Triptanos no tratamento da enxaqueca NEJM clinical Therapeutics julho 2010 Caso clínico-Mulher de 23 anos procurou seu médico reportando enxaqueca associada a alguns sintomas que ocorrem em uma freqüência de duas vezes por semana. O diagnóstico de enxaqueca sem aura foi feito. A enxaqueca pode durar um dia inteiro, sendo incapacitante não respondendo a analgésicos ou combinação de analgésicos com cafeína. A combinação de aspirina com metoclopramida diminuiu, porém não eliminou os sintomas. Em uma ocasião a paciente chegou a necessitar procurar um serviço de emergência onde foi prescrito sumatriptano subcutâneo que resolveu a cefaléia e as náuseas, porém a paciente apresentou uma sensação de leve pressão torácica que durou em torno de cinco minutos sem outros sintomas. O clínico a encaminhou para um especialista em cefaléia para que este determine qual o melhor tratamento para esta paciente. Problema clínico-A enxaqueca é uma condição cerebral crônica, influenciada geneticamente, marcada por ataques paroxísticos de intensidades moderada a grave de cefaléia, que pode vir acompanhada de sintomas como náuseas, vômitos, fotofobia ou fonofobia. Até um terço dos pacientes com enxaqueca apresentam sintomas neurológicos focais que geralmente são visuais e são conhecidos como aura. A enxaqueca é mais comum e mais grave nas mulheres do que nos homens. Os sintomas geralmente aparecem na adolescência ou quando adultos jovens. Acomete 43% das mulheres e 18% dos homens. Apesar de não ter implicação fatal, ela pode estar associada a outras complicações vasculares como acidente vascular cerebral e pré-eclâmpsia. Um quarto dos pacientes com enxaqueca apresentam mais do que três dias de enxaqueca por mês interferindo bastante na qualidade de vida. Fisiopatologia e os efeitos da terapia-A fisiopatologia da enxaqueca não é completamente entendida. Existem evidências consideráveis demonstrando vasodilatação intracraniana em resposta a enxaqueca. A teoria mais aceita é aquela que propõe que no início do ataque peptídeos vasoativos são liberados dos terminais do primeiro nervo sensitivo que inervam os vasos sanguineos meníngeos. Esses peptídeos ativam o nervo trigêmio perivascular levando a dilatação das artérias da meninge, assim como, inflamação e extravasamento das proteínas do plasma. Os neurônios de primeira ordem no tronco cerebral se comunicam com os de segunda ordem que por sua vez ascendem e se comunicam com os de terceira ordem no córtex cerebral levando a dor se este elo não for interrompido. Esta dor pode ser intensa podendo se apresentar como hiperalgesia e alodínia que são comuns nos ataques de enxaqueca. A ativação do sistema nervoso simpático é a provável causa da náusea, vômito e outros sintomas autonômicos. Sensibilidade a luz, odor ou som é provavelmente decorrente de uma modulação anormal da informação sensorial. Existem evidências que indicam que a aura é causada por uma disseminação pelo córtex cerebral de uma onda de depressão transitória. Ela é geralmente originada no córtex occipital o que explicaria a maior preponderância de sintomas visuais. Os triptanos são agonistas da serotonina com alta afinidade pelos receptores 5HT1D e 5-HT1B. Classicamente tem se considerado a ação do triptanos na enxaqueca em decorrência da vasoconstricção gerada pela atuação no receptor 5-HT1B presente nas células musculares lisas dos vasos sanguíneos. Entretanto, hoje tem se discutido muito um segundo efeito dos triptanos. Esta droga bloqueia a liberação dos peptídeos vasoativos pelos neurônios trigêmios perivasculares através da ação nos receptores pré-sinápticos 5HT1D das terminações nervosas. Os triptanos também se ligam aos receptores do corno dorsal bloqueando a liberação dos neurotransmissores que ativam os neurônios de segunda ordem que ascendem ao tálamo. Os triptanos também facilitam sistemas descendentes inibitórios da dor. Uso clínico-Os triptanos são tidos como terapia de primeira linha para ataques de enxaqueca que não respondem a combinação de analgésicos. Alternativas aos triptanos são derivados do ergot, opióides e medicações que contenham barbitúricos. Uma vantagem dos triptanos é o melhor perfil com relação aos efeitos colaterais e mecanismos mais específicos de ação. Aterapia com o triptano é mais efetiva quando rapidamente providenciada em doses adequadas e quando a cefaléia ainda é leve. Existem sete diferentes triptanos disponíveis para uso aprovados pelo FDA. Apenas o sumatriptano tem apresentação parenteral. O tempo de início de ação demora em média de 2060 minutos, podendo repetir a dose em 2-4 horas. O de ação mais rápida é o sumatriptano subcutâneo (10 minutos) sendo portanto o mais efetivo. É comum ser utilizado nos serviços de emergência com rápido alívio da dor, entretanto, também pode ser prescrito para casa para pacientes orientados. Os menos efetivos no alívio da dor são o frovatriptano e o naratriptano. Opções para pacientes que se encontram em dificuldade de engolir pelo enjôo é a utilização de formulações como a intranasal e a retal. A monoterapia com triptano não oferece alívio para um terço dos pacientes. Caso a dose inicial não seja efetiva ela deve ser aumentada. Caso o paciente não responda com dose limite em duas ocasiões ou apresente efeitos colaterais inaceitáveis deve-se considerar a troca para outro triptano. Além disso, o triptano pode ser tentado junto a outras drogas especialmente anti-eméticos e anti-inflamatórios não esteroidais. O retorno da enxaqueca após uma boa resposta inicial com a terapia acontece em um terço dos pacientes. Os triptanos são contraindicados em diversas situações como hipertensão não controlada, doença coronariana comprovada ou que tenha alto risco para ela, disfunção renal ou hepática e tipos específicos de enxaqueca com aura como é o caso da enxaqueca basilar. Não existem dados para conferir segurança do uso destas drogas em grávidas, logo não deve ser utilizada de rotina nestas pacientes, entretanto, ela pode ser utilizada em casos extremos. Os triptanos interagem com diversas outras drogas. Não deve ser usado dentro das 24 horas após CURSO PRÓ-R Evidência clínica-Diversos trabalhos randomizados e controlados avaliaram diversas apresentações dos triptanos. Nestes trabalhos a ação de maior benefício foi o alívio da dor após duas horas da medicação. Existem poucos trabalhos comparando triptanos com não triptanos, mas tendem a ser mais efetivos ou de mesma eficácia. 1 ter recebido ergotamina. Os triptanos quando utilizados junto a inibidores de recaptação da serotonina pode desencadear crise serotoninérgica. A utilização desta droga deve ser acompanhada de perto e deve-se prescrever o uso desta para controle de até duas crises por semana e não mais do que isso. Critérios para o Diagnóstico Enxaqueca sem Aura Critério A-Pelo menos 5 ataques preenchendo critérios B até D Critério B-Cefaléia durando de 4 a 72h (não tratada ou mal tratada) Critério C-Cefaléia com pelo menos 2 das seguintes características -Localização unilateral -Pulsátil -Moderada ou forte intensidade (inibindo ou proibindo atividades diárias) -Agravamento subindo escadas ou na atividade física Critério D-Cefaléia com a presença de pelo menos 1 dos seguintes achados: -Náuseas ou vômitos -Fotofobia ou fonofobia Critério E-Pelo menos 1 dos seguintes critérios -História e exame físico não sugere doença orgânica -História e exame físico que sugere doença orgânica, mas afastada por investigação adequada -Doença orgânica está presente, mas o início do ataque da enxaqueca não ocorre perto quando a doença orgânica começou Enxaqueca com Aura Típica Critério A-Pelo menos 2 ataques preenchendo critérios B até D Critério B-Aura consistindo em pelo menos 1 dos seguintes critérios, mas sem fraqueza motora -Sintomas visuais totalmente reversíveis incluindo achados positivos como piscando uma visão de luzes, pontos ou linhas ou achados negativos como perda da visão ou ambos -Sintomas sensoriais totalmente reversíveis incluindo achados positivos como sensação de pinicar ou agulhadas geralmente nos braços e pernas, face ou de um lado do corpo ou achados negativos como dormência ou ambos -Distúrbio da fala disfásica totalmente reversível Critério C-Cefaléia com pelo menos 2 das seguintes características -Sintomas visuais de 1 ou ambos os lados do campo visual ou sintomas sensoriais unilaterais -Pelo menos 1 sintoma de aura se desenvolve gradualmente no curso de 5 minutos ou mais ou outros sintomas de aura ocorre em sucessão de 5 minutos ou mais -Cada sintoma durar entre 5 a 60 minutos Critério D-Cefaléia preenchendo critérios B até D sem aura ou cefaléia que se inicia na aura ou se segue a aura em 60 minutos Critério E-Sintomas não podem ser atribuídos a outra doença Efeitos adversos-Alguns efeitos colaterais leves podem aparecer como parestesia, flush e sensação de compressão torácica. Estas são conhecidas como sensações do triptano,já que aparecem em metade dos pacientes que fazem sumatriptano subcutâneo e em um quarto dos pacientes que fazem triptanos orais. Estes efeitos colaterais são mais comuns em mulheres e em pacientes mais jovens. Já foram relatados casos graves de eventos cardiovasculares que em alguns casos resultaram em morte. Os pacientes que apresentaram este grave efeito colateral eram pacientes com risco de doença coronariana e apresentavam doença coronariana na análise pós-mortem. Desta forma a dor torácica em uso de triptano deve ser um sinal de alerta. Apesar que na maioria das vezes será explicada como parte das sensações do triptano e raramente terá origem isquêmica. Áreas de incerteza-Assim como várias outras drogas os triptanos levam a um ciclo de aumento da dor, aumento da dose sem resolução do problema. Para evitar isso é recomendado o uso desta droga apenas por duas vezes na semana evitando desta forma o abuso que pode desencadear este ciclo. Entretanto, o que fazer com pacientes que ainda mantêm crises com estas duas doses é uma pergunta ainda sem resposta definitiva. Um outro ponto é que o triptano provavelmente tem seu efeito reduzido quando administrado durante a aura. E fica a dúvida de qual momento durante a aura esta droga deve ser administrada. Na falta de evidências, cada paciente vai com o tempo definir qual o melhor momento individual para uso. Um terceiro ponto é o uso de triptanos como profilaxia. Este tema ainda permanece em debate e um trabalho demonstrou um benefício discreto, entretanto, os triptanos não se encontram aprovados para este uso. CURSO PRÓ-R Recomendações-Para a paciente descrita no caso fica evidente que devemos tentar iniciar triptano. Existe uma boa chance dela responder a droga e seus sintomas fazem parte das sensações do triptano e com formulação oral a chance de aparecer é menor. Dada a idade e o baixo risco cardiovascular não há necessidade de estratificação a procura de origem isquêmica para dor. É importante que a paciente retorne em breve para avaliar o efeito da terapia e que ela esteja ciente que não deve utilizar mais de duas vezes por semana esta droga. 2