XIII Congresso Brasileiro de Parasitologia Veterinária & I Simpósio Latino-Americano de Ricketisioses, Ouro Preto, MG, 2004.
A IMPORTÂNCIA DO ISOLAMENTO POR CULTIVO CELULAR E IDENTIFICAÇÃO DE Rickettsias ATRAVÉS DE TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR PARA O CONHECIMENTO
DAS RICKETTSIOSES
Fátima Bacellar e Rita de Sousa
Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas (CEVDI)
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge-Ministério da Saúde (INSARJ), Águas de Moura, Portugal - Tel. ++351 265912222
[email protected]
ABSTRACT
Rickettsiae isolates were done in embrionated chicken
eggs since the beginning of the last century, as well as today. In
Rickettsiology are used chicken embryos and VERO cell cultures and
the shell vial technique in the 90thies allowed the isolation of new
rickettsiae strains. Molecular biology studies changed Rickettsiology
by detecting new vectors and new pathogenic and non-pathogenic
rickettsiae species. New agents were recognized as spotted fever
rickettsial infectious agents and also new rickettsial species as
agents of atypical rickettsiosis. In CEVDI the isolation in cell cultures in vitro is currently used as a diagnostic tool and the strains
are identified and classified by molecular biology methods.
RESUMO
O cultivo de rickettsias iniciou-se em ovos embrionados,
tal como se faz ainda nos dias de hoje para obtenção de estirpes. As
células de cultura in vitro mais utilizadas em Rickettsiologia são as
de embrião de galinha e células VERO. Na década de 90, com o
emprego do “shell vial” para isolamento in vitro permitiu o estabelecimento de novas culturas de estirpes de rickettsia. O estudo dos
ácidos nucleicos, revolucionou a Rickettsiologia, detectando novos
vectores e várias espécies patogénicas e não patogénicas. Foram
descritas novas espécies agentes de febres maculosas, e novas espécies a causar rickettsioses atípicas. No CEVDI o isolamento de rickettsias a partir de amostras de sangue total é utilizado como uma
técnica de rotina e vários métodos de biologia molecular para identificação e classificação das estirpes.
REVISÃO
Desde os primórdios dos tempos da Rickettsiologia que os
métodos desenvolvidos para a cultura de vírus foram, e ainda são,
utilizados no estudo das rickettsias, embora sem a adição de antibióticos, em concentrações suficientes para evitar a contaminação com
os micróbios que, eventualmente, existam na amostra ou até no próprio ambiente do local de colheita. Estas bactérias, parasitas obrigatórias de células do sistema reticulo-endotelial de vertebrados e de
vários tecidos e órgãos de artrópodes, tem uma multiplicação lenta (6
a 12 h. em média) comparativamente com as bactérias de vida livre e
com os fungos que, crescendo primeiro, vão depauperar os nutrientes
necessários do meio de cultivo celular. Esse facto sempre dificultou o
estudo das rickettsias em cultura de células, pois as taxas de contaminação em culturas primárias são elevadas. Assim, para a obtenção
de estirpes de rickettsia em cultura de células, a condição necessária
e essencial é que a amostra seja colhida e processada em condições
de esterilidade. Ainda o facto de estarem catalogadas como agentes
de periculosidade 2 e 3 e o seu cultivo necessitar de medidas de
segurança para o operador, somente laboratórios especializados
reúnem as condições ideais para realizá-lo.
As tentativas de cultivo celular iniciaram-se no final do
século XIX, com os trabalhos de Roux que cultivou tecido medular
de aves em solução fisiológica, técnica que foi sendo aperfeiçoada
com outros tecidos e extensamente aplicada no estudo de vírus e do
cancro.
Cox, em 1952, pela primeira vez cultivou rickettsias em
ovos embrionados, tal como se faz ainda nos dias de hoje para obtenção de estirpes1. Entretanto, uma variedade de tipos celulares, de
origem animal e vegetal, que crescem in vitro em camada única,
foram sendo testadas para obtenção de culturas primárias e, principalmente, para o crescimento contínuo de estirpes. O sucesso só foi
obtido após a descoberta dos antibióticos, que só podem ser utiliza-
dos no cultivo in vitro em níveis não tóxicos, enquanto que os antifúngicos são sempre citotóxicos, mesmo em doses baixas (5ug/ml).
Portanto, mesmo hoje, ainda não é uma tarefa simples manter culturas celulares estéreis, inoculadas com rickettsias ou não e, mais ainda, isolar de amostras humanas ou de animais os supostos agentes.
As células mais utilizadas em Rickettsiologia são as de
embrião de galinha (CE) e VERO, uma linha celular de rim de macaco, isolada em 1963, por investigadores japoneses para o estudo de
vírus SV40 e utilizadas no estudo de rickettsias, com maior frequência a partir da década de 19702-3. O cultivo celular contínuo permitiu
que fossem realizados vários estudos sobre a fisiologia das rickettsias
(efeitos da temperatura, efeito da composição de meios no
crescimento, titular inóculos para determinar capacidade infecciosa,
etc.). Em 1960, Weiss e Dressler demonstraram o efeito positivo da
força centrífuga no cultivo de rickettsias e vírus em diferentes tipos
de células4. Em 1966, Kordova introduziu o método das placas no
estudo das rickettsias5. Foram determinados as plaque forming units
(PFU) e o efeito citopatogénico causado pelas várias espécies. A
utilização de células derivadas de mamíferos (L929 de ratinho) permitiu que se diferenciassem as espécies com base na capacidade de
formar ou não placas. Essas últimas eram as espécies isoladas de
ixodídeos (carraças ou carrapatos), e consideradas não patogénicas
para o Homem6. Nos anos 1970, também foram realizadas várias
pesquisas com os vectores artrópodes para visualizar as rickettsias na
hemolinfa e para o desenvolvimento de linhas celulares7-10
Wike e Burgdorfer, pela primeira vez, realizaram o isolamento de rickettsias a partir de sangue de cobaia e de hemolinfa de
ixodídeos infectados experimentalmente, utilizando o método simples de adicionar directamente a amostra sobre monocamadas de
células11. Vários grupos reproduziram essa metodologia com baixo
índice de sucesso.
Nos anos 1990, o grupo liderado por D. Raoult, em Marselha, adaptou o cultivo primário em células in vitro, em frascos
cónicos, com uma área reduzida e com a amostra também reduzida,
associando a utilização de centrifugação12-13. Esse método, genericamente denominado shell vial, permitiu o isolamento: de estirpes de
rickettsias já conhecidas a partir do sangue e biopsias de pacientes;
de novas espécies de Rickettsia, como: R japonica, R honei, R africae, Astrakan tick fever strain; e também da hemolinfa de ixodídeos
Rickettsia monacensis, R massiliae, R. helvetica, R. mongolotimonae,
R. slovaca14. Recentemente, essas últimas três foram implicadas em
casos de doença por detecção do genoma em amostras humanas.
Os isolamentos humanos de estirpes do complexo Rickettsia conorii, agentes da febre escaro-nodular (FEN) ou Mediterranean
spotted fever (MSF) foram realizados maioritariamente em França e
em Portugal. A casuística da Unité des Rickettsies, no período de
1995 a 2002, foi de 26 estirpes obtidas de 490 amostras (sangue total
e biopsias)15. Em Portugal, de 1994 a 2003, no CEVDI foram obtidas
um total de 47 estirpes (24 estirpes de R. conorii Malish e 23 estirpes
de Israeli tick typhus) estabelecidas em cultura, tendo sido processadas 553 amostras de sangue total16-19.
A década de 1990, com o emprego do “shell vial” para isolamento in vitro de estirpes e, principalmente, com o advento das
técnicas de biologia molecular no estudo dos ácidos nucleicos, revolucionou a Rickettsiologia. Refere-se, como curiosidade, que ao
pesquisarmos com a palavra-chave rickettsiae no MEDLINE encontramos cerca de 1200 referências desde 1949 à actualidade (55 anos),
sendo metade publicada a partir de 1990. Após 1990, associando-se
rickettsiae com DNA encontramos 200, um terço das referências.
Este pequeno exercício demonstra a importância destas técnicas
aplicadas ao estudo dos ácidos nucleicos destas bactérias fastidiosas.
Citando e concordando: “PCR has transformed molecular biology
Rev. Bras. Parasitol.Vet., v.13, suplemento 1, 2004
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through vastly extending the capacity to identify, manipulate and
reproduce DNA. It makes abundant what was once scarce -- the
genetic material required for experimentations." Paul Rabinow,
2003.
Quanto ao estudo do DNA de rickettsias já em 1952,
Wyatt e Cohen determinaram o conteúdo em bases nucleotídicas do
DNA de espécies do grupo tifo e das febres exantemáticas, como
uma característica de classificação20. Esta linha de trabalho foi continuada; verificou-se que o DNA era duplo, com cerca de 2000 pares
de bases, e foram estudados vários genes que codificam proteinases,
polimerases, proteínas antigénicas, entre outros,21-22. Já no terceiro
milénio foi completada a sequência do genoma das principais rickettsias patogénicas: Rickettsia prowazekii, R. rickettsii, R. conorii e R.
typhi23-26. Estes dados fornecerão as ferramentas para que por fim se
esclareça a biologia destas bactérias parasitas27-28. Para identificar o
genoma de rickettsias, estabelecidas em cultura in vitro ou nas mais
variadas amostras biológicas, foram escolhidos para estudo alguns
fragmentos dos genes que codificam o 16SRNA, a proteína de 17
kDa, e a citrato sintetase (gtl A) e proteínas de superfície (omp A e
B)29-32. O trabalho publicado por Regnery e colaboradores em 1991,
descreveu dois pares de primers, Cs877p e Cs1258n que amplificam
381 pares de bases de gtl A, e Rr190.70p e Rr190.602n que amplificam 532 pares de bases de rompA) que são dos mais reprodutíveis
para a identificação de espécies dos grupo tifo e das febres
exantemáticas, sendo mesmo possível distinguir entre estirpes do
complexo R. conorii31 .
As técnicas de biologia molecular têm também sido utilizadas no diagnóstico de rickettsioses conhecidas e permitido o diagnóstico de rickettsioses atípicas ou de “novas rickettsioses”. Contudo, os trabalhos para a detecção de genoma rickettsiano, a partir de
sangue total, biopsias ou amostras em parafina, têm sido ocasionais e
muitas vezes infrutíferos33-37. Porém, embora sem que se tenha obtido
a estirpe do agente etiológico, permitiram identificar casos de rickettsioses atípicas, como por exemplo TIBOLA (tick-borne limphadenopathy), perimiocardite, linfangite, entre outras14, 38.
Por outro lado, o gene de 17 kDa tem vindo a ser utilizado
frequentemente em pesquisas de rickettsias em vectores e os resultados revelam que é comum a existência destes agentes em outros
artrópodes, como pulgas e piolhos39-41. Se são agentes infecciosos
para o Homem, apenas o isolamento das estirpes de amostras humanas o confirmará.
Assim, quais as vantagens de se obter uma estirpe dessa
bactéria fastidiosa por cultura in vitro?
tível em qualquer laboratório, sem a necessidade de medidas de
segurança para o manipulador e para o ambiente que hoje existem.
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Obviamente seria a confirmação de uma rickettsiose, típica ou
atípica.
A obtenção de estirpes locais para utilização como antigénio
para permitindo melhorar a especificidade e sensibilidade das
técnicas serológicas, é um outro argumento de peso.
A utilização das estirpes para vários estudos bioquímicos,
genéticos, de infecção experimental em mamíferos e carraças,
em suma, todos os estudos que se podem fazer apenas com a
bactéria e não somente com o DNA.
Nos últimos 2 anos, no CEVDI, temos vindo a comparar
diversas metodologias para o diagnóstico do genoma rickettsiano nas
amostras recebidas com diagnóstico clínico de suspeição de FEN. A
extracção de DNA foi feita por DNA beads (Dynal) ou por kits da
Quiagen. A pesquisa por Reverse Line Blot (RLB) encontrou 3 positivos em 40 amostras analisados, duas que já tinham tido uma estirpe
isolada. Como limitação este método ainda não tem sondas desenhadas para todas as estirpes de rickettsia. O PCR com gtl A e/ou rompA
foi utilizado em 120 amostras de sangue total e detectou uma positiva, também com cultura positiva e 50 biopsias não obtivemos a detecção de DNA. O nested-PCR, realizado em 41 amostras de sangue
total detectou três amostras positivas no sangue e das 50 biopsias, 16
foram positivas. Consideramos positivas aquelas em que foi possível
a detecção de DNA com um rendimento suficiente para testes de
identificação da estirpe por RFLP ou por sequenciação. Assim, no
CEVDI, o isolamento de rickettsias em cultura ainda é a melhor
forma de obter um diagnóstico definitivo sobre a espécie de rickettsia, embora não seja um método de diagnóstico rápido. Por outro lado,
espera-se que a automatização dos métodos de biologia molecular e a
evolução da conservação das amostras a processar, tornem possível
um diagnóstico cada vez mais rápido, sensível, específico e reprodu-
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