Metabolismo do colesterol e ácidos biliares; Rui Fontes
Metabolismo do colesterol e ácidos biliares
1-
O colesterol é uma substância cuja estrutura contém um núcleo ciclo-pentano-peridro-fenantreno
hidroxilado em C3, com uma dupla ligação em C5, uma cadeia alifática ramificada com 8 carbonos
em C17 e dois grupos metilo, um ligado ao carbono 10 e outro ao carbono 13. No total são 27
carbonos.
2-
Embora a concentração de colesterol plasmático nomeadamente o que está ligado às LDL esteja
positivamente correlacionada com aterosclerose e infarto de miocárdio precoce, o colesterol faz parte
da estrutura das membranas celulares e é o precursor dos sais biliares, das hormonas esteroides
(sexuais e do cortex suprarrenal) e da vitamina D.
3-
Em condições normais a quantidade de colesterol total do organismo (cerca de 140 g) mantém-se, no
adulto, relativamente constante pois a quantidade que é transformada (em sais biliares, hormonas
sexuais, corticosteroides e vitamina D) ou excretada nas fezes é reposta, quer pela dieta, quer por
síntese endógena. Do ponto de vista quantitativo a via mais importante de eliminação do colesterol é
a sua conversão em sais biliares.
4-
A síntese de colesterol ocorre em todas as células nucleadas do organismo, mas é mais importante no
fígado. De forma esquemática a via metabólica está resumidamente representada na tabela abaixo.
Esta tabela põe em evidência que na formação de uma molécula de colesterol se gastam 18 moléculas
de acetil-CoA, que levam à formação de 6 moléculas de hidroxi-metil-glutaril-CoA e que estas se
convertem em 6 moléculas de mevalonato. De seguida, as 6 moléculas de mevalonato (6C) são
convertidas em 6 unidades isoprenoides (5C) ativadas (primeiro, 6 moléculas de isopentenilpirofosfato, sendo que, de seguida, 2 destas moléculas se convertem no isómero dimetilalilpirofosfato). A partir de 2 moléculas de dimetilalil-pirofosfato e 2 de isopentenil-pirofosfato formamse 2 moléculas de geranil-pirofosfato (10C) sobrando 2 moléculas de isopentenil-pirofosfato. Estas 2
moléculas de isopentenil-pirofosfato vão reagir com as 2 moléculas de geranil-pirofosfato formando 2
moléculas de farnesil-pirofosfato (15C). Duas moléculas de farnesil-pirofosfato vão reagir entre si
para formar o esqualeno (30C) que, de seguida, se converte em lanosterol (30C). O lanosterol vai
depois, numa serie de reações, converter-se em colesterol (27C).
3 Acetil-CoA 3 Acetil-CoA 3 Acetil-CoA 3 Acetil-CoA 3 Acetil-CoA 3 Acetil-CoA
HMG-CoA
HMG-CoA
HMG-CoA
HMG-CoA
HMG-CoA
HMG-CoA
mevalonato
mevalonato
mevalonato
mevalonato
mevalonato
mevalonato
isopentenil-PP isopentenil-PP isopentenil-PP isopentenil-PP isopentenil-PP isopentenil-PP
isopentenil-PP isopentenil-PP dimetilalil-PP isopentenil-PP isopentenil-PP dimetilalil-PP
isopentenil-PP
geranil-PP
isopentenil-PP
geranil-PP
farnesil-PP
farnesil-PP
esqualeno
lanosterol
colesterol
5-
A partir de 3 moléculas de acetil-CoA forma-se hidroxi-metil-glutaril-CoA (HMG-CoA) por ação
sequenciada de duas enzimas presentes no citoplasma: a tiólase e a síntase do HMG-CoA
citoplasmáticas (ver Equação 1 e Equação 2). Embora a sequência reativa seja a mesma, estas enzimas
são isoenzimas das que, nas mitocôndrias hepáticas, estão envolvidas na síntese dos corpos cetónicos.
Formado a partir de 3 acetilos do acetil-CoA, o resíduo hidroxi-metil-glutarato do HMG-CoA contém
6 carbonos. O passo limitante da velocidade da síntese do colesterol é a síntese do mevalonato (6C)
que é catalisada pela redútase do HMG-CoA (ver Equação 3), uma enzima do retículo
endoplasmático.
Equação 1
Equação 2
Equação 3
2 acetil-CoA → acetoacetil-CoA + CoA
acetoacetil-CoA + acetil-CoA → HMG-CoA + CoA
HMG-CoA + 2 NADPH → mevalonato + CoA + 2 NADP+
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6-
Em 3 passos reativos, o mevalonato é fosforilado por ação de duas cínases e descarboxilado gerandose o isopentenil-pirofosfato. O somatório das ações catalíticas das duas cínases e da descarboxílase
que levam à formação do isopentenil-pirofosfato é expresso pela Equação 4. O isopentenil-pirofosfato
é de seguida isomerizado a dimetilalil-pirofosfato (Equação 5). O isopentenilo e o dimetilalilo são
álcoois com 5 carbonos (ramificados contendo um ligação dupla) e são coletivamente designados por
unidades isoprenoides. As formas ligadas ao pirofosfato (isopentenil-pirofosfato e dimetilalilpirofosfato) estão “ativadas” (a ligação entre o grupo fosfato diretamente ligado à unidade isoprenoide
é de tipo fosfoéster) e participam como substratos em reações catalisadas por uma transférase (às
vezes designada por síntase do farnesil-pirofosfato) em que se liberta pirofosfato. Assim, da reação
entre uma molécula de dimetilalil-pirofosfato e outra de isopentenil-pirofosfato forma-se geranilpirofosfato (10C; ver Equação 6) e da reação entre o geranil-pirofosfato formado e uma outra
molécula de isopentenil-pirofosfato forma-se o farnesil-pirofosfato (15C; ver Equação 7). Em ambos
os casos o outro produto é o pirofosfato que vai ser hidrolisado pela ação catalítica da pirofosfátase
inorgânica (ver Equação 9). O esqualeno (30C) forma-se a partir de duas moléculas de farnesilpirofosfato. A síntase do esqualeno é uma redútase dependente do NADPH que está presente no
retículo endoplasmático (ver Equação 8). A equação soma que descreve a síntese do esqualeno a partir
de acetil-CoA é a Equação 10. Doze das treze moléculas de NADPH que se oxidam neste processo são
oxidadas pela ação da redútase do HMG-CoA (ver Equação 3) e a restante pela ação catalítica da
síntase do esqualeno (ver Equação 8).
Equação 4
Equação 5
Equação 6
Equação 7
Equação 8
Equação 9
Equação 10
7-
O esqualeno sofre a ação sequenciada de duas enzimas levando à formação do primeiro composto
cíclico da via metabólica: o lanosterol. As reações envolvidas na transformação do lanosterol (30C)
em colesterol (27C) são muito complexas e mal conhecidas no que se refere à ordem em que ocorrem,
mas envolvem a libertação de três carbonos na forma de formato e CO2. No processo estão envolvidas
oxídases e oxigénases de função mista em que ocorre a oxidação do NADPH, de uma desidrogénase
dependente do NAD+ e de várias redútases dependentes do NADPH [1]. A equação soma que descreve
a síntese do colesterol a partir de esqualeno é a Equação 11. A soma da Equação 10 e da Equação 11 é
a Equação 12 e corresponde ao processo global da síntese de colesterol a partir de 18 moléculas de
acetil-CoA. Com exceção da redútase do HMG-CoA todas as enzimas envolvidas na conversão de
acetil-CoA em farnesil-PP são enzimas do citoplasma; tal como a redútase do HMG-CoA todas as
enzimas envolvidas na conversão do farnesil-PP em colesterol estão no retículo endoplasmático.
Equação 11
Equação 12
8-
mevalonato + 3 ATP → isopentenil- pirofosfato + 3 ADP + Pi + CO2
isopentenil- pirofosfato ↔ dimetilalil- pirofosfato
isopentenil- pirofosfato + dimetilalil- pirofosfato → geranil-pirofosfato + PPi
geranil-pirofosfato + isopentenil- pirofosfato → farnesil-pirofosfato + PPi
2 farnesil-pirofosfato + NADPH → esqualeno + 2 PPi + NADP+
PPi + H2O → 2 Pi
18 acetil-CoA + 18 ATP + 13 NADPH →
esqualeno + 18 CoA + 18 ADP + 18 Pi + 6 CO2 + 13 NADP+
esqualeno + 16 NADPH + 2 NAD+ + 11 O2 →
colesterol + formato + 2 CO2 + 16 NADP+ + 2 NADH
18 acetil-CoA + 18 ATP + 29 NADPH + 2 NAD+ + 11 O2 →
colesterol + formato + 8 CO2 + 18 ADP + 18 Pi + 18 CoA + 29 NADP+ + 2 NADH
A via metabólica descrita ramifica-se a partir do farnesil-pirofosfato. O farnesil-pirofosfato (15C),
para além de poder originar o esqualeno (ver Equação 8), também pode reagir com uma ou mais
moléculas de isopentenil-pirofosfato (5C) formando unidades poli-isoprenoides ativadas com um
número de carbonos que é um múltiplo de 5. Estas unidades estão na origem de compostos como, por
exemplo, a ubiquinona (da cadeia respiratória), o dolicol (álcool envolvido na N-glicosilação de
proteínas no retículo endoplasmático) e também participa na formação do grupo heme a dos
citocromos a e a3 do complexo IV da cadeia respiratória. Além disso, as unidades poli-isoprenoides
ativadas podem ser transferidas para proteínas que passam a designar-se por proteínas preniladas. As
cadeias isoprenoides são hidrofóbicas e têm um papel na ligação (não covalente) das moléculas de que
fazem parte às membranas das células.
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9-
Embora sintetizemos cerca de 0,5-1 g de colesterol/dia, uma parte do colesterol que substitui o que é
eliminado tem origem na dieta (geralmente <0,5 g/dia). Assim, considerando o valor de 140 g como a
quantidade de colesterol total no organismo e constância nesta quantidade, cerca de 1% do colesterol
do organismo é renovado no período de 1 dia. Considerando um indivíduo em que a concentração
plasmática de colesterol total é de 200 mg/dL e 3L de plasma, o colesterol da dieta que é absorvido por
dia representa cerca de 5-10% do colesterol contido no plasma1. Os colesterídeos (ésteres de
colesterol) da dieta são hidrolisados no lúmen intestinal por ação de uma hidrólase de origem
pancreática (estérase de ésteres de colesterol). Para a absorção do colesterol é indispensável a presença
de sais biliares no lúmen intestinal; sem formação das micelas mistas o colesterol não entra em
contacto com a membrana celular do polo apical dos enterócitos. O transporte de colesterol para
dentro dos enterócitos é mediado pelo transportador NPC1L1 (da expressão inglesa “Niemann-Pick
C1–like 1”) [2], mas uma parte do colesterol que entra para os enterócitos acaba por sair para o lúmen
do intestino via ação (transporte ativo) dos transportadores ABCG5 e ABCG8 (das expressões inglesas
“ATP binding cassete G5” e “ATP binding cassete G8”) . Nos enterócitos, o colesterol é reesterificado
por ação da ACAT (acil-colesterol-acil-transférase ou transférase de acilo de acil-CoA e
colesterol; ver Equação 13). Os ésteres de colesterol formados e o colesterol não esterificado são
depois incorporados nos quilomicra que acabam por aparecer no plasma sanguíneo a seguir às
refeições. Os ésteres de colesterol, juntamente com os triacilgliceróis, fazem parte do miolo dos
quilomicra; o colesterol livre fica, juntamente com fosfolipídeos, na monocamada exterior destas
partículas.
Equação 13
acil-CoA + colesterol → colesterídeo + CoA
10-
O fígado capta o colesterol da dieta aquando da endocitose dos quilomicra remanescentes que
ocorre via ligação das apo E aos recetores de LDL e LRP (da expressão inglesa “LDL receptor related
protein”). O colesterol presente no fígado pode ter tido origem na dieta, mas também pode ter sido aí
sintetizado ou resultar da captação endocítica das IDL e LDL ou da captação do colesterol das HDL. O
fígado excreta colesterol na bílis (quer como colesterol não esterificado, quer como sais biliares
formados a partir do colesterol), mas parte do colesterol hepático é vertido na corrente sanguínea
incorporado nas VLDL. As VLDL contêm colesterol não esterificado e esterificado; tal como em
todas as células do organismo, a esterificação hepática do colesterol ocorre por ação da ACAT (acilcolesterol-acil-transférase). As VLDL podem (via IDL) dar origem às LDL que são a mais importante
fonte de colesterol dos tecidos. As LDL sofrem endocitose pelos tecidos (incluindo o fígado que, de
facto, é o órgão mais importante na captação das LDL) ligando-se previamente aos recetores das LDL.
O colesterol dos tecidos extra-hepáticos que foi captado pelas HDL também é vertido no fígado
(transporte reverso de colesterol).
11-
O principal mecanismo pelo qual o colesterol plasmático (esterificado e não esterificado) é captado
para os tecidos envolve a ação dos recetores das LDL que se ligam às LDL (e também às IDL e
quilomicra remanescentes) permitindo a sua endocitose. Enquanto os recetores são recuperados e
regressam à membrana celular, dentro das células os ésteres de colesterol são hidrolisados nos
lisossomas levando à formação de colesterol livre. Uma parte deste colesterol (e uma parte do que é
sintetizado pelas células) vai ser esterificado com ácidos gordos gerando ésteres de colesterol (ação da
ACAT; ver Equação 13) que se agrupam em gotículas intracelulares, constituindo uma reserva de
colesterol.
12-
O colesterol não esterificado intracelular está maioritariamente nas membranas existentes nas
células e é este colesterol que regula negativamente, quer a síntese de colesterol, quer a captação
das LDL plasmáticas. Estes efeitos do colesterol devem-se à inibição de genes codificadores de
1
Se considerarmos um total de 6 g de colesterol nos 3 L de plasma de um adulto, a ingestão de 0,4 g/dia de colesterol
corresponde a 6,7%. Este valor contrasta com os casos da glicose e dos triacilgliceróis. No caso dos triacilgliceróis a 90
mg/dL (trigliceridemia normal em jejum) correspondem 2,7 g nos 3L de plasma; uma ingestão de 100 g/dia de lipídeos
é quase 40 vezes superior aos triacilgliceróis contidos no plasma. No caso da glicose, a 90 mg/dL (glicemia normal em
jejum), correspondem, nos 12 L de líquido extracelular (plasma + líquido extracelular não plasmático) 11 g de glicose;
uma ingestão de 400 g/dia de glicídeos é também quase 40 vezes superior à glicose no líquido extracelular total. Ou
seja, enquanto o colesterol da dieta diária corresponde a uma pequena fração do colesterol plasmático, nos casos dos
triacilgliceróis e da glicose acontece exatamente o contrário.
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enzimas da via da síntese de colesterol (como, por exemplo, os que codificam a síntase do HMGCoA e a redútase do HMG-CoA) e o gene do recetor das LDL [3]. O mecanismo de regulação
envolve um fator de transcrição denominado SREBP-2 (da expressão inglesa “Sterol Responsive
Element Binding Protein-2”) que, para ter ação ativadora da transcrição dos genes acima referidos,
tem de ser primeiramente ativado por proteólise: um dos fragmentos proteicos resultantes desta
proteólise é a forma ativa do fator de transcrição SREBP-2. A proteólise é ativada por uma proteína
denominada SCAP (da expressão inglesa “SREBP cleavage activating protein”2) que é sensível ao
nível de colesterol nas membranas da célula. A clivagem proteolítica e a consequente ativação do
SREBP-2 estão aumentadas quando os níveis de colesterol baixam nas células. Quando os níveis de
colesterol celular estão aumentados este processo hidrolítico não acontece e não ocorre a ativação da
transcrição dos genes codificadores da síntase HMG-CoA, da redútase do HMG-CoA e do recetor das
LDL. O SREBP-2 é um componente de um mecanismo homeostático que promove a síntese de
colesterol e a captação celular de colesterol do plasma quando este baixa nas células. Ao provocar
aumento da atividade dos recetores de LDL, a diminuição do colesterol nas células faz baixar a
concentração de LDL no plasma. Algumas hormonas também têm efeitos no metabolismo do
colesterol. As hormonas tiroideias, por exemplo, estimulam simultaneamente a síntese de colesterol
(via indução do gene da redútase de HMG-CoA) e a síntese de recetores de LDL. O efeito das
hormonas tiroideias nos recetores de LDL permite compreender que estas hormonas baixem a
concentração plasmática de LDL; previsivelmente, no hipotiroidismo os doentes têm o colesterol
associado às LDL aumentado.
13-
Ao contrário do que acontece com os glicídeos, os triacilgliceróis (e outros lipídeos) e as proteínas em
que em que os carbonos são eliminados nos pulmões na forma de CO2, o colesterol é eliminado nas
fezes na forma de colesterol não esterificado e de sais biliares que passam para o lúmen intestinal
incorporados na bílis. O colesterol que é convertido em hormonas esteróides (no córtex das glândulas
suprarrenais e nas gónadas) é uma pequena fração do que é eliminado pelo fígado através da bílis. Já
foi referido que o colesterol presente no fígado pode ter tido origem na síntese endógena ou ser
captado do plasma (diversas lipoproteínas). Nos tecidos extrahepáticos, o colesterol que vai sendo
sintetizado e o que é captado do plasma também acaba eliminado na bílis através do chamado
“transporte reverso do colesterol”. O colesterol dos tecidos extra-hepáticos é transportado para o
fígado via HDL e, no processo de captação do colesterol dos tecidos pelas HDL, participa o
transportador ABC-A1 (da expressão inglesa “ATP binding cassete-A1” e também o recetor de
limpeza B1 (ligando das apo AI). À medida que o colesterol vai passando dos tecidos para as HDL vai
sendo esterificado (ação da LCAT - lecitina colesterol acil-transférase; ver Equação 14) e incorporado
no miolo das HDL. Na chamada “via direta do transporte reverso do colesterol”, os ésteres de
colesterol do miolo das HDL vão sendo captados no fígado e neste processo também participa o
recetor de limpeza B1. Após verterem o colesterol no fígado, as HDL passam a ser pequenas
partículas denominadas HDL pré-β (contêm apenas apo AI e algumas moléculas de fosfolipídeos e de
colesterol) que permanecem no plasma sanguíneo e vão iniciar um novo ciclo de captação de
colesterol. Na chamada “via indireta do transporte reverso do colesterol”, os ésteres de colesterol
do miolo das HDL são transferidos para o miolo das LDL, VLDL e quilomicra em troca por
triacilgliceróis destas partículas (ação da CETP; da expressão inglesa “cholesteryl ester transfer
protein”). Os ésteres de colesterol que passaram para as LDL, VLDL e quilomicra acabam captados
pelo fígado aquando da endocitose das LDL (via recetores das LDL) ou das VLDL remanescentes e
quilomicra remanescentes (via recetores das LDL e LRPs).
Equação 14
14-
2
lecitina + colesterol → éster de colesterol + lisolecitina
Os sais biliares são esteroides (contêm ciclo-pentano-peridro-fenantreno hidroxilado) e são
sintetizados no fígado a partir do colesterol. No polo canalicular (voltado para os canalículos
biliares) dos hepatócitos existem transportadores (transporte ativo) que catalisam a excreção dos sais
biliares para a bílis. Depois de excretados na bílis e chegarem ao lúmen do duodeno (durante a
digestão), uma parte dos sais biliares acaba por se perder nas fezes. No entanto, em grande parte, os
sais biliares são reabsorvidos na parte terminal do intestino delgado (no íleo) sendo de novo
excretados no fígado. Este processo designa-se por ciclo entero-hepático dos sais biliares e envolve
Uma tradução possível seria: proteína ativadora da clivagem do SREBP-2.
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transportadores (transporte ativo) situados nos polos apical e basal dos enterócitos (íleo) e nos polos
capilar e canalicular dos hepatócitos [4]. A bílis não contém apenas sais biliares: um outro componente
é o colesterol que também é excretado no polo canalicular dos hepatócitos por transporte ativo
(transportador do tipo ABC; ATP binding cassete). Os fosfolipídeos são outros dos componentes da
bílis. O colesterol mantém-se “solubilizado” na bílis devido à presença dos sais biliares e dos
fosfolipídeos mas, quando há alterações nas proporções dos componentes da bílis, o colesterol pode
precipitar dentro da vesícula biliar dando origem a cálculos. Tal como acontece com os sais biliares,
uma parte do colesterol excretado na bílis acaba por se perder nas fezes. Uma outra parte do colesterol
da bílis é, juntamente com o colesterol da dieta, absorvida e incorporada nos quilomicra.
15-
Os sais biliares costumam classificar-se em primários (os que se originam primariamente a partir de
colesterol) e secundários (os que resultam da transformação dos primeiros pelas bactérias durante a
sua passagem pelo intestino). Os sais biliares são sintetizados nos hepatócitos; a sua síntese é muito
complexa e ainda não está completamente esclarecida. Os ácidos biliares primários são o glicocólico,
o taurocólico, o glicoquenodesoxicólico e o tauroquenodesoxicólico; o prefixo glico- significa que
contêm um resíduo de glicina e o prefixo tauro- que contêm um resíduo de taurina (é um derivado da
cisteína). A ligação entre os ácidos cólico ou quenodesoxicólico e a glicina ou a taurina é de tipo
amida envolvendo os grupos carboxílicos destes ácidos e os grupos amina da glicina ou da taurina. A
reação limitante da velocidade da síntese dos sais biliares é a catalisada pela 7-α
α-hidroxílase do
retículo endoplasmático, uma mono-oxigénase de função mista da família dos citocromos P450 (ver
Equação 15). O ácido biliar sintetizado em maior quantidade é o ácido cólico, que contém 24
carbonos e que, para além dos hidroxilos em C3 (o que já existia no colesterol) e C7 (formado pela
ação da 7-α-hidroxílase), contém um hidroxilo em C12. O ácido cólico, por ação de uma sintétase
com uma atividade similar à sintétase de acil-CoA que envolve os ácidos gordos, é tioesterificado com
a coenzima A (ver Equação 16). Seguidamente ocorre a transferência do resíduo colil da colil-CoA
formada para a glicina ou para a taurina gerando, respetivamente, os ácidos glicocólico ou taurocólico
(ver Equação 17). No caso do ácido quenodesoxicólico não ocorre a hidroxilação em C12, mas a
conjugação com a glicina e a taurina também têm lugar gerando os ácidos glicoquenodesoxicólico e
tauroquenodesoxicólico.
Equação 15
Equação 16
Equação 17
colesterol + NADPH + O2 → 7-α-hidroxicolesterol + NADP+ + H2O
colato + CoA + ATP → colil-CoA + AMP + PPi
colil-CoA + glicina ou taurina → glicocolato ou taurocolato + CoA
16-
Os ácidos biliares secundários resultam da ação das bactérias intestinais que promovem, quer a rotura
das ligações com a taurina e a glicina, quer a redução do hidroxilo em C7 gerando os ácidos
desoxicólico (derivado do ácido cólico e contendo dois grupos hidroxilo, um em C3 e outro em C12) e
o litocólico (derivado do ácido quenodesoxicólico e contendo apenas um grupo hidroxilo em C3). A
maior parte do ácido litocólico perde-se nas fezes, mas o desoxicólico é, em grande parte, reabsorvido,
conjugado com glicina e taurina no fígado e re-excretado na bílis na forma de glicodesoxicólico e
taurodesoxicólico.
17-
A síntese de sais biliares é regulada ao nível da 7-α
α-hidroxílase (ver Equação 15) cuja síntese é
estimulada quando a concentração intracelular de sais biliares baixa no fígado ou a de colesterol
aumenta. A indução da síntese de 7-α-hidroxílase quando o colesterol aumenta nos hepatócitos é
mediada por um fator de transcrição denominado “liver X receptor” 3 (LXR). No efeito oposto,
exercido pelos sais biliares, está envolvido um outro fator de transcrição denominado “farnesoid X
receptor”4 (FXR) (ou “biliar acid receptor” - BAR). O FXR liga-se aos sais biliares e esta forma
ligada tem efeito inibidor na transcrição do gene da 7-α-hidroxílase. A colestiramina é um fármaco
que pode ser usado para baixar o colesterol plasmático. O seu mecanismo de ação baseia-se na sua
capacidade de se ligar aos sais biliares no lúmen do intestino impedindo a sua reabsorção. A
diminuição dos sais biliares no fígado provoca diminuição da forma ligada do FXR o que estimula a
síntese da 7-α-hidroxílase e, consequente, o catabolismo do colesterol (ou seja, a sua conversão em
sais biliares).
3
4
Uma tradução possível seria “recetor hepático X”.
Uma tradução possível seria “recetor X ativado pelo farnesoide”.
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18-
Existe uma correlação positiva entre a concentração de colesterol total plasmático (e o colesterol das
LDL) e desenvolvimento de lesões ateroscleróticas nas artérias; no caso do colesterol das HDL a
correlação é negativa. O enriquecimento da dieta em ácidos gordos poli-insaturados pode ser útil no
tratamento da hipercolesteronemia pois provoca inibição da transcrição de genes de enzimas da via da
síntese de colesterol como a redútase do HMG-CoA e a síntase do farnesil-pirofosfato [5].
Atualmente, os medicamentos mais usados para baixar o colesterol das LDL são os inibidores da
redútase da HMG-CoA (as estatinas); o efeito inibidor das estatinas deve-se ao facto de competirem
com o substrato fisiológico (o HMG-CoA) pelo centro ativo da enzima [6]. Ao inibirem a síntese
endógena de colesterol, quer os ácidos gordos poli-insaturados, quer as estatinas provocam diminuição
da sua concentração intracelular e, consequentemente, aumento (via SREBP-2) da atividade dos
recetores das LDL e diminuição da concentração plasmática das LDL. Por mecanismos
desconhecidos, quer os ácidos gordos poli-insaturados, quer as estatinas também tendem a fazer subir
a concentração plasmática do colesterol das HDL. Um outro medicamento que pode ser usado no
tratamento da hipercolesterolemia (quando esta resulta de aumento das LDL) é o ezetimibe que inibe,
nos enterócitos, o transportador NPC1L1 [2].
19-
Como já referido, o farnesil-pirofosfato, para a além de participar na síntese de colesterol, também está
na origem de outras substâncias endógenas que contém polímeros de unidades isoprenoides como a
ubiquinona (ou coenzima Q), os citocromos a e a3 do complexo IV da cadeia respiratória, o dolicol e
proteínas preniladas das membranas. Alguns (muito raros) casos de toxicidade observados com doses
altas de estatinas poderão dever-se à inibição da síntese de alguma destas substâncias.
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