INFLUÊNCIA DO REGIME HÍDRICO DA VINHA NO RENDIMENTO E
QUALIDADE DA CASTA TOURIGA NACIONAL NUM TERROIR DO DÃO
João Paulo GOUVEIA(1); Vanda PEDROSO(2); Pedro RODRIGUES(1); Sérgio
MARTINS(2); Isabel ALVES(3) & Carlos LOPES(3).
1. ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE VISEU, QUINTA DA ALAGOA, RANHADOS, 3500-606
VISEU, [email protected]
2. DRAPC/ CENTRO DE ESTUDOS VITIVINÍCOLAS DO DÃO, QUINTA DA CALE, 3520-090
NELAS
3. INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA/UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA, TAPADA
DA AJUDA, 1349-017 LISBOA
RESUMO
Num ensaio instalado no Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, em Nelas, estudou-se durante
três anos (2006 a 2008), o efeito de diferentes dotações de rega no comportamento agronómico
da casta Touriga Nacional e na qualidade dos mostos. As modalidades em estudo são: DI30 –
Regada com 30% da ETc; DI50 – Regada com 50% da ETc, FI – rega de conforto hídrico e NI –
ausência de rega. Apesar de, em cada ano, se verificar uma forte tendência para um aumento da
produção e do peso do cacho com o aumento da disponibilidade hídrica, a análise de variância
não permitiu detectar diferenças significativas entre modalidades. Relativamente ao efeito da rega
na composição do mosto à vindima, verificou-se que as modalidades de rega deficitária não
induziram alterações significativas nos principais parâmetros da qualidade relativamente à
testemunha não regada, no entanto a modalidade de conforto hídrico induziu um menor álcool
provável e uma maior acidez total do mosto à vindima. O peso de lenha de poda e o peso unitário
do sarmento apresentaram valores crescentes com o aumento da dotação de rega, verificando-se
diferenças significativas entre modalidades em 2008.
Estes resultados devem ser encarados com as devidas reservas pois referem-se a anos
caracterizados por ausência de stress hídrico e demandas atmosféricas baixas, situações pouco
normais na região do Dão. Só a continuação destes estudos por mais anos permitirá tirar
conclusões robustas pois, em ensaios efectuados no mesmo local em anos de stress hídrico
marcado, a rega deficitária permitiu aumentos do teor de açúcares sem modificações noutros
parâmetros da qualidade, nomeadamente na cor.
Palavras-chave: rega, stress hídrico, videira, vigor, Touriga Nacional.
1 - INTRODUÇÃO
O regime hídrico da vinha é um dos factores que mais influencia o crescimento
vegetativo, o rendimento e a composição dos vinhos (Mullins et al., 1992;
Intrigliolo & Castel, 2009), sendo um factor chave na qualidade da vindima (Ferrer
et al., 2007).
1
A videira tem uma grande capacidade de adaptação e resposta a diferentes
regimes hídricos. Um forte stress hídrico poderá provocar baixos rendimentos,
afectar a qualidade e influenciar a perenidade da videira (Junquera et al., 2007;
Lopes, 2008). Um stress hídrico severo poderá levar a uma considerável perda de
área foliar, com consequente aumento da exposição dos cachos aos raios solares
e dos riscos de escaldão, afectando a qualidade dos mostos (Lopes et al. 2001).
Dado que esta situação se verifica frequentemente nas condições mediterrânicas
durante a maturação, a rega poderá ser mais uma ferramenta a utilizar para
atenuar o problema (Sánches-de-Miguel et al., 2007). De la Fuente et al. (2007),
em Toledo na região de Castilla La Mancha, concluíram que quando as
disponibilidades de água são elevadas podem provocar aumentos de rendimento
e de vigor. Os mesmos autores verificaram que, à medida que aumentam as
disponibilidades hídricas, o ºBrix e o pH não foram significativamente diferentes
mas a acidez total aumentou. Lopes (2008) refere que em situações de conforto
hídrico após o pintor pode haver atrasos na maturação e, consequentemente
menor teor em açúcares e maior acidez nos mostos. Vários autores referem que
um stress hídrico moderado e progressivo favorece a acumulação de açúcares
nos bagos, compostos fenólicos e antocianas e poderá diminuir a acidez (Van
Leeuwen et al., 2003; Lopes, 2008; Ojeda, 2008).
A Touriga Nacional é uma das castas mais importantes na região do Dão sendo
reconhecida pela elevada qualidade das suas uvas e correspondentes vinhos.
Nesta região a pluviosidade é elevada no Inverno (os solos apresentam fraca
capacidade de retenção de água) e muito fraca no Verão, sendo conhecido que,
sobretudo em anos secos, o stress hídrico afecta o rendimento e a qualidade da
uva da Touriga Nacional, considerada uma casta sensível ao stress hídrico. Com
este trabalho pretende-se avaliar os efeitos da aplicação de diferentes regimes
hídricos no vigor, rendimento e qualidade do mosto da casta Touriga Nacional na
Região Demarcada do Dão.
2- MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho decorreu na Quinta da Cale, concelho de Nelas no Centro de
Estudos Vitivinícolas do Dão (Latitude 40º 31´ N, Longitude 7º 51´ W, Altitude 440
m), numa parcela instalada no ano 2000 com a casta Touriga Nacional enxertada
em 110 R. As plantas estão conduzidas num sistema monoplano vertical
2
ascendente com poda em cordão Royat bilateral, com orientação N-S, uma
densidade de 4 545 plantas/ha (2,00 x 1,10 m) e uma carga de 50 000 olhos. A
altura do tronco é de 60 cm a da sebe de 120 cm, sendo a vegetação amparada
por um par de arames móveis com duas posições. O solo é granito porfiróide de
textura grosseira, com pH ácido, baixo teor de matéria orgânica, taxa de infiltração
e condutividade hidráulica elevadas e fraca capacidade de retenção para a água.
O ensaio foi estabelecido num sistema de blocos casualizados com quatro
repetições de quatro modalidades:
- NI – testemunha não regada;
- DI30 – rega deficitária com dotação correspondente a 30% da ETc;
- DI50 – rega deficitária com dotação correspondente a 50% da ETc;
- FI – rega de conforto hídrico – 100% da ETc,
Cada unidade experimental é constituída por doze videiras. O sistema de rega é
gota-a-gota constituída por um ramal (16 mm) por linha de plantas, com
gotejadores “in-line” autocompensantes e autolimpantes de 2,3 L/h espaçados de
1 metro.
O critério utilizado na determinação da oportunidade de rega foi a reserva de água
no solo disponível para as plantas até 0,6 m de profundidade, expressa em
percentagem da reserva utilizável. Para cada modalidade, a dotação de cada rega
foi determinada pela percentagem dos valores acumulados da Evapotranspiração
cultural diária, registada desde a rega antecedente, determinada pelo método
descrito por Allen et al. (1998), a partir dos valores das variáveis meteorológicas
registadas numa estação automática localizada no centro da parcela.
A monitorização do teor de água do solo ao longo do ciclo vegetativo foi efectuada
com recurso a sondas capacitivas. Em cada unidade experimental estão
instalados dois tubos de acesso, um na linha, junto ao gotejador, entre duas
plantas, e outro na entre-linha, em que as medições do teor de humidade foram
registadas com uma sonda móvel (Diviner 2000 - Sentek Pty Ltd), permitindo
registos de 10 em 10 cm até a uma profundidade de 160 cm. Estas medições
foram efectuadas duas vezes por semana, desde a floração até à vindima.
Em cada unidade experimental mínima os dados de rendimento e vigor forma
colhidos cepa a cepa. À vindima o controlo de qualidade foi efectuado através da
amostragem de 100 bagos. Determinou-se o teor de açúcares, a acidez total, o
pH, as antocianas, os polifenóis totais e os taninos. O teor de açúcares, a acidez,
3
o pH e os taninos foram determinados pela técnica Founier Transform Infrared
Spectometry (FTIR). O teor em antocianas foi medido através do método de
descoloração por bissulfito sódico e os polifenóis totais pelo Índice de FolinCiocalteau.
Os dados foram sujeitos a análise de variância e a comparação das médias foi
feita pelo teste da mínima diferença significativa para um nível de probabilidade
de 0,05, utilizando-se o programa SAS® (SAS Institute, Cary, NC, USA).
3- RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1- Vigor e seus componentes
No quadro 1 apresentam-se os resultados referentes ao vigor e seus
componentes. Verifica-se que os valores mais baixos de peso de lenha de poda
se obtiveram em 2006 e os mais altos em 2008. O maior peso de lenha obtido em
2008 justifica-se pela baixa produção resultante do desavinho ocorrido nesse ano.
Em qualquer das modalidades, a evolução crescente do peso médio do sarmento,
um dos melhores indicadores do vigor (Champagnol, 1984), indica um aumento
do vigor ao longo dos três anos em estudo, o que poderá ser explicado pelo facto
de nos anos 2007 e 2008 não se ter verificado stress hídrico tão marcado como
em 2006.
Apesar de em todos os anos se verificar uma forte tendência para um aumento do
peso da lenha de poda com o aumento da disponibilidade hídrica verifica-se que
só em 2008 é que as diferenças foram significativas. Em qualquer dos anos o
número de sarmentos não foi afectado de forma significativa pelo regime hídrico.
O peso unitário do sarmento apresentou um comportamento similar ao referido
para o peso da lenha de poda (Quadro 1). Este aumento da expressão vegetativa
e do vigor na modalidade de maior dotação relativamente à NI e DI30 também foi
obtido por outros autores (Santos et al., 2004; De la Fuente et al., 2007) sendo um
efeito típico resultante do efeito da maior disponibilidade hídrica no crescimento
vegetativo (Lopes, 2008).
4
Quadro 1. -Efeito do regime hídrico no peso de lenha de poda, n.º de sarmentos
por videira, peso unitário do sarmento e índice de Ravaz em três anos
consecutivos (2006 a 2008).
Peso
Peso de
unitário
N.º de
Ano
Modalidade
lenha
do
Ravaz
sarmentos/videira
(Kg/videira)
sarmento
(g)
0,52
12,1
42,6
6,4
NI
0,60
11,5
52,7
6,3
DI30
0,51
11,9
42,4
6,7
2006
DI50
0,59
12,2
48,3
7,1
FI
ns
ns
ns
Sig.
ns
0,79
12,6
62,9
4,9
NI
0,83
11,9
69,4
4,6
DI30
0,87
12,4
69,9
4,5
2007
DI50
0.96
12,8
75,3
4,5
FI
ns
ns
Sig.
ns
ns
1,16 c
11,5
100,7 b
1,2
NI
1,19 bc
11,9
101,0 b
1,3
DI30
1,29 ab
12,2
106,1 ab
1,0
2008
DI50
1,33
a
11,8
112,4
a
1,2
FI
ns
ns
Sig.
*
*
Nota: ns – não significativo, * – significativo ao nível de 0,05 pelo teste de Fisher. Em cada coluna
valores seguidos da mesma letra não diferem significativamente ao nível de 0,05 pelo teste da
MDS.
O Índice de Ravaz, (relação frutificação/vegetação) não foi afectado de forma
significativa pelas disponibilidades hídricas em qualquer dos 3 anos. No entanto,
constata-se que, enquanto nos anos 2006 e 2007 os seus valores se enquadram
dentro da gama de valores indicativos de videiras equilibradas (Champagnol,
1984; Smart e Robinson, 1991), no ano 2008 apresenta valores muito baixos
indicativos de excesso de vegetação relativamente à produção, resultados que se
explicam pelo, já referido, desavinho que se fez sentir nesse ano.
3.2- Rendimento e seus componentes
No quadro 2 apresentam-se os dados do rendimento e seus componentes. Em
2008 a produção e peso do cacho foram muito baixos, quando comparados com
os restantes anos e com o potencial da casta, em virtude da produção ter sido
muito afectada pelo desavinho causado pelas condições climatéricas ocorridas no
período pré-floração e floração. Apesar de, em geral, se verificar uma forte
tendência para um aumento da produção e do peso do cacho com o aumento da
disponibilidade hídrica, a experiência não foi suficientemente potente para
5
detectar diferenças significativas no rendimento e seus componentes. Resultados
semelhantes foram obtidos por Intrigliolo & Castel (2009) com a casta Tempranillo
na região de Valência em Espanha.
Quadro 2. – Efeito do regime hídrico no rendimento e seus componentes (20062008).
N.º de
Produção
Ano Modalidade
Peso do cacho (g)
cachos/videira
(Kg/videira)
20,5
3,3
161,1
NI
19,8
3,8
190,3
DI30
20,2
3,4
167,7
2006
DI50
20,9
4,1
197,7
FI
Sig.
ns
ns
ns
20,7
3,9
186,3
NI
20,6
3,8
184,3
DI30
20,3
3,8
187,2
2007
DI50
21,0
4,4
208,1
FI
Sig.
ns
ns
ns
NI
19,9
1,4
71,8
DI30
21,9
1,6
71,4
2008
DI50
20,6
1,3
63,5
FI
21,5
1,6
75,4
Sig.
ns
ns
ns
Nota: ns – não significativo.
3.3- Qualidade do mosto à vindima
Com excepção de 2006, único dos três anos caracterizado por algum stress
hídrico, o regime hídrico provocou diferenças significativas no teor em álcool
provável caracterizadas por um menor valor da modalidade FI (Quadro 3). As
restantes três modalidades não diferiram entre si. Em 2007 a modalidade FI
apresentou um valor significativamente inferior às restantes que não diferiram
entre si. Em 2008 a modalidade DI50 apresentou um valor de álcool provável que
não diferiu significativamente da FI o que poderá estar relacionado com as
características deste ano em que as demandas atmosféricas foram ainda mais
baixas do que em 2007, o que levou esta modalidade a comportar-se como se
estivesse em conforto hídrico.
6
Quadro 3 – Efeito do regime hídrico na composição do mosto à vindima.
Ano
Modalidade
Álcool
provável
(%v/v)
Acidez total
(g/L Ác.
Tartárico)
pH
12,6
12,5
12,4
12,3
6,1
6,1
6,0
6,2
3,28
3,26
3,30
3,27
Antocianinas Fenóis
(mg/L)
Totais
60
64
61
2006
59
ns
ns
ns
ns
ns
12,7 a
8,1 b
3,16
1120
63
12,7 a
8,2 b
3,15
1092
66
12,8
a
8,0
b
3,15
1186
69
2007
12,0 b
8,9 a
3,13
932
58
ns
*
*
ns
ns
13,7 a
8,8
3,19
1091
46
13,5 a
8,8
3,19
1101
46
13,3
ab
9,1
3,20
1121
45
2008
12,9 b
9,6
3,16
988
44
ns
*
ns
ns
ns
Nota: ns – não significativo, * – significativo ao nível de 0,05 pelo teste de Fisher. Em cada coluna
valores seguidos da mesma letra não diferem significativamente ao nível de 0,05 pelo teste da
MDS.
NI
DI30
DI50
FI
Sig.
NI
DI30
DI50
FI
Sig.
NI
DI30
DI50
FI
Sig.
1056
1153
1122
994
Relativamente à acidez total, em qualquer dos 3 anos, verificou-se uma tendência
para valores mais elevados com o aumento da dotação de rega, no entanto só em
2007 se verificaram diferenças significativas entre a modalidade de conforto
hídrico (> valor) e as restantes, as quais não diferiram entre si (Quadro 3). Estes
resultados foram semelhantes aos obtidos por Santos et al. (2004) e Ojeda,
(2008) apesar de se ter verificado uma tendência consistente para um menor teor
em antocianinas e fenóis totais nas películas na modalidade FI, não se obtiveram
diferenças significativas em qualquer dos 3 anos em estudo.
4- CONCLUSÕES
Enquanto que a modalidade de conforto hídrico, tal como esperado, se revelou
desvantajosa por conduzir a um atraso na maturação e a um aumento de vigor,
situação desaconselhável nesta casta, as modalidades de rega deficitária
apresentaram, em geral, um comportamento similar à modalidade não regada.
Estes resultados parecem indicar que a rega não trouxe qualquer vantagem neste
terroir. No entanto deve referir-se que os anos em estudo (2006 a 2008) se
caracterizaram por ausência de stress hídrico e demandas atmosféricas baixas, o
que é atípico para esta região de Verões quentes e secos.
7
Estes resultados devem ser encarados com as devidas reservas e só a
continuação destes estudos permitirá obter conclusões robustas sobre a
necessidade de rega nesta região pois, em ensaios efectuados no mesmo local
em anos de stress hídrico marcado, a rega deficitária permitiu aumentos do teor
de açúcares sem modificações noutros parâmetros da qualidade, nomeadamente
na cor. Para além disso a rega deficitária poderá também ser uma ferramenta
muito útil caso se confirmem as previsões sobre o aquecimento global da Terra,
que sugerem quer uma redução da precipitação no sul da Europa quer um
aumento das taxas de evaporação dos solos e da transpiração das plantas no
futuro próximo.
AGRADECIMENTOS
Estes
estudos
foram
parcialmente
realizados
no
âmbito
do
projecto
POCTI/AGG/38506/2001, financiado pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.
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