Notícia anterior Próxima notícia Classificação do artigo 16 mar 2015 O Globo FRANKLIN RUMJANEK Franklin Rumjanek é professor da UFRJ Não existe desenvolvimento grátis Cultura e progresso têm um preço a ser pago. Exigem investimento. Demandam intenção. No Brasil, esse corolário é ignorado Éum axioma da Física que a energia não pode surgir magicamente. Da mesma maneira, civilizações não surgem sem educação. Quando publicou seu influente livro “Armas, germes e aço; os destinos das sociedades humanas”, o biólogo Jared Diamond defendeu a hipótese de que o desenvolvimento diferencial das sociedades somente ocorreu porque a energia contida em um tipo de trigo de alta qualidade nutritiva permitiu que, no chamado crescente fértil, os nossos ancestrais caçadores e coletores puderam parar de migrar e estabelecer comunidades fixas que então deram início ao longo processo civilizatório. CAVALCANTE Em outras palavras, cultura e progresso têm um preço. Exigem investimento. Demandam intenção. No Brasil, esse corolário é ignorado. O enorme corte orçamentário para a Educação, de R$ 5,6 bilhões, atesta que aqui se acredita em mágica e em falsas premissas. Enquanto o governo continuar em sua campanha de convencer a população de que existem atalhos para o desenvolvimento, o futuro grandioso do país, tão propalado pelos políticos, continuará sendo fantasia. Jamais ocorrerá. Tão simples assim. Não adianta propor ações cosméticas cercadas de pirotecnia enganadora. Sem a valorização do magistério e de outras ações culturais, estaremos condenados a patrocinar mentiras e fiascos como aquele da abertura da Copa do Mundo em 2014, assistido por bilhões de pessoas. O famoso chute inicial, que ficou registrado como um dos dez maiores fracassos da ciência em 2014, simbolizou bem a nossa lealdade à enganação. Bem revelador, esse episódio demonstrou mais uma vez que a falta de educação nos condenará a ser um povo primitivo, cercado de alta tecnologia. Seremos sempre usuários, jamais protagonistas. E para esfregar sal na ferida, a contenção de gastos públicos não é homogeneamente distribuída. Enquanto uma instituição de pesquisa altamente produtiva como o Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, da UFRJ, recebeu um orçamento de cerca de R$ 400 mil em 2014, deputados receberão cada um R$ 92 mil por mês para seus respectivos gabinetes. No Brasil, os pesquisadores que recebem auxílios públicos para investigação científica são obrigados a rigorosamente demonstrar a contrapartida do investimento sob a forma de publicações e de formação de recursos humanos. E as Suas Excelências, prestam contas a quem? Mas, por que assistimos passivamente a essas incessantes e sistemáticas sabotagens carregadas de dolo? Por que não há uma reação semelhante àquela que se propagou pelo Brasil e que foi deflagrada pelo aumento das passagens de ônibus? A causa da educação é ordem de grandeza mais meritória do que o carnaval que presenciamos naquela época e que acabou se tornando mera diversão para jovens entediados com suas vidas vazias. Por que agora não se acusam abertamente as autoridades educacionais de traição, de crime contra o futuro, de descaso perene para com valores que deveriam constituir sua maior prioridade? Possivelmente, já estamos sofrendo dos efeitos corrosivos da falta de educação. O torpor gerado pela ausência de estímulo é semelhante à falta de oxigênio. Vai gradualmente minando a capacidade de indignação e inibindo qualquer centelha de revolta. Talvez, devamos mesmo nos conformar em ser o país do samba, pois nem o futebol nos sustenta mais. Impresso e distribuído por NewpaperDirect | www.newspaperdirect.com, EUA/Can: 1.877.980.4040, Intern: 800.6364.6364 | Copyright protegido pelas leis vigentes. Notícia anterior Próxima notícia