Relação entre o potencial hídrico foliar e as reservas em água do solo no
terroir do Dão, casta Touriga Nacional.
Pedro Rodrigues1; Vanda Pedroso 2; João Paulo Gouveia1; Sérgio Martins 2; Carlos M.
Lopes 3; Isabel Alves 3
1
Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viseu.
2
Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão da Direcção Regional de Agricultura da Beira
Litoral.
3
Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa.
Palavras chave: Vitis Vinífera, condução da rega, reserva utilizável, estado hídrico das
plantas.
Resumo
Com base em dados obtidos num ensaio de rega da vinha ao longo de quatro
anos na região do Dão com a casta Touriga Nacional, procuraram-se correlações
entre parâmetros ecofisiológicos com vista à obtenção de indicadores para a gestão
da rega. Os coeficientes de determinação resultantes do ajustamento da função
inversa aos valores de potencial de base, mínimo e do ramo ("stem") e os
correspondentes valores de reserva de água no solo disponível para as plantas,
expressa em percentagem da reserva utilizável (FTSW), determinados para várias
espessuras de solo, demonstram que existe forte correlação entre estes dois
parâmetros. Para as modalidades que foram mantidas grande parte do ciclo
vegetativo em conforto hídrico estes coeficientes são, para as várias espessuras de
solo, sempre bastante elevados. Em contrapartida, nas modalidades com rega
deficitária, o coeficiente de determinação é bastante baixo quando se considera
espessuras de solo pequenas, aumentando progressivamente à medida que se
aumenta a espessura de solo monitorizada. Conclui-se que, nestas condições, a
FTSW apenas poderá ser considerada um bom indicador do estado hídrico das
plantas quando se referir à camada de solo com uma espessura igual ou superior a
1,30 m. Os resultados obtidos demonstram também que, dos três tipos de potencial
hídrico considerados, o potencial do ramo ("stem") é o que apresenta maiores
coeficientes de determinação com a reserva de água no solo. Apesar de se verificar
alguma variabilidade entre diferentes regimes de rega, a boa relação obtida entre o
Ψ e FSTW permite confirmar a possibilidade de recorrer a estes parâmetros como
indicadores para a condução da rega da vinha neste terroir.
Resumen
En función de datos obtenidos en un ensaio de riego de viña a lo largo de
cuatro años en la región de Dão con la casta Touriga Nacional, se trató de hallar
correlaciones entre parámetros ecofisiológicos con vista a la obtención de
indicadores para la gestión del riego. Los coeficientes de determinación resultantes
del ajuste de la función inversa a los valores de potencial de base, mínimo y del tallo
(“stem”), y los valores correspondientes de reserva de agua del suelo disponible para
las plantas, expresada en porcentaje de la reserva útil (FTSW), determinados para
varios espesores de suelo, demuestran que existe unha fuerte correlación entre
ambos parámetros. Para las modalidades que fueron abastecidas, gran parte del
926
ciclo vegetativo en condiciones hídricas confortables, estos coeficientes son siempre,
para los distintos espesores de suelo, bastante elevados. En contrapartida, en las
modalidades con riego deficitario, el coeficiente de determinación es bastante bajo
cuando se toman en consideración espesores de suelo pequeños, aumentando
progresivamente a medida que se incrementa el espesor de suelo monitorizado. Se
concluye que, en estas condiciones, el FTSW apenas podrá ser considerada un buen
indicador del estado hídrico de las plantas cuando se refiere a la cama de suelo con
un espesor igual o superior a 1,30 m. Los resultados obtenidos demuestran también
que, de los tres tipos de potencial hídrico considerados, el potencial del tallo (“stem”)
es el que presenta mayores coeficientes de determinación con la reserva de agua en
el suelo. A pesar de verificarse alguna variabilidad entre diferentes régimes de
riegos, la buena relación obtenida entre el Ψ y FSTW permite confirmar la
posibilidad de recurrir a estos parámetros como indicadores para la conducción de
agua del riego de la viña en este terroir.
INTRODUÇÃO
Algumas técnicas de condução e programação da rega recorrem a parâmetros
fisiológicos que caracterizam o estado hídrico das plantas. Nestas técnicas, esses
parâmetros são usados na determinação da data da primeira rega e da frequência das regas
seguintes (Wiliams e Baeza, 2007). Em viticultura é frequente caracterizar o estado
hídrico das plantas através do potencial hídrico foliar (ψf). De acordo com Lopes et al.
(1998) este parâmetro fisiológico é o que melhor caracteriza o estado hídrico da planta
num determinado momento. Quando medido antes do amanhecer, (potencial hídrico foliar
de base - ψb), pode ser usado como indicador da disponibilidade em água no solo e da
actividade fisiológica de folhas bem expostas (Lopes et al., 1999). A sua medição, apesar
da condicionante de ter de ser realizada de madrugada, é aconselhável para aferir outros
métodos mais cómodos e que possibilitem a uma monitorização contínua (Carbonneau,
1998). Logo após o amanhecer o potencial decresce acompanhando o aumento da
transpiração, atingindo-se o valor mínimo (potencial hídrico foliar mínimo - ψm)
ligeiramente desfasado do momento em que a taxa de transpiração é máxima. O ψf
medido durante o dia reflecte não só a disponibilidade em água no solo, mas também, o
poder evaporativo da atmosfera envolvente da folha, o controlo estomático e a
condutividade hidráulica da planta (Choné et al., 2001). Girona et al. (2006) ensaiaram
uma metodologia de condução e programação da rega baseado na medição do ψm. Em
folhas cuja transpiração é nula, o seu potencial encontra-se em equilíbrio com o potencial
do ramo onde se encontra inserida (potencial “stem” - ψstem). Naor (2000) conclui que o
ψstem medido ao meio dia é um bom indicador do estado hídrico das plantas, sugerindo,
que seja utilizado como referencial para avaliar a relevância de outros indicadores.
Diversos autores verificaram que o ψb é significativamente influenciado pelo conteúdo em
água do solo (Lopes, 1999; Paranychianakis et al., 2004). Gruber e Schultz (2005)
estabeleceram uma relação entre o ψb e a reserva de água no solo disponível para as
plantas (FTSW) única e comum a três vinhas instaladas em solos com diferente
capacidade de reserva. William e Trout (2005) ao relacionarem os três potenciais
referidos com o teor humidade do solo (θ), obtiveram coeficientes de determinação
elevados para as relações entre o ψm e o θ e entre o ψstem e o θ, enquanto que para a
relação entre o ψb e o θ, o valor do r2 foi significativamente inferior. Por esta razão,
aqueles autores concluíram que o ψb não é adequado para avaliar o estado hídrico da
vinha em sistema de rega deficitária de alta frequência. Com este trabalho pretende-se
927
comparar os vários tipos de potencial hídrico (base, mínimo e stem) com vista à sua
utilização como indicadores de rega na região vitivinícola do Dão, Portugal.
MATERIAIS E MÉTODOS
O trabalho experimental foi realizado no Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão,
em Nelas, Portugal, com a casta Touriga Nacional, na região do Dão (latitude 40º 31´ N,
longitude 7º 51´ W e altitude 440 m). Nos anos 2004 e 2005 o ensaio foi conduzido na
parcela 1-A num sistema de blocos casualizados com 8 modalidades de rega e 3
repetições. Nos anos 2006 e 2007 o ensaio realizou-se na parcela 5-A num sistema de
blocos casualizados com 4 modalidades e 4 repetições. As características das parcelas de
vinha são apresentadas no Quadro 1. A rega foi efectuada através de um sistema gota-agota, constituído por um ramal (16 mm) por linha de videiras, com gotejadores “in-line”
autocompensantes e autolimpante de 2,3 l/h espaçados de 1 metro.
O critério utilizado na determinação da oportunidade de rega foi a reserva de água
no solo disponível para as plantas, até 0,6 m de profundidade, expressa em percentagem
da reserva utilizável (FTSW60). Assim, na modalidade com dotação correspondente a
100% da ETc (FI), na qual se pretendia que as plantas fossem mantidas em conforto
hídrico, as regas foram efectuadas sempre que a FTSW60 atingiu 40%. Nas modalidades
com rega deficitária, DI30 e DI50 os níveis críticos considerados foram 10% e 20%,
respectivamente. Para cada modalidade, a dotação de cada rega foi determinada pela
percentagem dos valores acumulados da Evapotranspiração cultural diária (ETc),
registada desde a rega antecedente, determinada pelo método descrito por Allen et al.
(1998), a partir dos valores das variáveis meteorológicas registadas numa estação
automática localizada no centro da parcela (Quadro 2).
A medição do potencial hídrico foi realizada com uma câmara de pressão
Scholander (PMS 600). O potencial de base (Ψb) foi medido de madrugada, antes do
amanhecer e o potencial mínimo (Ψm) ao meio dia solar, em folhas adultas, bem expostas,
sãs, localizadas entre os 4º e 8º níveis do lançamento, desde a floração até à vindima com
uma periodicidade quinzenal, coincidindo com os principais estados fenológicos. Para a
medição do potencial de “stem” foram seleccionadas folhas adultas na base da sebe, junto
ao tronco, as quais, 2 horas antes da cada medição, foram inseridas num saco plástico e
envolvidas com papel de alumínio. No ano de 2006, o potencial “stem” foi medido em
todas as modalidades, enquanto que em 2007 se mediu apenas nas modalidades FI e NR.
Em cada dia, a medição dos vários potenciais foi efectuada nas mesmas plantas,
previamente seleccionadas, em 3 folhas por repetição. O armazenamento de água numa
camada de solo, com uma espessura Zr, que num dado momento se encontra disponível
para as plantas (W), foi determinado por integração do teor de humidade volúmica (θv)
registado ao longo do perfil. A medição do teor de humidade foi efectuada a várias
profundidades com recurso a sondas capacitivas. Em cada unidade experimental foram
instalados dois tubos de acesso, um na linha, próximo do gotejador, entre duas plantas, e o
outro, na entrelinha. Numa das repetições da modalidade NR foi instalado um sistema de
monitorização contínua (Enviroscan – Sentek Pty Ltd), composto por duas sondas (uma
na linha e outra na entrelinha) com sensores espaçados de 0,20 m, até á profundidade de
1,90 m. Nas restantes unidades experimentais as medições foram efectuadas com uma
sonda móvel (Diviner 2000– Sentek Pty Ltd), permitindo registos de 0,10 em 0,10 m até a
profundidade de 1,60 m. Para a caracterização dos solos das parcelas de ensaio foram
928
abertos perfis até 2,00 m de profundidade, tendo sido recolhidas amostras não perturbadas
(dados não apresentados).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por limitação dos equipamentos utilizados, das condições do solo e das
características das culturas, nem sempre é possível proceder à monitorização da humidade
do solo em todo perfil explorado pelo sistema radicular. Nestas condições, se
pretendemos recorrer a reserva de água no solo como indicador de stress hídrico importa,
em primeiro lugar, definir a espessura mínima de solo que deve ser monitorizada. Na
Figura 1 apresentam-se os coeficientes de determinação (r2) resultantes do ajustamento da
função inversa aos valores de Ψb, e Ψm e respectivos valores de FTSW, determinados para
o tubo instalado na linha, para várias espessuras de solo, no ano de 2007. Verifica-se que,
nas modalidades FI e DI50, o r2 é sempre bastante elevado. Em contrapartida, nas
modalidades DI30 e NR, o coeficiente de determinação é bastante baixo quando a FTSW
se refere a espessuras de solo pequenas, aumentando progressivamente à medida que a
espessura monitorizada aumenta. Os resultados relativos ao ano de 2006 mostram uma
evolução muito semelhante (dados não apresentados). Esta análise permite concluir que,
nas modalidades com dotações de rega mais elevadas, ainda que se considere uma
espessura de solo reduzida, a FTSW é um bom indicador do estado hídrico das plantas.
Por seu lado, nas modalidades NR e DI30, a FTSW só deverá ser utilizado como indicador
quando se referir a uma espessura mínima de aproximadamente 1,30 m.
A Figura 2 representa a relação entre a Ψb e a FSTW determinada para a camada
superficial de solo com 1,30 m de profundidade (FSTW130) para os anos de 2004 e 2005.
Verifica-se que existe uma forte relação entre estes dois indicadores do estado hídrico da
cultura, resultados similares aos obtidos por Pellegrino et al. (2004), Gruber e Schultz
(2005). Contudo, constata-se que esta relação apresenta alguma variabilidade de acordo
com o regime de rega a que as plantas são sujeitas ao longo do seu ciclo vegetativo (dados
não apresentados).
Os resultados dos últimos anos do estudo demonstram ainda que a relação entre o
potencial do ramo (ψstem) e a reserva de água no solo, nas duas modalidades testemunha
(FI e NR), segue o mesmo padrão do verificado para os potenciais foliares. Verifica-se
também que, se considerarmos o conjunto de dados de todas as modalidades de rega do
ensaio, o ψstem é o que apresenta melhor relação com a reserva de água no solo (Quadro3).
CONCLUSÕES
Os resultados deste trabalho confirmam que, nas condições do ensaio, a FSTW ,
apenas poderá ser considerada um bom indicador do estado hídrico das plantas quando se
referir à camada superficial de solo com uma espessura igual ou superior a 1,30 m. Os
resultados obtidos demonstram também que, dos três tipos de potencial hídrico
considerados, o potencial do ramo ("stem") é o que apresenta maiores coeficientes de
determinação com a reserva de água no solo. Apesar de se verificar alguma variabilidade
entre diferentes regimes hídricos, a boa relação obtida entre o potencial hídrico da videira
e reserva em água do solo, permite concluir que a FSTW é um bom indicador da
disponibilidade hídrica e consequentemente poderá ser usado como critério de condução e
programação da rega neste terroir.
929
Agradecimentos
Estes estudos foram realizados no âmbito do Projecto POCTI/AGG/38506/2001,
financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Referências
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930
Quadro 1 – Características das parcelas de vinha
Textura
do solo
Ano de
plantação
Portaenxerto
Densidade
de
plantação
(vid/ha)
1-A
FrancoArenoso
1989
SO4
3636
5-A
FrancoArenoso
Parcela
Ano
2004 e
2005
2006 e
2007
4545
2000
110 R
Altura do Altura
tronco
da sebe
(m)
(m)
Sistema de
condução
Monoplano
vertical
ascendente
Sistema
de poda
Guyot
duplo
0,6
1,3
Monoplano
vertical
ascendente
Cordão
Royat
bilateral
0,6
1,2
Quadro 2 – Dotações de rega
Modalidades
Dotação (mm)
2004
2005
2006
2007
NR
Não regada
FI
100% da ETc
213.9
310.5
228.3
273.4
DI30
30% da ETc
58.0
96.6
49.5
57.2
DI50
50% da ETc
92.0
152.3
99.0
101.2
Quadro 3 – Coeficientes de determinação resultantes do ajustamento da função inversa aos
valores de Ψb, Ψm eΨstem de todas as modalidades e os correspondentes valores FTSW
(tubo da linha), determinados para várias espessuras do perfil do solo monitorizado
(2006 e 2007).
Ano
2006
2007
Espessura de solo monitorizada (m)
1,20
1,30
1,40
1,50
0,74
0,77
0,80
0,81
0,79
0,81
0,83
0,84
0,87
0,89
0,90
0,92
0,84
0,85
0,84
0,85
0,75
0,77
0,76
0,78
0,84
0,86
0,85
0,87
Potencial
ψb
ψm
ψstem
ψb
ψm
ψstem
931
1,60
0,82
0,85
0,92
0,85
0,78
0,86
1
0,9
Coef. Determinação
0,8
0,7
0,6
FI
0,5
NR
0,4
0,3
DI30
0,2
DI50
0,1
0
0
a)
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
1,8
Espessura de solo (m)
1
Coef. Determinação
0,9
0,8
0,7
0,6
FI
0,5
NR
0,4
0,3
DI30
0,2
DI50
0,1
0
0
b)
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
1,8
Espessura de solo (m)
Figura 1 – Coeficientes de determinação resultantes do ajustamento da função inversa aos
valores de Ψb(a) e Ψm(b) e os correspondentes valores FTSW (tubo da linha),
determinados para várias espessuras do perfil do solo monitorizado (2007).
0
-0,1
ψ
b
-0,2
2004
-0,3
2005
-0,4
(
M
p
a
-0,5
-0,6
)
-0,7
-0,8
-0,9
0
10
20
30
40
50
FTSW (%)
60
70
80
90
100
Figura 2 - Relação entre a Ψb e a FSTW130, para todas as modalidades, anos 2004 e 2005.
932
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Relação entre o potencial hídrico foliar e as reservas em