A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL E A REFORMA DO ESTADO
DE BRESSER PEREIRA
KEILHA CORREIA DA SILVEIRA1
Resumo:
A reflexão exposta neste artigo configura uma compreensão inicial sobre algumas conexões indispensáveis para
o estudo das políticas públicas de educação superior no Brasil. Objetivamente busca-se discutir a redefinição do
papel do Estado e as consequentes reformas na educação superior no Brasil, na década de 1990. Período marcado
pela Reforma do Aparelho do Estado, que redefiniu o modelo de gestão, de financiamento e de avaliação das
instituições educacionais e científicas, e ainda, estabeleceu mecanismo para melhorar os serviços e desempenho
da administração pública.
Palavras-chave: Reforma do Estado, Educação Superior, Administração pública.
Abstract:
Reflection exposed in this article sets up an initial understanding on some connections that are essential for the
study of public policy on higher education in Brazil. Objectively seek to discuss the redefinition of the role of the
State and the consequent reforms in higher education in Brazil, in late 1990. Period marked by the reform of the
State apparatus, which redefined the management model, financing and evaluation of educational and scientific
institutions, and established mechanism for improving the performance of public administration and services.
Key-words: State reform, Higher education, Public administration.
A Universidade desempenha um papel estratégico no desenvolvimento local/regional do país.
Quando instalada, ela reorganiza o funcionamento social, político e econômico da região,
assumindo papel importante no funcionamento do sistema territorial e no fomento à atividade
produtiva. Essa é uma concepção decorrente do processo de globalização e de
competitividade regional que coloca o conhecimento como força motriz para o
desenvolvimento das regiões.
Na verdade, a adequação da universidade a realidade local/regional que se insere pode ser
determinante no processo de desenvolvimento regional. Para Rolim (2009) a universidade
possui duas trajetórias claras: a universidade que está na região e a que é da região.
Na primeira, a universidade simplesmente se localiza na região, se caracteriza por
um reduzido número de vínculos e compromissos com a região e com o seu
desenvolvimento e o produto do seu trabalho está direcionado para o contexto
nacional e/ou internacional. Já na segunda trajetória, a universidade demonstra ter
um forte impacto no processo de desenvolvimento regional, estabelece vínculos e
compromissos intensos com o futuro da região e o produto do seu trabalho, além de
ter como referência a qualidade acadêmica universal, está voltado para a superação
das questões da região. Essa distinção entre ser e estar na região faz toda a diferença
para o desenvolvimento regional. (ROLIM, 2009 p91)
Em outras palavras, o engajamento regional da universidade é um fator determinante para
concretizar os efeitos dinamizadores desta no território. O que não é tarefa simples, pois
dependem de inúmeros processos que vão desde a adequação (interna e externa) da estrutura e
organização universitária ao contexto regional, passando pela dinâmica econômica e
1
Aluna do Programa de pós-graduação em Geografia, da Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail de contato: [email protected].
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densidade institucional, até as políticas públicas e os arranjos institucionais, em variadas
escalas de poder.
Historicamente, a relação da universidade com o desenvolvimento territorial, local-regional, é
problemática e deficiente. Talvez devido o seu desenvolvimento tardio, ou talvez o processo
de massificação do ensino superior, ou ainda influenciada pela competitividade com outras
instituições, pública e/ou privada. Mas,
As universidades são, hoje, chamadas a desempenhar uma pluralidade de papéis no
que toca ao desenvolvimento das regiões e das cidades onde se inserem. À escala do
desenvolvimento regional, esses papéis encontram-se sobremaneira associados ao
factor conhecimento e atendem aos desafios de competitividade que a globalização
coloca aos territórios. À escala do desenvolvimento local, os actuais debates pósmodernos enfatizam, sobretudo, a abertura das universidades às cidades e apelam à
sua participação no desenvolvimento das comunidades. (FERNANDES, p31)
O “desenvolvimento envolve mudanças qualitativas no modo de vida das pessoas, das
instituições e das estruturas produtivas” (JACOBS, 2001 p32). Existe uma íntima relação
entre os processos de decisão politica (o Estado - em suas múltiplas escalas de ação), as
instituições (públicas e privadas), a sociedade civil e a dinâmica do mercado manifestado em
um dado território. Essas relações configuram as politicas públicas que demandam específicos
arranjos institucionais e modos de gestão. Trata-se de um processo de escolhas e decisões
provido pelo Estado que se articula para defender os interesses de uma sociedade.
Note que Estado e Sociedade são duas instituições centrais que operam no âmbito da
democracia, enquanto Estado e Mercado operam na coordenação do sistema econômico. O
que nos leva a uma longa discussão sobre “o papel que o Estado deve desempenhar na vida
contemporânea e o grau de intervenção que deve ter na economia” (BRASIL, 1995 p9). Sem
aprofundar essa discussão, destaca-se a importância da simetria no funcionamento e
articulação dessas instituições, a irregularidade ou desvio de função produz a crise. “Foi assim
nos anos 20 e 30, em que claramente foi o mau funcionamento do mercado que trouxe em seu
bojo uma crise econômica de grandes proporções. Já nos anos 80, é a crise do Estado que põe
em cheque o modelo econômico em vigência” (BRASIL, 1995 p9-10).
No entanto, essas crises são comuns no sistema capitalista e afetam todos os países de
economia internalizada. Organismos internacionais se ocupam de avaliar, monitora e
recomendar ajustes estruturais que permitem retomar o desenvolvido econômico. Em meio a
esses ajustes, o Brasil enfatiza a Reforma do Estado, em particular a Reforma do Aparelho do
Estado, de forma redefinir o papel do Estado em suas grandes áreas de atuação, em especial o
setor de serviços sociais (educação, saúde, cultura e seguridade social).
A Reforma do Estado e o norteamento para as Políticas de Educação Superior
no Brasil
A Reforma do Estado acontece nos anos 90, quando efetivamente são percebidos o
enfraquecimento e a desarticulação do Estado. Esse processo inicia-se nos anos anteriores e é
a cauda principal da crise econômica vivida nos anos 1980. Segundo Bresser-Pereira (1995), a
crise econômica dos anos 1980 define-se por uma: I. Crise fiscal do Estado (perda do crédito
público e poupança pública negativa); II. Crise do modo de intervenção da economia e do
social (esgotamento do modelo protecionista de substituição de importações e fracasso do
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Estado do Bem-Estar no Brasil); III. Crise do aparelho do Estado (enriquecimento burocrático
extremo) e IV. Crise política (colapso da coalizão entre empresários e militares e a
consolidação da democracia na Constituição de 1988).
A reação imediata à crise - ainda nos anos 80, logo após a transição democrática foi ignorá-la. Uma segunda resposta igualmente inadequada foi a neoliberal,
caracterizada pela ideologia do Estado mínimo. Ambas revelaram-se irrealistas: a
primeira, porque subestimou tal desequilíbrio; a segunda, porque utópica. (BRASIL,
1995 p11)
Também equivocadas foram às normatizações da administração estatal estabelecidas na
Constituição Federal de 1988 que engessa e onera o Aparelho do Estado. “Os constituintes de
1988, entretanto, não perceberam a crise fiscal, muito menos a crise do aparelho do Estado.
Não viram, portanto, que agora era necessário reconstruir o Estado, que era preciso recuperar
a poupança pública” (BRESSER-PEREIRA, 1995 p5). A reconstrução do Estado deve, nesse
contexto, permitir a superação da crise fiscal e redefinir as ações de intervenção no plano
econômico e social. E mais,
conjuntamente, é preciso reformar o aparelho do Estado, e isto significa (1) tornar a
administração pública mais flexível e eficiente; (2) reduzir seu custo; (3) garantir ao
serviço público, particularmente aos serviços sociais do Estado, melhor qualidade; e
(4) levar o servidor público a ser mais valorizado pela sociedade ao mesmo tempo
que ele valorize mais seu próprio trabalho, executando-o com mais motivação.
(BRESSER-PEREIRA, 1995 p8)
Em 1995, surge uma possibilidade contundente de resposta ao desafio da crise: reformar o
Estado, conferindo-lhe autonomia financeira e capacidade de implementa políticas públicas.
Esse desafio foi assumido pelo então criado Ministério da Administração Federal e da
Reforma do Estado (MARE), que tratou de formular um plano integrado para as reformas o
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, sob a responsabilidade do ministro Luís
Carlos Bresser Pereira.
Este documento institui meios para melhorar os serviços e desempenho da administração
pública a partir da gestão gerencial do aparelho do Estado, com base no discurso de eficiência
e eficácia do setor público. E assim redefinir o papel do Estado em suas grandes áreas de
atuação, em especial o setor de serviços sociais: educação, saúde, cultura e seguridade social.
Nos anos seguintes a formulação do Plano foi realizada pontuais Reformas no Aparelho do
Estado, a fim de modernizar e aumentar eficiência da administração pública.
É muito claro no Plano o objetivo de redefinir o modelo de gestão, de financiamento e de
avaliação das instituições educacionais e científicas, além estabelecer mecanismos para
melhorar os serviços e desempenho da administração pública. Dentre os projetos
desenvolvidos para a Reforma no Aparelho do Estado, um projeto é central para o sistema de
educação superior, trata-se do projeto de descentralização dos serviços sociais do Estado.
O projeto propõe de um lado descentralizar os serviços educacionais2 (entre outros serviços
sociais) do Estado para os estados e municípios, no que tange o ensino básico. E por outro
lado propõe descentralizar os serviços educacionais (entre outros serviços sociais) do
Aparelho do Estado, propriamente dito, para o setor público não estatal a partir do modelo de
2
O processo de descentralização no âmbito educacional exigiu uma série de alterações legais no sistema de
educação público sob a responsabilidade do MEC. Isso se verifica com a promulgada da nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB/ 1997), e diversos outros instrumentos legais.
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organizações sociais. Para o Estado, os efeitos do projeto são positivos, pois retira do
Aparelho de Estado a responsabilidade gerencial e financeira de uma considerável parcela do
sistema de ensino público.
Agora para o sistema educacional estas ações podem ter efeitos negativos. A transferência dos
serviços educacionais do Estado para os demais entes federados exige a construção de uma
infraestrutura e de uma competência gerencial que muitos estados e municípios não tinham. Já
a segunda ação permitiu o avanço do sistema privado de ensino, que competitivamente
„concorria‟ com instituições públicas fragilizadas. Fato que impacta diretamente na qualidade
do ensino oferecido pelo poder público e gera desigualdades sociais, no momento em que
privo a população pobre do acesso a educação de qualidade.
Na educação superior, de responsabilidade da União (LDB 97), outras ações tem maior
impacto e promovem o sucateamento e desvalorização das universidades públicas. Trata-se do
contingenciamento de recursos de custeio e capital; suspensão de concurso público para
contratação de docentes e funcionários administrativos; e, por fim, o congelamento dos
salários.
O discurso da eficiência no setor de educação superior, defendido no Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do Estado, não promoveu a infraestrutura necessária como também não
promoveu a autonomia financeira e administrativa da universidade. A boa qualidade dos
serviços educacionais era atribuída às instituições não estatais e as universidades estatais
foram atribuídas à ineficiência, morosidade e baixa qualidade dos serviços educacionais. Ao
final, vê-se um avanço da rede privada de educação superior e um retrocesso e sucateamento
das instituições públicas.
A leitura sobre o sistema educacional mostrava um setor em crise. Uma crise gerencial, de
eficiência, eficácia e produtiva. Para Bresser-Pereira (2000, p43), “a universidade pública
estatal brasileira é ineficiente [...] não produtiva. Ela tem um custo para a sociedade [...]. Em
função disso, a universidade pública estatal brasileira vive uma crise de legitimidade [...]
perdeu o apoio que devia ter na sociedade”.
A Educação Superior na década de 1990
A história da universidade brasileira é marcada por um processo de formação tardio (data da
década de 1930 e 1940) e desvinculada com o setor produtivo do país. O modelo de
desenvolvimento econômico industrial baseado na substituição de importação apenas
importava tecnologia e dispensava a pesquisa nacional. A universidade brasileira do século
XX se desenvolveu a margem de um progresso técnico/tecnológico do país, salvo exceções de
algumas instituições isoladas como Fiocruz (na saúde) e Embrapa (agronegócio).
Por muito tempo o acesso à universidade era muito restrito. Além disso, as universidades
eram territorialmente concentradas nas grandes capitais e o acesso era restrito, feito através de
exame de seleção. O exame exigia principalmente para os cursos mais concorridos, um grau
de conhecimento das matérias do ensino básico que não era oferecido pelas escolas públicas.
O sistema educacional brasileiro traduz-se como um instrumento de produção de
desigualdades regionais.
A Reforma administrativa, ainda, criou e implementou diversos mecanismos de controle e
avaliação de qualidade, pautados no conceito de eficiência, eficácia e produtividade dos
serviços educacionais.
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No meu entender, uma universidade produtiva é fundamentalmente uma
universidade que produz conhecimento. Porque é para isso que a universidade foi
criada, fundamentalmente para produzir conhecimento. Então, se ela não for
produtiva, no sentido de não produzir conhecimento, ela não interessa. Não é
universidade. Mas não é só conhecimento: ela produz conhecimento, conhecimento
novo, mas tem que produzir ensino também. Ela tem que ensinar, e ensinar com boa
qualidade. Se não produzir ensino, não é uma universidade. Se não fizer
publicações, também não é universidade. (BRESSER-PEREIRA, 2000 p41)
Nesse sentido as políticas de educação superior passaram a ser orientadas por três princípios
fundamentais: flexibilidade, competitividade e avaliação. E de certo modo esses princípios
colaboraram para o sucateamento da universidade pública e o rápido crescimento de
instituições privadas de ensino.
O princípio de flexibilidade permitiu criar diferenciadas instituições de ensino superior, como:
centros universitários, faculdades, institutos superiores de educação; além de novos cursos de
ensino superior: tecnólogos, cursos sequenciais, mestrados profissionalizantes, cursos de
educação à distância (graduação e pós-graduação). Positivamente houve o aumento do
número de vagas no ensino superior, em um curto espaço de tempo. Houve uma expansão
acelerada do sistema de ensino superior
Já o principio da competitividade está no cerne das “organizações sociais públicas nãoestatais”.
As políticas de educação superior, desde a segunda metade da década de 1990, têm
estimulado um sistema de educação superior que rompe com o modelo previsto na
reforma universitária de 1968, no qual a universidade era concebida e definida pelo
princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Como a
universidade teve que se adaptar às exigências do mercado, seus currículos,
atividades e programas sofreram alterações. Isso passou a acontecer para que o
profissional tivesse garantia de inserção imediata no mercado de trabalho, segundo
uma visão marcadamente instrumental da formação. (PAULA, 2011 p6)
Conclusões
O artigo fundamentalmente discute a redefinição do papel do Estado e da educação superior
no Brasil da década de 1990. Período marcado pela Reforma do Aparelho do Estado, que
redefiniu o modelo de gestão, de financiamento e de avaliação das instituições educacionais e
científicas, e ainda, estabeleceu mecanismo para melhorar os serviços e desempenho da
administração pública.
As reformas ocorridas a partir da década de 1990 foram influências pelo cenário politico
econômico internacional de políticas neoliberais. Assim, as reformas do Aparelho do Estado
objetivavam aumentar a produtividade, a eficiência e a eficácia da universidade pública, a fim
de formar profissionais para o mercado de trabalho, numa visão instrumental e imediatista de
formação. A influência neoliberal na Reforma do Estado produz a necessidade de reforma do
sistema educacional como meio para alcançar as adequações estruturais de uma economia
globalizada.
Na prática, essas reformas produziram grandes efeitos negativos para o desenvolvimento da
educação de ensino superior e para a sociedade. Na verdade, as politicas de educação
superior, decorrentes da década de 1990, traduz o enfraquecimento ou dissocialização do
princípio da educação pública de qualidade e democrática, como direito do cidadão e dever do
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Estado. Ao mesmo tempo em que o Estado transfere para a iniciativa privada parte da
responsabilidade da oferta da educação superior, provocando o aumento da oferta de serviços
educacionais privados de cunho mercadológico, e minimiza o repasse de recursos para as
universidades públicas.
De uma maneira geral, as politicas de educação superior, decorrentes da Reforma do Estado
da década de 1990, representou um retrocesso de organização e de identidade do sistema de
educação superior. Provocou sucateamento e desvalorização da universidade, e acentuou a
disparidade entre os objetivos da universidade e a demanda social.
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