Saúde
Sexta-feira e fim de semana, 18, 19 e 20 de dezembro de 2015 • Jornal do Commercio •B-7
Célula inteligente
barra a psoríase
Implantada em
ratos, a estrutura
sintética
identificou quando
começaria a crise
da doença e
liberou a
quantidade certa
de medicamento
para evitá-la. A
solução criada na
Suíça poderá ser
usada em
pacientes em até
dez anos
» VILHENA SOARES
psoríase é uma doença
de pele que ocorre devido a problemas relacionados ao sistema imunológico. Em casos graves, é tratada
com imunossupressores – substâncias, injetadas ou ingeridas,
que reduzem a atividade da defesa humana. A terapia, apesar de
eficaz, pode trazer complicações,
como o risco de infecções, já que
A
atacar a imunidade deixa o corpo
mais suscetível a agentes infecciosos. Para resolver esse problema, pesquisadores da Suíça desenvolveram uma célula que, ao
ser implantada no corpo, detecta
a ativação de substâncias ligadas
à enfermidade autoimune e desencadeia a produção de proteínas que podem contê-la diretamente, sem alterar o equilíbrio
do sistema de defesa. Detalhada
na edição desta semana da revista Science Translational Medicine, a técnica foi testada em ratos,
com sucesso, e há a expectativa
de que também possa combater
outras doenças inflamatórias.
Os cientistas haviam realizados trabalhos anteriores com foco em estratégias para conter
doenças como o diabetes, a obesidade e a artrite gotosa. Mas resolveram estudar complicações
mais complexas, como as autoimunes. “As enfermidades do sistema imunitário, por exemplo, a
psoríase, são caracterizadas por
múltiplas moléculas que só podem ser corrigidas usando diferentes proteínas terapêuticas.
Precisamos, portanto, de redes
que atuem por meio de sistemas
mais eficientes, como os computadores”, destacou Martin Fussenegger, um dos autores do estudo
e professor de bioengenharia e
biotecnologia no Departamento
de Biossistemas do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH
Zurique).
A alternativa criada, dizem os
estudiosos, tem a intenção de ser
Melhorando terapias atuais
As células sintéticas criadas por cientistas do Instituto Federal Suíço de Tecnologia também podem ajudar a
otimizar os tratamentos disponíveis contra a psoríase.
Os sintomas da doença autoimune – a inflamação e a
pele escamosa – geralmente
são combatidos com pomada
depois que eles ficam evidentes. A nova terapia poderia agir antes do surgimento
desses incômodos. “Com as
existentes, estamos quase
sempre atrasados. Já as célu-
Vamos aumentar a complexidade de nossas redes de genes
para que, um dia, ela possa operar de forma semelhante a
computadores. Usaremos esses biocomputadores para
processar a informação metabólica do corpo em tempo real
e prevenir essas doenças.”
Martin Fussenegger
Professor de Bioengenharia e Biotecnologia no Departamento
de Biossistemas do Instituto Federal Suíço de Tecnologia
mais eficiente que os medicamentos usados atualmente. São
minúsculas células sintéticas,
criadas por tecnologia biológica,
que combatem a crise de psoríase.
Testado em ratos com a forma
aguda da doença, o novo recurso,
inicialmente, conseguiu identificar o crescimento de células imunitárias ativadas de forma anormal em decorrência do mal autoimune. Essas células produzem
duas proteínas de sinalização próinflamatórias, o fator de necrose
tumoral (NTF, pela sigla em inglês)
e a interleucina – 22 (IL-22), que
dão origem à enfermidade.
Após detectado o descontrole
de produção de NTF e IL-22, as
células sintéticas provocaram a
produção de doses terapêuticas
de inibidores anti-inflamatórios.
“Elas detectaram as duas citocinas pró-inflamatórias responsáveis pela psoríase e calcularam a
las que usamos começam a
produzir mensageiros antiinflamatórios em um estágio
inicial, agindo antes de as
erupções cutâneas aparecerem”, explica Martin Fussenegger, um dos criadores do
método.
Para Gilvan Ferreira Alves,
dermatologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de
quantidade de proteína necessária para a produção de citocinas anti-inflamatórias que precisava ser liberada na corrente
sanguínea”, detalha Fussenegger. A liberação das substâncias curativas evitou a crise nas
cobaias e amenizou feridas já
provocadas pela enfermidade.
Biocomputador
Os cientistas também realizaram testes em amostras de sangue de pacientes com psoríase,
que reagiram bem à terapia das
células inteligentes. Os resultados positivos deixam o grupo otimista quanto ao uso da tecnologia para o tratamento em humanos. “Isso, certamente, vai levar
dez anos, mas acreditamos que
vai funcionar. As nossas células já
são projetadas para humanos e
todos os componentes do circuiDermatologia (SBD), a nova
tecnologia poderá deixar o tratamento contra a psoríase menos incômodo. “Isso se comparado também às situações
em que o paciente precisa receber injeções na veia com os
imunossupressores e aos casos em que as sessões precisam ser feitas em intervalos
curtos, como duas vezes ao
to são de origem humana, de modo que o sistema é sensível o suficiente para operar em um paciente e tratar a psoríase de forma
eficiente”, destaca o autor.
Há também a possibilidade
de a intervenção tecnológica tratar outras doenças inflamatórias,
como o lúpus. Nesse caso, a tecnologia adaptaria o seu sistema
de detecção para identificar a
ativação anormal de outras proteínas inflamatórias. “Vamos aumentar a complexidade de nossas redes de genes para que, um
dia, ela possa operar de forma
semelhante a computadores.
Usaremos esses biocomputadores para processar a informação
metabólica do corpo em tempo
real e prevenir essas doenças,
equilibrando perturbações patológicas”, aposta o autor.
Gilvan Ferreira Alves, dermatologista e ex-presidente da
dia. Sem contar que essas doses custam muito, uma outra
dificuldade para quem sofre
com a enfermidade”, complementa.
Tratamento específico
Alves também destaca que
efeitos adversos causados pela
intervenção disponível pode-
Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), acredita que enfermidades, ainda mais graves que a
psoríase, como a colite ulcerativa
(doença inflamatória do cólon e
do intestino grosso) poderiam ser
o foco da nova tecnologia. “Já sabemos quais as substâncias aumentam e causam essas doenças,
um conhecimento que pode ser
utilizado como uma possibilidade de personalizar tratamentos.
Isso reduziria principalmente os
efeitos colaterais. A preocupação
maior seria o custo, que pode ser
alto, mas, claro, que, ainda assim,
seria uma opção”, avalia.
Mais comum
em mulheres
Também autoimune, afeta
principalmente as
articulações, a pele, o
cérebro e os rins. Existem
três tipos de lúpus: o
discoide, com inflamações
somente na pele; o
sistêmico, que ocorre em
todo o organismo e pode
comprometer vários
órgãos; e o induzido por
drogas, no qual as
inflamações ocorrem pela
ingestão de
medicamentos. Acomete
mais as mulheres, e
grande parte dos
diagnósticos ocorre entre
os 15 e os 40 anos.
riam ser evitados com as células sintéticas. “É um tratamento muito mais específico. Os
atuais agem de forma mais
abrangente, combatendo todas as células imunitárias, o
que pode provocar o aumento
de fungos e bactérias, por
exemplo, deixando o organismo mais suscetível a infecções”, compara. (VS)
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Melhorando terapias atuais