Plano de Integração dos Imigrantes - PII
A ONU acaba de classificar Portugal como o país mais generoso do mundo
no acolhimento aos imigrantes. É o reconhecimento internacional da eficácia
das políticas actuais.
Porque temos conseguido aproveitar este desafio que é muito recente para
Portugal, sobretudo quando comparado com os países mais desenvolvidos
que constam do relatório da ONU sobre o Desenvolvimento Humano de
2009, e estão na linha da frente ao nível de políticas sociais como o Canadá
ou a Suécia.
Todos eles muito mais experientes que nós nestas matérias...
Sim, muitos deles têm décadas de experiência em matéria de acolhimento e
políticas de integração. Portugal só se tornou país de acolhimento há 15
anos. Como começámos mais tarde, isso fez-nos querer entrar bem, e
inspirámo-nos nas melhores práticas mas também tentámos ser inovadores.
O que criaram de novo?
Várias redes de apoio, como os Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante
baseados no conceito One Stop Shop, reconhecidos pela Comissão Europeia
como boa prática. Neste momento Portugal já liderou um projecto comunitário
de elaboração de um guião para ensinar aos países de acolhimento como se
criam estes centros. Claro que tudo isto só foi possível com o apoio
fundamental dos nossos parceiros estratégicos, que são as Associações de
Imigrantes, as ONG, a rede dos mediadores sócio-culturais e a visão dos
meus antecessores.
A nossa história de país de emigrantes faz-nos acolher melhor?
Sempre disse que era esse o nosso segredo. Em 2007 saiu um estudo
promovido pelo British Council, o MIPEX: Migrant Integration Policy Index, em
que foram avaliadas as políticas de integração dos então 25 países da UE,
mais o Canadá, a Suíça e a Noruega. Portugal ficou em segundo lugar,
imediatamente a seguir à Suécia, e, em 2008, quando os reis da Suécia
vieram a Portugal em visita oficial, a rainha quis visitar o Centro Nacional de
Apoio aos Imigrantes e perguntou-me qual era o nosso segredo. Eu disse-lhe
que era a nossa história, que tendo sido difícil, nos ajudou a perceber o que é
estar do lado de lá, o que é começar uma vida num país onde não se
conhece nada nem ninguém, onde tudo é diferente e nem a língua se fala.
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Perante o reconhecimento das Nações Unidas, como se sente relativamente
aos políticos que lutam para fechar fronteiras e dizem que não querem cá
mais imigrantes?
Fico muito satisfeita com o resultado do relatório porque vem dar provas de
que vale a pena ter outra política, vale a pena a pena sermos generosos e
tentarmos acolher bem. Até porque o relatório também diz que quem sabe
acolher bem consegue construir um futuro com melhores condições
económicas e sociais, o que nos permite mais desenvolvimento humano e
coesão social, isto apesar da permanente necessidade de melhorarmos.
Como fazem as pontes na educação e vencem as barreiras da língua?
Com os adultos temos o programa Português Para Todos, que é um grande
investimento do Estado através do Programa Operacional do Potencial
Humano, ou seja, é financiado por fundos comunitários, para que todos
possam ter esta ferramenta que é a língua, sobretudo o português técnico.
Nas escolas também tem havido essa preocupação e há aulas
suplementares de Português para falantes de línguas estrangeiras, até
porque hoje também já temos fortes comunidades de países que não têm o
português como língua materna.
Estes programas têm apoiado muito os adultos e as crianças na adaptação à
escola e ao país.
Em que áreas se nota mais a discriminação?
As pessoas são mais discriminadas pelas diferenças económicas que pelas
diferenças de cor da pele. Os mais discriminados são os mais frágeis do
ponto de vista económico e financeiro, sendo as áreas mais críticas a
habitação e o emprego, também existe discriminação subtil e não assumida.
Também há queixas de vizinhança?
Sim, com vizinhos há sempre questões porque todos têm receio, ninguém
gosta do que não conhece e há anticorpos quando uma família de imigrantes
vai viver para um bairro. Há comportamentos racistas e discriminatórios até
as pessoas se começarem a conhecer, mas depois, com o tempo e a ajuda
de mediadores, a situação melhora.
Em questões de vizinhança tentam sempre mediar?
Sim, quando há uma queixa por discriminação tentamos primeiro perceber
qual é o problema, e se é uma queixa concreta, grave e com fundamento,
abrimos um processo de contra-ordenação pela prática de actos racistas nos
termos da lei que transpôs a Directiva Raça e enviamos para as inspecçõesgerais dos Ministérios, mas muitas vezes as questões decorrem apenas de
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mal-entendidos e resolvem-se sem estes processos, que, devo dizer,
precisam de ajustamentos para serem mais eficazes.
Existem muitos mal-entendidos nestas questões?
Muitos! As pessoas não falam a mesma língua, têm comportamentos
diferentes e hábitos distintos e os outros estranham. Mas devo dizer que até
nisto a maioria dos portugueses revela uma atitude fantástica e generosa.
Como latinos, os portugueses amam e odeiam com muita facilidade, são de
extremos, mas por vezes também fazem a diferença na vida de quem não
conhecem.
Em que sentido?
No sentido positivo. Estou a lembrar-me da Natasha Marianovich, uma sérvia
que é actriz e conta na sua peça "Vento Leste" que quando entrou pela
primeira vez no prédio onde mora o porteiro lhe ofereceu uma cesta de
cerejas. Não conhecia absolutamente ninguém e este gesto marcou-a muito.
Sentiu que aquele homem lhe estava a dizer: "bem-vinda a Portugal!" E nem
sequer falavam a mesma língua. Há pequenos gestos que todos podemos ter
e que podem fazer a diferença na vida dos outros.
Um dos aspectos valorizados pelo Relatório do Desenvolvimento Humano
das Nações Unidas é o acesso dos imigrantes à saúde. Como é que foi este
processo?
Desde 2001 que mesmo os imigrantes em situação irregular têm acesso à
saúde. Infelizmente ainda há muitos que não conhecem esse direito, mas
temos conseguido intensificar o processo de o dar a conhecer através de
normas e notas informativas do Ministério da Saúde para que os serviços e
centros de saúde aceitem os imigrantes em situação irregular desde que
residam em Portugal há mais de 90 dias e tenham provas de residência
atestadas pelas juntas de freguesia. Nesta área acho que estamos a fazer um
caminho exemplar e os bloqueios devem-se a desconhecimentos mútuos,
tanto dos técnicos como dos imigrantes.
Que mais conquistas foram feitas em matéria de direitos e cidadania?
Houve um enorme esforço com a aprovação da nova Lei da Nacionalidade de
2007, que veio reparar injustiças graves no acesso à cidadania das segunda
e terceira gerações de imigrantes, e que está ter resultados muito positivos.
E também com a aprovação, em 2007, do primeiro plano português para a
integração dos imigrantes, com 122 medidas concretas envolvendo 13
ministérios. Somos, aliás, um dos poucos países da Europa que assumiram
uma estratégia desta natureza com a nova lei dos estrangeiros. Também no
reconhecimento de qualificações tem havido um avanço significativo.
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Portugal reconhece os imigrantes qualificados?
O nosso país andou alguns anos espantado com os fluxos migratórios de
pessoas altamente qualificadas, sem saber como havia de reconhecer estes
profissionais, estes cérebros que estavam em Portugal e estavam muito
desaproveitados. Depois começou um primeiro projecto de qualificações de
médicos através da sociedade civil, com a Fundação Gulbenkian em
articulação com o Serviço de Apoio aos Refugiados. Mais tarde, já com
fundos comunitários, seguiu-se o reconhecimento dos enfermeiros e neste
momento há mais um projecto de qualificação de médicos.
A sua história pessoal está muito marcada por um fluxo migratório de Leste,
de onde chegaram pessoas altamente qualificadas: médicos, engenheiros,
artistas, professores que pediam trabalho nas obras ou se prestavam a
serviços ditos menores. Isso tocou-a?
Muito. Na altura eu também estava a ajudar a encontrar empregos e lembrome do primeiro médico que, mais tarde, fez surgir o primeiro projecto de
qualificação na Fundação Gulbenkian. Era pediatra e estava a pedir-me
emprego para as obras. Fiquei chocada porque sabia que havia falta de
pediatras nos hospitais e aquele homem estava ali disponível mas não falava
português sequer. Soube depois, junto da Ordem dos Médicos, que o
processo era complicado e oneroso, uma vez que requer um estágio não
remunerado que pode durar entre seis meses a um ano, e ele tinha família e
filhos na Ucrânia e precisava de ganhar dinheiro para sobreviver.
Nestes anos todos de experiência e proximidade com imigrantes e as suas
histórias de vida, que exemplos a marcaram?
O mais difícil para mim é sempre a gestão das mães que foram obrigadas a
deixar os filhos para trás. Acompanhei muitas mães nessa dor. Também sou
mãe e é muito complicado. Em casos pontuais conseguimos fazer a diferença
e houve inclusivamente uma história em que conseguimos envolver a RTP,
que fez uma reportagem na Ucrânia e conseguiu trazer uma criança passado
um ano. A mãe estava a fazer um processo de integração muito bom, mas
estava tão desesperada que era capaz de largar tudo e desistir para voltar a
ter o filho.
O preço da separação é capaz de ser demasiado alto...
É. É muito duro e doloroso. É difícil imaginarmo-nos nessa situação, até
porque achamos que não seríamos capazes de deixar os nossos filhos para
trás, mas estas mulheres também são como nós e, no entanto, foram
forçadas a fazê-lo. É preciso perceber que elas só tinham a possibilidade de
dar um futuro melhor aos filhos se saíssem do seu país, deixando-os para
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trás durante um período que pode ser de vários anos. É um passo muito
violento e todos estes casos me marcaram e angustiaram.
Que outros testemunhos de vida a impressionaram?
Também contactei com muitas mulheres que vinham em redes organizadas e
eram obrigadas a pagar as suas dívidas, senão sofriam retaliações. É uma
realidade terrível.
Quais os que nunca vai esquecer?
O momento que nunca esquecerei tem a ver com SAI (a minha experiência
com refugiados) e uma refugiada do Ruanda que neste momento está em
França com a família mas que eu acompanhei durante muitos meses. A
família dela tinha sido vítima do genocídio: os pais foram mortos, os irmãos
também, e ela sobreviveu e veio para Portugal com os seus quatro filhos em
estado de choque por todo aquele drama. O marido estava preso na
Tanzânia e um dia ela estava comigo e ligaram--lhe a dizer que o marido ia
ser libertado e lhe davam asilo político em França.
Como é que ela reagiu?
Ela estava a falar comigo quando recebeu a chamada, atirou o telemóvel ao
ar e agarrou-se a mim a cantar, a dançar, a rir e a chorar, e eu não percebia
nada do que se estava a passar.
Lembro-me que os abraços foram de tal maneira fortes que fiquei com
nódoas negras (risos).
Tive o privilégio de viver este momento de libertação e alegria com ela.
Compensou todos os momentos de desânimo do passado?
Sim, sem dúvida. Ela teve muitos momentos de desespero com os quatro
filhos traumatizados pelo terror da guerra, com o marido preso, a ter ela
própria de esquecer as imagens do pais e dos irmãos a serem mortos à sua
frente.
Contou-me que quando ia a fugir do Ruanda, de carro, teve de baixar muitas
vezes a cabeça dos filhos para evitar que eles vissem os cadáveres
espalhados nas ruas. Essa imagem é de uma violência chocante e é uma
realidade que ninguém consegue esquecer.
Para além dos refugiados, que imigrantes a marcaram?
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Também me marcou a história de uma russa de 64 anos cujo marido tinha
enormes dificuldades em arranjar trabalho porque não tinha uma perna. O
seu único filho tinha morrido num acidente de viação e a nora e os netos
tinham ficado a cargo dela. Num acto de coragem, emigrou para Portugal.
Acabou por regressar à Rússia depois de algumas tentativas de arranjar
trabalho que não correram bem. Na data do regresso, a TSF noticiou o caso
e choveram propostas de trabalho, mas já era tarde. Foi um exemplo de
coragem que acompanhei. Lidar olhos nos olhos com estas situações deixa
marcas...
Qual é a coisa mais indigna que se faz hoje em dia a quem vive fora do seu
país?
O mais indigno é aproveitar a fragilidade dos imigrantes e explorá-los só
porque estão em situações irregulares. Fazem--lhes descontos fictícios,
descontam para pagar seguros de acidentes de trabalho que não existem,
enganam-nos de todas as formas, dizem que lhes pagam no fim do mês e
fogem sem deixar rasto. Isso é de uma maldade tão grande, tão grande, que
é inqualificável. Conheci muitos casos destes, sabe?!
Há muitos patrões sem escrúpulos?
Infelizmente há. Mas também há empregadores que são quase como pais
dos imigrantes: encaminham-nos para os serviços, informam-nos sobre os
seus direitos, tentam ajudar e regularizar as situações.
Portugal é um destino fácil para os imigrantes ou tem de haver uma política
de contenção do fluxo migratório?
A política que temos actualmente é uma política responsável, ou seja, tem
abertura para quem cá está, no sentido de regularizar a sua situação e
permitir que o imigrante seja plenamente integrado, mas também tem de
haver controlo dos fluxos. Não há quotas, é um erro pensar que temos um
sistema rígido de quotas para imigrantes. Temos um mero indicador que
permite avaliar anualmente as previsões oficiais do mercado de trabalho com
base em estudos de peritos.
Com quem aprendeu a tolerância?
Com a minha família, no bairro onde vivo. Moro no concelho de Loures, que
tem uma enorme diversidade cultural e onde me habituei desde miúda a
conviver com jovens de várias origens, Índia, Angola, Cabo Verde, e onde as
diferentes comunidades interagem e se envolvem em actividades comuns.
Tenho a sorte de sempre ter vivido neste caldo de culturas.
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