PANORAMA
INTERNACIONAL
Ano 1, nº 1 | panoramainternacional.fee.tche.br
Desafios para as
exportações
gaúchas no
novo contexto
global
ARTIGO
A relevância
dos BRICS para
o Rio Grande
do Sul
| p.6
ENTREVISTA
Luciano D’Andrea
Os desafios do
RS na era dos
emergentes
| p.15
ARTIGO
O preço da soja
nos últimos 10
anos
| p.26
Expediente
O
PANORAMA INTERNACIONAL FEE
panoramainternacional.fee.tche.br
[email protected]
Panorama Internacional FEE é uma publicação
temática trimestral sobre as interações do Rio Grande
do Sul no cenário global.
Conselho Editorial:
Fernando Maccari Lara (Editor)
Bruno Mariotto Jubran
Cecília Rutkoski Hoff
Ricardo Fagundes Leães
Robson Coelho Cardoch Valdez
Tomás Amaral Torezani
Vanclei Zanin
Revisão: Elen Azambuja, Mateus da Rosa Pereira e
Tatiana Zismann
Revisão bibliográfica: Tamini Nicoletti e
Leandro de Nardi
Jornalista responsável: Gisele Reginato
Projeto gráfico e diagramação: Laura Wottrich
As opiniões expressas nos textos assinados são de
responsabilidade exclusiva de seus autores.
Presidente: Igor Alexandre Clemente de Morais
Diretor Técnico: Martinho Roberto Lazzari
Diretora Administrativa: Nóra A. Gundlach Kraemer
Fundação de Economia e Estatística
Siegfried Emanuel Heuser
Rua Duque de Caxias, 1691 - Porto Alegre
CEP 90010-283
www.fee.rs.gov.br
SUMÁRIO
Editorial
página 4
A relevância dos BRICS para o RS
Robson Valdez
página 6
Os países em desenvolvimento no
radar comercial do RS: o caso das
máquinas agrícolas
Bruno M. Jubran e Ricardo Leães
página 10
ENTREVISTA
Os desafios do
RS na era dos emergentes
Luciano D’Andrea
página 15
O papel das exportações na
determinação da renda no RS
Carlos Águedo Paiva
página 23
O preço da soja nos últimos 10 anos
Clarissa Black
página 26
FOTO: Alina Souza
EDITORIAL
A análise da economia gaúcha na FEE:
centralidade dos nexos externos
Fernando Lara
Pesquisador em
Economia da FEE
[email protected]
Desde a sua origem, a Fundação de Economia e Estatística
(FEE) tem como atribuição central a análise das condições
sociais e econômicas do Estado do Rio Grande do Sul. O
conjunto de trabalhos organizados sob o título 25 anos de
Economia Gaúcha, publicado em 1976, tratava da indústria do
Estado como "estreita e indissoluvelmente vinculada à
economia nacional" (FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E
1
ESTATÍSTICA, 1976, p. 19). Naquela época, os pesquisadores da
FEE investigavam as especificidades do sistema econômico do
Rio Grande do Sul no contexto do modelo de industrialização
substitutiva de importações em âmbito nacional.
Esse modo específico de industrialização esteve em
vigor de 1930 até o final dos anos 70. A economia brasileira
enfrentou, por boa parte desse período, restrições externas ao
crescimento. Na década de 70, particularmente, o Governo
nacional buscava manter as taxas de crescimento e acumulação elevadas, além de criar e/ou elevar a capacidade produtiva
em setores considerados estratégicos. Dada a tendência de
crescimento dos coeficientes de importação quando a taxa de
acumulação é elevada, o desenvolvimento desses setores
estratégicos era o modo de compensar esse movimento e
elevar o grau de autonomia do sistema industrial doméstico a
longo prazo.
O debate sobre a forma específica pela qual a economia
do Rio Grande do Sul esteve conectada à brasileira foi sempre
muito rico, e as contribuições da FEE, fundamentais.
Obviamente que muitas transformações processaram-se
desde 1976 até hoje e, portanto, seria um erro dos pesquisadores atualmente dedicados a essa questão aplicar o mesmo
esquema analítico adotado pelos pesquisadores pioneiros na
instituição. Uma regra metodológica central precisa ser,
1 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA (RS). Análise da indústria de transformação no
Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1976. (25 anos de economia gaúcha, v. 4). Disponível em:
<http://cdn.fee.tche.br/publicacoes/digitalizacao/25-anos-economia-gaucha/vol-4.pdf >.
Acesso em: 13 ago. 2015.
4 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
EDITORIAL
e nt reta nto, m a nt i d a :
qualquer análise sobre o
que ocorre na economia
estadual não pode lidar
exclusivamente, ou
predominantemente, com
fatos, dinâmica e estruturas internas. Em poucas
palavras: os nexos
externos são fundamentais para a compreensão
dos problemas atuais do
Rio Grande do Sul.
O breve, mas importante, ciclo de desenvolvimento brasileiro nos anos 2000
somente foi possível
devido à expressiva
melhora das condições
globais, comparadas às
que vigoraram nos anos 80
e mesmo nos 90. Por
algum tempo, os constrangimentos externos ao
crescimento foram
sensivelmente relaxados,
permitindo ao Governo
nacional executar um
conjunto de políticas que
resultaram em aceleração
do crescimento, distribuição de renda e redução dos
níveis de pobreza. As
diferenças entre as
mudanças estruturais
associadas a esse ciclo e
aquelas que caracterizaram os anos 70 não
poderiam ser mais
evidentes. Além do
contraste nos movimentos
distributivos, verificou-se a
esperada tendência de
elevação dos coeficientes
de importação, mas dessa
vez estiveram ausentes os
esforços para contrabalançá-la via substituição de
importações.
Desse modo, os
pesquisadores interessados em compreender as
condições econômicas do
Rio Grande do Sul não
podem prescindir de uma
adequada compreensão
dos principais movimentos
em âmbitos nacional e
internacional, bem como
suas conexões com a
economia regional. Neste
momento, a economia
brasileira parece voltar a
depender de sua performance exportadora para
novamente relaxar sua
re st r i çã o ex te r n a a o
crescimento. O papel e as
perspectivas para as
exportações primárias e
industriais do Estado são
tópicos tratados nesta
primeira edição do
Panorama Internacional
FEE.
A partir de uma
perspectiva internacionalista, o pesquisador
Robson Valdez analisa o
papel dos BRICS enquanto
m e rc a d o s e fe t i v o s e
potenciais para as
exportações estaduais. Na
mesma postura propositiva, Bruno Jubran e Ricardo
Leães tratam das perspectivas para um importante
nexo industrial do Estado:
as máquinas agrícolas.
Entrevistado pelo
Panorama, Luciano
D'Andrea apresenta uma
abrangente avaliação
sobre as potencialidades
das exportações do Rio
Grande do Sul. Carlos Paiva
nos traz alguns elementos
de sua investigação sobre
os coeficientes de
importação associados às
exportações e ao investimento enquanto categorias de demanda final.
Fechando esta primeira
edição, Clarissa Black
enfatiza o caráter exógeno
do preço da soja, notadamente uma variável
central para o desempenho econômico do Rio
Grande do Sul. A pesquisadora problematiza a ideia
corrente de que a demanda chinesa seja o único
determinante para os seus
movimentos recentes. P
5
ARTIGO
A relevância dos
BRICS para o RS
Robson Valdez
Pesquisador em
Relações Internacionais
da FEE
[email protected]
Entender e acompanhar sistematicamente a dinâmica das
relações entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
(BRICS), assim como a inserção internacional desses países, é
importante não somente para a Presidência da República e
para o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil.
Dadas as relações entre esses mercados e a pauta exportadora
do Rio Grande do Sul, compreender os BRICS deve ser, também, tarefa do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
O acrônimo BRIC foi originalmente cunhado, em 2001, pelo
economista inglês Jim O'Neill do Banco Goldman Sachs no
estudo Building Better Global Economics, em que apontava a
influência das economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia e
China sobre o futuro do conjunto da economia global. Na
medida em que se confirmavam as projeções sobre os BRICS,
outro estudo da mesma instituição financeira, BRIC's and
Beyond, passou a fazer prognósticos econômicos para um
grupo de 11 países, que ficou conhecido como o Next Eleven
(Bangladesh, Coreia do Sul, Egito, Filipinas, Indonésia, Irã,
México, Nigéria, Paquistão, Turquia e Vietnã).
Ainda que esse enfoque econômico sobre os BRICS siga
repercutindo entre os analistas do mercado financeiro
internacional, há de se destacar que essa é uma abordagem do
mercado em relação a esse grupo de países.
Assim, acredita-se que para melhor compreender o papel e
a influência da ação conjunta desses países na cena internacional, de forma mais abrangente, é aconselhável analisar esse
grupo de geometria variável a partir do ponto de vista de seus
próprios membros.
6 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
A relevância dos BRICS para o RS
«
as razões que levaram os
demais parceiros a incluir o
país africano ao grupo
durante a terceira reunião
de cúpula do bloco em
2011. A adição do “S” ao
acrônimo BRIC mostra,
então, que há uma clara
distinção entre a conotação dada por Jim O'Neil no
início dos anos 2000 e o
sentido que os membros
dos BRICS dão ao bloco.
Desde sua primeira
reunião de ministros das
Relações Exteriores, na
Rússia, em 2008, seis
Cúpulas Anuais de Chefes
de Estado já ocorreram.
Em 2014, os BRICS
reuniram-se em Fortaleza,
no Brasil. Neste ano, o
sétimo encontro deu-se no
dia 9 de julho em Ufá, na
Rússia.
O fato concreto sobre
os BRICS diz respeito ao
alcance de sua inserção
econômica e política nos
mais variados temas da
agenda internacional. O
peso geopolítico de cada
um desses países em suas
respectivas áreas de
influência ao redor do
globo, assim como suas
ações conjuntas, coloca os
BRICS como contraponto
a o at u a l s i ste m a d e
articulação internacional
O fato concreto sobre
os BRICS diz respeito
ao alcance de sua
inserção econômica e
política nos mais
variados temas da
agenda internacional
«
No campo político e
diplomático, em que
pesem suas divergências e
contradições, os BRICS
capitalizaram a expectativa internacional em torno
de suas economias para
dar início a projetos de
articulação política e
econômica, assim como a
programas de cooperação
em áreas sensíveis a esses
países: educação,
desenvolvimento
e co n ô m i co, e n e rg i a ,
segurança alimentar,
meio-ambiente, defesa,
etc.
A partir da perspectiva
da Economia Política
Internacional, encontram-se, então, razões que
explicam, por exemplo, a
participação da África do
Sul no bloco de economias
emergentes. Embora não
tenha o peso econômico
dos demais parceiros, a
liderança e influência da
África do Sul no continente africano e seu peso
regional nos diversos
fóruns mundiais dariam
ao então BRIC legitimidade às demandas e
propostas do bloco nos
mais variados temas da
agenda internacional.
Nesse sentido,
tornam-se mais evidentes
7
A relevância dos BRICS para o RS
e s ta b e l e c i d o n o p ó s
Segunda Guerra
Mundial — Banco
Mundial, Fundo Monetário
Internacional (FMI) e
Organização das Nações
Unidas (ONU).
No ano passado, os seis
p a í s e s a n u n c i a ra m a
criação do Banco de
Fomento do BRICS com
capital inicial de US$ 50
bilhões, que poderá chegar
a US$ 100 bilhões. O Banco
do BRICS prevê a criação de
linhas de crédito para
financiamento de projetos
de infraestrutura, bem
como um fundo para
socorrer os países-membros em caso de
turbulências financeiras
internacionais. Assim, na
medida que os BRICS se
consolidam como uma
realidade na qual o Brasil é
um dos protagonistas,
cabe à sociedade como um
todo, especialmente a
gaúcha, compreender toda
essa dinâmica.
A característica
marcante dos BRICS para o
Rio Grande do Sul é o fato
de possuírem relevantes
mercados internos para os
produtos da pauta
e x p o r t a d o ra ga ú c h a .
Nesse sentido, o Estado do
Rio Grande do Sul precisa
antecipar-se aos fatos e
planejar a melhor forma de
incremento da relação das
empresas gaúchas com
esses mercados. Ainda que
parte considerável da
pauta exportadora seja de
produtos primários, os
esforços de cooperação
entre os BRICS podem
gerar oportunidades aos
exportadores de produtos
8 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
com maior valor agregado
que já constam na pauta de
exportação do Estado,
como calçados, máquinas
agrícolas e ferramentas.
As exportações
gaúchas responderam por
18,2% (aprox. US$ 18,7
bilhões) do Produto
Interno Bruto (PIB) do Rio
Grande do Sul em 2014.
Desse total, os parceiros
dos BRICS representaram
27,23% do mercado para
as empresas do Estado
(aprox. US$ 5,1 bilhões). A
taxa de crescimento médio
das exportações para esses
países, nos últimos 14
a n o s , fo i d e 2 0 , 2 % ,
conforme a tabela abaixo.
Ao se analisar a
participação de cada um
dos países como mercado
para as exportações do
Estado, tem-se: China
A relevância dos BRICS para o RS
(87,52%), Rússia (6,94%),
Índia (3,04%) e África do
Sul (2,5%). De acordo com
os dados do Ministério do
Desenvolvimento,
Indústria e Comércio
Exterior (MDIC), em 2014,
aproximadamente 300
empresas do Estado
exportaram para China,
200 para a África do Sul,
130 para a Índia e 100
empresas exportaram para
Rússia, conforme o quadro
abaixo.
Por tudo isso, reforçase a necessidade de o
Governo Estadual
d e f e n d e r, d e f o r m a
institucional, os interesses
dos empresários gaúchos
(da indústria ao agronegóc i o ) n o p ro c e s s o d e
formulação da política de
inserção comercial do
Brasil no mundo. No caso
dos BRICS, a defesa dos
interesses do Estado
demanda uma visão
estratégica e sistêmica das
relações políticas e
econômicas no interior dos
BRICS e das parcerias que
esses países estabelecem
com o resto do mundo. P
9
ARTIGO
FOTO: Camila Domingues
Os países em
desenvolvimento no radar
comercial do RS: o caso das
máquinas agrícolas
Bruno M. Jubran
Pesquisador em Relações
Internacionais da FEE
[email protected]
Ricardo F. Leães
Pesquisador em Relações
Internacionais da FEE
[email protected]
Ao se projetar a inserção econômica do Rio Grande do Sul,
tende-se a destacar os principais destinos de exportação —
Argentina, China e Estados Unidos, não necessariamente nessa
ordem — e os principais itens exportados: complexo da soja,
carnes (sobretudo suínos e frangos), químicos e tabaco. Ainda
que seja desejável ampliar ou manter os fluxos econômicos do
Estado para esses países e nesses setores, convém explorar as
oportunidades oferecidas pelos mercados com considerável
potencial de crescimento econômico para as próximas
décadas. Trata-se dos países em desenvolvimento ou emergentes, sobretudo os localizados no sul da Ásia e na África
Subsaariana.
Na atualidade, os países emergentes já compõem a maioria
dos destinos, em termos de valor, das exportações gaúchas,
seguindo a tendência do próprio Brasil, conforme se observa
no Gráfico 1. Em 2014, segundo dados divulgados pela
Fundação de Economia e Estatística (FEE), somando-se os
quatro parceiros do Brasil nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China
e África do Sul) com os países latino-americanos, obtém-se
mais da metade de todas as exportações do Estado (as
proporções são, respectivamente, 27,2% e 23,8%). Ao se
acrescentarem outros países emergentes da África, da Ásia e
do Oriente Médio, essa proporção certamente se amplia. Os
países do núcleo desenvolvido — América do Norte (9,2%),
Europa (16,8%) e Japão (1,22%) — permanecem relevantes,
mas sua proporção reduziu-se nas últimas duas décadas.
10Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
Os países em desenvolvimento no radar comercial do RS: o caso das máquinas agrícolas
É complicado caracterizar o comércio com os
países emergentes de
forma geral, uma vez que
há diferenças em cada
região geográfica analisada. Enquanto o comércio
com os países do leste da
Ásia (China, Coreia do Sul,
Índia e Vietnã) tem
apresentado uma pauta
amplamente dominada
pela soja e por seus
derivados, no que tange à
África e aos países vizinhos
do Brasil, as exportações
são mais diversificadas. No
comércio com a Argentina,
por exemplo, apesar das
flutuações e das restrições
recentes, destacam-se
itens de médio e alto valor
agregado, como máquinas
agrícolas, automóveis,
insumos industriais e
produtos químicos. Com os
países africanos e do
Oriente Médio, destacam-se, além da soja, produtos
de outros setores, como o
caso de carnes em geral
para Angola (cerca de US$
108 milhões em 2014, ou
quase 54% do total
exportado para esse país),
tabaco para Indonésia
(47% da pauta para o País),
e arroz para Cuba (45% da
pauta), de acordo com
dados do Ministério do
Desenvolvimento,
Indústria e Comércio
Exterior (MDIC).
A análise do período
recente, no entanto, não
deve obscurecer o enorme
potencial de intensificação
da corrente comercial para
11
Os países em desenvolvimento no radar comercial do RS: o caso das máquinas agrícolas
parte considerável dos
países emergentes. As
expectativas de ampliação
das fronteiras agrícolas na
América Latina e na África,
por exemplo, colocam,
simultaneamente,
oportunidades e desafios
para a inserção do Rio
Grande do Sul na economia global. Ao mesmo
tempo em que os países
latino-americanos e
africanos competem
diretamente na produção
e na exportação, como na
de soja e milho, a ampliação das atividades
agrícolas nessas regiões
pode ir ao encontro dos
interesses do setor de
máquinas e equipamentos
do Estado, logrando,
oportunamente, a
assinatura de negócios
significativos com alguns
países daquela região. Essa
questão é particularmente
importante em um
contexto de reprimarização da pauta exportadora
observada no período
recente.
Atualmente, os países
africanos e latino-americanos compram
92% das exportações
gaúchas de máquinas
agrícolas, conforme pode
ser observado no Gráfico 2.
Esse dado torna-se ainda
mais significativo quando
se tem em mente que esse
índice atingia 72% em
2 0 0 5 . E s s e p ro c e s s o
acompanha um moviment o g e ra l d a p o l í t i c a
comercial brasileira na
última década, que
e nfat i zo u a i n s e rçã o
econômica em mercados
emergentes. No tocante às
máquinas agrícolas, essa
estratégia permite que o
Rio Grande do Sul tenha
12Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
demanda para os setores
industriais que têm
enfrentado muitos
obstáculos para competir
no mercado externo. Isso
porque, por excelência, as
economias da América
Latina e da África, salvo
poucas exceções, são
marcadas pelo predomínio
do setor agrícola, viabilizando a retomada da
indústria na pauta de
exportações gaúchas.
Os países em desenvolvimento no radar comercial do RS: o caso das máquinas agrícolas
«
Na África, Etiópia,
Chade, Moçambique e
Ruanda estão entre os 10
países que mais cresceram
economicamente no
século XXI. Esses, diferentemente de Angola e
Nigéria, não são ricos em
recursos minerais e
avançaram em função de
s e u d e s e nvo l v i m e nto
agrícola. Dado seu estágio
inicial de desenvolvimento, esses países carecem
d e m á q u i n a s p a ra a
expansão de sua produção
agrícola, o que abre espaço
para a economia gaúcha.
De fato, em 2013, o
Governo brasileiro assinou
um acordo para financiar
exportações de equipamentos agrícolas para a
África através do Programa
de Financiamento às
Exportações (Proex). Essa
m e d i d a i n s e re - s e n o
Programa Mais Alimentos
Internacional, cujo intuito
é fomentar o desenvolvimento da agricultura
africana. Por fim, a linha de
crédito que o Banco
N a c i o n a l
d e
Desenvolvimento
Econômico e Social
(BNDES) oferece para as
exportações de produtos
não agrícolas também
pode ser aproveitada pela
indústria gaúcha interessada em exportar para a
África.
Ademais, entre os
latino-americanos,
realçamos Bolívia e
Paraguai, cujo Produto
Interno Bruto (PIB) vem
expandindo-se a passos
largos, com base, respectivamente, na ampliação da
agricultura familiar e no
progresso da cultura da
soja. Esse fenômeno já é
sentido pela indústria
gaúcha, que tem vendido
cada vez mais para
produtores bolivianos e
paraguaios. Neste último
caso, frisa-se que a grande
presença de brasileiros
(muitos dos quais nascidos
no Rio Grande do Sul)
radicados no Paraguai
possibilita o fortalecimento d e l a ço s e nt re a
produção rural do País e o
setor gaúcho de máquinas
agrícolas. Além disso,
também é digno de nota o
aumento das exportações
p a ra a Ve n ezu e l a , a
despeito da aguda crise
econômica que assola o
País, movimento que
muito provavelmente está
relacionado ao ingresso de
C a ra ca s n o M e rca d o
Comum do Sul (Mercosul),
uma demanda antiga de
Na África, Etiópia,
Chade, Moçambique e
Ruanda estão entre os
10 países que mais
cresceram economicamente no século XXI«
13
Os países em desenvolvimento no radar comercial do RS: o caso das máquinas agrícolas
FOTO: Claudio Fachel
grupos industriais
brasileiros. Uma exceção a
essa regra é representada
p e l a A rge nt i n a , c u j a
política comercial
protecionista, intensificada a partir de 2009,
provocou redução de
pouco mais da metade das
vendas entre 2007 e 2013.
A promoção econômica e comercial no plano
externo, diferentemente
do caso das relações
políticas e diplomáticas,
não é atribuição exclusiva
da esfera federal. Estados e
municípios podem – e
devem – promover, no
estrangeiro, os setores
econômicos locais. De fato,
na prática internacional,
tem sido observada uma
intensificação das
atividades externas de
autoridades subnacionais
n a e co n o m i a g l o b a l ,
funcionando, na maior
parte das vezes, como um
complemento aos esforços
dos respectivos corpos
diplomáticos oficiais, ou
como elos entre os últimos
e a comunidade empresarial. A construção de laços
econômicos do Rio Grande
14Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
do Sul com países e regiões
que historicamente
t i v e ra m p a r t i c i p a ç ã o
bastante limitada no radar
comercial serve aos
interesses da sociedade
gaúcha e reforça a política
externa brasileira voltada à
diversificação de parcerias. P
PANORAMA ENTREVISTA
Luciano D'Andrea
OS
DESAFIOS
do RS na era dos emergentes
Por Ricardo Leães e Robson Valdez
Em entrevista para o Panorama, Luciano
D'Andrea analisa a dinâmica do cenário
internacional, a inserção brasileira nesse
mercado e as ações dos países dos BRICS, grupo
formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul. O entrevistado desta edição também
opina sobre a pauta exportadora gaúcha para
mercados emergentes e sobre a atuação do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES).
Luciano D’Andrea é Gerente de
Relações Internacionais e
Comércio Exterior da Federação
das Indústrias do Rio Grande do
Sul (Fiergs). Bacharel em
Administração de Empresas
pela Virginia Commonwealth
University (VA), nos EUA, e
Mestre em Estudos Estratégicos
Internacionais pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
Panorama: As últimas duas décadas têm
sido marcadas por um intenso dinamismo
geopolítico e econômico em âmbito global.
Nesse sentido, vários são os centros de
pesquisa, públicos e privados, que se
dedicam a uma análise sistêmica do cenário
internacional. Na esfera local, qual a
importância dessas análises para o processo
decisório de empresas e instituições
governamentais?
As pesquisas e análises de dados político-econômicos sobre o cenário internacional
são de fundamental importância para
qualquer ator que deseja desenvolver uma
estratégia global e/ou alguma forma de
relacionamento com diferentes blocos
econômicos ou países. Da mesma forma,
estudos e a organização sistêmica de
informações são considerados essenciais
para um determinado país que queira,
15
PANORAMA ENTREVISTA: Luciano D’Andrea
Panorama: Além do
protagonismo internacional de atores tradicionais
como Estados Unidos,
Europa e Japão, países
como Brasil, China, Rússia
e Índia vêm alcançando
projeção internacional em
vários temas da agenda
internacional. Como você
avalia a recente inserção
internacional do Brasil?
Em que medida essa
inserção pode se traduzir
em oportunidades para o
Rio Grande do Sul?
Desde meados dos
anos 90, o Brasil vem
expandindo suas relações
bilaterais e multilaterais,
acompanhando um
processo global de
abertura internacional e
adensamento das relações
externas impulsionado
também pelo fim da
Guerra Fria. Nos últimos 15
anos, houve uma mudança
clara nos paradigmas da
política externa brasileira,
e o País vem promovendo
esforços políticos no
sentido de consolidar
parcerias no âmbito da
América Latina, Ásia e
junto ao continente
africano. Essa nova
abordagem brasileira em
relação ao sistema
internacional aposta na
estratégia do multilateralismo e na diversificação de
mercados não tradicionais
e promissores. De modo
geral, a atual política
16 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
«Pesquisas sobre o
cenário internacional
são de fundamental
importância para
qualquer ator que
deseja desenvolver
uma estratégia global
e/ou alguma forma de
relacionamento com
diferentes blocos
econômicos ou países.
«
internamente, qualificar e
preparar seus setores
industrial e comercial para
um cenário cada vez mais
competitivo e globalizado.
Uma das bases do
processo decisório, tanto
de entidades como de
empresas, é o conhecimento, porém nem
sempre a estrutura
organizacional dos atores
públicos ou privados
permite que os mesmos
realizem a coleta e a
análise de dados estratégicos. Portanto, a diversificação de órgãos produtores
de conhecimento e,
principalmente, o
compartilhamento dessa
inteligência, de forma
acessível e transparente,
são indispensáveis para o
desenvolvimento nacional
ou regional, seja de forma
coletiva ou individual. A
partir do entendimento da
conjuntura internacional, é
possível definir objetivos,
metas e áreas de atuação,
bem como fundamentar o
planejamento estratégico
e a execução destes de
forma mais segura e
assertiva.
PANORAMA ENTREVISTA: Luciano D’Andrea
de 100 bilhões na balança
de produtos manufaturados no mesmo período,
através das suas exportaçõ e s d e m á q u i n a s e
equipamentos e bens de
consumo intermediário e
final. Nesse contexto
paradoxal de ameaças e
oportunidades, o Rio
Grande do Sul foi um dos
estados mais favorecidos
pelo lado das vendas
«
A atual política
externa trouxe
consigo alguns
benefícios, os quais se
materializaram em
exportações e
importações de bens
e serviços com esses
mercados, além de
novos projetos de
investimentos
«
externa trouxe consigo
alguns benefícios, os quais
se materializaram em
exportações e importações de bens e serviços
com esses mercados, além
de novos projetos de
investimentos. Sem
dúvida, a China foi o país
com o maior destaque,
tornando-se o principal
parceiro comercial do
Brasil e do RS devido ao
extraordinário crescimento desse mercado apresentado nas últimas décadas e
pela fenomenal demanda
desse país oriental por
produtos de natureza
comoditizada, como
minério de ferro, soja,
carnes, entre outros,
produtos estes de grande
oferta do nosso país. Por
outro lado, as importações
da China trouxeram grande
preocupação à indústria
nacional através da
enxurrada de produtos
chineses no mercado
brasileiro, facilitados pela
excessiva sobrevalorização
do real na última década. O
resumo desse novo
cenário conclui que a China
contribuiu fortemente
para os saldos positivos da
balança comercial do Brasil
nos últimos anos, porém,
por outro lado, ajudou a
causar um déficit de mais
externas àquele país, pois
se posicionou com a oferta
de produtos cuja demanda
chinesa é alta, especialmente exportações de
soja, carnes e tabaco. Essas
ex p o r ta çõ e s ta m b é m
foram beneficiadas pelo
alto preço dessas commodities no mercado
internacional. Já o
continente africano se
tornou a primeira origem
das importações gaúchas,
devido às compras da
Petrobrás (Refap) de
combustível e derivados,
especialmente oriundas da
Nigéria, da Argélia, e de
Angola. Em 2014, as
importações da África
representaram 23% do
to ta l co m p ra d o p e l o
Estado, somando US$ 3,52
b i l h õ e s . Po r t a n t o, a
aproximação junto aos
BRICS foi positiva, devido
ao aproveitamento do
maior crescimento relativo
dessas economias,
especialmente no período
entre 2000 e 2008.
Entretanto, ao passo que
houve avanços junto às
economias dos BRICS,
percebe-se um relativo
retrocesso e distanciamento do Brasil das economias
desenvolvidas, como EUA
e União Europeia, cujos
mercados constituem a
espinha dorsal da economia mundial, representando quase metade do PIB
global. Neste exato
momento, nota-se um
esforço de recuperação
dessas relações com esses
mercados através de
acordos bilaterais e de livre
comércio e outras
iniciativas apontadas no
recente Plano Nacional de
17
PANORAMA ENTREVISTA: Luciano D’Andrea
Panorama: Em que
pesem as contradições
nas relações entre os
membros do BRICS, o
grupo vem se consolidando como um contraponto
ao atual sistema internacional estabelecido no Pós
Segunda Guerra Mundial
(Organização das Nações
U n i d a s , O rga n i za ç ã o
Mundial do Comércio,
Banco Mundial e Fundo
Monetário Internacional).
De que forma você avalia o
dinamismo desse
processo que ainda está
em curso?
Uma ação mais coesa
dos BRICS depende de
questões centrais em
termos políticos, econômicos e de segurança. A
posição dos países
participantes do grupo em
relação a esses assuntos é
b a sta n t e d i v e rg e n t e ,
graças aos interesses
nacionais que seguem
caminhos opostos,
dificultando a consolidação política do grupo. No
entanto, o aumento das
trocas comerciais entre
esses países tem ganhado
cada vez mais representatividade no cenário
internacional, podendo ser
um vetor facilitador da
cooperação. Ademais, a
criação do Banco de
Desenvolvimento dos
BRICS, de certa forma, vai
ao encontro da estratégia
desses países de diminuir a
dependência de fundos e
bancos internacionais
coordenados pelos países
desenvolvidos. Por mais
FOTO: FreeImages.com/Eike Reifhardt
18Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
«É necessário que o
governo e os
empresários busquem
entender as
potencialidades que o
mercado dos BRICS
tem a oferecer ao
Estado.
«
Exportações lançado pelo
M i n i s t é r i o d e
Desenvolvimento,
Indústria e Comércio
Exterior (MDIC) no último
dia 24 de junho.
que não haja uma agenda
estabelecida dos BRICS
como um bloco — ainda
que as agendas bilaterais
venham se fortalecendo —
o fato de países com
tamanha representatividade na economia mundial
estarem reunidos e
dispostos a debater pautas
conjuntas é um importante
passo em direção à
consolidação e ao
fortalecimento dos
mesmos através de ações
efetivas de incremento
econômico.
PANORAMA ENTREVISTA: Luciano D’Andrea
«Nos últimos 15 anos,
houve uma mudança
clara nos paradigmas
da política externa
brasileira , e o País
vem promovendo
esforços políticos no
sentido de consolidar
parcerias no âmbito
da América Latina,
Ásia e junto ao
continente africano.
Panorama: Em 2014,
os demais países dos
BRICS representaram algo
em torno de 27% do total
das exportações gaúchas.
Em sua opinião, como os
exportadores gaúchos e o
Governo do Estado podem
defender seus interesses
no âmbito das negociações dos BRICS?
Voltando à questão da
importância de análises do
cenário internacional, é
necessário que o Governo
e os empresários busquem
entender as potencialidades que o mercado dos
BRICS tem a oferecer ao
Estado. Estudos de
inteligência comercial e
estratégica podem
embasar a abordagem das
empresas em relação aos
BRICS. E o Governo, tendo
entendimento da realidade regional e do bloco,
pode montar uma
abordagem para a defesa
de interesses em consonância com as potencialidades do setor privado, ou
seja, a agricultura,
indústria e serviços.
Panorama: A soja é o
principal produto da
pauta exportadora do Rio
Grande do Sul, sendo
China, Coreia do Sul,
Vietnã, Índia e Tailândia os
principais compradores da
commodity gaúcha. Além
da soja, tabaco, carnes
(aves), arroz, couro e
máquinas agrícolas têm
como destino países
emergentes da África, Ásia
e América Latina. Como
você compreende a
dinâmica econômica
dessas regiões do planeta
sobre o setor exportador
do RS? O que o setor
privado e o governo local
podem fazer para
aumentar o volume das
exportações gaúchas para
esses destinos?
De fato, o Rio Grande
do Sul atende de forma
majoritária esses mercados emergentes no âmbito
Sul-Sul com sua pauta
tradicional de produtos
pertencentes ao complexo
soja, carnes e tabaco.
Entretanto não há dúvida
que existem inúmeras
oportunidades de
exportações para outros
produtos e segmentos
gaúchos a esses países.
Para um maior dinamismo
na pauta exportadora, é
preciso diversificar a oferta
através da ampliação do
conhecimento frente às
rápidas transformações
que vêm ocorrendo nos
hábitos de consumo e das
necessidades de importa19
«
PANORAMA ENTREVISTA: Luciano D’Andrea
agregado brasileiro, como
alimentos premium, por
exemplo. No caso da
América Latina, mercado
estratégico para as
exportações de produtos
manufaturados brasileiros
e gaúchos, a região precisa
se revitalizar e aprimorar
os mecanismos de
pagamentos e criar meios
efetivos de integração das
cadeias produtivas de
valor, focando a especialização produtiva. Não
obstante, essa região
requer investimentos em
infraestrutura e logística
para reduzir os custos
operacionais do comércio
exterior a fim de se
equiparar ao grau de
co m p et i t i v i d a d e co m
terceiros mercados
concorrentes, especialmente o asiático. As
instabilidades econômicas
e políticas e as recorrentes
crises também são
gargalos a serem enfrentad o s p o r e m p re s a s e
governos.
Panorama: No século
XXI, a África tem-se
destacado por sua elevada
taxa de crescimento
econômico, que contrasta
com o baixo dinamismo
do continente nas décadas
anteriores. Como muitos
20 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
«O RS pode se
beneficiar das
peculiaridades do
desenvolvimento
agrícola africano,
trabalhando na
adaptação e no
desenvolvimento de
equipamentos que
possam atender com
maior otimização às
necessidades do
mercado.
«
ção desses mercados. A
China, por exemplo, após
anos demandando
produtos básicos como
alimentos, minério de
ferro e petróleo, passa
agora não só a requerer
quantidades maiores de
bens de consumo como
também necessita
abastecer, com produtos
de alto valor agregado,
consumidores cada vez
mais exigentes e com um
poder aquisitivo maior.
N e s s e s e n t i d o , p a ra
aproveitar esse movimento de crescimento do
mercado consumidor não
só da China como também
de países em franca
ascensão naquela região,
como Vietnã, Malásia e
Tailândia, é imprescindível
que o setor exportador
gaúcho seja competitivo e
conheça o mercado e as
te n d ê n c i a s d o s s e u s
respectivos segmentos. A
criação de zonas francas
comerciais na China, por
exemplo, demonstra a
implementação de
reformas econômicas e
financeiras recentes com o
objetivo de incentivar o
consumo interno de
produtos importados. Esse
caso chinês abre novas
possibilidades para
produtos de maior valor
desses países vêm se
desenvolvendo à base da
produção agrícola, quais
são os meios para o RS
aproveitar o ensejo e
expandir o comércio de
máquinas agrícolas na
África?
A exportação de
máquinas agrícolas para a
África representa um nicho
i nte re s s a nte p a ra a s
empresas gaúchas.
Segundo dados do MDIC
de 2015, 42% do total
exportado pelo Brasil para
o continente africano é de
produtos manufaturados,
e o nível de intensidade
tecnológica aplicada a
esses produtos apresenta
crescimento nos últimos
três anos. O Rio Grande do
Sul pode-se beneficiar das
peculiaridades do
desenvolvimento agrícola
africano, trabalhando na
adaptação e no desenvolvimento de equipamentos
que possam atender com
m a i o r o t i m i za ç ã o à s
necessidades do mercado.
Segundo dados da
Organização Internacional
do Trabalho (OIT) de 2014,
a agricultura africana pode
e deve ser impulsionada
através de soluções
integradas que envolvam a
FOTO: FreeImages.com
PANORAMA ENTREVISTA: Luciano D’Andrea
indústria, o meio rural e o
setor de serviços. Outra
frente muito importante
com vistas à expansão das
exportações desse setor
envolve linhas de crédito
de exportação oferecidas
pelo Governo por meio do
Banco do Brasil, voltadas
principalmente para países
africanos com o financiamento de máquinas e
equipamentos agrícolas
produzidos no Brasil. Logo,
a larga experiência do
governo e do empresariad o ga ú c h o n o s e t o r
agrícola, aliada à concessão de linhas de crédito,
pode servir como diferencial competitivo na
atuação frente o mercado
africano.
Panorama: Em todos
os países que foram
exitosos ao fomentar suas
exportações, como
Estados Unidos, Japão,
Alemanha e China,
observou-se a presença de
um banco especializado
para internacionalizar as
empresas nacionais, de
forma a dinamizar seus
investimentos e suas
vendas. Em que medida o
BNDES contribui para a
21
PANORAMA ENTREVISTA: Luciano D’Andrea
«A larga experiência
do governo e do
empresariado gaúcho
no setor agrícola,
aliada à concessão de
linhas de crédito,
pode servir como
diferencial
competitivo na
atuação frente o
mercado africano.
«
integração das empresas
brasileiras no mercado
mundial?
A presença de um
banco de fomento ao
comércio exterior é um
mecanismo fundamental
para alavancar as exportações e o investimento
b ra s i l e i ro e m o u t ro s
países. A atuação do
BNDES no comércio
internacional engloba
tanto a concessão de
crédito para a produção de
bens e serviços destinados
à exportação como
também a comercialização
dos produtos e serviços
nacionais no exterior,
oferecendo prazos, juros e
condições de pagamento
de acordo com o tamanho
da empresa. O BNDES
também atua no apoio a
projetos no exterior,
financiando não só a
aquisição de bens de
capital como também o
capital de giro das
empresas. Essas medidas
facilitam a abertura de
mercados, a inserção de
empresas brasileiras nas
cadeias globais de valor e a
ampliação do fluxo de
comércio brasileiro. Cabe
ressaltar que é sempre
importante estar atualiza-
do com as demais políticas
financeiras ofertadas pelos
bancos de promoção das
exportações de outros
p a í s e s , c o m o E UA e
Alemanha, por exemplo,
no sentido de ajustar a
gestão de recursos de
fomento nacional à altura
da concorrência, aliada às
necessidades reais das
empresas e aos seus
respectivos perfis exportadores. P
22Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
ARTIGO
O papel das exportações na
determinação da renda no RS
Pesquisador em
Economia da FEE
[email protected]
Os economistas usualmente tomam a propensão a
importar como um parâmetro universal, independente da
categoria de demanda final. Não obstante, essa hipótese
simplificadora não se sustenta empiricamente. No caso da
economia gaúcha, assim como no da brasileira, a propensão a
importar, do investimento em capital fixo, é mais elevada do
que a propensão a importar, das exportações, na exata medida
em que o investimento tende a se associar à inovação e, muitas
vezes, a firma inversora não encontra, no mercado local, um
fornecedor de equipamento efetivamente equivalente ao
modelo que almejamos incorporar à planta. Nesse caso, a
importação é impositiva. De outro lado, são raros os casos de
importação apenas para reexportar, sem que haja qualquer
agregação de valor ao longo do processo produtivo interno.
Como os bens exportados estão baseados em vantagens
relativas e/ou absolutas, que apresentam alguma estabilidade
no plano da divisão internacional do trabalho, estruturam-se
cadeias produtivas em torno deles, que se desdobram em
sistemas de grande integração interna e baixo vazamento para
o exterior. Nos termos de nossa discussão, isso significa dizer
que, dada a estrutura produtiva da economia gaúcha, para
exportar, importa-se pouco, seja em termos imediatos (o
FOTO: Claudio Fachel
Carlos Águedo Paiva
23
O papel das exportações na determinação da renda no RS
próprio bem exportado),
seja em termos mediatos
(os insumos necessários à
produção do bem que será
exportado).
Esses fatos são
evidenciados mesmo em
uma análise relativamente
superficial da Matriz de
Insumo-Produto do Rio
Grande do Sul (MIP-RS) de
2008, que apresenta as
origens dos recursos e os
destinos da produção
1
estadual. De acordo com a
Fundação de Economia e
Estatística (FEE), o valor
das exportações (X) para
outros países e o da
Formação Bruta de Capital
Fixo (FBKF) foram muito
próximos no ano de 2008:
pouco mais de R$ 36 e 34
bilhões respectivamente.
Não obstante, as importações diretamente associadas à FBKF quase totalizaram R$ 12 bilhões (mais de
um terço do total),
enquanto as importações
para exportação não
passaram de R$ 17
milhões.
Imaginemos uma
elevação de demanda final
da ordem de R$ 1 bilhão na
economia gaúcha, ainda
que essa elevação se dê ou
na FBKF ou em exporta-
ções para o exterior, e que
ela se distribua proporcionalmente à estrutura
dessas duas categorias de
demanda em 2008. Tal
como podemos observar
na tabela, os multiplicadores da MIP-RS para o Valor
Bruto da Produção (VBP),
Valor Adicionado Bruto
(VAB), salário e emprego
dessas duas categorias de
demanda são muito
distintos, sendo sempre
superiores para as
exportações do que para a
FBKF.
Os vazamentos na
FBKF, ou seja, a parte do
impulso inicial de demanda que acaba sendo
direcionada para importa-
ções, são tão elevados que
sequer podemos falar com
rigor em multiplicação do
valor investido: mesmo
levando em consideração
os impactos indiretos da
demanda de investimento,
o VBP crescerá abaixo da
variação de demanda
inicial. Diferentemente, a
demanda por exportações
é multiplicada por 1,644,
ou seja, ao impulso inicial
da demanda segue-se o
aumento da produção dos
vários segmentos do
agronegócio, da indústria e
dos serviços integrados à
produção para a exportação.
Como as cadeias
exportadoras são mais
1 Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul: 2008. Porto Alegre: FEE, 2014. Disponível em: <
http://www.fee.rs.gov.br/indicadores/matriz-insumo-produto-rs-miprs/mip-rs-2008/>. Acesso em: maio 2015.
24 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
FOTO: Camila Domingues
O papel das exportações na determinação da renda no RS
empregadoras e relativamente mais democráticas
no plano distributivo,
fazendo-se presentes em
praticamente todas as
regiões do Estado, elas
geram uma ampliação de
renda e de emprego
significativamente maior, e
isso que nem computamos
o chamado “efeito-renda”.
Esse efeito é aquele que
advém do aumento da
demanda de bens de
consumo derivada da
expansão da renda —
salários, rendimentos
mistos (tais como dos
agricultores familiares,
microempresários, etc.) e
lucros empresariais —
apropriada pelos agentes
econômicos em função da
expansão da demanda
autônoma inicial. Tal como
observamos na tabela, o
impacto de X é maior que o
impacto de FBKF também
nesses componentes, o
que nos leva mais uma vez
a mesma conclusão: no Rio
Grande do Sul, as exporta-
-ções são o componente
de demanda autônoma
com maior potencial para a
dinamização da renda e do
emprego. No curto e no
médio prazo, parece claro
que a estratégia de maior
eficácia para a mobilização
da economia do Estado é o
apoio ao crescimento e à
modernização de suas
exportações. P
25
ARTIGO
O preço da soja nos últimos
10 anos
Clarissa Black
Pesquisadora em
Economia da FEE
[email protected]
Os países exportadores de soja, como o Brasil, e o Estado do
Rio Grande do Sul beneficiaram-se da valorização do preço do
grão no mercado internacional nos últimos anos. Apesar de a
apreciação cambial ter acompanhado a alta de preços em dólar
no período 2006-11 — a qual prejudicou outros setores
exportadores, em especial o manufatureiro —, o preço da soja,
quando convertido em moeda doméstica, elevou-se, conforme
o Gráfico 1:
26 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
O preço da soja nos últimos 10 anos
«
Na segunda
metade de 2006, a
soja — assim como as
demais commodities
agrícolas — inseriu-se
em uma trajetória de
crescimento dos
preços internacionais
desses produtos, que
já vinha sendo
puxada por metais e
combustíveis desde,
pelo menos, meados
de 2003«
A elevação dos preços
teve um impacto positivo
na renda interna, mesmo
que os formuladores de
políticas e os produtores
internos não tenham
influência na determinação do preço da soja. Assim
sendo, se o preço é
determinado exogenamente, torna-se pertinente o estudo de seu
movimento no mercado
internacional, assim como
o apontamento dos
possíveis eventos que
estejam colocando em
marcha a sua trajetória.
Para isso, primeiramente, é preciso ressaltar
o contexto no qual se
enquadra a valorização da
soja nos últimos anos. Na
segunda metade de 2006,
a soja — assim como as
demais commodities
agrícolas — inseriu-se em
uma trajetória de crescimento dos preços
internacionais desses
produtos, que já vinha
sendo puxada por metais e
combustíveis desde, pelo
menos, meados de 2003.
Esse boom recente dos
preços de commodities é
singular em termos de
abrangência de produtos,
duração e magnitude dos
movimentos, de acordo
com a Conferência das
Nações Unidas sobre
C o m é r c i o
e
Desenvolvimento (Unctad)
e o Banco Mundial. Esse foi
o boom mais intenso e
extenso desde o século
anterior, e o único que
envolveu simultaneamente os três grupos de
commodities: agrícolas,
metálicas e combustíveis.
Nesse ínterim, inserese o comportamento do
preço da soja. Conforme os
dados do Fundo
Monetário Internacional, o
preço, em dólares, da
oleaginosa multiplicou-se
por 2,65 entre abril de
2006 e julho de 2008,
sendo este último o ápice
do preço até então. Logo
após, desvalorizou-se
bruscamente em meio à
crise financeira mundial,
com origem no mercado
de subprime, nos Estados
Unidos.
Para muitos, esse seria
o fim do boom de preços,
seguindo a típica dinâmica
boom-bust. No entanto,
apesar dessa forte queda,
os preços iniciaram um
movimento de recuperação logo em seguida,
mesmo antes de a
economia mundial dar os
primeiros sinais de
retomada da atividade
econômica após a crise
27
O preço da soja nos últimos 10 anos
que teve como estopim a
queda do banco Lehman
Brothers.
Dessa forma, não se
pode afirmar que a crise
financeira de 2008
representou o fim desse
movimento de valorização,
pois o preço da soja não
somente se recuperou da
queda como, em agosto de
2012, atingiu uma nova
marca histórica, o que
representou uma elevação
de 12,41% em relação ao
pico anterior. Vale ressaltar
que, no primeiro semestre
de 2012, tanto os preços
em dólar quanto a taxa de
câmbio R$/US$ elevaram-se, o que permitiu uma
performance duplamente
positiva do ponto de vista
da valorização das
exportações da commodity
para o Brasil e para o Rio
Grande do Sul.
A partir de então, o
preço da soja desacelerou,
mas manteve-se em uma
relativa estabilidade até
2014. A partir do último
trimestre desse ano,
emergiu uma tendência
mais evidente de depreciação do preço internacional.
Apesar dessa redução de
valor, ainda se mantém em
um patamar superior em
relação aos anos iniciais de
crescimento — o preço da
soja em dólar, em março de
2015, foi ainda 72,14%
superior ao de abril de
2006. Ademais, o câmbio
teve um papel importante
para evitar uma queda
mais acelerada nos preços
em reais (na verdade,
houve uma recuperação
do preço em reais desde o
último trimestre de 2014,
conforme o Gráfico 1).
A causa geralmente
apontada como determinante exclusivo para os
movimentos do preço
internacional da soja é a
demanda chinesa. Para o
período de valorização, ou
seja, de 2006 até o
momento anterior à crise
internacional de 2008, o
crescimento chinês e a sua
demanda, principalmente
da produção de ração
suína, são a explicação
simplista usual.
No entanto, segundo
alguns estudos do Banco
Mundial, o crescimento do
consumo médio anual de
soja é superior no período
que antecede o boom, ou
seja, de 1997 a 2002 (5,8%
no mundo e 16,1% na
China) em comparação
com o período do boom
2003-08 (3,3% no mundo e
8,7% na China).
28 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
«
Para o período de
valorização, ou seja,
de 2006 até o
momento anterior à
crise internacional de
2008, o crescimento
chinês e a sua demanda, principalmente da
produção de ração
suína, são a explicação simplista usual «
Já no período da crise
internacional, também
não parece ter sido a
demanda chinesa a
responsável pela queda
abrupta nos preços,
tampouco parece coerente
atribuir somente a ela a
recuperação de preços no
período pós-crise.
Frente a isso, a Unctad
atribui ao movimento
brusco de queda e
reversão de preços em
2008-09 a evidência da
influência da especulação
financeira nos preços, haja
v i s t a a re d u ç ã o d a s
posições dos investidores
de índice em mercados
futuros de commodities ter
ocorrido em simultâneo à
O preço da soja nos últimos 10 anos
redução de preços. A
retirada das posições em
mercados futuros ocorreu
face às necessidades de
cobrir as perdas financeiras com a crise. Já a
retomada das posições
ocorreu na sequência da
injeção de liquidez do
banco central norte-americano.
No período pós-boom
da soja, 2013-15, a causa
apontada para a desaceleração dos preços é a taxa
de crescimento menor do
Produto Interno Bruto
(PIB) chinês e das suas
importações de commodities. De fato, as importações chinesas de soja, em
valor, caíram de forma
simultânea à queda nos
preços das commodities.
No entanto, não se pode
esquecer que o valor das
importações é a multiplicação do quantum importado e dos seus preços.
Dessa forma, se o preço
cai, o valor das importações também deve cair. Por
isso, o indicador mais
adequado é a análise das
importações em quantum.
Ao se analisar esse
indicador, percebe-se que
houve uma desaceleração
na taxa de crescimento das
importações chinesas de
soja, em volume, no
período pós-boom, mas
essa não parece ser a única
explicação para esse
movimento, pois é preciso
ressaltar que o consumo
chinês de soja cresce a
taxas decrescentes desde
29
FOTO: Camila Domingues
O preço da soja nos últimos 10 anos
antes do início do boom,
conforme o Gráfico 2.
Frente a isso, surge o
questionamento de quais
seriam os demais possíveis
fatores que poderiam
impactar o preço da soja.
Nesse sentido, podemos
apontar a política monetár ia esta d u n id en s e, a
especulação financeira e
os custos de produção.
Dentre os fatores,
destacamos o possível
impacto do preço do
petróleo no preço da soja.
Segundo o Banco Mundial,
o preço das duas commodities apresenta relação
sincrônica a partir do
ponto no qual o preço do
petróleo atinge a marca
entre US$ 50 e US$ 60.
Uma explicação para isso
pode estar no fato de que o
petróleo é o principal
componente dos fertilizantes utilizados na produção,
ainda de acordo com o
Banco Mundial. Já o
posicionamento da Food
and Agriculture
Organization (FAO) tem
enfatizado o papel dos
biocombustíveis nesse
processo.
Por todos esses
motivos, não se deve
30 Panorama Internacional FEE | setembro de 2015
subestimar a complexidade da temática que
envolve o estudo dos
determinantes do preço da
soja. A negligência desses
possíveis determinantes
pode pegar de surpresa os
formuladores de política
obstinados pela necessidade de dar uma resposta
rápida e simples a um
fenômeno que se mostra
mais complexo do que se
imagina. P
Há mais de 40 anos,
construindo
conhecimento
socioeconômico
sobre o RS
www.fee.rs.gov.br
/FUNDACAO.RS
/FEE_RS
Download

- Panorama Internacional FEE