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AS FRACÇÕES E OS DECIMAIS NO DESENVOLVIMENTO DO SENTIDO DO NÚMERO RACIONAL –
ENQUADRAMENTO CIENTÍFICO
O Aparecimento dos Números
«...Grande parte do que hoje se chama matemática deriva de ideias que originalmente estavam
centradas nos conceitos de número, grandeza e forma. Definições antiquadas de matemática como
uma “ ciência do número e grandeza” já não são válidas, mas sugerem as origens dos diversos ramos
da matemática.
Noções primitivas relacionadas com os conceitos de número, grandeza e forma podem ser
encontradas nos primeiros tempos da raça humana (...).
Em certa época pensou-se que a matemática se ocupava do mundo que os nossos sentidos
percebem, e foi somente no século dezanove que a matemática pura se libertou das limitações
sugeridas por observações da natureza. (...)
A princípio as noções primitivas de número, grandeza e forma podiam estar relacionadas com
contrastes mais do que com semelhanças – a diferença entre um lobo e muitos, a desigualdade de
tamanho entre uma sardinha e uma baleia, a dissemelhança entre a forma redonda da lua e a
rectilínea de um pinheiro. ( ...)
Certos grupos, como os pares, podem ser postos em correspondência um a um. As mãos podem
ser relacionadas com os pés, os olhos, as orelhas ou as narinas. Essa percepção de uma propriedade
abstracta que certos grupos têm em comum e que nós chamamos número, representa um grande
passo no caminho para a matemática moderna. É improvável que isso tenha sido a descoberta de
um só indivíduo ou de uma dada tribo; é mais provável que a percepção tenha sido gradual, e pode
ter-se desenvolvido tão cedo no desenvolvimento cultural do homem quanto o uso do fogo, talvez há
300 000 anos. (...)
Os dedos de uma mão podem facilmente ser usados para indicar um conjunto de dois, três,
quatro ou cinco objectos, não sendo o número 1 reconhecido inicialmente como um verdadeiro
número. Usando os dedos das duas mãos podem ser representadas colecções contendo até dez
elementos; combinando os dedos das mãos e dos pés pode-se ir até vinte. Quando os dedos
humanos eram inadequados podiam ser usados montes de pedras para representar uma
correspondência com os elementos de um outro conjunto. Como Aristóteles observou há muito
tempo, o uso hoje difundido do sistema decimal é apenas o resultado do acidente anatómico de que
quase todos nós nascemos com dez dedos nas mãos e dez nos pés.
Grupos de pedras são demasiado efémeros para conservar informação: por isso o homem préhistórico às vezes registava um número fazendo marcas num bastão ou pedaço de osso (...) na
Tchecoslováquia foi achado um osso de lobo com profundas incisões, em número de cinquenta e
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cinco; estavam dispostos em duas séries, com vinte e cinco numa e trinta noutra, com os riscos em
cada série, dispostos em grupos de cinco. Tais descobertas arqueológicas fornecem provas de que a
ideia de número é muito mais antiga do que processos tecnológicos como o uso de metais ou de
veículos com rodas (...) ou até da escrita. (...) Sinais para números provavelmente precederam as
palavras para números. (...)
O conceito de número inteiro é o mais antigo na matemática e a sua origem perde-se nas névoas
da antiguidade pré-histórica. A noção de fracção racional, porém, surgiu relativamente tarde e em
geral não estava relacionada de perto com os sistemas para os inteiros (...) as fracções decimais
foram essencialmente um produto da idade moderna da matemática e não do período primitivo. (...)
Afirmações sobre as origens da matemática, são necessariamente arriscadas, pois os primórdios
do assunto são mais antigos que a arte de escrever... é melhor suspender o julgamento nessa questão
e ir adiante, ao terreno mais firme da história da matemática encontrada em documentos escritos
que chegaram até nós.»
In, História da Matemática, Carl B. Boyer
Os Sistemas de Numeração Actuais
Um sistema de numeração é um conjunto de regras que se utilizam para escrever e exprimir
qualquer número nesse sistema.
Chama-se base de um sistema de numeração ao número de unidades de uma ordem inferior
que formam uma unidade de ordem imediatamente superior (por exemplo: na base 2, o número dois
pode representar-se por 10(2); isto significa que duas unidades formam uma nova unidade, de ordem
um;
na base 10 o número doze pode representar-se por 12 ou seja dez unidades formam uma
dezena – uma unidade de ordem um).
Qualquer sistema de numeração tem que cumprir as seguintes premissas:
1. Utilizando-se um sistema de numeração é possível escrever qualquer número.
2. Um número de unidades de qualquer ordem que coincida com a base do sistema de
numeração constitui uma unidade da ordem imediatamente superior.
3. Qualquer algarismo escrito imediatamente à esquerda de outro representa unidades
tantas vezes maiores do que esta, quantas unidades tiver a base do sistema de
numeração.
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Comecemos por espreitar a genealogia dos nossos dígitos (números constituídos por um só
algarismo) segundo Karl Menninger no livro «Zahlwort und Ziffer» (Gottingen, RFA: Venderhoeck &
Ruprecht,1957-1958, 2 vols) II, 233.
O Sistema de Numeração Decimal
No sistema de numeração decimal posicional (base 10) utilizamos dez algarismos (0, 1, 2, 3, 4, 5,
6, 7, 8, 9).
Na base dez, dez unidades de qualquer ordem constituem uma unidade da ordem
imediatamente superior e, ao contrário, uma unidade de qualquer ordem é constituída por dez
unidades da ordem imediatamente inferior. Ou seja, dez unidades formam uma dezena, dez dezenas
formam uma centena e um milhar é constituído por dez centenas.
Os números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 são unidades de ordem zero. A dezena (10) é a unidade de 1ª
ordem. A centena (100) é a unidade de 2ª ordem, etc. A centena representa dez unidades de 1ª
ordem e cem unidades de ordem zero.
Uma classe é constituída por três ordens consecutivas. Assim:
-
As unidades, as dezenas e as centenas formam a classe das unidades;
-
As unidades de milhar, as dezenas de milhar e as centenas de milhar formam a classe dos
milhares;
-
As unidades de milhão, as dezenas de milhão e as centenas de milhão formam a classe dos
milhões;
-
etc.
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Valor absoluto e valor relativo de um algarismo num dado número:
Qualquer algarismo que integre um número possui, ao mesmo tempo, um valor absoluto e um
valor relativo. Os algarismos que integram o número 444 têm todos valor absoluto 4. No entanto o
algarismo 4 tem valores relativos diferentes consoante o lugar que ocupa. O que está mais à direita
vale 4 unidades de ordem zero; o que está ao centro vale 40 (4 unidades de 1ª ordem ou 4 dezenas);
o que está mais à esquerda vale 400 (4 unidades de 2ª ordem ou 4 centenas).
Se escrevermos um, dois ou três zeros à direita de um número este torna-se dez, cem ou mil
vezes maior. Pelo contrário se escrevermos zeros à esquerda de um número este não se altera uma
vez que tanto o valor absoluto como o valor relativo dos seus algarismos se mantém.
Notação Científica
O nosso sistema de numeração permite escrever números tão grandes ou tão pequenos
quanto seja necessário. É claro que a noção de «número grande» ou de «número pequeno» são
noções relativas. No entanto é verdade que por vezes é incómodo escrever uma dada quantidade
utilizando para isso 9, 12 ou mais algarismos. Se pretendermos, por exemplo, efectuar cálculos numa
máquina de calcular científica podemos até ter dificuldade em escrever um número com mais de 12
ou 15 algarismos. Quando isso acontece e sempre que desejarmos podemos escrever qualquer
número na sua forma científica, ou seja, como produto de um número entre 1 e 10 por uma potência
de base 10. Assim, por exemplo:
10000000= 1 × 107
0,1 = 1 × 10 –1
0,000345 = 3,45 × 10-4
780 × 103 = 7,80 × 105
Os Conjuntos de Números
O Conjunto dos Números Naturais –
 = { 1,2,3,4,5,6,... }
:
Conjunto dos Números Naturais
Giusepe Peano (1858-1932) brilhante matemático italiano criou uma axiomática para os
números naturais a partir dos conceitos primitivos de «um», «número» e a relação «é sucessor de». Os
axiomas são:
1. 1 é um número natural.
2. Todo o número natural n possui um sucessor n+1.
3. 1 não é sucessor de nenhum número natural.
4. Se dois números naturais têm o mesmo sucessor então são iguais.
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5. (axioma da indução) Se A é um subconjunto de IN tal que 1 ∈ A e n+1 ∈ A sempre que n ∈ A
então A =
.
( Nota: É possível (e hoje frequente) desenvolver a teoria tomando como conceito primitivo o
«zero» em vez do «um» - o que significa que passava a ser o zero o primeiro número natural.)
A partir destes cinco axiomas provam-se todas as propriedades dos números naturais.
Em
 define-se uma relação de ordem (tricotómica e transitiva) que torna  um conjunto
bem ordenado, ou seja,
1) dados dois números naturais quaisquer, a e b, ou a < b ou a > b ou a = b;
2) se a < b e b < c então a < c.
Em
 estão definidas as operações de adição, subtracção, multiplicação e divisão mas nem
sempre é possível subtrair ou dividir dois quaisquer números naturais. Por exemplo 5 - 6 não é um
número natural e 5 : 6 também não. Assim, foi necessário criar extensões de
 . A primeira extensão é
 e foi criada para resolver o problema da subtracção, ou seja para tornar sempre possível a
equação x + a = b, sendo x, a e b números naturais.
O Conjunto dos Números Inteiros Relativos –
 = {..., -4, -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, 4,...}
 :
Conjunto dos Números Inteiros Relativos
Considerando a equação do primeiro grau a + x = b (expressão proposicional que é uma
igualdade na qual x representa a incógnita, ou seja o valor a descobrir) com a e b ∈  , ela só tem
solução em
 se a < b. Por outro lado mesmo que a > b a equação tem sempre solução em  .
O conjunto
 é um conjunto bem ordenado, isto é,
1) dados dois números inteiros relativos quaisquer, a e b, ou a < b ou a > b ou a = b;
2) se a < b e b < c então a < c.
No conjunto
Mas em
 estão definidas as mesmas operações que estão definidas em  .
 a divisão também não é sempre possível. Por exemplo 4:2 = 2 mas 4 : 3 não existe em
 . Por outras palavras a equação ax = b não tem sempre solução em  . Para resolver este problema
criou-se uma nova extensão à qual se chamou o conjunto
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 .
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O Conjunto dos Números Racionais –
 :
 = {números fraccionários} U  = {
a
:a ∈  eb ∈ \ 0 }
b
{}
Números inteiros
Números racionais
dízimas finitas
Números fraccionários
dízimas infinitas periódicas
Em
 Q as equações do tipo ax = b têm sempre solução
Notas:
1. O quociente a : b, em que a ∈  e b ∈  \
{ 0} =  ,
*
pode representar-se por
a
que se
b
chama fracção; o número a recebe, nessa fracção, o nome de numerador; o número b recebe,
nessa fracção, o nome de denominador.
2. Uma fracção pode ser comum ou decimal; uma fracção é decimal quando o seu
denominador é uma potência de dez de expoente positivo, diferente de zero; é comum se não
for decimal. Exemplos de fracções decimais:
47
3 15
;
;
.
10 100 1000
3. Uma fracção pode ser própria ou imprópria; uma fracção é própria quando o seu numerador
é menor do que o seu denominador; uma fracção é imprópria quando o seu numerador é maior
do que o seu denominador. Assim , por exemplo
3 5
4
e são fracções próprias enquanto que
e
5 8
3
9
são fracções impróprias.
7
4. Duas fracções
a
c
=
.
b d
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a
c
e
são equivalentes, se e só se a.d = b.c; neste caso pode-se escrever
b
d
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O conjunto
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 é um conjunto bem ordenado, isto é,
1) dados dois números racionais quaisquer, a e b, ou a < b ou a > b ou a = b;
2) se a < b e b < c então a < c.
Em
 , dados dois números racionais r e s também
r + s é um número racional (ou seja, entre
2
dois números racionais existe sempre outro número racional e, por consequência uma infinidade
deles). Isto significa que,
O conjunto
Em
 é um conjunto denso
 , dados dois números racionais r e s, existe sempre pelo menos um número racional t tal
que r < t < s ( lê-se t está entre r e s); isto significa que não é possível dado um número racional, dizer
qual é o número racional que o precede (por exemplo entre 1 e 1,1 existe o
1+1,1
2
= 1,05; o 1,01; o 1,001;
1,0001, etc) .
Apesar desta abundância de números o conjunto
 revelou-se insuficiente para resolver
algumas questões nomeadamente o problema já encontrado pelos pitagóricos de exprimir a
diagonal de um quadrado em função do lado.
E, mais uma vez, surge a necessidade de generalizar o conceito de número para que uma
certa equação – neste caso a equação x2 = a, com a positivo, tenha sempre solução.
O Conjunto dos Números Reais –
:
 = {números irracionais} U  = {...; -1;...; -
1
;...;0;...;
2
2 ;...; 3,1;...; π ;...;...}
O conjunto dos números reais mantém as propriedades já enunciadas para o conjunto
 , isto
é, é um conjunto bem ordenado e denso.
Existiam ainda equações que não tinham solução neste conjunto, como por exemplo, a
equação x2 + 1 = 0 (não existe nenhum número real que elevado ao quadrado seja igual a -1).
Consideremos que existe
outro conjunto,
− 1 e vamos designar essa raiz por i. Desta forma i2 = -1. Surge assim um
 , que se designa por conjunto dos números complexos.
O Conjunto dos Números Complexos -
:
 = {números reais} ∪ {números imaginários}
Qualquer número complexo z, pode ser escrito, na forma algébrica, de uma única maneira
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a + bi com a e b números reais e i =
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− 1 ; a chama-se parte real( re z = a ) e b o coeficiente da parte
imaginária ( im z = b).
Dado um número complexo z = a+bi .
-
Se b=0 vem z=a e z é um número real.
Se a=0 vem z=bi e z é um número imaginário puro.
Se a=b=0 vem z=0 e z é um complexo nulo.
Dois números complexos são iguais se e só se têm a mesma parte real e a mesma parte
imaginária, ou seja,
z1=z2
⇔ a1 + b1i =a2 + b2i ⇔ a1 = a2 ∧ b1 = b2
Concluindo, podemos construir o seguinte esquema dos vários conjuntos de números:
Bibliografia utilizada:
Boyer, Carl B. (1993). História da Matemática. Editora Edgard Blucher Ltda.
Caraça, Bento de Jesus (1998). Conceitos Fundamentais da Matemática. Ciência Aberta. Gradiva.
Didacta, (1995). Enciclopédia Temática Ilustrada.
Reis, Raquel e Fonseca, Maria José L. da (2000). Números e Operações. Universidade Aberta.
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