TRANSTORNO DE CONDUTA: ISSO FALA?
Mirela Stenzel 1
Nota-se que o campo da saúde mental ainda opera a partir de um saber prévio
que remete ao biológico, exclui qualquer laço do sujeito com o Outro e a determinação
deste para a subjetividade, enfim forclui o sujeito e qualquer responsabilização pelo seu
sofrimento. Aí entram os diagnósticos de TDAH, autismo, deficiência mental,
transtornos de aprendizagem, transtornos de conduta, as medicações, a ritalina, os antidepressivos e as formas de abordagem: como psicoeducação e abordagens sistêmicas.
É notório que a psiquiatria trata de produzir um discurso estandartizado dos
sintomas, organizando-os em transtornos e estabelecendo procedimentos-padrão diante
das manifestações sintomáticas catalogadas e classificadas.
O diagnóstico não pretende compreender o sujeito que traz um sofrimento, mas
sim fixar o sofrimento em uma nosografia. A posição do sujeito frente ao seu discurso,
ao seu sofrimento não faz parte do diagnóstico.
Este modo de operar se diferencia do discurso psicanalítico já que tem um
caráter normatizador e é sustentado por um saber prévio, enquanto que o discurso do
analista questiona os ideais a partir da singularidade do sujeito, abrindo mão de um
saber prévio para fazer surgir a verdade inconsciente a partir da fala de cada sujeito.
No entanto, esta prevalência do que se desvia do sujeito talvez fale do real e da
tentativa de inserir algo neste ponto insustentável. Procuram-se respostas rápidas, das
quais se espera que recoloquem as coisas em seus devidos lugares, isto é, que
mantenham disfarçadamente a ordem, trata-se de tamponar o que manca com uma
resposta na via do saber, saber este que não é apenas suposto, mas encarnado enquanto
certeza de dar uma resposta ao sofrimento do outro, e que faz calar o saber que no
sujeito pode se manifestar, saber que remete a este ponto insustentável, o real.
Quando algo se revela como um mal-estar, que não é facilmente explicado por
nenhuma causa dita concreta, é que o real da clínica convoca o tropeço, uma resposta
diferente da medicalização ou da receita pronta que está nos manuais. São momentos
em que o saber hegemônico vacila. Nota-se este vacilo em determinados transtornos,
como os Transtornos de Personalidade, os Transtornos de Conduta, em que a medicação
não consegue responder a um tratamento e assim, o psicanalista é convocado para
1
Trabalho referente a resultado parcial de pesquisa em desenvolvimento no Mestrado de Psicologia da
UFPR.
atender estes pacientes. No entanto, nessa convocação há a seguinte enunciação: “são
casos quase perdidos, com maus prognósticos, mas enfim o referencial psicodinâmico
pode explicar estes fenômenos; se o analista não for atingido por contra-transferências e
se der sorte pode conseguir algum resultado”.
Se responder a esta demanda, o psicanalista corre o risco de se colocar no
mesmo lugar de saber e a partir da teoria e da experiência acumulada, traçar metas,
estabelecer condutas, avaliar e ditar normas de funcionamento. Desde Freud, o analista
opera a partir do não-saber. Assim, o psicanalista não vai entrar no campo da saúde
mental com um saber a mais para tentar completar, totalizar um universo que se
apresenta falho.
É frente ao real da clínica que o discurso psicanalítico deve se fazer presente,
sustentando a importância de se reconhecer a singularidade de cada sujeito. Por meio de
uma escuta que faça surgir o sujeito na sua diferença. Para tanto é necessário que haja
um campo fértil, a transferência, na qual o analista sabe que é suposto o saber nele
depositado e deverá ser deslocado.
O que diferencia o trabalho quando se introduz a psicanálise é que a orientação
passa a ter um direcionamento ético. O psicanalista tem compromisso com o sujeito
naquilo que ele pode ir na via de seu desejo e, portanto, do real.
Neste contexto, remete-se a um fenômeno que se observa na clínica em
ambulatório infanto-juvenil de saúde mental ligado ao SUS. Fenômeno que evidencia
uma dificuldade de manejo clínico. Trata-se do que a psiquiatria denomina de
transtornos de conduta na adolescência. Algo que se apresenta no comportamento de
adolescentes, como uma ação impulsiva, irrefreável, disruptiva e que pode tomar
diversas formas, desde um mau comportamento na escola, um comportamento opositivo
no meio familiar, atos agressivos contra si ou aos outros, até atos de delinquência e antisociais.
Nota-se uma incidência grande do ato na adolescência. Muitas vezes antes
mesmo que se possa falar em sintoma, em angústia, ou outra formação clínica, o que se
evidencia é o ato. O que faz pensar no ato como uma via privilegiada de manifestação
neste momento.
Este ato se apresenta como algo que escapa à palavra, em que o próprio sujeito
não consegue formular uma questão e se interrogar sobre isso que o toma, ressoa apenas
como um mal estar difuso. No entanto, isso fala de algo do sujeito que escapa ao
significante e se expressa em um ato, remete a uma posição particular, a certo modo de
satisfação. É desse lugar que o ato fala.
Lacan nos indica o caminho para pensar o ato quando articula a passagem ao ato
e o acting out com o objeto a, enquanto causa do desejo, no “Seminário 10: A angústia”
(1962-1963/2005).
O acting out e a passagem ao ato são expressões da ação. Quando o sujeito se
lança a esse tipo de ação, a dúvida fica abolida, ele se aproxima da certeza. São defesas
contra a angústia, tentativas de evitá-la, operações em que o sujeito se relaciona com o
objeto a, com a falta do Outro, que institui uma perda de objeto.
O acting out é uma mensagem dirigida ao Outro, mensagem sobre um desejo
desconhecido, que se mostra como outro, mas assim se designa, isso que se mostra de
modo enigmático é o objeto a e é este próprio objeto a que está na causa do acting out.
Lacan coloca que o acting out é oposto da passagem ao ato. No primeiro o
sujeito se coloca em cena, no segundo o sujeito sai de cena. Na passagem ao ato, o
sujeito se deixa cair da cena, o sujeito cai identificado com o objeto a, como último
recurso de evitar a angústia.
Pode-se dizer que, nas relações entre estas duas formas de ação e o objeto a, o
acting out tem como causa o objeto a, num caráter que evidencia um mascaramento
desta causa; enquanto que na passagem ao ato o sujeito se identifica com o objeto a e
este passa para o real. Assim, no acting out o real se encontra na causa, mas na
demonstração os registros do imaginário e simbólico se fazem presentes. Já na
passagem ao ato, o objeto a como causa se faz presente no fim como puro real.
Na articulação destas duas modalidades de ação com o grafo do desejo, pode-se
dizer que, frente à inconsistência do Outro, S(
), tanto o acting out como a passagem
ao ato se aproximam do matema da fantasia, $◊a. No primeiro caso, nas vertentes
simbólica e imaginária, em que, na relação do sujeito barrado com o objeto causa, cabe
um mascaramento da relação do sujeito com o desejo do Outro, numa posição de gozo,
ficando este gozo evidenciado na ação propriamente dita que encontra como causa o
objeto a. Enquanto que na passagem ao ato, o sujeito na relação com o objeto a se
identifica enquanto objeto, também denunciando a posição de gozo frente ao Outro.
Pode-se concluir, portanto, que isso que fala no ato é o objeto a, enquanto causa
de desejo. É o que está na causa do acting out, indicando um certo modo de satisfação e
está na passagem ao ato como o último recurso do sujeito de se identificar com ele para
tamponar a falta do Outro.
Então como inserir o ato como expressão de uma satisfação no discurso do
sujeito?
O ato fala do objeto a, mas também, desde sempre na psicanálise, o ato fracassa,
e como fracassa, fala de uma verdade e é esta verdade que deve ser evidenciada. Esta
verdade é o próprio objeto a, que introduz a divisão do sujeito, mas é essencialmente
falta. A interpretação analítica visa essa divisão do sujeito, o a, para ter como efeito a
verdade, que está do lado do desejo.
Como no ato o que está em jogo é o objeto a, trata-se de evidenciar sua
dimensão de falta, de verdade. Porém, de uma verdade de que o sujeito é incurável, pois
ela é a própria estrutura.
Referências:
LACAN, J. (2005) Seminário X: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
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Acting out/acting