Revista Brasileira de FisiologiaVegetal, 10(1):45-50, 1998 RESISTÊNCIA AO FLUXO DE ÁGUA NO SISTEMA SOLO-PLANTA E RECUPERAÇÃO DO POTENCIAL DA ÁGUA NA FOLHA APÓS ESTRESSE HÍDRICO EM MUDAS DE CAFEEIRO1 Orivaldo Brunini2 e Luiz Roberto Angelocci3 Seção de Climatologia Agrícola - Instituto Agronômico - C.P. 28, Campinas, SP, 13001970 - BRASIL RESUMO- Mudas jovens de cafeeiro (Coffea arabica, L.) cultivar Icatu, provenientes de cruzamento interespecífico de duas espécies (C. arábica x C. canephora), foram submetidas a diferentes taxas de transpiração pela mudança da intensidade luminosa sobre a planta ou pela redução da água disponível no solo. Uma relação linear entre diferença de potencial da água solo-planta e taxa de transpiração para um dado valor de potencial da água no solo foi encontrada. Observou-se que a maior resistência ao transporte de água no sistema solo planta para esta cultura esta localizada nas raízes. Além disto, a recuperação no potencial da água na folha após um estresse hídrico foi bifásica, indicando algum possível mecanismo de alteração na permeabilidade das raízes ao movimento de água ocasionado pelo estresse, pois quando o sistema radicular foi removido, a recuperação do potencial da água nas plantas foi unifásica. Termos adicionais para Indexação: Coffea arabica, permeabilidade das raízes, potencial da água na folha, potencial da água no solo, resistência da planta, resistência do solo. RESISTANCE TO WATER FLOW IN THE SOIL-PLANT SYSTEM AND LEAF WATER POTENTIAL RECOVERY AFTER WATER STRESS FOR COFFEE SEEDLINGS ABSTRACT- Young seedlings of coffee plants (Coffea arabica, L) (Cultivar Icatu),originated from interspecific breeding of two species (C.arabica x C. canephora), were exposed to different transpiration rates by changing light intensity over the plant or by soil water depletion. A linear relationship was found between water potential difference from leaf to soil and transpiration rate for a given value of soil water potential. Major resistance to water transport in the soil plant system was located in the roots. Recovery in leaf water potential after a severe water stress was biphasic, suggesting changes in the mechanism of root permeability to water flow due to water stress, because when root system was removed the recovery in leaf water potential was not biphasic. Additional index terms: Coffea arabica, leaf water potential, plant resistance, root permeability, soil resistance, soil water potential. 1 Recebido em 03/08/1997 e aceito 24/04/1997 2 3 Corresponding author - Eng. Agr. Ph.D. - IAC - C.P. 28, Campinas, SP, 13001-970 - Bolsista do CNPq -Email: [email protected] Professor - Doutor - Departamento de Física e Meteorologia, ESALQ-USP - C.P. 9 - Piracicaba, SP, Brasil, Bolsista do CNPq 45 Brunini & Angelocci 46 INTRODUÇÃO O fluxo de água no sistema solo-planta-atmosfera em condições de equilíbrio dinâmico, pode ser relacionado à disponibilidade hídrica e às características do caminho de fluxo, através da equação (van den Honert, 1948): T = (ΨF - ΨS) / R (1) na qual T é o fluxo de transpiração, ΨF e ΨS são o potencial da água na folha e no solo, e R é a resistência ao fluxo de água oferecida pelo sistema. Apesar das aproximações nele contidas, esse modelo tem sido bastante utilizado para estudos de transporte no sistema-solo-água-planta. Um aspecto de interesse nos estudos é o tipo de relação existente entre T e (ΨF - ΨS). Trabalhos com herbáceas e lenhosas em boas condições de suprimento hídrico mostram resultados conflitantes, tendo-se obtido tanto relações lineares, ou seja, resistência invariável com a variação do fluxo (Nulsen & Thurtell, 1980; Brunini & Thurtell, 1981) como não lineares (Newman, 1969; Stocker & Weatherley, 1971; Bizzard & Boyer, 1980, Jones et al., 1982). As diferentes condições experimentais e metodológicas dos trabalhos podem ter contribuído para as discrepâncias e dificultam a análise das suas causas. Vários problemas conceituais também podem ser considerados como possíveis fontes das discrepâncias, como o emprego incorreto da lei de Ohm (Richter, 1973), a aplicação do conceito de resistência hidráulica desconsiderando o acoplamento dos fluxos hídrico e iônico (Fiscus & Kramer, 1975), o efeito da transição do fluxo de absorção osmótica para a passiva da água (Dalton et al., 1975). Nulsen & Thurtell (1978, 1980) obtiveram evidências de acúmulo de sais na superfície e no córtex das raízes, cuja desconsideração levaria a erros no cálculo das resistências. Boyer (1974) verificou que uma fonte de erro no cálculo das resistências pode ser o fato de que a parte do fluxo de água usada no crescimento dos tecidos é desconsiderada, principalmente quando o valor do fluxo é baixo. O segundo aspecto é em qual parte do sistema soloplanta está localizada a principal resistência ao fluxo na fase líquida. Newman (1969) verificou que a conclusão de que a resistência do solo seria sempre predominante (Gardner 1960; Gardner & Ehling, 1962 e Lang & Gardner, 1970), era correta, por terem esses autores usado valores muito baixos de densidade de raízes nos modelos. Trabalhos posteriores indicaram que a resistência da planta predominaria em qualquer grau de disponibilidade hídrica no solo (Bizzard & Boyer, 1980; Samui & Kar, 1981), mas em outros concluiu-se que a planta representaria a principal resistência em boas condições de disponibilidade hídrica, mas a resistência do solo passaria a predominar a partir de certo grau de secamento (Reicosky & Ritchie, 1976; Seaton et al., 1977; Burch, 1979; Zur et al., 1982). A última hipótese tem sido mais aceita, embora Tardieu et al (1992) coloquem em dúvida tal generalização, principalmente quando há efeito de arranjo espacial de raízes sobre a absorção hídrica. Assume-se que a raiz representa a principal resis- tência limitadora do fluxo na fase líquida quando o solo está úmido (Passioura, 1988), embora em árvores metade da resistência hidráulica total seja devida à parte aérea (Yang & Tyree, 1994). Nas raízes, tem-se assumido que a maior resistência encontra-se no caminho radial de fluxo, do córtex aos vasos do xilema (Williams, 1974; Newman, 1976), podendo a endoderme representar a principal barreira (Kramer, 1983), mas essa generalização deve ser feita com cautela, devido aos efeitos das variações estruturais nos sentidos radial e axial das raízes sobre a resistência (Melchior & Steudle, 1993; North & Nobel, 1996). Apesar do grande número de estudos sobre relações hídricas em cafeeiros, poucos se ocupam das resistências ao transporte de água. Em plantas envasadas com 6 a 8 meses dos cultivares Catuaí e Robusta, em condições ambientais controladas, Angelocci et al. (1983 a, b, c) verificaram que a resistência à difusão de vapor da folha (RF) cresceu drasticamente a partir de potencial da água da folha (ΨF) inferior a –1,2 MPa e –1,0 MPa para os respectivos cultivares, e que a resistência hidráulica da planta sempre foi maior do que a do solo, embora esse resultado possa ter sido afetado pelo modelo de estimativa do potencial da água na superfície radicular e que ocorreu um padrão bifásico de recuperação do potencial da água das folhas quando elas foram irrigadas após certo grau de déficit hídrico. Golbert et al. (1984) observaram que RF foi diretamente afetada pela disponibilidade hídrica no solo, porém ΨF aumentou rapidamente após a supressão do estresse hídrico; o cultivar Arabusta mostrou-se mais susceptível ao déficit hídrico que o Robusta, como indicado pelo aumento de RF. . Meinzer et al. (1990) verificaram para cultivares de cafeeiro no campo as relações entre o potencial da água da folha e os fluxos gasosos, a variação do módulo de elasticidade da célula, do potencial osmótico e do potencial da água da folha, bem como a relação entre as variações de condutância estomática à difusão de vapor e do potencial de pressão da folha, quando ocorria secamento do solo. Visando aumentar o conhecimento sobre os mecanismos biofísicos do transpor te de água no sistema-solo-água-planta em cafeeiros, o presente trabalho foi realizado com os objetivos específicos de estudar a relação entre as resistências ao fluxo de água e a diferença de potencial da água entre solo e planta, e verificar a importância do sistema radicular nesse processo, em mudas do cultivar Icatu. MATERIAL E MÉTODOS Material Vegetal Foram utilizadas mudas de cafeeiro (Coffea arabica, L.) cultivar Icatu, proveniente de cruzamento interespecífico de duas espécies ( C.arabica x C.canephora) com idade entre 6 a 9 meses, crescidas em recipiente plástico de dimensões 0,25 m de altura por 0,16 m de diâmetro, preenchido com solo de textura argilosa. As mudas foram transferidas do viveiro de mudas para uma sala com temperatura controlável e deixada por 4 dias de modo a condicionarem-se ao novo ambiente. A temperatura do ar na sala durante o estudo variou R. Bras. Fisiol. Veg., 10(1):45-50, 1998. Resistência ao fluxo de água . . . de 20o a 25oC. Nenhum controle existia sobre a umidade do ar que oscilou entre 40 e 80%. Durante o período de condicionamento as mudas eram irrigadas diariamente. Relações entre transpiração e estado de energia da água no sistema solo-planta Para o estabelecimento da relação entre a diferença de potencial da água no sistema solo-planta e a transpiração, foram medidos simultaneamente o potencial da água na folha e no solo, bem como a taxa de transpiração, sob duas condições experimentais. Na primeira, em níveis fixos de irradiância (200 W m-2 e 400 W m-2) no plano das folhas amostradas, de modo que as variações da taxa transpiratória e do potencial da água na planta fossem consequências da diminuição do teor da água no solo. Na segunda, a taxa de transpiração foi alterada submetendo-se as plantas à diferentes níveis de irradiância (entre 50 e 400 W m-2) através de um conjunto de lâmpadas do tipo fluorescentes e incandescentes distantes 1 m das folhas. A equação (1) foi utilizada para se estimar a resistência global ao fluxo hídrico. Para se estimar resistências separadas do solo e a planta, em condições de equilíbrio dinâmico, utilizou-se: T = (Ψsr- Ψs ) / Rs = (Ψf - Ψsr ) / RP (2) sendo T a taxa de transpiração em certo intervalo de tempo (entre 1 e 3 horas), ψs, ψsr e ψf o potencial da água, respectivamente no solo na superfície das raízes e nas folhas, Rs e Rp as resistências hidráulicas do solo e da planta. A transpiração foi medida de 1 a 3 horas, através de uma balança com sensibilidade de 0,1 g, evitando-se a evaporação do solo pela colocação do recipiente com a muda em um saco plástico, cuja boca foi fechada pela sua fixação com fita adesiva em torno do caule. O estado da energia livre da água (potencial da água) foi medido no centro do volume de solo e na folha mais expandida no topo da planta. O potencial da água foi medido por higrômetros de termopar de ponto de orvalho sendo o de folhas do modelo proposto por Neumann & Thurtell (1972), enquanto o do solo era do modelo proposto por Brunini & Thurtell, (1982). Os higrômetros permitem medir o estado de energia livre da água com precisão de ± 0,01 MPa. Cada valor de potencial da água representa a média de 3 leituras tiradas a intervalos subsequentes de 1 minuto na mesma folha. Tanto o higrômetro de folha como o do solo ficavam instalados permanentemente nesses corpos, durante a série de medidas. Os sensores foram instalados na folha e no solo 24 horas antes do início das medidas para atingirem equilíbrio térmico e hídrico. Pela impossibilidade de se medir o potencial da água na superfície das raízes, ele foi estimado pelo modelo de Gardner (1960): Ψs- Ψsr = (q / 4πΚ ) Ιn (b2 / r2) (3) sendo: ψs= potencial da água no solo (MPa), considerandose um cilindro com raio b em torno da raiz (m); b= (πLv)-1/2 sendo Lv densidade de raízes (m raiz/m3 solo) ψsr= potencial da água na superfície da raiz (MPa), 47 q = taxa de absorção de água por unidade de compri mento das raízes (m3 m-1 s-1) K = condutividade hidráulica do solo (m s-1) r = raio médio das raízes (m) O raio médio estimado das raízes foi 0,5.10-3m, com uma densidade média de 2,68 m raiz m-3 de solo, sendo o comprimento das raízes determinado pelo método das intersecções (Tennant, 1975). Nessas determinações foram utilizadas 4 mudas. O valor de q foi obtido considerando-se que a taxa de absorção de água pelas raízes (A) era equivalente à taxa de transpiração por assumir-se condições de equilíbrio dinâmico. Entretanto, essa equivalência somente pode ser assumida com altas taxas de transpiração, nas quais a água que a planta utiliza irreversivelmente para crescimento é desprezível em comparação a própria taxa de transpiração (Boyer, 1974). Fora dessa situação, a taxa de água absorvida (A) será igual à taxa medida de transpiração (T) mais a quantidade de água retida nos tecidos para o seu crescimento (C), ou seja: A=T+C (4) Quando T > C, o valor de T pode ser usado para calcular a resistência “verdadeira” da planta ao fluxo de água, a conotação de “verdadeira” refere-se ao valor de resistência que mais se aproxima do real por não embutir na sua estimativa erro acentuado devido à não consideração da água usada para crescimento. No presente estudo, adotou-se como valores de resistência “verdadeira” aqueles obtidos a partir de altas taxas de transpiração e de diferenças de potencial da água entre superfície radicular e folha correspondentes, ou mesmo utilizando taxas de transpiração à valores de potencial da água da folha inferiores a –0,4 MPa. Dessa maneira, a água utilizada para crescimento à baixas e médias irradiâncias pode ser determinada utilizando a expressão: C = Ae – T (5) sendo C, Ae e T as densidades de fluxo por unidade de área foliar (g m-2 s-1), respectivamente, da água usada no crescimento, da água absorvida do solo (estimada através da relação entre a diferença de potencial da água e a resistência “verdadeira” naquela situação de energia potencial da água) e de transpiração observada. Desta maneira, a densidade de fluxo de água retida pela planta para o crescimento (C) pode ser razoavelmente estimada. A área foliar foi medida através de medidor de área foliar portátil modelo LI-2000 (LI-COR Inc., Nebraska, EUA). As características físico-hídricas do solo utilizado, necessárias para a determinação de K, foram obtidas de Grohmann et al. (1976). Recuperação do potencial da água das folhas após estresse hídrico Algumas mudas (3) foram submetidas a estresse hídrico pela suspensão da irrigação e monitorado continuadamente o potencial da água na folha e no solo. Quando os sintomas de murcha tornaram-se visíveis, as plantas foram irrigadas com água destilada, e a recu- R. Bras. Fisiol. Veg., 10(1):45-50, 1998. Brunini & Angelocci 48 peração do potencial da água na folha e no solo foi monitorada com as plantas submetidas no escuro até a recuperação completa da turgescência foliar. -1 TRANSPIRAÇÃO:(g.h ) 0 2 4 6 0,0 RESULTADOS E DISCUSSÃO DIFERENÇA DE POTENCIAL DA ÁGUA ENTRE FOLHA E SOLO:(MP -0,1 Relação entre transpiração e diferença de potencial da água entre folha e solo A figura 1 mostra as relações encontradas entre o fluxo de transpiração e a diferença de potencial da água entre o solo e a folha em mudas submetidas às diferentes irradiâncias (50, 200 e 400 W m-2), em duas situações de umidade do solo. Os dados foram agrupados independentemente do nível de irradiância, mas no caso daqueles correspondentes a alta umidade do solo, houve necessidade de separação por mudas usadas, sendo que para duas delas (1 e 2) foi possível agrupá-las em um conjunto. Os valores de transpiração para a muda 1 foi obtido com umidade do solo entre -0,01 e -0,2 MPa, enquanto para as mudas 2 e 3 a umidade do solo variou de -0,4 a -0,6 MPa, e para a muda 4 representa os de transpiração obtidos com umidade do solo inferior a –1,2 MPa. Em todos os casos observa-se uma relação linear entre ∆Ψ e T1 mas ocorreram diferenças de potenciais entre o solo e as folhas à taxas nulas de transpiração, conforme indicado pelas linhas de regressão. Isto poderia estar relacionado a uma resistência hidráulica global do sistema realmente variável e não constante, como indicada pelas relações lineares, ou ao uso de parte do fluxo para crescimento das plantas. Utilizando o tratamento descrito em Material e Métodos, estimou-se que em média o fluxo de água usado no crescimento (valor C) foi 0,78 ± 0,18 g m-2 h-1. Alvim (1960) e Castilho (1961), trabalhando com mudas dos cultivares Typica, Bourbon e Robusta em condições de campo, observaram crescimento de mudas de cafeeiro na faixa de valores de 0,13 a 0,46 g m-2 h-1. Evidentemente essas diferenças são decorrentes das condições experimentais diferentes nos três trabalhos, além do fato de que o valor de C pode representar não somente a água utilizada irreversivelmente no crescimento, mas parte dela pode ficar retida temporariamente no tecido por outro lado, o crescimento medido em condições de campo pode incluir ganho de matéria orgânica, além da água. Apesar dessas diferenças, o valor médio estimado de C no presente estudo é da mesma ordem de grandeza dos obtidos pelos dois autores citados, indicando que o procedimento de estimativa foi adequado. Assim, é possível concluir que as relações lineares entre T e (ΨF e Ψs) são válidas, indicando uma resistência hidráulica do sistema constante com a variação do fluxo transpiratório, de acordo com parte dos trabalhos encontrados na literatura (Nulsen & Thurtell, 1978; Brunini & Thurtell, 1981). A diferença encontrada entre as mudas sob boas condições hídricas no solo indicam resistências hidráulicas diferentes entre elas. Tais diferenças podem ocorrer, pois a resistência depende da estrutura anatômica ligada à parte hidráulica e das dimensões do sistema radicular e da área foliar, que podem ser diferentes entre as plantas. A figura 2 mostra a variação da resistência hidráulica global no sistema solo-planta, bem como das suas com- MUDA 1 -0,2 MUDAS 2,3 MUDA 4 -0,3 -0,4 -0,5 -0,6 -0,7 -0,8 -0,9 -1,0 FIGURA 1- Relação entre transpiração e diferença de potencial da água entre solo e folha para mudas de cafeeiro (cultivar Icatu), submetidas a diferentes densidades de fluxo de energia radiante (50, 200 e 400 Wm-2) e diferentes valores do potencial da água no solo. ponentes solo-superfície radicular e superfície radicularfolha com a variação do potencial da água no solo. No intervalo de água no solo disponível, a resistência global apresentou uma amplitude de variação cerca de 3 vezes em relação ao menor valor, sendo que a resistência da planta (superfície da raiz às folhas) foi sempre superior à do solo, conflitando com a hipótese mais aceita atualmente de que em condições de baixa disponibilidade hídrica no solo sua resistência suplantaria à da planta. Entretanto, deve-se levar em conta que o potencial da água na superfície radicular foi estimado pelo modelo de Gardner (1960). Sabe-se que tal modelo apresenta uma série de problemas, por não considerar distúrbios físicos e químicos na interface solo-raiz que interferem na absorção (Tinker, 1976), além de considerar eficiência uniforme de absorção por todo o sistema radicular e distribuição uniforme das raízes no solo, sendo que ao se considerar a distribuição espacial desuniforme e por agrupamentos de raízes no solo, há modelos demonstrando que a diferença entre potencial da água no solo e nas raízes pode ser elevada com o secamento do solo (Lafolie et al., 1991; Tardieu et al., 1992), ao contrário dos pequenos valores normalmente estimados pelo modelo de Gardner. Recuperação do potencial da água na folha A figura 3 mostra o aumento do potencial da água no tempo de 3 mudas com diferentes valores de potencial da água do solo no momento em que foram irrigadas. Os tempos para que as folhas atingissem valores de potencial próximo de zero no escuro foram dependen- R. Bras. Fisiol. Veg., 10(1):45-50, 1998. Resistência ao fluxo de água . . . 2 -1 RESISTÊNCIA AO MOVIMENTO DE ÁGUA: (MPa.dm.hg ) 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 -1,6 -1,4 -1,2 -1 -0,8 -0,6 -0,4 -0,2 0 POTENCIAL DA ÁGUA NO SOLO: (MPa) FIGURA 2- Resistência ao transporte de água no sistema solo planta em fução do potencial da água no solo. Resistência do solo até a folha o——o; resistência da raiz à folha l——-l, e resistência do solo à superfície da raiz ¡——¡. tes do valor do potencial da água na folha no momento da irrigação, mas em todos os casos foram longos, de 8 a 12 horas. Foi observado um padrão bifásico de recuperação, representado por uma fase inicial de alta taxa de variação de ΨF, a qual termina com um primeiro patamar. A recuperação do potencial da água na folha, após a planta ter sido submetida a um estresse hídrico prolongado, também foi muito vagarosa para milho e sorgo (SanchesDias & Kramer, 1971). O padrão bifásico foi observado em girassol, soja e feijoeiro (Boyer, 1971), em milho (Nulsen & Thurtell, 1978) e para plantas jovens de cafeeiros Catuai e Robusta (Angelocci et al., 1983c), ocorrendo quando ΨF é inferior a –1,0 MPa. As raízes são a causa desse padrão, como pode se constatar a partir dos resultados obtidos para outra muda, 0 2 4 TEMPO: (HORAS) 6 a qual teve o sistema radicular eliminado quando o seu potencial da água era de –1,3 MPa. e o caule colocado em um recipiente com água. Na figura 4 observa-se que a recuperação total do potencial da água no escuro foi da ordem de 100 minutos, bem mais rápida do que quando uma muda em condições idênticas foi colocada a recuperar sem eliminação das raízes (figura 3). Na figura 4, verifica-se que após a muda sem raízes ter sido retirada do recipiente com água e as luzes acesas, a perda de turgescência foi, também, rápida. Colocada a seguir novamente no recipiente com água e as luzes apagadas, mais uma vez a recuperação foi rápida (cerca de 90 minutos). Nulsen & Thurtell (1980) também observaram esse fato em plantas de milho. O mecanismo responsável pelo padrão bifásico na recuperação da turgescência não é exatamente conhecido. Em primeiro lugar, deve-se lembrar que a relação entre a variação do potencial e do teor de água na folha não é linear, de modo que na fase inicial um aumento rápido de ψF não significa necessariamente um influxo elevado de água na folha, do mesmo modo que a pequena variação de ΨF no final da segunda fase não significa necessariamente um pequeno influxo de água. Por outro lado, Nulsen & Thurtell (1978, 1980) sugeriram que os períodos de fluxo zero durante a recuperação ocorreriam em função do decréscimo do potencial osmótico da solução externa ao plasmalema das células corticais, pois com o aumento do déficit hídrico o transporte iônico ativo através da membrana seria inibido, com aumento da concentração de sais no espaço livre da raiz. Após a irrigação, a água entraria passivamente no cilindro central em função do aumento do gradiente de potencial, mas em consequência desse fluxo de massa, o acúmulo salino seria retomado. Somente quando o transporte iônico para o cilindro central fosse restabelecido, o gradiente de potencial necessário para o transporte também seria restabelecido, causando o TEMPO: (HORAS) 0 8 10 2 3 4 5 6 7 -0,2 -0,6 -1 IRRIGAÇÃO -1,4 -1,8 MUDA 1 MUDA 2 IRRIGAÇÃO POTENCIAL DA ÁGUA NA FOLHA: (MPa) POTENCIAL DA ÁGUA NA FOLHA: (MP 1 0,0 12 -0,2 -2,2 49 -0,4 -0,6 -0,8 -1,0 -1,2 UMEDECIMENTO 0,00 MUDA 3 -1,4 SECAMENTO 2,18 IRRIGAÇÃO -2,6 -1,6 FIGURA 3- Recuperação do potencial da água no solo e na folha em mudas de cafeeiro (cultivar Icatu) após um estresse de água severo, com o sistema radicular intacto. FIGURA 4- Recuperação do potencial da água na folha em mudas de cafeeiro (cultivar Icatu) com o sistema radicular removido após um estresse de água severo. R. Bras. Fisiol. Veg., 10(1):45-50, 1998. Brunini & Angelocci 50 fluxo de água para as folhas. Uma outra hipótese que pode ser levantada é de que o padrão bifásico seria decorrente da contribuição temporal dada por caminhos de fluxo diferentes, como por exemplo, as vias simplástica e apoplástica, com predominância de uma ou outra em cada fase. REFERÊNCIAS ALVIM, P. de T. 1960. Fisiologia del Crescimento y de la Floracion del Cafeto Café, vol. 2 (6):57-64. 1960. ANGELOCCI, L.R.; BRUNINI, O.; MAGALHÃES, A.C. Variação da resistência estomática à difusão de vapor d’água associada ao estado de energia da água na folha em cafeeiros jovens. X Reunión y Simpósio Relaciones Água-Planta, Sociedad Latinoamericana de Fisiologia Vegetal, Viçosa, 1983. Resumos p.18. 1983a. ANGELOCCI, L.R.; BRUNINI, O.; MAGALHÃES, A.C. Resistências ao fluxo de água no sistema solo-planta em cafeeiros jovens. X Reunión y Simpósio Relaciones Agua-Planta, Sociedad Latinoamericana de Fisiologia Vegetal, Viçosa. 1983. Resumos p.18. 1983b. ANGELOCCI, L.R.; BRUNINI, O.; MAGALHÃES, A.C. 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