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Opinião
Desafios dos programas
de combate à pobreza
Pesquisadores discutem a relevância do foco dos programas e da
seleção de seus beneficiários no sucesso de intervenções sociais
Antônio Márcio Buainain e Hildo Meirelles de Souza Filho
Governos de diversos países
têm despendido, com baixa
eficácia, recursos consideráveis
em políticas sociais: a pobreza e
a desigualdade social continuam elevadas e as demandas
e necessidades superam muitas
vezes a disponibilidade de recursos. No período recente, o
Brasil transformou-se em verdadeiro laboratório de programas sociais, cobrindo diversas
áreas, da saúde à reforma agrária, com modelos e concepções
distintas e a cargo das várias
esferas do governo, e os resultados ainda carecem de avaliações objetivas. A decisão de
priorizar o social em um quadro
de restrições de recursos coloca
na ordem do dia o debate sobre
a eficácia e eficiência dos programas de combate à pobreza.
O objetivo deste texto é apontar
alguns elementos para esse
debate.
Espera-se que os programas
sociais alcancem de fato a população pobre e os objetivos
propostos com eficácia e eficiência — atributos indispensáveis para o sucesso das ações.
Enquanto a eficiência diz respeito à utilização dos recursos
escassos, a eficácia refere-se à
melhoria do nível de bem-estar
da população meta. De pouco
adiantaria atingir os objetivos de
um programa com um custo
elevado, desperdiçando recursos que faltariam em outro.
A experiência acumulada tem
demonstrado que o sucesso dos
programas sociais depende diretamente do desenho e con-
cepção das ações; do foco e
seleção dos beneficiários; e do
custo e sustentabilidade da
intervenção e dos resultados
obtidos. A seguir fazemos algumas reflexões sobre a questão
do foco e da seleção.
Foco e seleção são cruciais
para o sucesso das ações sociais.
Não se trata apenas de definir
com clareza a quem as ações se
dirigem (população de beneficiários potenciais), mas de
Desafio é definir
mecanismos que
permitam eficácia no
processo seletivo e
eficiência no uso dos
recursos
maio|2003
Opinião
Todos querem o
benefício, mas cada
indivíduo, ou cada
família, atribui um grau
de importância
diferente a ele
Antônio Márcio Buainain,
docente do Instituto de
Economia da Unicamp
selecionar aqueles que participarão efetivamente do programa. Essa questão seria irrelevante caso os recursos fossem
suficientes para atender a todos.
Como este nunca é o caso, mesmo para políticas de alcance
universal, como as de saúde e
educação, coloca-se o dilema:
quem participa e quem fica de
fora, pelo menos no futuro imediato? Que critérios utilizar para
escolher os beneficiários? O da
fila? O da maior necessidade? O
de quem tem mais chance de
beneficiar-se de fato das ações
previstas no programa? O da
maior competência? Não é trivial tratar essas questões, e
naturalmente não existe uma
única resposta: os critérios são
variados e dependem da natureza e objetivo de cada programa específico. Esses critérios
não são, e nem devem ser, estabelecidos do ponto de vista
exclusivamente técnico, pois os
maio|2003
resultados não são neutros do
ponto de vista social. As escolhas
devem necessariamente passar
por instâncias de decisão política, apoiadas, é claro, pela
melhor avaliação técnica. Parece
claro que um programa de combate à fome deve tomar como
critério a maior vulnerabilidade
alimentar da população, assim
como também parece óbvio
que um programa de reforma
agrária deveria escolher aquelas
famílias com maior aptidão para
explorar a terra e com maiores
possibilidades de viabilizarem-se como produtoras. Mas a aparente obviedade dos critérios
não resolve a questão e dificilmente servirá de consolo para
os pobres que ficarem de fora.
A primeira dificuldade para a
definição do foco é, portanto, de
natureza política. Entretanto,
dificuldades de natureza técnica
também estão presentes, pois
mesmo quando há consenso
social com relação ao foco dos
programas, não é trivial selecionar de forma eficaz e eficiente. A escolha de um ou outro
mecanismo de seleção, ou mesmo a combinação de mecanismos em diferentes etapas do
programa, deve ser feita levando
em conta a eficiência da estrutura montada para executar o
programa. Considerando apenas a questão do foco, essa
eficiência diz respeito à capacidade do programa de incluir o
maior número possível de indivíduos do público-alvo (maximizar o alcance) e excluir o
maior número possível de indivíduos que não pertencem a
esse grupo (minimizar vazamento de recursos para o público não necessitado), ao menor custo possível em termos de
administração, burocracia, monitoramento etc.
Os desafios não terminam aí.
Não é suficiente que o programa
defina claramente seu alcance e
seu público-alvo (por exemplo,
agricultores familiares, famílias
pobres com filhos em idade
escolar, população com defi-
Hildo Meirelles de Souza Filho,
docente do Departamento de
Engenharia de Produção da UFSCar
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Opinião
Processo apropriado
reduz necessidade de
monitoramento e
prejuízos associados a
erros de seleção
ciência nutricional, grupos raciais etc.). A adequação a esses
critérios gerais de seleção de
beneficiários não elimina uma
clara realidade: as diferenças
entre os indivíduos que compõem um mesmo grupo. Essas
diferenças referem-se a atributos pessoais, familiares e às
condições socioeconômicas.
Todos são pobres, mas uns são
mais pobres do que os outros;
todos são sem-terra, mas alguns
têm mais aptidão para o trabalho no meio rural do que
outros; todos querem o benefício, mas cada indivíduo, ou
cada família, atribui um grau de
importância diferente ao benefício recebido. O fato de ser
pobre, por exemplo, não implica
automaticamente ter carências
nutricionais. Coloca-se, portanto,
a questão de identificar, nos
indivíduos do público-alvo, alguns atributos-chave para selecionar os beneficiários efetivos.
A identificação desses atributos
tampouco é tarefa trivial.
O sucesso de alguns programas depende apenas da identificação de atributos explícitos
que, com maior ou menor dificuldade, podem ser apontados:
por exemplo, em um programa
de combate à fome, deveria ser
suficiente identificar os grupos
que têm carência alimentar e
assegurar-lhes acesso ao alimento. Se fosse possível a perfeita identificação desses grupos, não haveria motivos para
supor que os beneficiários desviariam os alimentos para outros
fins que não o de nutrir-se. Nesse
caso, o problema de seleção diz
respeito a como identificar de
forma eficiente (com custos e
eficácia adequados) esse grupo
vulnerável. Há um claro trade off
(situação de escolha conflitante)
entre eficácia e custo - para
identificar perfeitamente esse
grupo, pode ser necessário realizar uma pesquisa sobre o status nutricional, o que asseguraria
uma seleção perfeita, mas teria
um enorme custo financeiro e
de tempo. O desafio é definir
mecanismos que permitam
compatibilizar eficácia do processo seletivo e eficiência do uso
dos recursos.
Em alguns tipos de programas, não é suficiente identificar
os atributos explícitos dos indivíduos; o sucesso da intervenção
também depende de características e atributos que não são
aparentes, como, por exemplo,
disposição para trabalhar e dedicar-se ao trabalho na terra.
Como identificar, ex-ante, essa
disposição? É óbvio que todos
os candidatos declararão a maior disposição para o trabalho e
mostrarão grande entusiasmo
em relação ao programa. Como
identificar aqueles que de fato
estão dispostos e preparados
para enfrentar o desafio?
Uma focalização inadequada
pode gerar problemas que comprometem, na origem, a possibilidade de sucesso da in-
maio|2003
Opinião
tervenção social. De um lado,
introduz distorções de naturezas diversas, como o desincentivo para o trabalho após a
seleção; a atração de famílias de
outras regiões para áreas que
estão sendo assistidas por um
programa social, comprometendo o orçamento e a possibilidade de manter a qualidade
da ação; o vazamento para não
beneficiários, como no caso de
não negros que se definem
negros apenas para ter as vantagens oferecidas pelo programa etc. De outro lado, também há um trade off entre seleção e custos de supervisão do
uso dos recursos (monitoramento), seja o uso por parte dos
executores seja o uso por parte
dos beneficiários. Uma seleção
apropriada reduz tanto a necessidade de monitoramento quanto os prejuízos associados a
erros de seleção, como, por
exemplo, a concessão de auxílio-alimentação a quem não tem
carência nutricional.
Pelo exposto acima, percebe-se que não é tarefa simples
estabelecer um programa de
combate à pobreza, a começar
Universidade pode
desempenhar papel
relevante, contribuindo
para a formulação e
avaliação dos
programas
maio|2003
pela definição e seleção dos
beneficiários. Não bastam recursos financeiros disponíveis, pois
um programa mal formulado
pode esgotar rapidamente seus
recursos sem atingir seus objetivos. Por mais boa vontade que
tenham os gestores públicos, fatores como custos burocráticos,
monitoramento, corrupção, vazamento de benefícios para
grupos não alvos etc. podem
exaurir as fontes de recursos,
reduzindo a eficiência e a capacidade dos programas de
realmente atingir os pobres.
A universidade pode desempenhar um papel relevante,
contribuindo tanto para a formulação como para a avaliação
dos programas de combate à
pobreza; pode desenvolver melhores metodologias, estudar
mecanismos de monitoramento,
avaliar os impactos, prover insumos para o redesenho e refletir sobre as concepções mais
eficazes e que dão melhor resposta para atacar determinado
problema. Para tanto, é fundamental colocar de lado as
idéias pré-concebidas, que, em
alguns casos, têm influenciado
negativamente o trabalho acadêmico. Não se trata de evitar
um posicionamento político,
mas de realizar trabalhos científicos com o máximo rigor científico. Só assim será possível
contribuir para desenvolver
programas sociais eficazes e que
contribuam para a redução da
pobreza no Brasil.
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