Efeitos de Programas de Assistência Social sobre a Freqüência Escolar: Uma
Análise Baseada em Modelos Hierárquicos
Resumo: O presente trabalho procura analisar empiricamente como as políticas sociais
contemporâneas no Brasil afetam os indicadores de freqüência à escola por parte dos filhos das
famílias beneficiadas. O estudo empírico aqui realizado incluiu como amostras as famílias
participantes de uma série de políticas sociais identificadas como “auxílios”, ou “transferências
monetárias”, as quais têm uma incidência focalizada sobre as famílias mais pobres. Além disso,
para analisar os efeitos da descentralização do gasto social no Brasil, foram incluídas nos
modelos de estimação variáveis referentes às características dos estados em que vivem as famílias
observadas pela amostragem, dentre elas o volume de gastos por parte do governo estadual com
assistência social. As variáveis de nível individual-familiar e de nível estadual foram estimadas
mediante modelos probit e hierárquicos, os quais buscam diferenciar os efeitos individuais dos
efeitos de grupo sobre as estimativas de coeficientes e de variâncias nas regressões. Conclui-se
que os programas assistenciais contribuem positivamente para a freqüência à escola. Contudo,
esse fenômeno ocorre de maneira homogênea em todo o país, sem significativas diferenças em
relação às características de cada estado.
Palavras-chave: educação, políticas sociais, modelos hierárquicos
Classificação JEL: C19, H52, I28
Abstract: This paper intends to analyze empirically how contemporaneous Brazilian
welfare policy affects the index of school attendance by the children of benefited families. The
empirical study done here included as samples families that participate in a series of welfare
policies identified as “aids”, or “monetary transferences”, that are focalized over the poorest
families of country’s population. Besides, in order to analyze the effects of decentralization of
welfare policy in Brazil, were included in estimation models variables referring to the
characteristics of states those sampled families inhabit, just like the extent of expenditures of
state’s government with welfare. Variables of both individual-familiar and state levels were
estimated with probit and hierarchical models, those ones intends to differentiate individuals and
collective effects over the estimates of coefficients and variances in the regressions. The paper
concludes that welfare policy contributes positively over school attendance. However, this
phenomenon happens homogeneously all over the country, without significant differences related
to each state’s characteristics.
Key words: education, welfare policy, hierarchical models
JEL Classification: C19, H52, I28
I – Introdução
A partir da década de noventa, os gastos sociais no Brasil tiveram uma mudança bastante
significativa de natureza. Ao contrário do que era feito anteriormente, em que as políticas tinham
caráter universal e de execução centralizada, atualmente os programas vêm apresentando
tendências cada vez mais focalizadas e de execução descentralizada, por meio das unidades
subnacionais de governo. A primeira parte do presente trabalho abordará uma breve dicussão
sobre esse tema.
Para avaliar o impacto das políticas sociais sobre a riqueza (ou redução da pobreza) das
famílias, se analisará o efeito da participação por parte da família em programas sociais sobre a
freqüência de seus filhos à escola. A relação entre riqueza e demanda por escolaridade foi
desenvolvida por Becker (1991 & 1993), em sua Teoria do Capital Humano, e está abordada na
segunda parte do trabalho, que também descreve alguns estudos empíricos aplicados à realidade
brasileira sobre o tema.
Após essas discussões, a presente pesquisa procurará desenvolver modelos para estimar o
impacto da participação, ou não, por parte das famílias em uma lista de políticas sociais
assistenciais sobre a freqüência de seus filhos à escola. Para isso, se controlará não apenas as
características individuais das crianças observadas, mas também as características dos estados em
que habitam, como forma de se mensurar a descentralização dos programas assistenciais e as
diferenças estaduais de acessibilidade ao estudo. A análise, com esse objetivo, será realizada pelo
uso de modelos hierárquicos, os quais são construídos com o objetivo de se separar os efeitos de
ordem individual e de ordem coletiva para a variabilidade dos dados observados. Os dados
utilizados foram obtidos na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2002-2003, no Ministério
da Fazenda e no Ministério da Educação. Chega-se à conclusão de que a participação em
programas assistenciais contribui positivamente para a probabilidade de as famílias
encaminharem seus filhos para a escola. Contudo, essa tendência ocorre em nível nacional, sem
significativas variações entre os estados brasileiros.
II – Gasto Social no Brasil: Aspectos Contemporâneos
A literatura estudada destaca a mudança do foco dos gastos sociais no Brasil a partir da
década de noventa. Tendo, como pano de fundo, o processo de estabilização macroeconômica,
caracterizado pelo contínuo aperto fiscal e monetário, houve uma pressão, sob o ponto de vista
político e econômico, para que se melhorasse a racionalização dos recursos públicos e a
eficiência dos gastos. No que diz respeito às políticas sociais, a partir desse período, houve maior
ênfase na focalização e na descentralização das responsabilidades sociais do setor público.
Em relação ao novo direcionamento das políticas sociais, segundo Lavinas (2000),
tradicionalmente, o gasto social no Brasil tinha o caráter de políticas concretas de habitação,
urbanismo e de saneamento básico para a população, isto é, consistiam em políticas de
investimentos em infra-estrutura social. Devido ao aspecto universal dessas políticas, pode-se
afirmar que consistiam em medidas de combate à desigualdade no país, uma vez que visavam à
melhoria das condições de vida da população carente como um todo. A autora destaca que essas
políticas significavam a concessão de direitos de cidadania e bem-estar social à população pobre,
2
o que proporcionaria um melhor acesso dessa faixa de população a melhores oportunidades de
emprego e de condições de vida.
Durante o período de estabilização econômica (década de noventa), seja por motivos de
restrição orçamentária governamental, seja por motivos meramente técnicos, o gasto social no
Brasil1 passou a ter um caráter focalizado, voltado à assistência social direta à população mais
necessitada. O mecanismo de ação dessas novas políticas consiste na realização de transferências
monetárias diretas à população beneficiária. Ou seja, visivelmente o objetivo dessas novas
políticas passou a ser o combate a pobreza, por meio da redistribuição de renda, e não mais a
igualdade.
Resende & Oliveira (2006) apontam que os principais benefícios das políticas sociais de
transferências monetárias estão relacionados à promoção, ao mesmo tempo, de assistência para as
famílias mais pobres no curto prazo, combatendo a pobreza corrente, e de investimento, por parte
das mesmas famílias, em capital humano, o que acaba levando a efeitos de longo prazo,
reduzindo a pobreza no futuro e promovendo a inclusão social. Além disso, pode-se citar como
vantagens das políticas focalizadas de distribuição de renda a maior restrição do volume de
recursos públicos ao seu orçamento, já que não ambiciona beneficiar toda a população, o que traz
vantagens fiscais ao implementador, e a maior eficiência microeconômica do gasto social sobre o
bem-estar das famílias, que, dotadas com maior volume de renda monetária (ao invés de bens
públicos já produzidos), podem alocar seus recursos de acordo com suas próprias preferências.
Contudo, uma parte da bibliografia, com destaque para Lavinas (2000), argumenta que as
políticas de distribuição direta e focalizada de renda monetária podem apresentar ineficiências
horizontais, no sentido de não conseguirem beneficiar todas as famílias mais pobres da população
(ou mesmo de vazarem para as famílias não-pobres). Além disso, no caso de transferências
vinculadas, o custo de monitoramento por parte do implementador pode ser muito elevado, ou
então, dependendo da condicionalidade imposta para a participação no programa, as famílias
potencialmente beneficiárias podem simplesmente decidir não participar.
No que diz respeito à descentralização dos gastos sociais, Winkler & Gershberg (2000)
apresentam os fundamentos técnicos que motivaram essa tendência em nível internacional.
Segundo os autores, a descentralização de atribuições fiscais entre as esferas governamentais dos
países está baseada em ganhos de eficiência social e técnica.
De acordo com os autores, a descentralização dos compromissos sociais dos governos
federais para as unidades federativas de nível subnacional e local proporciona uma maior
eficiência social ao gasto público por elevar a participação dos agentes locais nas decisões sobre
os serviços públicos (como políticas sociais) que irão receber. Por esse mecanismo, os agentes
revelam suas preferências, reduzindo a assimetria de informação do implementador das políticas,
o que faz com que o seu retorno sobre o bem-estar das famílias beneficiárias seja ampliado.
Além da eficiência social, a descentralização leva a uma maior eficiência técnica dos
gastos públicos e sociais por três diferentes mecanismos. Em primeiro lugar, como as autoridades
1
Tal fenômeno não ocorreu apenas no país, mas sim em nível internacional, com destaque para os países da América
Latina.
3
políticas locais têm maior informação sobre as questões orçamentárias dos programas adotados
em seus territórios, podem minimizar os seus custos com maior eficácia. Em segundo lugar, no
caso de políticas condicionadas, a capacidade de monitoramento e de fiscalização dos programas
das autoridades locais é muito melhor do que a da burocracia federal. Por fim, a descentralização
estimula a promoção de uma maior variedade de provedores e de programas de política social, o
que propicia condições para inovações técnicas de elaboração e de implementação.
Afonso (2003) e Oliveira (1998) destacam que, apesar da forma pela qual foi realizada2, a
descentralização fiscal no Brasil proporcionou avanços técnicos significativos nas áreas de
educação, saúde e de assistência social. Pois, progressivamente, os governos subnacionais
brasileiros (estados e municípios) passaram a ter um papel crescente nos gastos sociais em nível
nacional, principalmente pela aplicação de recursos vinculados ou transferidos pelo governo
federal e pela avaliação e fiscalização dos beneficiários desses programas. Além disso, as
próprias emendas constitucionais significaram a criação de um sistema de garantias que,
contemporaneamente, acabou fortalecendo a institucionalização da descentralização fiscal, pela
definição cada vez mais direta das atribuições e compromissos de cada esfera de governo.
Uma importante controvérsia à descentralização de gastos de assistência social é realizada
por Silva (2005). Esse autor, com base no modelo de Musgrave (1980), argumenta que as
famílias podem reagir a políticas de distribuição de renda por meio da migração, se houver
liberdade de mobilidade de fatores de produção entre as unidades federativas de um mesmo país.
Assim, espera-se que as famílias mais pobres migrem para os territórios cujos governos ofereçam
maior volume de recursos assistenciais, e as famílias mais ricas migrem para os territórios onde a
carga tributária é menor, ou, pelo menos, não-progressiva. Para os autores, esse efeito
demográfico pode acabar comprometendo os resultados esperados das políticas de redistribuição
de renda. Nas palavras do autor (Silva, 2005, pg. 124):
Ações locais, num cenário de mobilidade de fatores, tendem a alterar preferências
localizacionais e produzir decisões ineficientes ao conjunto do sistema econômico. A
participação de governos subnacionais em ações distributivas é desejável em circunstâncias
especiais, quando as restrições supramencionadas não forem verificadas, criando, com isso, a
possibilidade da adoção de medidas eficientes e eficazes.
III – Teoria Econômica da Família, Capital Humano e Demanda por Educação
Os estudos que correlacionam a escolaridade dos indivíduos e a diminuição dos seus
níveis de pobreza são, em grande parte, influenciados pela Teoria do Capital Humano (BECKER,
1993), a qual busca explicar tanto os retornos da educação sobre os índices de riqueza dos
indivíduos e das famílias, como também os fundamentos da demanda por educação. Nessa teoria,
o capital humano é definido como um fator de produção que é acumulado por meio de
2
Segundo o autor, a descentralização de responsabilidades fiscais teve um caráter predominantemente político, e não
técnico. O objetivo primordial desse processo não foi a promoção de maior eficiência ao gasto público no Brasil, mas
sim de delegar parte do poder fiscal e financeiro da União para os entes subnacionais (estados e municípios), sob a
coordenação federal das atribuições subgovernamentais no que diz respeito às políticas públicas e aos gastos sociais.
Essa descentralização não foi devidamente institucionalizada em seus princípios, seguindo uma dinâmica
desordenada, voltada para o alívio do sufoco fiscal sobre o governo federal, por meio da vinculação dos recursos
estaduais e municipais a determinados projetos definidos em emendas constitucionais, da exigência de contrapartida
financeira de seus gastos (principalmente após a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal), e com a transferência
progressiva de funções aos entes subnacionais.
4
investimentos em atividades que podem elevar a produtividade das pessoas, como, por exemplo,
a educação, o treinamento no emprego e os cuidados com a saúde, de modo a proporcionar
ganhos de renda no futuro.
O mesmo autor (BECKER, 1991) formulou a Teoria Econômica da Família. Segundo essa
teoria, as famílias não se comportam como unidades autônomas, de preferências exógenas, mas
sim como compostas por indivíduos. Assim, as preferências dos membros que compõem as
famílias podem ser diferentes, o que pode levar ao surgimento de relações de cooperação ou de
competição entre eles, o que, em suma, influencia diretamente o processo de tomada de decisões
em nível familiar.
Assim, relacionando a Teoria do Capital Humano com a Teoria Econômica da Família,
Becker (1991 e 1993) formulou um modelo microeconômico no qual os pais tomam as decisões
em nível familiar maximizando suas funções de utilidade individuais. Tais funções revelam
preferências sobre o seu nível de consumo presente, o seu número de filhos e as características de
cada filho, principalmente no que diz respeito às expectativas de sua qualidade de vida, sucesso
profissional e padrão de riqueza no futuro. Assim, os pais tomam decisões em um trade-off entre
o seu nível de consumo presente e o seu investimento no capital humano de seus filhos, como
forma de elevar sua renda futura. Nesse trade-off, estão envolvidos os custos diretos desses
investimentos nos filhos (representados pelos gastos com sua educação), assim como o custo de
oportunidade de não consumir a sua renda presente. Nesse modelo, o ponto de escolha ótima em
relação à alocação dos recursos dos pais será o ponto em que as taxas marginais de retorno do
consumo e do investimento se igualarem3.
Um outro trade-off enfrentado pelas famílias em suas decisões de investir na educação de
seus filhos é apresentado por Hanushek (1992). Segundo o autor, como os pais têm recursos
limitados para investir na qualidade do capital humano de seus filhos, quanto maior o número de
crianças na família, menor deverá ser o montante de recursos investidos em cada uma, e menor
será a qualidade de sua educação. Por isso, o número de crianças na família também é uma
variável importante para a determinação da demanda por educação.
Nesse sentido, programas de transferência de renda, tais como programas assistenciais,
por elevar a renda presente dos pais, e dos chefes de família em geral, elevam as suas dotações de
recursos, podendo levar tanto a um aumento do seu nível de consumo, o que eleva seu bem-estar
presente, como permite elevação no seu investimento no capital humano dos seus filhos,
traduzido empiricamente pelos aumentos nos índices de matrículas em instituições de ensino e
freqüência à escola. Além disso, Schwartzman (2004) afirma que o aumento da renda presente
por meio de benefícios de programas condicionados de assistência social pode elevar os índices
de escolaridade pela compensação, para a família, do possível salário de cada filho caso eles
trabalhassem, ou então pela instituição de uma obrigação moral da família frente aos órgãos
fiscalizadores da comunidade, de se comprometer a levar seus filhos à escola como forma de não
perder seus benefícios assistenciais.
3
Os pressupostos básicos do modelo, assim como sua representação formal seguem os princípios da economia
neoclássica.
5
Outra variável importante para explicar a freqüência escolar é o nível de escolaridade dos
pais. Segundo autores como Rocha (2003), a educação dos pais exerce uma transmissão
intergeracional de níveis de rendimento, servindo como um elemento fundamental contrário à
perpetuação da pobreza na família. Pais mais educados, além de estarem associados a maiores
dotações de recursos, tendem a apresentar melhores informações sobre a importância da educação
sobre os rendimentos individuais, de modo que dão mais valor aos seus recursos gastos na
educação de seus filhos (CORSEUIL et al., 2001). Além disso, o nível de escolaridade dos pais
capta outros determinantes da renda e das dotações familiares além daquelas provenientes da
educação, tais como a origem da família, as suas características sócio-econômicas e sua rede de
contatos e influências sociais.
Contudo, conforme conta o relatório da PREAL4 de março de 2003, a deserção escolar é
um problema recorrente sobre as políticas sociais (principalmente relacionadas à educação)
realizadas na América Latina, o que ocorre quando crianças e adolescentes abandonam a escola
antes de acumular o capital humano necessário para se tornarem competitivos nos mercados de
trabalho locais, o que pode contribuir para perpetuar a sua situação de pobreza.
O relatório aponta cinco possíveis motivos para o abandono à escola. Em primeiro lugar,
as razões econômicas, relacionadas com a necessidade de trabalhar, por parte do aluno 5, ou
simplesmente com a falta de recursos por parte de seus pais para investir em capital humano, isto
é, não conseguem suprir os custos diretos da educação. Em segundo lugar, a falta de oferta de
escolas e de professores, o que é mais comum nas regiões rurais e povoadas por população de
baixa renda. Terceiro, a mera falta de interesse dos alunos pelo estudo, sobretudo os de famílias
mais pobres, o que indica que “as escolas não estão preparadas e equipadas para lidar com
estudantes que chegam sem o ‘capital cultural’ associado aos ambientes de média e alta renda.”
(Schwartzman, 2004, pg. 21). Quarto, as razões familiares, que decorrem sobretudo das
ocorrências de gravidez e de casamentos6 entre adolescentes. Por fim, o abandono pode ser
provocado por problemas de desempenho escolar dos alunos, já que empiricamente se observa
que as sucessivas reprovações podem acabar desanimando os alunos em relação ao seu futuro
educativo.
Além desses motivos, Schwartzman (2004) aponta que a má qualidade do ensino pode ser
um fator que provoca o abandono ao ensino. Segundo o autor, os alunos podem abandonar as
escolas simplesmente porque não conseguem aprender. Assim, a acumulação de capital humano
nessas condições é nula, e o retorno esperado do trabalho no tempo presente, para o aluno, é
maior.
Dentre os estudos empíricos já realizados sobre os determinantes da freqüência escolar no
Brasil, destaca-se o trabalho de Kassouf (2001). Utilizando dados da PNAD7 de 1995, a autora
utilizou um modelo probit para estimar a probabilidade, por parte das crianças incluídas na
amostra, de estudarem e de trabalharem. O estudo concluiu que os fatores mais correlacionados
4
Programa de Promoção de Reformas Educativas na América Latina e no Caribe, com sede em Santiago, Chile.
Tal motivo predomina em relação ao abandono à escola por parte de alunos recém-adolescentes (a partir dos 14
anos).
6
Tal motivo predomina em relação ao abandono à escola por parte de alunos do sexo feminino.
7
Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio, realizada periodicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
5
6
com a freqüência escolar são: altos níveis de educação dos pais, baixo número de irmãos, baixa
idade das crianças, elevados salários dos pais e baixos salários das crianças no mercado de
trabalho.
Ferro & Kassouf (2005) realizaram estudo semelhante. Os autores utilizaram dados da
PNAD de 2001 para estimar um modelo probit de modo a avaliar o impacto do programa Bolsa
Escola sobre a redução da incidência de trabalho infantil. Segundo o artigo, a probabilidade de
uma criança trabalhar é menor quanto menor for a sua idade, maior for os salários de seus pais, e
é maior para os meninos do que para as meninas. O programa Bolsa Escola reduziria o número de
horas trabalhadas pelas crianças, mas elevaria a probabilidade de uma criança trabalhar. Segundo
os autores, isso seria causado por um viés de auto-seleção da amostra, uma vez que os
beneficiados pelo programa são as famílias mais pobres, que estão mais propensas ao trabalho
infantil.
Corseuil et al. (2001) realizaram um estudo empírico para as decisões dos jovens entre
estudo e trabalho, para quatro países da América Latina (Brasil, Chile, Honduras e Peru). Foi
concluído que a educação dos pais é a variável mais importante para a probabilidade dos filhos
freqüentarem escolas, em todos os países da amostra. Outros fatores importantes, como o grau de
urbanização do país, o tamanho das famílias e a presença de idosos no domicílios, variam de país
para país, tanto em termos de magnitude, como em termos de sinal.
Um trabalho mais completo, envolvendo fatores relacionados à oferta e à demanda por
educação e seu impacto sobre a qualidade e a quantidade do ensino em Minas Gerais foi
elaborado por Riani & Rios-Neto (2004). Para isso, os autores utilizaram a metodologia de
modelos hierárquicos, em que as características individuais das crianças (como seu nível
socioeconômico e o background familiar), relacionadas com a demanda por educação, foram
complementadas por características dos municípios mineiros nos quais vivem (como as
características das escolas e os recursos destinados à educação), relacionadas com a oferta de
ensino. O estudo concluiu que ambos fatores contribuem positivamente para o percentual de
crianças matriculadas nas escolas e para a seriação correta de acordo com sua idade.
IV – Metodologia
Nos últimos anos, é notável a crescente popularidade do uso de modelos de estimação em
multinível, ou modelos hierárquicos, em estudos de análise quantitativa de dados dentro das
ciências sociais. Díaz (2007) afirma que esse fenômeno integra uma necessidade maior, por parte
das ciências sociais, de aprofundar tanto a sua abordagem teórica como sua metodologia, visando
identificar, isolar e explicar as influências do ambiente e do grupo sobre o comportamento dos
indivíduos neles inseridos, em complemento a suas próprias características.
Na análise de dados estatísticos amostrais, pode-se observar uma tendência de correlação
entre indivíduos pertencentes a um mesmo grupo, ou habitando um mesmo ambiente, no que diz
respeito as suas características e o seu comportamento. Essa correlação provoca um viés negativo
nas estimativas dos erros-padrão dos modelos estimados diretamente pelo método dos Mínimos
Quadrados Ordinários (MQO).
7
A metodologia de modelos hierárquicos consiste, basicamente, no desenvolvimento de
modelos de regressão que assumem que a variável dependente estudada é afetada por variáveis
independentes de níveis distintos, isto é, tanto por aquelas específicas ao indivíduo estudado,
como por aquelas específicas ao grupo ao ambiente ao qual o indivíduo se insere. Além disso, em
cada nível pode haver um componente residual, não explicado pelas variáveis explicativas
adotadas no modelo. Nessas condições, o uso de modelos hierárquicos pode oferecer três
vantagens ao estudo (QUEIRÓS & CÉSAR, 2000). Em primeiro lugar, a metodologia permite
obter melhores estimativas para os parâmetros abordados no modelo, pelo controle das
características do grupo mais numeroso sobre as inferências realizadas para a população total
observada. Em segundo lugar, permite avaliar os efeitos entre as variáveis de diferentes níveis,
disponibilizando a realização testes de hipóteses sobre as relações entre o indivíduo e o seu
respectivo grupo. Por fim, permite separar os componentes das variâncias das estimativas de
acordo com o nível de cada variável independente, o que faz com que as estimativas de erro
padrão sejam mais conservadoras quando a estimação é realizada por modelos hierárquicos do
que quando é realizada diretamente por MQO em um modelo linear. Além disso, a separação das
variáveis explicativas em diferentes níveis faz com que a metodologia de modelos hierárquicos
possibilite uma melhor compreensão dos problemas no processo modelado (FERRÃO et al.,
2002).
Em termos mais formais8, um modelo hierárquico baseia-se, no primeiro nível
(individual), no estudo da relação entre uma variável dependente Yij (como, por exemplo, a
freqüência à escola), para um indivíduo i pertencente a um grupo j (por exemplo, o estado
brasileiro em que habita), e uma variável explicativa Xij para cada indivíduo (como a
participação, ou não, em programas de assistência social):
Yij = β0j + β1jXij + rij
(1)
Porém, como os grupos podem exercer efeitos que influenciam o comportamento dos
indivíduos neles integrados, pode-se controlar esses efeitos por uma variável explicativa Wj
(como, por exemplo, o número de escolas existentes em cada estado da federação). Nesse caso, as
equações do segundo nível (grupos) são:
β0j + γ00 + γ01Wj + u0j
β1j = γ10
(2)
(3)
Observa-se que, no caso, como o número de escolas existentes no estado é independente
da participação, ou não, por parte do indivíduo em programas assistenciais, apenas o termo de
intercepto da equação do primeiro nível pode ser afetada pela variável explicativa Wj.
Substituindo (2) e (3) na equação (1):
Yij = γ00 + γ01Wj + u0j + γ10Xij + rij
Yij = γ00 + γ01Wj + γ10Xij + u0j + rij
8
(4)
A presente formalização está baseada no artigo de Díaz (2007) e no livro de Raudenbush & Bryk (2002).
8
Nesse modelo, supõe-se que os termos u0j e rij são erros aleatórios, independentes, de
média zero e seguem uma distribuição normal. Sendo σ2 a variância de rij (a variância entre
indivíduos), e τ02 a variância de u0j (a variância entre grupos), a correlação intra-grupos será:
ρ(Yij, Yi’j) = τ02 / (τ02 + σ2)
(5)
Intuitivamente, a correlação intra-grupos significa a correlação entre os valores da
variável Yij (a freqüência à escola) referentes às observações de dois indivíduos escolhidos
aleatoriamente dentro de um certo grupo.
A estimação do modelo, tanto dos parâmetros fixos γnm como das variâncias e
covariâncias, pode ser realizada por três alternativas distintas, de acordo com Raudenbush &
Bryk (2002). Em primeiro lugar, pelo método da máxima verossimilhança, no qual escolhe-se os
estimadores para γ e τ de modo que a probabilidade de se observar esses valores nos dados de Y é
máxima. Esse método apresenta estimadores consistentes, eficientes e de distribuição
convergente para uma normal. Em segundo lugar, pelo método da máxima verossimilhança
restrita, o qual ajusta os estimadores de máxima verossimilhança de τ para os efeitos fixos nas
amostras. Por fim, pelo método bayesiano, o qual controla possíveis erros de estimação de
variâncias e covariâncias pela realização de inferências sobre γ a partir apenas dos dados, isto é,
não condicionais em τ.
Depois de escolhido o método de estimação, adota-se como o método de computação
desse referido estimador os Mínimos Quadrados Generalizados Iterativos (MQGI), que é muito
bem explicado por Díaz, (2007, pg. 101):
Essencialmente, o método inicia-se pela estimativa dos parâmetros fixos, γhk, pelo Método de
Mínimos Quadrados Ordinários. A partir desses resultados é possível obter estimativas dos
resíduos que permitem que se estime a matriz de variâncias e covariâncias do modelo(σ2, τh2 e
τhk). Isso possibilita uma re-estimação dos parâmetros fixos, pela aplicação do Método de
Mínimos Quadrados Generalizados, que, por sua vez, serão utilizados para obter uma reestimativa da matriz de variâncias e covariâncias. Estas etapas irão se sucedendo até que se
verifique uma convergência dos resultados obtidos. Justamente por esta razão, o método é
denominado iterativo.
V – Dados e Variáveis
A principal fonte de dados utilizada para a análise empírica do presente trabalho é a
Pesquisa sobre Orçamentos Familiares (POF) 2002-2003. A POF é realizada pelo IBGE9, e inclui
dados de domicílios particulares permanentes10 abrangendo todo o território nacional, inclusive
regiões rurais e urbanas de todos os estados da Federação. A POF consiste em um levantamento
de informações sobre os gastos e os rendimentos das famílias brasileiras, entendidas como
unidades de consumo11, coletadas por meio de entrevistas pessoais com os membros dessas
9
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Isto é, ficam excluídas da pesquisa observações referentes a militares, pacientes internados em instituições de
saúde e hóspedes em domicílios coletivos (FGV, 2004).
11
“De acordo com a POF, o conceito de unidade de consumo compreende um único morador ou conjunto de
moradores que compartilham da mesma fonte de alimentação ou compartilham as despesas com moradia. Para
efeito de divulgação de resultados, o termo família tem sido utilizado para representar o conceito de Unidade de
Consumo.” (RESENDE & OLIVEIRA, 2006, pg. 9).
10
9
unidades de consumo, como os chefes de família e as donas de casa, e transcritas para
formulários formais de pesquisa. O objetivo original da POF é definir as cestas de consumo
padrão das famílias brasileiras de modo a permitir que se construa um sistema de ponderações
para a construção de índices de preço ao consumidor (FGV, 2004). Contudo, devido à riqueza de
suas observações e dimensões, essa fonte vem sido cada vez mais utilizada como banco de
microdados para os mais variados estudos sociais. A POF de 2002-2003 apresenta uma amostra
de 48.171 unidades de consumo.
O presente trabalho utiliza dados de três bancos integrantes do POF: informações sobre
“moradores12”, “rendimentos e deduções13” (do trabalho) e “outros rendimentos14”. A amostra
final corresponde às observações de 25.392 crianças de sete a catorze anos, agrupadas por
famílias e por estados da Federação. A análise empírica foi realizada com o software Intercooled
Stata 9.1. Graças ao comando merge desse software, foi possível separar as observações de cada
unidade de consumo, criando bancos de dados para os chefes de família, seus cônjuges e os
filhos, de modo a se obter as variáveis explicativas de nível individual para os modelos
estimados, para depois integrar todas as variáveis relevantes escolhidas em um único banco.
Todas as variáveis explicativas de nível um (isto é, nível individual das crianças) dos
modelos foram construídas a partir das variáveis presentes no POF 2002-2003, sendo que
algumas delas foram diretamente incluídas para a estimação, e outras foram obtidas por meio de
proxies. No estudo, a proxy considerada mais crítica foi o uso de uma dummy que observa se o
indivíduo recebe ou não remuneração pelo seu fator trabalho como forma de mensurar a
incidência do trabalho infantil. Isso se justifica por dois pontos. Em primeiro lugar, por um fator
técnico, pelo fato de que a POF não pergunta diretamente às unidades de consumo se os seus
membros trabalham ou não, mas sim se os mesmos representam fontes de orçamento familiar.
Em segundo lugar, por um fator mais intuitivo, de que o trabalho infanto-juvenil não remunerado
no Brasil tem uma característica fundamentalmente intra-familiar, como é o caso dos jovens
habitantes das áreas rurais da região Sul, que estudam em um turno do dia e ajudam seus pais no
trabalho em outro turno, o que não prejudica a sua freqüência à escola, ao contrário dos jovens
que cedo ingressam no mercado de trabalho (Schwartzman, 2004).
Os dados das variáveis de nível dois, referentes às Unidades da Federação brasileira, por
sua vez, têm fontes distintas. Os valores dos gastos estaduais com assistência social em 2002
foram coletados em uma planilha com os exercícios orçamentários dos estados, disponíveis pela
COREM15, instituição vinculada à Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda. Essa
variável tem o objetivo de mensurar o efeito da descentralização do gasto assistencial no Brasil
sobre a variável endógena dos modelos. O número de instituições de ensino básico em cada
estado em 2002, incluindo ensino fundamental e médio, para escolas públicas, privadas e estatais,
foi obtido na Sinopse 2002 do INEP, vinculado ao Ministério da Educação.
12
Banco POF1, registro 2.
Banco POF5, registro 12.
14
Banco POF5, registro 13.
15
Coordenação Geral das Relações e Análise Financeira de Estados e Municípios.
13
10
Quadro 1. Variável Dependente
Variável
freq1
Descrição
Freqüência à escola
Observações
Dummy com valor igual a um se a
criança freqüenta alguma escola,
pública ou privada, e zero caso
contrário.
Quadro 2. Variáveis Independentes de Nível Um
Variável
lrenda
Descrição
Logaritmo da renda per capita da
família.
idade_fi
Idade das crianças.
sexo1
Sexo das crianças.
cor2
Raça, ou cor, das crianças.
progas
Participação
assistenciais.
nivel_instr_ch
Nível de instrução do chefe da
família.
urbano
Área em que a criança vive.
numpess
Número de pessoas na família.
trabalha
Se a criança integra o mercado de
trabalho ou não.
em
programas
Observações
Obtida pelo logaritmo da renda
real deflacionada da família,
presente no POF, dividida pelo
número de pessoas em cada
família.
Idade dos filhos de cada família,
de sete a catorze anos.
Dummy com valor igual a um para
os homens, e zero para as
mulheres.
Dummy com valor igual a um para
as crianças negras ou indígenas, e
zero caso contrário.
Dummy com valor igual a um se a
família da criança participa de
pelo menos um programa
assistencial dos selecionados para
a amostra, e zero caso contrário.
Indicador obtido diretamente no
POF, serve como proxy para a
educação do pai da criança.
Dummy com valor igual a um se a
criança vive em área urbana, e
zero se vive em área rural.
Valores obtidos diretamente na
POF, descontados os pensionistas
e os empregados domésticos.
Dummy com valor igual a um se a
criança recebe algum rendimento
pelo seu fator trabalho, e zero
caso contrário.
Quadro 3. Variáveis Independentes de Nível Dois
Variável
escolas_eb
gastos_as
Descrição
Número de escolas presentes em
cada estado brasileiro no ano de
2002.
Gastos estaduais com assistência
social em 2002.
Observações
Dados coletados no
Ministério da Educação.
Dados coletados na
Ministério da Fazenda.
INEP,
STN,
11
Quadro 4. Programas Assistenciais Selecionados para a Análise
Programas:
Renda Mínima
PET – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
Cesta Básica
Auxílio-Leite
Bolsa Renda
Bolsa Escola
Agente Jovem (programa para jovens desempregados)
Auxílio-Gás
Auxílio a Portadores de Deficiência Física
Auxílio à Energia Elétrica
Salário Família
Auxílio-Atividade
Auxílio-Fardamento
Auxílio-Estiagem
Auxílio-Comunicação
Auxílio-Desemprego
Auxílio-Maternidade
Auxílio-Saúde
Auxílio-Educação
Auxílio-Creche
Salário-Educação
Auxílio-Escola
Auxílio-Mãe Guardiã
Auxílio-Funeral
Auxílio-Velhice
Tabela 1: Descrição das Variáveis de Níveis 1 e 2
Variável
freq1
lrenda
idade_fi
sexo1
cor1
progas
nivel_inst_ch
urbano
numpess
trabalha
escolas_eb
gastos_as
Observações Média
DP
Mínimo
Máximo
25392 0.9637287
0.186968
0
1
25392
6.885065
1.33176 0.300105
13.34391
25392
10.54612
2.302256
7
14
25392 0.5120117 0.4998655
0
1
25392 0.3913831 0.4880694
0
1
25392 0.3701953 0.4828664
0
1
25392
5.274457
3.132247
0
16
25392 0.7345621 0.4415748
0
1
25392
5.310885
1.983269
2
20
25392 0.0659263 0.2481581
0
1
25392
8994.971
6851.956
716
26339
25392
72900000
77800000
3916768 378000000
Fonte: elaboração própria
Como os programas assistenciais no Brasil têm uma natureza cada vez mais focalizada
sobre os grupos mais necessitados, a proporção de participantes varia de acordo com variáveis
referentes às dotações e à residência da família. Por exemplo, domicílios localizados em regiões
rurais estão mais relacionados com baixas dotações de renda familiar, com maior tamanho médio
das famílias, com menores níveis de capital humano e com maior propensão ao trabalho infantil.
12
Por isso, a participação dos domicílios rurais em programas assistenciais é proporcionalmente
maior nas regiões rurais do que nas urbanas. Além disso, a participação nos programas é
decrescente em relação aos anos de estudo do chefe do domicílio, utilizado como proxy para a
dotação de capital humano da família.
Tabela 2: Proporção de Participantes de Programas Assistenciais em Relação ao
Capital Humano Familiar, à Localização do Domicílio e à Freqüência à Escola
Anos de Estudo do
Chefe do Domicílio
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Localização do Domicílio
rural
urbano
Freqüência à Escola
não freqüenta
freqüenta
Total
Participa Total
% de participantes
1,873
3,644
51.40%
12
23
52.17%
31
65
47.69%
123
213
57.75%
358
665
53.83%
5,665 14,730
38.46%
79
252
31.35%
85
215
39.53%
872
3,770
23.13%
30
122
24.59%
38
143
26.57%
6
49
12.24%
9
21
42.86%
85
724
11.74%
81
498
16.27%
41
181
22.65%
12
77
15.58%
2,999
6,401
6,740
18,652
44.50%
34.32%
260
9,140
9,400
921
24,471
25,392
28.23%
37.35%
37.02%
Fonte: elaboração própria
VI – Modelos e Resultados
6.1. Modelo 1: Linear Probit
O primeiro modelo estimado no trabalho é um modelo linear simples, não-hierárquico,
apenas com o objetivo de verificar a significância das variáveis independentes escolhidas para o
estudo. O modelo pode ser escrito pela seguinte equação:
Yi = β0 + β1lrenda + β2idade_fi + β3sexo1 + β4cor2 + β5progras + β6nivel_instr_ch +
β7urbano + β8numpess + β9trabalha + β10escolas_eb + β11gastos_as + εi
(6)
13
Como a variável dependente, a freqüência à escola, é uma variável dicotômica (dummy),
foi utilizado para a sua estimação o modelo probit, o qual baseia-se em uma função de
distribuição normal acumulada16. Seus resultados podem ser conferidos na tabela 3.
6.2. Modelo 2: ANOVA com Efeitos Aleatórios
O segundo modelo abordado pelo trabalho, o modelo ANOVA com efeitos aleatórios17, é
o modelo hierárquico mais simples existente, uma vez que não apresenta variáveis independentes.
O objetivo desse modelo é simplesmente permitir a divisão da variabilidade nos dados entre os
termos de resíduo individual e de grupo. A variável dependente é explicada por um termo de
intercepto β mais um erro aleatório r normalmente distribuído com média zero e variância
constante σ2. Já o intercepto de cada observação individual é afetada por um efeito fixo de grupo,
igualmente definido por um termo de intercepto γ e por um erro aleatório u:
Yij = β0j + rij
β0j = γ00 + u0j
(7)
(8)
O modelo completo é definido substituindo-se (8) em (7):
Yij = γ00 + u0j + rij
(9)
Sendo σ2 a variância entre indivíduos e τ00 a variância entre estados, o coeficiente de
correlação entre observações dentro de um mesmo estado é dado por:
ρ = τ00 / (τ00 + σ2)
(10)
A estimação revela que a variância total do modelo (Var(u0j + rij)) é igual a 0.0349896,
sendo que aproximadamente 99,38% deve-se a diferenças entre os indivíduos (as crianças), e
0,62% deve-se a diferenças entre os grupos (os estados). Ou seja, o modelo revelou que o peso
dos fatores estaduais influenciando os indicadores de freqüência à escola, quando não controlados
os efeitos individuais dos alunos, é muito pequeno. Isso pode fazer com que a estimação por
modelos hierárquicos seja menos apropriada do que por modelos lineares (como o probit do ítem
anterior) para se estudar os efeitos aqui apresentados.
6.3. Modelo 3: Incluindo as Características das Crianças (modelo ANCOVA)
O terceiro modelo analisado é um modelo ANCOVA, em que as características
individuais das crianças estão incluídas, mas apenas o termo de intercepto varia entre os estados.
Ou seja, os modelos de níveis 1 e 2 são:
Yi = β0j + β1lrenda + β2idade_fi + β3sexo1 + β4cor2 + β5progras + β6nivel_instr_ch +
β7urbano + β8numpess + β9trabalha + rij
(11)
16
Maiores detalhes sobre as características do modelo probit e da função de distribuição normal acumulada podem
ser encontrados em Gujarati (2004).
17
Maiores informações sobre esse modelo são obridas em Raudenbush & Bryk (2002) e Queirós & César (2000).
14
β0j = γ00 + u0j
βnj = γn0, n >0
(8)
(12)
Substituindo as equações em (11), tem-se:
Yi = γ00 + γ10lrenda + γ20idade_fi + γ30sexo1 + γ40cor2 + γ50progras + γ60nivel_instr_ch +
γ70urbano + γ80numpess + γ90trabalha + u0j + rij
(13)
A inclusão de variáveis de controle para as características individuais das crianças reduziu
a variância total do modelo em cerca de 1,87%, que se distribuiu em uma redução de 33,26% na
variância entre os estados, e de 1,67% entre os os alunos. Contudo, a distribuição da variância
entre os dois níveis não se alterou significativamente: 99,58% da variância se dá entre os
indivíduos, e apenas 0,42% se dá entre os grupos (os estados brasileiros).
6.4. Modelo 4: Incluindo as Características dos Estados (modelo ANCOVA)
O próximo modelo inclui as variáveis explicativas de nível dois, referentes às
características dos estados brasileiros, e como que elas podem afetar a freqüência à escola. Em
um modelo de interceptos aleatórios, a equação de nível um é dada por (11), e os termos de
inclinação são dados por (12). Já o termo de intercepto é dado por:
β0j = γ00 + γ01escolas_eb + γ02gastos_as + u0j
(14)
Substituindo as equações em (11) tem-se:
Yi = γ00 + γ01escolas_eb + γ02gastos_as + γ10lrenda + γ20idade_fi + γ30sexo1 + γ40cor2 +
γ50progras + γ60nivel_instr_ch + γ70urbano + γ80numpess + γ90trabalha + u0j + rij
(15)
A inclusão das variáveis explicativas de nível dois reduziu a variância do modelo em
cerca de 0,76%, sendo que a variância entre os estados reduziu-se em 18,12%, e a variância entre
os indivíduos aumentou 0,76%. Contudo, a participação da variância entre grupos caiu para
0,34% da variância total. Fora isso, a inclusão das duas variáveis independentes de nível dois
pouco afetou os coeficientes e as significâncias das demais variáveis independentes do modelo.
Por outro lado, considerando-se que o volume de gastos estaduais com assistência social
podem influenciar outras variáveis explicativas de nível um, tais como a renda per capita das
famílias, o trabalho infantil, ou então a participação das famílias em programas sociais, pode-se
rodar o mesmo modelo com a variável gastos_as como um termo de inclinação aleatória. Nesse
caso, as equações de nível dois têm a forma (14) para o intercepto, e, para as inclinações:
βnj = γn0 + γn1gastos_as + unj, n >0
(16)
Supondo-se que X é um vetor de variáveis explicativas de nível um, então:
15
Yij = β0j + β1jXij + rij
(17)
Substituindo (14) e (16) em (17) obtem-se:
Yi = γ00 + γ01escolas_eb + γ02gastos_as + γn0Xij + γn0Xijgastos_as + u0j + unjXij + rij
(18)
6.5. Resultados das Estimações
A tabela 3 sintetiza os resultados das estimações dos modelos 1 a 4, sendo que esse último
foi estimado tanto pelo método dos interceptos aleatórios, como pelo método das inclinações
aleatórias.
Tabela 3: Resultados das Estimativas dos Modelos 1 a 4
Variável
Constante
lrenda
idade_fi
sexo1
cor1
progas
nivel_inst_ch
urbano
numpess
trabalha
escolas_eb
gastos_as
var(gastos_as)
var(_cons)
var(Residual)
pseudo R2
n obs.
Modelo 1
1.183***
(0.130)
0.076***
(0.014)
-0.018***
(0.007)
-0.081***
(0.031)
-0.015***
(0.033)
0.338***
(0.034)
0.058***
(0.006)
0.120***
(0.034)
-0.032***
(0.008)
-0.338***
(0.053)
9.68E-06***
(2.53E-06)
9.87E-11
(2.34E-10)
0.0592
25392
Modelo 2
0.963***
(0.003)
Modelo 3
0.924***
(0.010)
0.005***
(0.001)
-0.001***
(0.001)
-0.006***
(0.002)
-0.001
(0.003)
0.025***
(0.003)
0.004***
(4.43E-04)
0.010***
(0.003)
-0.003***
(0.001)
-0.039***
(0.005)
Modelo 4 (Int. Al.)
0.918***
(0.011)
0.005***
(0.001)
-0.001***
(0.001)
-0.006***
(0.002)
-0.001
(0.003)
0.025***
(0.003)
0.004***
(4.43E-04)
0.010***
(0.003)
-0.003***
(0.001)
-0.039***
(0.005)
7.12E-07*
(4.00E-07)
5.81E-12
(3.38E-11)
Modelo 4 (Inc. Al.)
0.917***
(0.011)
0.005***
(0.001)
-0.001***
(0.001)
-0.006***
(0.002)
-0.001
(0.003)
0.025***
(0.003)
0.004***
(4.43E-04)
0.010***
(0.003)
-0.003***
(0.001)
-0.039***
(0.005)
9.02E-07**
(3.96E-07)
2.16E-04
0.035
1.44E-04
0.034
1.18E-04
0.034
2.77E-21
1.09E-04
0.034
25392
25392
25392
25392
Fonte: Elaboração própria
*** Variável significativa a 1%;
** Variável Significativa a 5%;
* Variável Significatica a 10%
16
Devido a presença de observações omitidas nos dados, o estimador de mínimos quadrados
generalizados iterativos não converge18. Como se pode ver, isso faz com que a inclusão dos
gastos estaduais com assistência social como uma variável que influencia os coeficientes de
inclinação das variáveis de nível um não afete significativamente o modelo, e seu impacto sobre a
variância residual (isto é, de nível individual) da estimação é praticamente nula.
6.6. Modelo 5: Centralizando a Renda das Famílias pela Média dos Estados
Centralizar a variável renda pelas suas médias também pode trazer informações relevantes
para a abordagem de modelos hierárquicos. Assim, quando se centraliza a variável pela sua
média geral, significa que se está integrando os efeitos individuais dos contextuais em relação aos
dados observados. Por outro lado, quando se centraliza pela média dos grupos, isto é, pela renda
per capita média de cada estado, se dá uma maior ênfase no estudo sobre os efeitos individuais,
das variáveis de nível um. Sendo mg_lrenda a renda per capita média geral da amostra, e
med_lrenda a renda per capita média por estados, as equações de ambos modelos centralizados19
são:
Yi = γ00 + γ01escolas_eb + γ02gastos_as + γ10(lrenda – mg_lrenda) + γ20idade_fi +
γ30sexo1 + γ40cor2 + γ50progras + γ60nivel_instr_ch + γ70urbano + γ80numpess +
γ90trabalha + u0j + rij
(19)
Yi = γ00 + γ01escolas_eb + γ02gastos_as + γ10(lrenda – med_lrenda) + γ20idade_fi +
γ30sexo1 + γ40cor2 + γ50progras + γ60nivel_instr_ch + γ70urbano + γ80numpess +
γ90trabalha + u0j + rij
(20)
Os resultados da estimação podem ser conferidos nas tabelas abaixo:
18
Mesmo eliminando-se (pelo comando drop do software Stata) as observações com omissões, não ocorre a
convergência do modelo.
19
Considerando a mesma estrutura do modelo 4 com interceptos aleatórios.
17
Tabela 4: Resultados do Modelo 4 Centralizado pela Média Geral e pela Média de Grupo
Variável
Constante
lrenda_geral
Média Geral
0.955***
(0.008)
0.005***
(0.001)
med_lrenda
lrenda_grupo
idade_fi
sexo1
cor1
progas
nivel_inst_ch
urbano
numpess
trabalha
escolas_eb
gastos_as
var(_cons)
var(Residual)
n obs.
-0.001***
(0.001)
-0.006***
(0.002)
-0.001
(0.003)
0.025***
(0.003)
0.004***
(0.000)
0.010***
(0.003)
-0.003***
(0.001)
-0.039***
(0.005)
7.12E-07**
(4.00E-07)
5.81E-12
(0.955)
0.000
0.034
25392
Média de Grupo
0.922***
(0.042)
0.005
(0.006)
0.005***
(0.001)
-0.001***
(0.001)
-0.006***
(0.002)
-0.001
(0.003)
0.025***
(0.003)
0.004***
(0.000)
0.010***
(0.003)
-0.003***
(0.001)
-0.039***
(0.005)
7.03E-07*
(4.16E-07)
7.10E-12
(3.71E-11)
0.000
0.034
25392
Fonte: Elaboração própria
*** Variável significativa a 1%;
** Variável Significativa a 5%;
* Variável Significatica a 10%
Como pode-se observar, a centralização pela média da renda, em ambos os casos, não
afetou consideravelmente os coeficientes e as significâncias do modelo 4 com interceptos
aleatórios. O que mudou foram os coeficientes e o nível de significância da constante.
Centralizando pela média geral, em que os efeitos individuais e coletivos estão integrados, a
constante chega a ter um coeficiente de quase 0,96 (sendo que a variável dependente é binária),
com um nível de significância altíssimo. Centralizando pela média de grupo, que dá uma maior
ênfase nos efeitos individuais, a significância da constante cai bastante, porém, ainda é muito
superior em relação às significâncias das variáveis independentes.
6.6. Comentários sobre os Resultados das Estimações
De acordo com os resultados obtidos, o comportamento da maior parte das variáveis
explicativas está de acordo com o esperado pela bibliografia estudada, em todos os modelos. A
freqüência à escola é mais comum para crianças de maior renda, de menor idade, de cor branca
18
ou oriental (significante apenas no modelo probit), que recebem benefícios de programas de
assistência social, de residência nas regiões urbanas, com poucas pessoas na família, que não
trabalham remuneradamente, e com uma maior oferta de instituições de ensino em seu estado.
Por outro lado, a freqüência tende a ser menor entre crianças de maior idade (13 ou 14 anos),
entre os homens, entre as crianças não-brancas e não-orientais, entre os filhos de famílias muito
numerosas, e, sobretudo, entre crianças que exercem trabalho remunerado.
A relação entre a renda familiar e a freqüência à escola por parte dos filhos é explicada
pela teoria do Capital Humano de Becker (1991 & 1993), conforme já referido. Ou seja, quanto
maior é a renda da família, maior é o montante de recursos que os pais podem investir na
qualidade do capital humano (no caso, pelos gastos com educação) de seus filhos. E ainda,
aumentos no nível de renda, mantendo constantes o custo de vida, do consumo presente, e da
educação dos filhos, permitem que a família possa escolher cestas de consumo20 de utilidade cada
vez mais elevada21, o que contribui para a acumulação de capital humano.
O efeito positivo da participação em programas sociais por parte das famílias para a
freqüência de seus filhos à escola, o ponto central do presente trabalho, também pode ser
explicado pela teoria de Becker. Os programas de assistência social elevam diretamente a riqueza
das famílias, o que permite que as mesmas possam escolher alocar seus recursos em níveis mais
altos de consumo e de acumulação de capital humano. Tal observação empírica contrasta com a
noção presente no senso comum da população, segundo a qual os gastos assistenciais fazem com
que as famílias beneficiárias simplesmente aumentem seu nível consumo sem se preocupar com a
poupança e a educação dos filhos, ou mesmo que os benefícios desincentivam o trabalho dos
pais, de modo que a situação dos filhos (de trabalhar para obter renda presente, ao invés de
freqüentar a escola para investir em renda futura), não se altere.
Crianças residindo em áreas urbanas apresentam níveis de freqüência à escola superiores
as daquelas residentes em áreas rurais devido à melhor oferta de instituições de ensino nesses
lugares. O relatório da PREAL (2003) aponta como fatores que determinam os problemas de
abandono à escola relacionados à má oferta de estabelecimentos não apenas a simples
inexistência de instituições de ensino, mas também a dificuldade de acesso, por parte dos alunos,
e a ausência de professores. Todos esses problemas são mais comuns nas áreas rurais do que
urbanas. Além disso, há uma considerável correlação entre a residência em regiões rurais por
parte da família com a sua renda (negativamente), com o nível de instrução dos pais (ídem) e com
o número de pessoas que a integra (positivamente).
Crianças de maior idade (na amostra, os jovens de 13 e 14 anos) tendem a abandonar a
escola, principalmente após a conclusão do ensino fundamental, para ingressar no mercado de
trabalho. Além disso, existe um fator cumulativo de abandono aos estudos, uma vez que poucas
crianças que abandonaram a escola voltam a estudar no futuro. A relação inversa entre a idade da
criança e a freqüência à escola está representada nos gráficos abaixo, que representam simulações
20
“Cestas de consumo” na teoria econômica, significam pontos de escolha de alocação de recursos por parte dos
agentes econômicos. Na teoria de Becker, os agentes são as famílias, que alocam seus recursos, isto é, sua renda, em
combinações de dois bens: consumo presente e capital humano dos filhos.
21
Esse efeito, de variação na demanda devido a variação na renda do consumidor mantendo todos os preços
constantes, é chamado pela teoria microeconômica como efeito-renda.
19
baseadas na probabilidade da criança freqüentar a escola, dada sua idade, e variáveis como o seu
sexo, a educação de seus pais, a região de residência e se ela trabalha. Essas simulações foram
realizadas a partir dos parâmetros do modelo 1 (probit):
Gráficos 1 e 2: Impacto da Localização do Domicílio, do Trabalho Infantil e da
Participação em Programas Assistenciais sobre a Probabilidade de Freqüentar à Escola
Prob. de freqüentar a escola
Prob. de freqüentar a escola
2.3
2.1
1.9
1.7
1.5
1.3
1.1
0.9
0.7
0.5
7
8
9
10
11
12
13
2.3
2.1
1.9
1.7
1.5
1.3
1.1
0.9
0.7
0.5
7
14
8
9
10
11
12
13
14
Idade da criança
Idade da criança
Rural e não participa
Rural e participa
Não trabalha e não participa
Não trabalha e participa
Urbano e não participa
Urbano e participa
Trabalha e não participa
Trabalha e participa
Fonte: elaboração própria
Gráficos 3 e 4: Impacto do Sexo da Criança, da Educação do Chefe do Domicílio e da
Participação em Programas Assistenciais sobre a Probabilidade de Freqüentar à Escola
3
Prob. de freqüentar à
escola
Prob. de freqüentar à escola
2.3
2.1
2.5
1.9
1.7
1.5
2
1.5
1.3
1.1
0.9
1
0.5
0.7
7
0.5
7
8
9
10
11
Idade da criança
12
13
14
8
9
10
11
Idade da criança
12
13
14
Até 4 anos e não participa
Até 4 anos e participa
Mulher e não participa
Mulher e participa
A partir de 11 anos e participa
Homem e não participa
Homem e participa
A partir de 11 anos e não participa
Fonte: elaboração própria
Os alunos do sexo masculino abandonam os estudos com maior freqüência do que as
mulheres para ingressar cedo no mercado de trabalho. E, além disso, como a amostra só inclui
jovens de até 14 anos, os fatores gravidez e casamento, que afetam negativamente, sobretudo os
estudos das meninas, são menos comuns.
Em relação aos aspectos relacionados ao do número de pessoas na família, observa-se que
o impacto negativo desse fator sobre a freqüência à escola é motivado sobretudo pela correlação
negativa dessa variável com a renda da família. Ou seja, as famílias mais pobres, por motivos
diversos, como o menor acesso a métodos anticonceptivos, ou mesmo a necessidade de ampliar a
20
oferta de mão-de-obra familiar, tendem a ter famílias mais numerosas. Esse fato fica claro
quando observa-se a matriz de covariâncias entre as variáveis explicativas do modelo:
Tabela 9: Correlações entre as Variáveis Independentes
lrenda
idade_fi sexo1
cor1
progas
nivel_instr_ch urbano
numpess trabalha escolas_eb gastos_as
lrenda
100.00%
idade_fi
32.00% 100.00%
sexo1
0.18%
0.16% 100.00%
cor1
25.66%
-1.31%
-1.75% 100.00%
progas
-25.52%
2.48%
0.49% -11.03% 100.00%
nivel_instr_ch
51.31%
-2.63%
-0.80% 20.81% -19.44%
100.00%
urbano
25.39%
1.10%
-0.18%
5.90%
-9.31%
24.91% 100.00%
numpess
-37.14%
3.91%
0.99% -17.64% 16.11%
-27.91% -20.24% 100.00%
trabalha
-7.62% 24.71%
5.30%
-2.80% 12.93%
-9.43% -12.53%
7.41% 100.00%
escolas_eb
-4.85%
1.79%
-0.39%
1.44% 11.54%
-4.58% -18.72%
4.26%
6.77%
100.00%
gastos_as
11.01%
-0.96%
-1.27% 10.99%
0.40%
5.65%
-3.69%
-8.61%
-2.54%
36.08%
100.00%
Fonte: elaboração própria
Além disso, a correlação com a renda também contribui com a significância do nível de
instrução do chefe da família para explicar a freqüência à escola por parte dos filhos (correlação
de mais de 50%). Tal correlação reforça a hipótese defendida pelo relatório da PREAL (2003), de
que a educação dos pais serve como uma proxy para mensurar o interesse dos seus filhos pelo
estudo.
A tabela também destaca a boa focalização dos programas assistenciais escolhidos para o
estudo, conforme relatado por Lavinas (2004). A correlação negativa entre a participação em
programas de assistência social e o nível de renda das famílias ultrapassa os 25%.
Sobre a baixa significância da cor das crianças em todos os modelos estimados, pode-se
relacionar esse resultado ao fato de que, no Brasil, a exclusão social e a discriminação tenham
uma natureza mais de nível social e educacional do que meramente racial. Desse modo, os
indicadores socioeconômicos de cada criança podem ser controlados, nos modelos de estimação
de freqüência à escola, principalmente pelo nível de renda per capita de sua família e pelo grau de
instrução de seus pais, sendo a questão racial, na qual as famílias brancas e orientais apresentem
níveis de freqüência mais elevados, uma mera coincidência da correlação entre a cor do aluno a
renda de sua família (25,66% para famílias brancas e orientais) e o nível de instrução de seus pais
(20,81% para as mesmas famílias). Outro possível fator que poderia explicar a baixa significância
da cor das crianças é o efeito da freqüência à escola por parte dos alunos mestiços, os quais,
mesmo sempre incluídos na mesma posição dos negros na composição dessa variável dummy,
apresentam indicadores de freqüência superiores a esse grupo.
Mesmo sendo considerada uma proxy mais crítica, o uso de uma dummy que mensura o
fato de a criança ser uma unidade de fonte de rendimentos para a família teve uma significância
muito favorável para as estimações. Conforme sugerido por Schwartzman (2004), o uso dessa
dummy controlou o trabalho infantil não-remunerado, que por ter característica informal e intrafamiliar, sobretudo de ajuda aos pais na realização de tarefas domésticas ou agropecuárias na sua
própria propriedade, não prejudica os seus estudos.
21
Por fim, destaca-se a baixa significância das variáveis de nível dois para a estimação dos
modelos. O número de escolas por estado não afetou os indicadores de freqüência, por parte das
crianças provavelmente pelo fato da quase universalização do ensino básico no país. Isto é,
apesar de todas as dificuldades no que diz respeito ao acesso, à distribuição localizacional, à
qualidade e à infra-estrutura das escolas públicas brasileiras, o acesso às vagas dentro cada estado
como um todo já é praticamente um desafio superado. A universalização do acesso ao ensino
básico no Brasil também explica o alto nível de significância, e do valor dos coeficientes, para o
termo de intercepto de cada modelo estudado no presente estudo, como mostra o gráfico a seguir:
0
.2
.4
.6
.8
1
Gráfico 1: Diagrama de Dispersão dos Resíduos
-.02
-.01
0
BLUP r.e. for uf: _cons
Fitted values
.01
.02
freq1
Fonte: elaboração própria a partir do modelo 4 com interceptos aleatórios
Nota-se, como sendo a variável endógena uma dummy, que os resíduos concentram-se nas
regiões do gráfico associadas com o valor zero e um do eixo das ordenadas. Como pode-se ver, a
reta ajustada dos parâmetros do modelo é bastante elástica, e corta o eixo das ordenadas em um
ponto acima do 0,9. Isso significa que, independente das variáveis explicativas escolhidas para os
modelos, o nível de freqüência à escola no Brasil é muito elevado.
A baixa significância dos gastos assistenciais de nível estadual nos modelos estimados
pode ser facilmente relacionada à predominante federalização dos programas sociais, de
transferência de renda no país. Ou seja, pelo menos por hipótese, o governo brasileiro vem
seguindo a teoria de Musgrave (Silva, 2005) para a condução de políticas assistenciais em um
contexto de cada vez maior descentralização de competências fiscais na Federação.
Por fim, observa-se que como o componente da variância relacionado aos efeitos de nível
dois, referentes às características estaduais, é muito baixo, cerca de 0,5% da variância total
mesmo no modelo ANOVA sem nenhum controle por variáveis independentes, a estimação por
modelos hierárquicas não se faz necessária, sendo o modelo 1, o modelo probit linear, suficiente
para se tirar as conclusões empíricas referentes aos problemas abordados pelo trabalho.
22
VII – Considerações Finais
A principal conclusão d o presente estudo é o impacto positivo que a participação em
programas assistenciais por parte das famílias apresenta sobre a freqüência de seus filhos à
escola. Ou seja, apesar de todas as críticas que o assistencialismo recebe, geralmente realizadas
mais sob o ponto de vista moral e político do que propriamente econômico e social, as famílias
beneficiadas pelos programas de fato utilizam parte do montante recebido para investir em capital
humano, em acordo com a teoria de Gary Becker, e isso pode ajudar a combater a pobreza no
longo prazo, pelo efeito da escolaridade sobre a produtividade dessas crianças no mercado de
trabalho, no futuro.
Além disso, no presente trabalho, devido à pequena parcela da variância total dos modelos
explicada pelas diferenças entre os estados da federação, o uso de modelos lineares de um único
nível torna-se mais apropriada (principalmente o modelo probit, já que a variável dependente é
dicotômica). Isso se deve ao fato de que o ensino básico no Brasil, atualmente, é praticamente
universalizado, sendo que as diferenças de acessibilidade à instituições de ensino entre regiões
geográficas tão grandes como os estados são mínimas. As dificuldades de acesso às escolas
podem afetar negativamente à freqüência è escola de maneira comum em nível municipal e
micro-regional, sobretudo nas localidades mais pobres e mais distantes dos grandes centros
urbanos, tal como visualizado pelo estudo de Riani & Rios-Neto (2004), mas não em nível
estadual.
Por fim, a baixa significância dos gastos estaduais com assistência social para explicar a
freqüência à escola revela o caráter federal dos gastos assistenciais no Brasil. Ou seja, ao
contrário do que vem acontecendo com a política fiscal em geral, as funções assistenciais e
redistributivas do Estado ainda são centralizadas, o que pode se justificar pela teoria de
Musgrave, citada por Silva (2005), segundo a qual a descentralização da assistência social
poderia levar a conseqüências demográficas indesejadas.
VIII - Referências Bibliográficas:
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24
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Uma Análise Baseada em Modelos Hierárquicos