, a partir de que passam a ter uma concepção negativa sobre o trabalho. Recorre-se às palavras de Zaluar (1994, p.18), em cuja ótica, afirma “ser escravo é trabalhar de domingo a domingo por irrisórios salários”. Para Maria de Lourdes Trassi Teixeira (ILANUD, 2006, p. 428), a justificativa da prática do ato infracional, por parte do adolescente, pode ser considerado um dos acontecimentos de sua vida – afirma que isso pode ocorrer no contexto de vivência do adolescente – variáveis essas que se refletem em sua vida pessoal e social, assim como os espaços de convivência, e que a explicação dessas variáveis reside em decorrência da estigmatização, ou seja, por meio desse ato é que permite uma compreensão acerca da sua condição de vítima ou não frente à prática de contravenção à lei. Em resumo, nos anos 2000, as imagens de violência e periculosidade associadas aos jovens, muito difundidas pela mídia sensacionalista, acabam contribuindo para que grande parcela desse segmento populacional seja marginalizada do mercado de trabalho, no ensino formal e no exercício da cidadania atingindo, sobretudo, os jovens pertencentes à classe social de baixo poder aquisitivo, em decorrência da concepção equivocada de que, apenas os pobres praticam violência, ideia que, muitas vezes, é perpetuada pela mídia, sob a ideia do binômio ‘pobreza/ marginalidade’. Tais representações causam vários prejuízos aos jovens e acabam por considerar a juventude como uma etapa de estranhamento social ao invés de ser um momento de integração social. Na perspectiva de se romper com tal estranhamento e no enfrentamento aos problemas 82 associados à juventude, são pensadas as ações e políticas públicas para esse contingente populacional. Todavia, é interessante perceber que esses ‘caminhos’ ou ‘maneiras’ dos adolescentes transitarem na vida, se constituem as manobras do formal e do informal, legal e ilegal, como diz Telles (2010, p. 191): “Não se trata de universos paralelos, muito menos de oposição entre o formal e o informal, legal e ilegal. Na verdade, é nas suas dobras que se circunscrevem jogos de poder, relações de força e campos de disputa”. Esses universos se fazem e refazem, o tempo todo, permeados de relações de poder e, muitas vezes, caminham juntos. Assim como os sistemas formais de inserção no trabalho e na escola, por exemplo, compõem-se de cenários variados, onde os sujeitos vivem e se relacionam em disputas e relações microscópicas de poder (os adolescentes em Liberdade Assistida que vão à escola e fazem cursos profissionalizantes), assim também se configuram sistemas e relações de força nos ambientes da rua, do bairro, das instituições disciplinares e outros, por onde os adolescentes se envolvem em conflitos e delitos, não porque é mais fácil, mas porque vai se instituindo ao lado ou não da vida comumente considerada legal. Os adolescentes transitam, deslocam-se do formal para o informal, do legal para o ilegal e vice-versa, portanto, são campos que se misturam. Para os profissionais, os adolescentes ‘escolhem’ o ilegal devido a alguns fatores que os ‘levam’ ao caminho do delito, mas um dos principais é o afrouxamento dos laços familiares. Vive-se numa sociedade excludente, individualista, com relações precárias de trabalho. Os pais ficam ausentes o dia todo, alguns transitam também nas fronteiras incertas do legal e ilegal, enquanto seus filhos também são expostos a uma realidade que, muitas vezes, é presenciada nos bairros de periferia tais como o tráfico de drogas, a violência contra crianças e adolescentes, a prostituição, a violência doméstica e outros. Outro motivo apontado pelos profissionais diz respeito à rede pública de ensino, cujas escolas, ao invés de promoverem a inclusão social, terminam, muitas vezes, por serem excludentes, não oferecendo qualidade necessária para que os jovens se interessem em permanecer nelas. Outro motivo levantado, ainda, foram as instituições sociais e seus programas de 83 inclusão, que são criadas com base nos preceitos da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que afirma, no seu artigo 1º “[...] garantir o atendimento às necessidades básicas.” Muitos são criados conforme a onda de políticas públicas direcionadas aos pobres, como afirma Abad (2008), que funcionam menos em sua característica de trazer melhoria para a qualidade de vida de seu ‘público-alvo’ e mais no que respeita aos elementos que objetivam investir na própria governabilidade, servindo de ponte para a própria gestão do momento. Por sua vez, os profissionais afirmaram que os investimentos na garantia do atendimento das necessidades básicas não acontecem, pois muitos programas sociais são baseados em perfis de atendimentos próprios da política pública, o que gera aumento na demanda, em detrimento da reduzida quantidade de pessoas que se enquadra nesses programas, excluindo grande parcela do público que necessita de seu acesso. A exclusão, de várias maneiras, reflete no aumento de delitos por parte dos menores que buscam, desenfreadamente, reconhecimento e autonomia. No Estado do Ceará, foram contabilizados, até o final do ano de 2011, 3.384 casos de delitos na Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro29, e até o mês de setembro de 2012, o número de adolescentes atendidos naquela instituição contava com 5057 registros. Mediante essa realidade, percebo que o número de delitos cometidos por adolescentes está aumentando, no Ceará. Assim, a intervenção profissional, neste contexto, muitas vezes atua com ações imediatistas e superficiais nos programas e projetos destinados aos adolescentes, como os apontados neste estudo. São muitas as limitações que contribuem para este tipo de atuação, destacando-se a demanda atendida, que aumenta gradativamente, sendo desproporcional ao número de profissionais que prestam serviços nas LAMs ou na PSC. Dessa maneira, o desempenho profissional desses profissionais fica comprometido ao dar respostas às demandas institucionais imediatas. Ainda observei, também, a escassez nos recursos materiais e na infraestrutura institucional. Uma, dentre as várias dificuldades encontradas, tanto nos núcleos das LAMs quanto 29 A instituição mencionada é responsável por receber os jovens de todos os estados do Ceará que foram apreendidos pela DCA – Delegacia da Criança e do Adolescente, onde os adolescentes ficam detidos por um período de 24 horas até que seja apurado o caso por meio de audiência na 5ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude – J.I.J, dos quais serão julgados de acordo com a gravidade do ato infracional cometido a cumprirem medida socioeducativa em meio aberto ou fechado. 84 na PSCM, diz respeito à infraestrutura do local; faltam salas para realizar trabalho de grupo e até mesmo atendimento individual, ocasionado à interrupção do trabalho constantemente. Também, percebe-se que as instituições empregadoras (as contratações são por via de terceirizações) pouco investem em capacitação para seus funcionários, além destes receberem uma remuneração incompatível com a importância do trabalho desenvolvido. Para melhor clareza da questão acionada pelas percepções dos profissionais, ilustro esta discussão com o seguinte depoimento apresentado: Capacitações, cursos, trabalhar a relação humana, você tem que trabalhar com isso, porque você trabalha com o outro, porque é difícil trabalhar com o ser humano, cada um é um ser diferente, você tem que trazer questões estruturais, até que tivesse o mínimo, uma sala para cada profissional. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). Face ao exposto, questiono: quem são os profissionais que atuam com os adolescentes em conflito com a lei nas LAMs e PSC nessa situação de limite? Que tipos de experiências esses profissionais têm para lidar com as demandas provenientes do atendimento aos adolescentes? 3.2 Limites e possibilidades que se manifestam no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo Os sujeitos desta pesquisa são profissionais que já trabalham no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo na cidade de Fortaleza, por um período de 5 a 6 anos. A pesquisa revelou que, até o ano de 2012, o programa em referência contava com 17 profissionais que se encontravam trabalhando nesse período de tempo. Ressalto que, até janeiro de 2013, foram entrevistados todos profissionais do Programa analisado. A pesquisa contou com roteiro de entrevista que constou de 11 perguntas abertas, que tratavam de questões sobre: o cotidiano profissional englobando experiências marcantes da trajetória profissional dos entrevistados, a legislação do SINASE e sua vinculação com trabalho, vínculos advindos das relações trabalhistas, o trabalho interdisciplinar, relação dos profissionais com os adolescentes e suas respectivas famílias atendidas, a metodologia vigente do Programa de 85 Atendimento Socioeducativo, e a pergunta principal, que permeia o debate desta dissertação e que traz consigo a discussão dos outros pontos citados é: - o que motiva sua permanência no Programa? No que concerne à questão da motivação do profissional, em participar da seleção para trabalhar no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo e qual sua experiência anterior, a maioria dos entrevistados respondeu que já haviam trabalhado na área de acompanhamento de crianças e adolescentes e que se encontravam no Programa pelo fato de desejarem uma nova experiência; algumas passagens ilustram o que foi percebido: O que motivou, é porque tinha antes trabalhado, sempre gostei de trabalhar com criança e adolescente, porque já havia trabalhado, e eu era da Agência de Cidadania, atualmente se chama de Raízes de Cidadania e a gente realizava esse trabalho junto com o Juizado, tipo parceria. Então aquilo ali, me chamou a atenção, eu tinha interesse em trabalhar com aquele público especificamente, foi quando surgiu, aí me chamaram, quando passou a ser municipalizado, passou-se realmente a trabalhar só com aquele público, os adolescentes em conflito com a lei, pois quando era da Raiz, antes antiga Agência de Cidadania, eu trabalhava com o público em geral e a comunidade, assim também o público específico da Liberdade Assistida como parceria (Assistente Social, entrevista realizada no dia 17/07/12). [...] pois nas Raízes já atendia adolescentes que cumpria L.A, e foi na L.A, que me encontrei, pois era diferente o tipo de atendimento, com isso identifiquei e adoro o trabalho que eu faço (Assessora Comunitária, entrevista realizada no dia 06/08/12). Percebo ainda, que, no decorrer das entrevistas, havia profissionais que tiveram outros tipos de experiências de trabalho, como: O que me motivou foi a causa do adolescente infrator. A minha experiência anterior foi trabalhando voluntariamente no resgate de vidas em erro através de um órgão religioso (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). Vinha de uma experiência de 1 ano e 5 meses em um CRAS, a qual já não me oferecia nenhuma motivação profissional. Sentia a necessidade de conhecer uma realidade nova, cuja abordagem pudesse ser mais consistente, segundo minha avaliação (Psicólogo, entrevista realizada no dia 06/08/12). Para maiores esclarecimentos, grande parte dos profissionais entrevistados pertenceu ao Projeto Raízes de Cidadania da Fundação da Família Cidadã (FUNCI) 30 que, no ano de 2007, 30 As Raízes de Cidadania configura-se de uma gestão de ações compartilhadas entre poder público municipal e comunidades, através do intercâmbio de conhecimentos sobre direitos humanos, do fomento à participação popular e da identificação dos potenciais criativos das comunidades. Antes, as Raízes faziam parte da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), mas sempre tiveram vocação para atuar com direitos humanos de forma mais ampla, não se restringindo à temática da infância e adolescência. Atualmente, a coordenação das Raízes é vinculada diretamente ao gabinete da SDH –Secretaria de Direitos Humanos. Elas estão distribuídas em 18 bairros com menor Índice de 86 passou por uma reestruturação quanto à sua metodologia de trabalho e, como parte desta, houve o fechamento de algumas sedes do Projeto Raízes de Cidadania e, por coincidência, as dos profissionais participantes desta pesquisa. Diante dessa situação, a Prefeitura, para não demitir estes e mais outros 50 profissionais, iniciou remanejamentos para outras unidades da extinta FUNCI; atualmente a instituição mencionada mudou de configuração e se transformou em Secretaria Municipal de Direitos Humanos desde 2010; a maior parte desses profissionais foi remanejada para os Núcleos de Liberdade Assistida que, até 2007, período da mudança, funcionavam apenas quatro unidades localizados nas seguintes Regionais: I, II, III e V31. Em 2012, muitos profissionais não se encontram mais trabalhando nos núcleos de L.A e PSC, pois devido a esses remanejamentos, muitos foram à procura de novas oportunidades de trabalhos. O Programa em questão conta, atualmente, com 17 profissionais antigos em sua totalidade, todos por mim entrevistados, sendo 9 profissionais vindos do Projeto Raízes de Cidadania, 1 profissional de uma outra Secretaria pertencente à Prefeitura de Fortaleza, que trabalhava também na área da criança e adolescente, 4 profissionais de outros locais, que trabalhavam com a demanda citada e, por fim, 3 profissionais que nunca trabalharam com essa demanda, sendo considerada a primeira experiência de trabalho na área das medidas socioeducativas em meio aberto (Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo). A indagação feita por mim acerca da motivação profissional para inserção no Programa leva a discussão da importância da experiência profissional. Esta é encarada a partir do que este profissional tem para oferecer ou que traz em sua bagagem de conhecimento teóricos, técnico-operativos, que ajudam na condução de respectivo trabalho. Percebi, nos relatos, que a maioria advém de locais que fazem parte do Sistema de Garantia de Direitos, como CRAS, Desenvolvimento Humano (IDH) do município: Pirambu, Floresta, Mucuripe, Lagamar, Antônio Bezerra, Henrique Jorge, Bela Vista, Quintino Cunha, Vila União, Serrinha, José Walter, Conjunto Ceará, Bom Jardim, Mondubim, Palmeiras, João Paulo II, Lagoa Redonda e Jardim União. Cada unidade das Raízes conta com uma equipe formada por assistente social, psicólogo, assessor jurídico e assessores comunitários. Dentre as ações realizadas pelas Raízes, podem-se destacar: a resolução extrajudicial de conflitos (chamada de “mediação de conflitos”); o apoio às ações comunitárias de arte e cultura; a publicação e distribuição de literaturas informativas; e o desenvolvimento de campanhas acerca de temas diversos ligados aos direitos humanos e fundamentais. (FONTE: http://www.fortaleza.ce.gov.br/sdh/raizes-de-cidadania). 31 Espaços condizentes com os parâmetros das Regionais que são bairros e divisões de Fortaleza através de subprefeituras na capital do estado do Ceará. Fortaleza está dividida em 116 bairros e em cinco distritos que historicamente eram vilas isoladas ou mesmo municípios antigos. A administração executiva da prefeitura está dividida em Secretarias Executivas Regionais (as SERs) que são ao todo 7 (SER I, SER II, SER III, SER IV, SER V, SER VI e a regional do Centro). 87 Raízes de Cidadania, entre outros locais, que perceberam, no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, uma nova oportunidade de repassar e adquirir experiências profissionais. Mas um fato que me chamou a atenção foi a experiência profissional vindo de grupos religiosos. Em tempos anteriores (década de 1970 e 1980), grupos religiosos participantes de entidades assistenciais traziam consigo a carga ideológica do messianismo voltando-se para a caridade, fruto da filantropia como assistencialismo que, no início do século XXI, ainda persiste, reforçando, ainda mais, a desigualdade social. Observei na conversa com este profissional, a presença de um discurso que remete a uma parte dessa discussão, principalmente, quando informa de que trabalhava ‘no resgate de vidas em erro’. Isso deve ser cuidadosamente discutido, pois a filosofia de trabalho das medidas socioeducativas remete à visão do adolescente infrator, não pelo viés tutelar de períodos anteriores (cito a visão da doutrina da situação irregular, já discutida em capitulo anterior), mas de uma pessoa em desenvolvimento emancipatório. [...] aquela linha tradicional, meramente filantrópica caritativa, onde a ação se configurava como uma benesse do mundo adulto, apaziguando consciências e legitimando o higienismo dominante – uma linha dominantemente ‘tutelar’, isto é assistencialista e repressora (NETO, 2005, p. 6). Na percepção sobre as medidas socioeducativas em meio aberto, busquei indagar sobre o entendimento que os profissionais possuem a respeito dessa temática. A essa pergunta, a maior parte dos entrevistados respondeu: São medidas aplicáveis pelo Estado, aos adolescentes autores de ato infracional, cujo cumprimento se dá em Liberdade Assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade, ou seja, sem privação de liberdade; são executadas através de Programas de Atendimento em âmbito Municipal/Local, com os objetivos de responsabilizar o jovem pelo ato cometido, como também buscar a sua integração social e garantia dos seus direitos individuais (Assistente Social, entrevista realizada no dia 06/08/12). Na minha concepção, medida socioeducativa em meio aberto se configura em um espaço sancionatório imposto pela autoridade judicial com vistas na responsabilização, na garantia de direitos básicos descritos na Constituição Federal, bem como na ressignificação, por parte do adolescente, de seu cotidiano e das relações estabelecidas neste, a partir de sua vivência diária na família e na comunidade (Psicólogo, entrevista realizada no dia 06/08/12). Medida socioeducativa é uma medida que, tipo um acompanhamento, sensibilizando, conscientizando, [...], é aquela medida que você realmente sensibiliza as família e o adolescente em conflito com a Lei (Assessor Comunitário, entrevista realizada no dia 17/07/12). 88 Fica explícito, no discurso dos entrevistados, a existência do conhecimento pertinente às medidas socioeducativas em meio aberto. É salutar esse conhecimento, até porque, para a realização do acompanhamento dos adolescentes em conflito com a lei, são necessários, não apenas, ferramentas de cunho técnico, não desmerecendo este instrumento, pois também é importante, principalmente, o conhecimento teórico, integrado à primeira ferramenta citada. Portanto, esses profissionais buscam em romper com a visão preconceituosa que permanece na sociedade sobre os adolescentes em conflito com a lei. Tais considerações apresentam-se como possibilidades de ofertas de um atendimento condizente com a Doutrina da Proteção Integral à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ilustro, ainda, essa observação com o depoimento de outros entrevistados: Medida socioeducativa em meio aberto compreende toda medida disciplinar reflexiva, orientada e acompanhada por uma equipe especializada. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). [...] responsabilização mesmo, do ato que ele cometeu, e os encaminhamentos para que eles possam ter outras oportunidades, para que eles possam perceber na realidade as outras oportunidades, que muitas vezes eles nem percebem, nem imaginam que podem ter essas oportunidades. (Assistente Social, entrevista realizada no dia 06/08/12). Nessa linha de raciocínio, questionei junto com os pesquisados acerca dos impactos do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE, Lei 12.594/12, que anteriormente era considerado uma orientação (um projeto de lei) para a execução dos atendimentos socioeducativos em meios abertos e fechados, na realização do trabalho dos profissionais. Vale ressaltar. Que aproveitei o ensejo desse questionamento e pedi a opinião desses em relação ao advento da Lei 12.594/12, que mudanças trarão nas formas atuais de trabalho no Programa de Atendimento Socioeducativo: Acredito que o maior impacto advindo da aprovação da Lei seja a formalização do atendimento socioeducativo, a partir do qual observa-se uma ampliação do poder de atuação da equipe multiprofissional, bem como a importância da participação ativa do adolescente e sua família no direcionamento do seu acompanhamento (Coordenador, entrevista realizada no dia 06/08/12). A maioria dos pesquisados, conforme observações acredita na formalização das orientações do SINASE em Lei, como algo que trata de mudanças nas formas de atendimento do Programa de Atendimento Socioeducativo, ou seja, questões que se encontram pendentes: aumento do número de profissionais, melhorias nas estruturas físicas dos Núcleos, e 89 acompanhamento com perspectiva de um maior retorno para os adolescentes em atendimento e outros. Observei que os profissionais acreditam que as dificuldades possam ser sanadas pelo fato de uma lei ter um caráter instituído, mais formal e definitivo, isto é, algo que tem de ser cumprido, pois caso não seja, há consequências punitivas para as gestões públicas que não executem programas de atendimento socioeducativo em meios abertos, como por exemplo: o não repasse de mais verbas para execução do Programa, fechamento de instituições que trabalham com adolescentes em conflito com lei, dentre outros aspectos. Em outras palavras, os profissionais acreditam que a palavra ‘orientação’ possui um formato como o próprio nome indica, significa orientar, dar propostas que podem ser seguidas, adequadas, aceitas ou não, por um local. Já em relação ao significado da palavra ‘lei’, esta determina uma norma ou conjunto de normas jurídicas criadas através dos processos próprios do ato normativo e estabelecidas pelas autoridades competentes para o efeito. Essa implantação tem possibilidade de decorrer nas próximas gestões municipais, visto que, no caso das medidas socioeducativas em meio aberto, a competência e a execução ficam a cargo da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Isso fica claro ao situar que o ano de 2012 era em término de gestão e muitos planos aprovados para as áreas da criança e adolescência encontravam-se parados em período eleitoral, à espera das novas configurações ou continuidade da gestão. Outro quesito importante para este esclarecimento refere-se às ações, da PMF voltadas, prioritariamente, para a copa do Mundo de 2014, que ocorrerá no Brasil, principalmente na reestruturação urbana para adequação da cidade de Fortaleza às exigências do referido evento. Em conversa com o coordenador do Programa, este comentou que as adequações da instituição aos preceitos da Lei 12.594/12 ocorrerão para o orçamento público do ano de 2013, pois as instituições de atendimento socioeducativo em meios abertos e fechados têm um prazo de um ano para adequarem seus planos metodológicos de trabalho com a lei aprovada e essas passarão, no período de 6 meses, depois de adequadas, por avaliação técnica do governo federal para que haja o repasse de verbas. Isto ocorre no Estado Ceará, em nível estadual (que é executor das medidas socioeducativas em meio fechado, como os Centros Educacionais) e em nível municipal (executor das medidas socioeducativas em meio aberto, citando-se a Liberdade 90 Assistida e a Prestação de Serviços à Comunidade). Vê-se, portanto, que os governos podem continuar executando o acompanhamento dos adolescentes em conflito com a lei. Na continuação da entrevista, pedi aos sujeitos pesquisados que relatassem sobre sua metodologia de trabalho no acompanhamento aos adolescentes em conflito com a lei, acompanhados pelo Programa de Atendimento Socioeducativo. Algumas passagens são esclarecedoras: Acolhida de socioeducandos, encaminhamentos para a rede de retaguarda (Escola, CAPS, Conselhos de Tutelares, Cursos Profissionalizantes, Entidades Parceiras), acompanhamento do socioeducando através de visitas domiciliares, institucionais e convocatórias, atendimentos técnicos pedagógicos, escutas de familiares e atendimento espontâneos e interprofissionais. (Pedagoga, realizada no dia 06/08/12). Visitas. Fazemos visitas, acompanhamos os técnicos quase todos os dias, participamos de grupos, que se chama Grupo Projeto de Vida que são os adolescentes liberados ou os estão aguardando liberação participam desse grupo. E também quando precisa , fazemos remarcações, ajuda em tudo, no que eu posso, também ajudo as outras colegas (Assessora Comunitária, realizada no dia 06/08/12). Atendimento individual e em grupo, elaboração de relatórios, ofícios, acolhida, verificação de situação processual dos adolescentes, visita institucional, etc (Assistente Social, realizada no dia 06/08/12). Ao serem indagados acerca da metodologia (método/técnicas) utilizada no atendimento aos adolescentes, os profissionais citaram fazer recurso aos diversos procedimentos técnicos demandados pelo trabalho nas instituições, sendo que dentre eles, os mais comuns foram: entrevistas, visitas domiciliares e institucionais, atendimento individual e em grupo, encaminhamentos, elaboração de relatórios e estudos de caso. Ao observar novamente o que indica o SINASE, quando trata a metodologia de gestão de programas, esta proposta sugere que a existência de um Projeto Pedagógico nas unidades/programas de atendimento socioeducativo também é um dispositivo para se concretizar a existência da comunidade socioeducativa. O projeto pedagógico consiste na proposta que norteará as atividades que se deseja executar, e ainda: [...] o entendimento do trabalho que se quer organizar (o que queremos, por quê?) os objetivos (geral e específicos) e a organização que se vai dar para alcançar estes objetivos, tais como modelo de gestão, assembleias, equipes e outros, o detalhamento da rotina, o organograma, o fluxograma, o regimento interno, o regulamento disciplinar, onde se incluem procedimentos que dizem respeito à atuação dos profissionais junto aos adolescentes, reuniões das equipes, estudos de caso, elaboração e acompanhamento do PIA (SINASE, 2006, p.42). 91 Ao relatarem sobre a metodologia utilizada no atendimento aos adolescentes, os profissionais entrevistados mostraram o conhecimento de formas de pensar e agir sobre esses adolescentes, percebendo-os como pessoas em desenvolvimento, respeitando-os e acreditando neles como protagonistas de sua evolução. Portanto, pelas falas dos entrevistados, observei que há uma efetivação dos órgãos envolvidos no atendimento socioeducativo do Programa, ao instituir o atendimento dentro de uma rotina de trabalho que demanda uma efetiva colaboração de seus profissionais. No entanto, existe o reconhecimento, por parte desses profissionais, de que o fluxo não está funcionando conforme o que é proposto pelo esboço do Projeto Político Pedagógico, no que tange ao fluxograma de atendimento; não há uma unificação das atividades, principalmente, nos Núcleos de Liberdade Assistida, que são divididos em cinco núcleos e apenas um Núcleo de Prestação de Serviços à Comunidade. Nesse ínterim, os entrevistados expõem e, ao mesmo tempo, reconhecem também que a gestão municipal não está conseguindo em todos os âmbitos (estrutural, financeiro, entre outros pontos) assumir sua função, em virtude de dificuldades no manejo de sua gestão. Para sintetizar esse questionamento, reporto aos preceitos do SINASE (2006), para ilustrar o que é proposto, mas que, na realidade, ocorre com muitas dificuldades: O SINASE traz, entre as competências específicas das esferas federal e estadual, a prestação de assistência técnica aos municípios na construção e na implementação de políticas, planos, programas e demais ações voltadas ao atendimento ao adolescente a que se atribui ato infracional, desde a apuração até a execução da medida socioeducativa (SINASE, 2006, p. 33-34). Outro questionamento realizado com os profissionais, diz respeito as dificuldades (ou limites) e as possibilidades encontradas na execução do Programa em questão, no acompanhamento aos adolescentes a que se atribui ato infracional. A essa pergunta, grande parte dos sujeitos entrevistados informou a existência de maiores dificuldades do que possibilidades, o que desmotiva muito os profissionais, na realização de um bom acompanhamento a esses adolescentes e no resultado final para estes, que é a mudança de horizonte na vida deles. Ilustro esse questionamento a partir das seguintes respostas em relação às dificuldades: 92 [...] a estrutura física deficitária e a quantidade insuficiente de profissionais; tem núcleos que tem uma quantidade dobrada de adolescentes e com a mesma quantidade de profissionais do início do projeto, se a quantidade de profissionais para atender os adolescentes, é insuficiente, o resultado é insatisfatório. Não é por falta de vontade, mas a estrutura física que não dá espaço para isso, é pouco profissional para muito trabalho (Assistente Social, entrevista realizada no dia 06/08/12). Acredito que as principais dificuldades apontam para a fragilidade da rede socioassistencial, o dificulta a efetivação dos encaminhamentos propostas, seja no âmbito educacional, saúde, cidadania, esporte, entre outros (Pedagogo, entrevista realizada no dia 06/08/12). Dificuldades, às vezes, de espaço físico, né, a gente não tem uma sala disponível, é uma sala para três profissionais à tarde, porque no nosso espaço físico de trabalho, também existe outro Projeto que são as Raízes de Cidadania, então as salas são divididas para dois projetos, disputando uma sala. Outra coisa também, eu acho que não temos autonomia para determinadas coisas, eu sinto o impacto da limitação (Psicólogo, entrevista realizada no dia 06/08/12). As visitas, nós não recebemos nenhum tipo de auxílio, e também as redes de articulação, que eu chamo de redes furadas, não tem onde encaminhar. (Assessora Comunitária, entrevista realizada no dia 17/07/12). Grande parte dos entrevistados acredita que o trabalho no acompanhamento dos adolescentes do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo esteja relacionados com as questões estruturais, a quantidade insuficiente de profissionais (atualmente o Programa conta com uma totalidade de 71 funcionários), em confronto com a grande quantidade de adolescentes que, a cada mês, cresce. Há um total de 1890 adolescentes atendidos pelo Programa em referência, dentre outros aspectos. Na busca pelos preceitos do SINASE, este não está sendo seguido devidamente, no sentido de orientar que as medidas de meio aberto (prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida) deverão ter um local específico para a sua execução, com salas de atendimentos individuais e em grupos, salas de técnicos e outras condições que garantam que a estrutura física e facilite o acompanhamento do jovem e de sua família (SINASE, 2006). Em suma, as reflexões aqui apresentadas permitem interpretar que os sujeitos acreditam que as possibilidades para efetivar o trabalho com as medidas socioeducativas em Fortaleza são mínimas e consistem na disponibilização de maior contingente de profissionais para compor as equipes de acompanhamento, para que o trabalho seja realizado o mais próximo da realidade dos adolescentes, respeitando a igualdade dos direitos destes. Observei, também, no discurso dos sujeitos pesquisados, referências à fragilidade no trabalho de articulação. Apesar de existir a busca pelo contato com os demais órgãos que vão 93 acompanhar os adolescentes em suas comunidades, esta debilidade é verificada na relação entre as próprias instituições que estão dentro do fluxo do acompanhamento socioeducativo, que se apresenta, em especial, através da demora no repasse das informações de uma instituição para outra. Tal dificuldade também pode ser encontrada quando se fala de outras políticas municipais, como, por exemplo a educação, em que se lida com escolas que apresentam atitudes preconceituosas, através da resistência em receber como alunos adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa. Existem, ainda, os órgãos de profissionalização e preparação para o mercado de trabalho, através da estipulação de critérios que não condizem com as possibilidades dos adolescentes, ou seja, programas que empurram os jovens para tipos de profissões que não têm relação com a realidade do Estado e, muito menos, com os anseios dos adolescentes. A seguir, cito a opinião de Peixoto (2011, p. 118), sobre essa discussão: Reforça-se ainda a necessidade de se ter real interesse e compromisso com a causa. Isso exige sair da lógica do senso comum que vê esses adolescentes a partir do seu ato infracional, e passar a enxergá-los como sujeitos de direitos, como frutos de uma sociedade injusta e excludente, que somente os considera a partir dos enfrentamentos e quebras das normas e regras sociais e morais a eles impostas. É estar pronto para se deparar com situações limites, aprender a gerar conflitos e buscar novos conhecimentos (PEIXOTO, 2011, p. 118). Conforme tantas vezes enumerado, Fortaleza vem, desde o ano de 2006, com a proposta de municipalizar as medidas socioeducativas em meio aberto, sendo a gestão desse serviço de responsabilidade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos. O Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo se apresenta dentro do fluxo de atendimento como o órgão central, uma vez que todos os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas estão passando por atendimento nesse órgão; diante disso, os profissionais reconhecem que o Programa não teve sua equipe ampliada para permitir que o trabalho seja executado da forma como é previsto. Sobre isso, apresento o seguinte recorte da fala de um dos profissionais, que merece atenção: Essas questões estruturais, o ambiente mesmo, a começar pela sala de atendimento, tudo contribui para que não seja tão bom, o nosso atendimento, a forma, porque o local que eles são acolhidos devia ser um local mais [...] outra dificuldade é quanto a questão dos encaminhamentos, questão da rede, não tem muitas opções de cursos, tem aquele curso X, mas o adolescente quer outro, a gente não tem uma coisa que [...] e é sempre a mesma coisa, sempre informática, sempre uma serigrafia, nem sempre os meninos querem aquilo, [...] outra questão são as drogas, é porque a gente não tem muitos locais de 94 atendimento, de tratamento, só existe hoje os CAPS 32 , essas comunidades terapêuticas, que são basicamente uma, que é a Casa São Pio33 que os meninos não se identificam muito, é difícil mantê-los lá, às vezes ainda querem, quando chegam desistem. A questão da escola também, frisar bem a questão da escola, porque é onde deveria ser o local de maior atenção para com todos que procuram ali, a escola é um local de educação, pra educar, e não, e não é um local que acolhe melhor os meninos, então assim quando a gente vai lá tentar efetivar uma matrícula porque o menino não conseguiu, que é direito dele, mas ele não conseguiu e às vezes a gente precisa ir lá. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 18/07/12). Em relação às possibilidades encontradas pelos entrevistados e em virtude das dificuldades enfrentadas, eles acreditam no trabalho que executam, e, ainda, fornecem algumas ideias para que as dificuldades possam ser sanadas na execução do Programa supracitado. Ou seja, ao mesmo tempo em que levantaram muitos fatores de desmotivação, apresentam, também, perspectivas de melhorias, sendo isto um dentre os vários motivos de permanência dos profissionais antigos no Programa de Atendimento Socioeducativo. Eles retratam bem essa opinião com os depoimentos a seguir: Entendo que as dificuldades se encontram em todos os setores do país. Todavia, alavancar a imagem do Programa através de maior participação em eventos voltados para a temática, no intuito de proporcionar maior visibilidade e formar parcerias (Psicólogo, entrevista realizada no dia 18/07/12). O lado positivo do meu trabalho, mesmo diante das dificuldades, é porque eu trabalho no que eu gosto, o pouco que eu trabalho com os adolescentes, é muito, chegar para mim e dizer que mudou, dizer que depois de ter conversado comigo, eu mudei o pensamento dele, entendeu, a família, chegar para mim, conversar comigo, e que vem agradecer, então isso me favorece muito, por muitas dificuldades, por pouco que eu tenho, isso faz mudar, assim, sabe a questão do trabalho, sim, eu acho que estou mais favorecendo uma família do que a mim, porque tô vendo aquela pessoa mudar, então isso faz eu ficar mais tempo no meu trabalho, entendeu, a cada dia querer ficar mais e porque eu gosto, eu gosto do que eu faço (Assistente Social, entrevista realizada no dia 17/07/12). Dentro das possibilidades, porque a gente sempre tá vendo novas portas, né, a diretriz que a gestão dá, nem sempre condiz com a realidade, e então a gente tem que fazer alguns ajustes, né, os ajustes não se têm como caminhar, porque existe as limitações de estrutura, de profissionais, etc (Pedagoga, entrevista realizada no dia 17/07/12). 32 CAPS AD – Centro de Apoio Psicossocial – Álcool e Drogas é uma unidade de saúde especializada em atender os dependentes de álcool e drogas na capital, dentro das diretrizes determinadas pelo Ministério da Saúde, que tem por base o tratamento do paciente em liberdade, buscando sua reinserção social. Desta forma, o CAPS AD oferece atendimento diário a pacientes que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua. (Texto retirado da página: www.saude.ce.gov.br). 33 A Casa São Pio é uma instituição filantrópica em Fortaleza, mantida pelo Grupo Católico Shalom que realiza atendimentos ambulatoriais em meio aberto através do Projeto Volta Israel e encaminhamentos para tratamento de drogadição em meio fechado. Atende tanto adolescentes, a partir dos 16 anos, quanto maiores de 18 anos em diante. O tratamento ocorre por meio de acompanhamento de um psicólogo, um assistente social e educadores voluntários dos quais utilizam a metodologia baseada na religião católica. 95 O que percebo, nas falas apresentadas, é o entendimento de que as dificuldades decorrem do andamento da política de atendimento socioeducativo na cidade de Fortaleza. Em confrontação com o SINASE, este esboça, para as às instituições envolvidas no acompanhamento socioeducativo, um conjunto de ações que devem integrar as demais políticas públicas, contribuindo para a efetivação dos direitos dos adolescentes e para a sua inclusão social. No decorrer desta pesquisa abordei dois pontos: o primeiro é o que faz o profissional permanecer no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo (que foi a pergunta norteadora desta dissertação) e o segundo é observar uma experiência marcante em sua trajetória profissional, dentro da instituição onde trabalha. No primeiro ponto, diversas foram as respostas quanto à permanência: Eu gosto. Eu gosto do meu trabalho, é, eu já pensei em ir para uma sala de aula, mas quando se pensa em sala de aula, não necessariamente gostar de sala de aula, eu acho que quando a gente faz algo que gosta, o resultado é bem melhor, né, faz com amor, faz com prazer, e sentir que fica mais próximo das pessoas, é saber o que elas estão passando, o que estão sentindo, o que eu posso fazer, o que vou fazer, para dar o máximo possível para se chegar aos resultados positivos (Pedagoga, entrevista realizada no dia 17/07/12). Amor. E tenho muito amor pela minha profissão, se não me identificasse não estaria, então eu sempre gostei do que eu faço, me dedico muito a meu trabalho, me identifico muito, então, eu amo de paixão, não é pelo salário, é porque eu gosto muito mesmo (Assistente Social, entrevista realizada no dia 17/07/12). Me motiva tentar ver o crescimento desse menino, por mais que às vezes a gente se sente como eu falei, da impotência, com relação a muita coisa, mas quando a gente vê um pontinho que você pode mexer que de repente desperta algo nele, a gente fica procurando esse pontinho para despertar na vida dele. (Psicólogo, entrevista realizada no dia 18/07/12). Em relação ao segundo ponto, através das falas dos entrevistados, apresento as experiências que marcaram suas respectivas trajetórias no Programa em questão: Tem um adolescente, meu Deus, que era tão envolvido com drogas, nunca imaginei, cheguei a levá-lo pessoalmente ao CAPS AD, porque ele não ia só, e também conclui o Ensino Médio, está trabalhando, já trabalhou como garçom, está trabalhando agora numa serigrafia, é que está mantendo a família, seus irmãos não estudavam, ele fez a matrícula deles, aí se liga para gente para saber onde encaminha esses meninos,... é uma obrigação nossa está sempre orientando no que a gente puder, então assim, é um número, mas poderia ser maior, mas assim a gente...porque se for enumerar tem outros também, outros casos que são bem sucedido (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). 96 Fiquei muito feliz ao saber através de uma mãe que o socioeducando depois que foi acompanhado por nossa equipe deixou o crime (assalto à mão armada) voltou a estudar e hoje trabalhar com a carteira assinada por conta do encaminhamento que fizemos para o Projeto Transformando Vidas. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). Sim, marcou, é, o que me chamou muita atenção, foi um menino que realmente era envolvido, na acolhida e esse menino, veio para mim como referência, só esse menino tinha um rótulo que ele era, não lembro da cidade do interior, ele era uma pessoa super perigosa, ele passou 2 anos e 9 meses no CECAL 34 , e eu comecei a conversar com ele, e mudou totalmente, ele voltou a estudar, ele se matriculou na escola, ele veio me mostrar que tava estudando, ele começou a seguir uma religião evangélica, estava participando de grupos, e seis meses depois mataram ele. [...] eu acho assim, eu fiquei muito feliz, porque mudei a vida daquela pessoa, do qual ele precisava apenas de uma conversa, de um diálogo, mostra porque ninguém nasce errado, ninguém nasce ruim, são as pessoas que seguem caminhos, e ela pode modificar de cima a abaixo (Assistente Social, entrevista realizada no dia 17/07/12). Mediante aos questionamentos feitos quanto às circunstâncias citadas, percebi que a maioria dos sujeitos pesquisados aponta como motivo da permanência a realização pessoal como uma forma de alcançar objetivos do atendimento socioeducativo relacionados à proposta de ressignificação dos valores e reconstrução de um projeto de vida, bem como a viabilização de serviços. Percebo, entretanto, a presença de conflitos, pois nem todos os entrevistados aceitam a maneira como o Programa atua. Conforme os sujeitos pesquisados, o amor, a manutenção dos vínculos com os adolescentes e equipes, são fatores que motivam o andamento do trabalho, mas proporcionar boas condições físicas, trabalhistas, entre outros, também faz parte da condução de um bom trabalho, principalmente quando se quer contemplar a proposta da sociopedagogia das medidas socioeducativas em meio aberto, voltado dentre outras intervenções, para a garantia do direito à cidadania. No decorrer da pesquisa, perguntei aos entrevistados sobre a questão da interdisciplinaridade entre eles, no acompanhamento aos adolescentes do Programa de Atendimento Socioeducativo, uma vez que o SINASE (Lei 12594/12) propõe a criação de equipes multiprofissionais e a interação de saberes entre esses, na realização do trabalho com tal público. Apresento, a seguir, as falas de alguns profissionais, sobre o trabalho interdisciplinar: 34 Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorcheider, é uma medida socioeducativa em meio fechado que atende adolescentes dos 17 aos 21 anos incompletos que estejam respondendo a processos penais de natureza grave (homicídios, latrocínios, sequestro, etc.) pelo período de 03 anos, de acordo legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente. 97 A meu ver a equipe do núcleo a qual eu trabalho, consegue manter uma interação entre os saberes correspondentes à grande disponibilidade de cada profissional. É importante salientar que observo entre os profissionais, um respeito à individualidade do outro, bem como a sua área de atuação, o que facilita a convivência e o fluxo de trabalho (Psicólogo, entrevista realizada no dia 06/08/12). Agora interdisciplinaridade, é que observei algumas vezes, é um trabalho meio isolado, cada um no seu quadrado. Eu faço meu trabalho e você faz seu trabalho (Assessora Comunitária, entrevista realizada no dia 17/07/12). Às vezes sim, às vezes não. Às vezes falta ajuda da equipe, às vezes eu vejo um pedindo socorro e não tem, mas em síntese, todo mundo está no mesmo barco, querendo ajudar, quando isso acontece, isso é muito bonito (Pedagoga, entrevista realizada no dia 17/07/12). Eu acho, eu vejo assim, está todo mundo junto ali, com um determinado fim (Assistente Social, entrevista realizada no dia 06/08/12). Na continuação da discussão acerca do SINASE, tal articulação poderá ser realizada através de algumas ações, dentre elas: o estímulo à prática da intersetorialidade; realização de campanhas conjuntas voltadas à sociedade em geral e aos profissionais da área; promoção de discussões, encontros, seminários (gerais e temáticos) conjuntos; discussão e elaboração, com os demais setores do Poder Público, para expedição de normativas e resoluções que visem ao aprimoramento do sistema de atendimento. Para Ferreira (2006, p. 417), a realização de um trabalho em rede significa: “[...] implementar ações de forma integrada estabelecendo parceria para a efetivação e articulação da atividade a ser desenvolvida no cumprimento das medidas, sensibilizando, mobilizando e comprometendo todos os envolvidos nela”. Diante dos posicionamentos dos profissionais entrevistados, percebo um discurso que demonstra fragilidade na constituição, na integração ou funcionamento dessa rede de atendimento socioeducativo, observáveis, mesmo que implicitamente, através pelas expressões: ‘um trabalho meio isolado’ e ‘está todo mundo junto ali’. A intersetorialidade não acontece de fato, havendo um entendimento por parte dos profissionais entrevistados de que o trabalho é realizado dentro das respectivas áreas, ‘do que se pode fazer, sem se intrometer no trabalho do outro’. Solicitei, ainda, aos pesquisados, que tecessem suas opiniões sobre os vínculos empregatícios, visto que todos os profissionais trabalham como terceirizados ou são indicações político-partidárias, e se esses tipos de vínculos auxiliam ou atrapalham na execução do trabalho, 98 no que objetiva o acompanhamento dos adolescentes do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo. Sobre isso, registro, os seguintes comentários: Na minha opinião atrapalham consideravelmente o acompanhamento dos adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa em Meio Aberto em função da rotatividade dos profissionais que esses vínculos empregatícios proporcionam. Além disso, algumas indicações políticas não possuem o perfil para trabalhar com a temática, dificultando ainda mais o trabalho (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). Não. Seria se interessante se fosse feito concurso com todos que fizessem parte da Liberdade Assistida, mas infelizmente eu sinto um trabalho, que não farei em longo prazo. Porque é uma coisa, que é hoje, mas não é amanhã, então você não pode contar com esse trabalho, é um trabalho que não sabe até quando, hoje pode ser, amanhã não. A gente não tem autonomia em determinada coisa, eu não tenho autonomia, para você se dirigir, você se direciona a terceiros, você está entendendo, eu não acho que a gente seja valorizado (Assistente Social, entrevista realizada no 17/07/12). Não tem estabilidade, deveria melhorar o salário (Assessora Comunitária, entrevista realizada no dia 17/07/12). Registro que os entrevistados foram unânimes ao afirmar que os vínculos empregatícios atuais são frágeis. O fato é que alguém pode estar trabalhando no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo que, ao toque das próximas eleições, a partir das quais assumirão outras coligações partidárias, poderá ser modificado, ou deixar de existir. As práticas e relações que se construíram se concretizam em campos de força minados, em redes de disputas e relações de poder em que todos estão envolvidos. Associado a essas considerações, lida-se com uma realidade em que há forte influência de indicações político-partidárias, devido à da contratação de pessoas com esse tipo de vínculo, o que pode interferir politicamente no andamento dos projetos sociais, no acompanhamento às famílias e em relação aos próprios adolescentes acompanhados pelo Programa em questão. Nesse sentido, a terceirização é uma dimensão que atinge o poder público, mesmo tendo sido pesquisada uma pequena amostragem. Como analisa Mota e Amaral (1998, p. 35): [...] a marca da reestruturação produtiva no Brasil e a redução dos postos de trabalho, o desemprego dos trabalhadores do núcleo organizado da economia e a sua transformação em trabalhadores por conta própria, trabalhadores sem carteira assinada, desempregados abertos, desempregados ocultos por trabalho precário, desalento etc. Observo, ainda, que o quadro de funcionários, em sua totalidade é terceirizada, se insere no Programa, distribuídos em Coordenação, cinco Núcleos de Liberdade Assistida Municipalizada, um Núcleo de Prestação de Serviços à Comunidade Municipalizada. Em relação 99 a essa realidade, a Prefeitura Municipal de Fortaleza reforça sua omissão quanto à realização de concursos públicos. Em contraposição a tudo isso, Ferreira (2006) informa que, para a real efetivação do SINASE, no que objetiva a realização de sua proposta socioeducativa, é necessário que os atores sociais envolvidos nesse processo sejam devidamente qualificados para trabalhar com este segmento. O autor cita, ainda, que o SINASE sugere que a contratação dos recursos humanos seja realizada via concurso público, ou por um processo seletivo, envolvendo as seguintes etapas: avaliação de currículo; prova escrita, versando sobre dos direitos das e dos jovens, métodos e técnicas de ação socioeducativa; entrevistas; dinâmicas de grupos que favoreçam a expressão pessoal; e exames médicos admissionais. Fica evidente, nestes recortes, a situação de insatisfação em que a maioria dos profissionais terceirizados se encontra. Quanto à necessidade de aperfeiçoamento técnico e profissional, focado no atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, sinalizado pelo SINASE, existem opiniões diferenciadas que relatam a não existência desse aperfeiçoamento, mas sem vinculação com as áreas de atuações, identificando uma valorização da formação específica em detrimento da necessidade de atualização sobre temáticas. Segundo Iamamoto, “as terceirizações tendem cada vez mais, a precarizar as relações de trabalho, reduzir, ou eliminar os direitos sociais, rebaixar os salários, estabelecer contratos temporários, o que afeta profundamente as bases de defesa do trabalho conquistados no pósguerra.”(2000, p.116). Na realidade institucional, percebo que os terceirizados, ao contrário dos servidores públicos, não têm acesso a alguns benefícios como, por exemplo, o risco de vida, além de receber metade do salário do que recebe um servidor municipal35. Analiso que essa realidade reflete sobre a maneira como os trabalhadores se encontram inseridos do contexto do capitalismo contemporâneo, onde o trabalho caracteriza-se por uma natureza flexível, tendo como consequências as rotinas exacerbadas provocando mudanças nos sentidos e significados acerca do trabalho; criando uma situação de ansiedade nas pessoas por falta de perspectivas quanto a uma 35 À título de informação, até o ano de 2012, para os funcionários de nível superior o salário encontra-se em torno de R$ 1.549,00, já os de nível médio recebem o salário mínimo (R$ 622,00). 100 estabilidade empregatícia. Portanto, observo que o mundo atual encontra-se mais dinâmico e as mudanças de emprego, durante a vida se tornam cada vez mais comuns, pois, passa-se a se pensar cada vez mais de maneira curta, tendo período certo para sua permanência. Mediante essa discussão estrutural que envolve problemas objetivos e subjetivos nas conjecturas sociais e que não deixam de passar pela realização pedagógica do trabalho social, indaguei aos pesquisados se tiveram a oportunidade da leitura do Projeto Político Pedagógico do Programa e quais as opiniões a respeito desse projeto. Em resposta a essa indagação, alguns dos entrevistados responderam da seguinte forma: Já li assim por cima, né. (Assessora Comunitária, entrevista realizada no dia 17/07/12). Li por cima. Porque realmente tem uns absurdos, ele não chamou muita atenção, porque quando eu comecei a ler, vi que tem muitas coisas que não condiz com a realidade, ele está no papel, mas na prática é difícil, ele realmente não estabelece nada (Assessora Comunitária, entrevista realizada no dia 06/08/12). O Projeto Político Pedagógico precisa de ajustes, a meu ver. Ele foi construído para uma forma ideal, mas não para a forma real. Quando foi construído, pensou-se na forma real, e até absurdo falar isso, mas foi construído da forma real para a forma ideal, para que possibilitasse chegar ao real, porque se colocasse no real, quando realmente se chegasse no real, seria um avanço. (Pedagoga, entrevista realizada no dia 17/07/12). Dentro da política de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, em Fortaleza, foi investigada a existência de um Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo. Todos os sujeitos questionados declararam a inexistência desse plano em Fortaleza (encontra-se em construção, pois aguardam que o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo seja aprovado). Melhor explicação sobre isso é a discussão de Gonçalves (2005) que retrata o trabalho a respeito das medidas socioeducativas em meio aberto, referindo que, de acordo com o SINASE, o município tem atribuição específica de elaborar um Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo. A construção do referido Plano deve consistir na revisão da estrutura e funcionalidade dos serviços de atendimento dentro da realidade de cada município, no sentido de promover a otimização dos recursos disponíveis e a consolidação de uma rede articulada e integrada entre as políticas que envolvem o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, como: educação, saúde, assistência social, trabalho, justiça e segurança pública. 101 A experiência de Fortaleza, pelo menos nas circunscrições desta pesquisa e até o ano de 2012, revela que, embora cada órgão possua as suas atribuições e atividades relacionadas às suas políticas de atendimento e/ou relacionadas ao projeto pedagógico (quando existe), não há, porém, nada de específico definido no nível municipal, o que acaba por dificultar a execução do Programa diversos pontos como: orientação pedagógica, organização de um fluxograma que seja padrão para a LA e PSC, dentre outros. Com relação à existência do projeto pedagógico na instituição do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, este se encontrava, no ano de 2012, em fase de construção e aceitação pelo órgão gestor da Secretaria de Direitos Humanos, que não deu o veredito final, pois como se vivenciava o final de um período político, muitos projetos da Secretaria se encontravam aguardando autorização, ou parados. Isso acabou gerando as dificuldades enfrentadas pelos profissionais em relação à execução do Programa, em diversos pontos como: orientação pedagógica, atribuições profissionais, organização de um fluxograma que seja padrão específico para as duas medidas em meio aberto que o Programa acompanha como a L.A e PSC e outros. Por fim, indaguei aos sujeitos da pesquisa sobre a percepção que as famílias possuem sobre o acompanhamento dos adolescentes (seus filhos), pelo Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo. Essa percepção é ilustrada pelas considerações de alguns dos entrevistados que aqui vão transcritas. O que concluo é que os profissionais se ressentem da percepção que a família tem sobre eles como substitutos das responsabilidades desses: Vê a Liberdade Assistida? É uma coisa absurda, mas não a maioria, mas as famílias que eu atendo, que faço atendimentos, como uma tábua de salvação, e a equipe que está atendendo ficasse responsável pelo adolescente, dar orientações da escola, documentação, a fazer aconselhamento, e a partir disso, todas as falhas familiares, o caráter do adolescente, fossem sanadas, a equipe resolvesse tudo. Não é bem assim. Eu acredito que as famílias, deveriam ser menos omissas, o resultado do acompanhamento com o adolescente que está em Liberdade Assistida fosse mais satisfatório (Pedagoga, entrevista realizada no dia 06/08/12). Enfim, grande parte dos profissionais alia essa falta de responsabilização ao contexto de pobreza, da violência e da exclusão em que esses adolescentes e suas famílias se encontram, dificuldades referentes à escassez de alimentação, de renda, condições dignas de moradia, acesso à saúde, educação, profissionalização, o uso de drogas (na maioria dos casos) dentre outras 102 questões sociais que permeiam a sociedade brasileira, se apresentam como estruturais e intrínsecas às sociedades capitalistas. Existe ainda a dimensão cultural, visto que o adolescente, ao ser inserido no sistema socioeducativo, passa a receber, por vezes, um tratamento excludente e preconceituoso por parcela da sociedade. Em síntese, essas observações apontam que o mundo atual, que vive as influências das orientações neoliberais, reflete no comportamento dos adolescentes e nos jovens, tornando-os violentadores, ao mesmo tempo em que são violentados, marcados pela ausência de direitos como moradia, escola, saúde, entre outros. Por essa ausência, suas histórias de vidas são permeadas por violências, e eles passam a ter maior visibilidade na sociedade, uma vez que isso não foi possível pela via dos direitos. Concluindo a discussão desta pesquisa, durante o contato com os profissionais, presenciei momentos de sonhos e decepções, alegrias e frustrações, comodismos e lutas. Uma série de sentimentos contraditórios presenciados e vividos numa realidade contraditória e repleta de limitações. São profissionais que trabalham com adolescentes contemporâneos inseridos numa realidade complexa que não é fácil, principalmente se pretenderem fazer algo de concreto, não apenas por um só, pois não trabalham só com os indivíduos, mas com todos os inseridos nessa realidade social. 103 CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer desta dissertação procurei o embasamento bibliográfico pelo qual se estabeleceu o diálogo com os autores, podendo-se observar que as ações, práticas e legislações voltadas à infância e à juventude no Brasil, ao longo da história, foram marcadas por, pelo menos, três enfoques: assistencialista, repressivo e coercitivo, culminado com as execuções das políticas públicas da época, sendo o Estado sempre visto como o maior violentador, pelo fato de não respeitar os direitos desses sujeitos, e tratando-os como objetos. A partir dessa realidade, ocorreram mudanças paradigmáticas radicais. Com advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, introduzindo e instituindo as Doutrinas da Proteção Integral, as crianças e os jovens saíram da condição de ‘tuteladas pelo Estado’ e passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, em fase peculiar de desenvolvimento. Nesse ponto, ocorre a inclusão dos adolescentes, autores de atos infracionais, que também passaram a pertencer a essa mesma condição, mas assumindo a responsabilidade perante seus atos delituosos, por meio do cumprimento das medidas socioeducativas, que deu lugar ao caráter da socioeducação, em detrimento do caráter repressivo e retributivo dos antigos Códigos de Menores. Ressalto, também, que o ECA foi considerado inovador, assegurador e participativo. No primeiro aspecto, pelo fato de mudar o conservadorismo das legislações anteriores que vigoravam como os Códigos de Menores (1927 e 1979), objetivando a regulamentação da cidadania infanto-juvenil. Já segundo aspecto, por conta da introdução do sistema de garantias constitucionais, negado pelo Código que regia os anos 1970 e 1980. Por último, o terceiro aspecto aborda a participação expressiva e conjunta da população, por meio dos Movimentos Sociais, durante o processo de elaboração em que a sociedade foi instituída formalmente a participar como instrumento deliberativo, operativo, fiscalizador e controlador das ações. Com essas inovações, é inaugurado um sistema de garantia de direitos infanto-juvenil, incluindo pontos como o processo legal e a responsabilização penal juvenil, pontos inexistentes na justiça menorista. 104 A preocupação maior deste trabalho foi compreender os limites e possibilidades das ações desenvolvidas por profissionais que executam as políticas públicas de atendimento às crianças e adolescentes, mais especificamente as medidas socioeducativas em meio aberto, mediante suas percepções e criação de sentidos sobre o próprio trabalho. Partindo dessas questões é que veio o despertar para compreender a visão dos profissionais frente à atual política de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, tendo como parâmetro a legislação do SINASE (Lei 12.590/2012). Dessa forma, cheguei às seguintes indagações: - quem são os profissionais que atuam com os adolescentes em conflito com a lei no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto? Quais os motivos que levavam à permanência de profissionais que se encontravam, desde o início, no ano de 2006, no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo? Percebi, durante a leitura realizada e as observações, que a formulação do SINASE representou uma mudança quanto aos direcionamentos na política de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei dentro da sociedade. Entretanto, não basta somente estabelecer um guia de atendimento para que seja garantida a sua plena efetivação, sendo imprescindível a necessidade de criação de meios para que haja eficácia nesse atendimento. Isso vai culminar na relação com adolescentes em conflito com a lei, sobre a qual, infelizmente, ainda persiste na sociedade brasileira a compreensão da responsabilidade única dos menores infratores em relação ao ato que praticaram, não percebendo e indo além, sendo desconsideradas as consequências trazidas pelo contexto da sociedade desigual em que estão inseridos, quando se trata da problemática da violência. Em alguns momentos, presa ao passado no que objetiva o atendimento à crianças e adolescentes, grande parte da sociedade tende, ainda, a conservar uma visão preconceituosa sobre os adolescentes em conflito com a lei, relacionando-os como merecedores de afastamento do convívio em sociedade. Por meio das mudanças ocasionada pela legislação do ECA, precisa-se avançar constantemente no sentido de que os direitos da infância e da juventude devem alocar-se na construção de novas relações entre estes e a sociedade. 105 O Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo conta, portanto, em sua premissa, com o princípio da municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto (seja LA e PSC), estando correlata aos direcionamentos que o SINASE propõe para atendimento aos adolescentes que cometeram ato infracional, na direção do fortalecimento dos vínculos entre estes, suas famílias e comunidade. Observa-se que é uma maneira de oportunizar o acesso aos direitos que, até o momento, não foram garantidos ou reconhecidos, sob a perspectiva da inclusão social. Sobre a construção do processo de municipalização das medidas em meio aberto em Fortaleza, consideram-se 6 anos de atividades um período passível de análise; o exercício de escuta dos profissionais envolvidos no atendimento socioeducativo em Fortaleza, bem como de análise feita sobre referido processo, permitiram que eu reconhecesse alguns pontos que se apresentam como limites para a efetivação do referido processo. Um limite observado consiste na inexistência de um Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, em Fortaleza. A função dessa estratégia direciona-se nos aspectos de referenciar o trabalho com os adolescentes em conflito com a lei, estando na obrigatoriedade conjunta com organizações governamentais e não governamentais, sociedade civil, Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e representantes das demais políticas. Entendo que essa questão é merecedora de debate acrescido de uma revisão de caráter urgente, pois o atendimento socioeducativo deve ser refletido como uma política de governo que envolve o poder público municipal como um todo, para que os profissionais não corram o risco de atuar de forma pragmática e distante da fundamentação legal. Mas, isso fica no plano ideal, pois a realidade apresentada pelos trabalhadores do Programa demonstra que a atuação profissional reside em ações tecnicistas, pontuais, fragmentadas, mesmo diante das mudanças ocorridas no cenário do atendimento socioeducativo com o advento do SINASE. Há perigos do discurso reducionista que ainda permanece, principalmente, na área judiciária que perpassa para o âmbito da execução das medidas socioeducativas. Outro limite observado é que o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto ainda não possui projeto pedagógico, o que dificulta a definição de ações, objetivos, metas, dentre outras formas de atendimento aos adolescentes e suas famílias. 106 Profissionais executando várias funções ao mesmo tempo, pouca, ou nenhuma reflexão sobre o trabalho realizado, principalmente na dificuldade de atuar nas atribuições respectivas de suas áreas de atuação profissional que, desde a falta de uma estrutura física adequada, perpassa pelas dificuldades nas relações interprofissionais entre estes, dentro do Programa em questão. Isso é percebido na morosidade e indefinição da proposta de atuação pelo órgão público municipal que tem dificultado a caminhada da municipalização do atendimento socioeducativo. Considerando os limites enumerados pelos sujeitos entrevistados e os limites percebidos durante o contato com a realidade do Programa de Atendimento Socioeducativo da cidade de Fortaleza, no que se refere à municipalização do atendimento socioeducativo, sendo necessário elucidar alternativas de mudanças no sentido de fortalecer o trabalho executado. É necessário que o Município exerça seu papel articulador, direcionando o estabelecimento e o contato através de um canal de comunicação no fortalecimento do Programa como política no atendimento socioeducativo em meio aberto, o que reflete na busca pela mobilização com a comunidade socioeducativa, envolvendo os representantes da execução das políticas públicas no nível municipal e os demais interessados para a elaboração do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, conforme aponta o SINASE. Para que haja uma saída do discurso corrente, segundo o qual o público atendido pelos trabalhadores do Programa “é um público difícil de ser trabalhado” (acredita-se que a dificuldade encontrada seja pelo fato deste trazer demandas imediatas - escola, profissionalização, drogas, e outras - pois há um sentimento de impotência ao se sentirem limitados pelos diversos espaços de encaminhamentos que não absorvem a totalidade, apenas uma parte). Aponto como alternativa, a iniciativa de tornar público o tema dos direitos da criança e do adolescente como uma forma de sensibilizar os diferentes segmentos da sociedade para a garantia dos direitos desse público. O aumento das dificuldades que esse público encontra no acesso aos seus direitos, em muitos momentos negados ou violados, carece de um instrumento de combate ao estigma e preconceito existentes com relação aos adolescentes que cometeram ato infracional e estão inseridos no sistema socioeducativo. 107 Uma possibilidade que precisa de reflexão é a potencialização e a articulação entre a rede de serviços socioassistenciais e as demais políticas transversais ao atendimento socioeducativo (cito a política de educação, profissionalização, saúde, dentre outros). Assim, de todos os princípios do SINASE, considera-se que um deles ainda não é sumariamente priorizado: o princípio da incompletude institucional. A integração dos órgãos do Sistema de Garantias de Direitos e com a rede de atendimento possui falhas graves em relação ao oferecimento aos adolescentes e suas famílias de oportunidades de busca pelo seu empoderamento e cidadania, observando a distante realidade vivenciada pelos profissionais na dificuldade de articular essas redes, não atingindo a totalidade dos socioeducandos atendidos pelo Programa. Em relação ao trabalho dos profissionais no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo, observo que não se presenciam, no seu cotidiano, avaliações constantes das ações por eles desenvolvidas de forma separada ou conjunta. Uma alternativa para essa ação é a necessidade dela ser considerada entre as prioridades das conjunturas políticas de cunho social com foco na política de atendimento socioeducativo, para que a municipalização tenha um redirecionamento para um processo real e efetivo. Com isso, objetiva-se a descoberta dos motivos que levam aos impasses existentes e à busca por soluções, tendo como premissa a qualidade e a otimização do trabalho executado. É interessante que o Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto seja priorizado, não desmerecendo a atenção a outros programas e projetos que também fazem parte da Secretaria da qual a instituição em menção é parte integrante, devendo ser incluído no fluxo de atendimento socioeducativo. Medidas podem ser tomadas como: o reforço da equipe técnica, a valorização do profissional que lá se encontra, melhoria das estruturas físicas e a elaboração de um projeto pedagógico (focando as atribuições de cada profissional e direcionando o trabalho socioeducativo), o que possibilitará um atendimento de melhor qualidade aos adolescentes e suas famílias. Nos seus seis anos de execução, o Programa de Atendimento Socioeducativo apresenta fragilidades que foram identificadas nas falas dos entrevistados durante o decorrer desta dissertação, as quais necessitam, urgentemente, serem repensadas, diagnosticadas e superadas a cada nova gestão municipal e em tempo hábil, pois podem pactuar práticas que ferem 108 os princípios que norteiam os serviços prestados aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Na percepção quanto às propostas do SINASE, concluo que, em relação os Recursos Humanos, observa-se que elas se encontram distante em relação à realidade vivenciada nos Núcleos de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade: as equipes possuem número reduzido de profissionais para o atendimento da grande quantidade de adolescentes envolvidos no Programa, o que não condiz com o que está prescrito no SINASE (2006), segundo o qual a quantidade mínima para se ter uma boa qualidade no atendimento e acompanhamento socioeducativo é de 20 adolescentes para cada técnico. Isso não está acontecendo dentro Programa, pois cada profissional acompanha em torno de 50 adolescentes e tem sofrido com a falta de valorização e fragilização das políticas sociais as tornando-as focalizadas e fragmentadas. A fragilização dessa política social implica, relacionalmente, a qualidade do acompanhamento socioeducativo. Percebi, nos discursos dos profissionais, sentimentos de raiva, angústia, desmotivação, dentre outros, ou seja, sentimentos negativos frutos dos equívocos do processo de municipalização. Nos seis anos de execução do Programa, as equipes continuaram com seus respectivos números de profissionais (cada Núcleo de Liberdade Assistida e PSC possui em no seu quadro funcional: 11 profissionais) não ocorrendo aumento proporcional ao aumento da quantidade de socioeducandos que cresce a cada mês, advindo dos processos cíclicos da violência. Apesar desse acontecimento, acredito ser importante reconhecer que o Programa de Atendimento, dentro de seus limites, conta com profissionais que buscam, por meio de suas especificidades e metodologias de ação, efetivar os princípios que norteiam o atendimento socioeducativo. Em contradição a isso, suas ações, por vezes, estão na contramão da problemática estrutural das políticas públicas municipais que, por sua vez, não conseguem enfrentar, de forma eficiente, o quadro de vulnerabilidade em que os adolescentes e suas famílias se encontram. No que respeita as motivações de permanência dos profissionais antigos no Programa de Atendimento Socioeducativo, foi possível observar que a realização profissional dos agentes entrevistados e é justificada por meio de sentimentos de cunho pessoal como ‘amor’, ‘paixão’, ‘ajuda’ e outros, ou seja, são profissionais que se dedicam a um trabalho no qual se individualiza 109 o adolescente, não o percebendo como uma totalidade. Percebi, nas entrelinhas dos discursos desses profissionais, a ideia da ajuda, do assistencialismo, do favor, dentre outros aspectos. Isso reflete na postura observada nos profissionais, nas visitas aos locais das entrevistas, nos comentários posteriores aos atendimentos realizados por esses profissionais, onde percebi discurso pautado, principalmente, no conceito de ajuda, asseverando ao adolescente que, ao ser encaminhado para a rede socioassistencial, a sua efetivação pode ocorrer de forma positiva, acreditando-se haver um sentimento de favor e não um direito assegurado por uma legislação específica para sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Finalmente, saliento a importância deste tema, que se mostra na organização da estrutura das ações voltadas às crianças e adolescentes, baseada nos conceitos da prioridade absoluta e da responsabilidade de todos, caminhando pelos saberes teóricos e institucionais dos profissionais pertencentes ao campo social. Assim, concluo o presente estudo reconhecendo que muitos outros limites e possibilidades podem aparecer quando se tratar da proposta de atendimento proposto pela lei do SINASE e do princípio de municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto. No entanto, a reflexão desse processo pertence a todos: profissionais, pesquisadores, adolescentes, cidadãos, gestores, familiares, no sentido de assumir o papel de responsabilidade conforme assinala a Constituição Federal Brasileira, no que se refere ao acompanhamento socioeducativo em meios abertos e fechados, para adolescentes em conflito com a lei. 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABAD, Miguel. Crítica política das políticas de juventude. In: Políticas Públicas: juventude em pauta. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008, p.. 13-32. ABRAMO, H.L. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. n.5/6, edição especial, 1997. AMARAL E SILVA, Antônio Fernando. 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A pesquisa cujo título é o ‘Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto: reflexão acerca dos limites e possibilidades vivenciados pelos profissionais no acompanhamento de adolescentes em conflito com a lei’, tem com objetivo compreender os limites e possibilidades das ações desenvolvidas por profissionais que executam as políticas públicas de atendimento às crianças e adolescentes, mais especificamente as medidas socioeducativas em meio aberto do Programa de Atendimento Socioeducativo, mediante suas percepções e criação de sentidos sobre o próprio trabalho fazendo um contraponto com as orientações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Com esta pesquisa pretende-se conhecer seu ponto de vista, enquanto profissional que compõe a equipe técnica do Programa acerca de seu trabalho realizado. Esclareço que você é livre para decidir na participação da pesquisa e retirar seu consentimento a qualquer tempo sem que isso afete o seu relacionamento com o Programa. Sua participação também não acarretará risco ou desconforto e constará em responder algumas perguntas que lhe faremos por ocasião de uma entrevista. Se você concordar irei registrar suas respostas utilizando um formulário e o gravador. Saliento que todos os entrevistados terão direito à privacidade quanto aos dados e informações fornecidos, dispondo de sigilo acerca de sua identidade, sendo divulgados somente dados diretamente relacionados aos objetivos da pesquisa; esclareço, que se você concordar, registrarei sua entrevista utilizando-se de um gravador e/ou formulário e caso seja necessário algum relato, isto ocorrerá preservando sua identidade. Informo também que sua participação nesta pesquisa não arcará nenhuma despesa e qualquer pagamento ou gratificação. Para qualquer esclarecimento você poderá obter da pesquisadora Maria Liliana Correia dos Anjos, através do e-mail: lilianaanjos@ yahoo.com.br. Fortaleza, ____ de ________________de 2012. Nome _____________________________________________ Assinatura__________________________________________ Obs: o TCLE deve ser assinado em duas vias uma será entregue ao sujeito da pesquisa e a outra fica arquivada com a pesquisadora. 117 ROTEIRO DE ENTREVISTA 1. O que lhe motivou a participar da seleção para trabalhar no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo? Qual sua experiência anterior de trabalho? 2. Qual seu entendimento por medidas socioeducativas em meio aberto? 3. Quais os impactos do SINASE, que antes era um projeto de lei, e agora foi aprovado como lei, na realização de seu trabalho? Acredita que essa lei trará mudanças nas formas atuais de trabalho do Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo? 4. Relate seu cotidiano profissional no acompanhamento aos adolescentes da LA e/ ou PSC. 5. O que motiva sua permanência no Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo? 6. Relate uma experiência que marcou na realização de seu trabalho dentro da LA e ou PSC? 7. O SINASE propõe como orientação no acompanhamento de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, à criação de equipes multiprofissionais e a interação de saberes entre estes na realização do trabalho com tal público. Em sua opinião, você observa que há uma interação entre os profissionais do seu núcleo de LA e/ ou PSC, no que tange no acompanhamento dos adolescentes em cumprimento de medida? 8. No seu cotidiano profissional quais as dificuldades (ou limites) que você enfrenta no acompanhamento aos adolescentes da LA e/ ou PSC? 9. Que ideias você poderia sugerir para que essas dificuldades possam ser sanadas? (essa pergunta é feita com a intenção de saber quais as possibilidades que possam superadas que meu tema aborda limites e possibilidades) 10. Os vínculos empregatícios advindos de terceirizações ou indicações políticos-partidários ajudam na execução do trabalho ou atrapalham no acompanhamento de adolescentes em LA e/ou PSC? 11. Na sua percepção como as famílias e/ ou adolescentes acompanhados pelo Programa Municipal de Atendimento Socioeducativo encaram o trabalho que você realiza?