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Uma agenda pró‐ativa para os BRICs Os chanceleres dos BRICs se reúnem pela primeira vez na ONU, em setembro de 2006 (Ag Brasil) http://www.msia.org.br/assuntos‐asuntos‐estrat‐gicos/588.html O principal significado da reunião dos chanceleres do Brasil, Rússia, Índia e China, o chamado "grupo BRIC", na histórica cidade russa de Ekaterinburg, na sexta‐feira 16 de maio, foi o próprio fato de ter ocorrido, como definiu o brasileiro Celso Amorim. Ou seja, o grupo decidiu se compor como uma entidade política, impressão reforçada pela anunciada intenção de realizar outras conferências, como a de ministros da Fazenda, em novembro, no Brasil, para avaliar o impacto da crise econômica dos EUA na economia mundial, e um novo encontro de chanceleres, na Índia, em 2009. A expressão BRIC foi criada em 2001 pelo economista Jim O'Neill, do banco Goldman Sachs, para rotular os quatro países, que, como afirmou na época, poderiam tornar‐se em conjunto as maiores potências econômicas do mundo até 2050, superando os países industrializados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Embora não se deva esperar a criação de um bloco formal, na prática, uma convergência de visões e ações políticas dos quatro gigantes mundiais poderá representar uma influência considerável no cenário internacional. Com cerca de 40% da população e 10% do PIB mundial, uma potência energética consolidada (Rússia) e outra potencial (Brasil), o maior produtor mundial de alimentos em potencial (Brasil), uma vasta capacidade industrial instalada e consideráveis capacidades científico‐tecnológicas em todos os quatro e, adicionalmente, sendo três deles potências nucleares, não é difícil perceber o alcance de uma coordenação entre os BRICs. 1
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Tal potencial não escapou ao editor emérito da UPI, Martin Walker, em um comentário intitulado "Construindo com os BRICs" (fazendo um jogo de palavras com brics, tijolos, em inglês), curiosamente, postado em 14 de maio na seção "Ameaças emergentes" do sítio da agência estadunidense . Segundo ele, "os historiadores do futuro poderão ver a cúpula de Ekaterinburg como o momento em que o mundo mudou e, pela primeira vez em séculos, o poder começou a deixar o Ocidente". Deixando de lado o cacoete de ver o mundo como uma permanente disputa de "soma zero" entre centros hegemônicos, além da exclusão implícita do Brasil do Ocidente, é inegável que os "BRICs" poderão exercer uma influência determinante na reconfiguração da ordem mundial em curso. Entretanto, tal potencial se refletiu apenas parcialmente no comunicado divulgado após a conferência, uma vez que os signatários se limitaram a considerações genéricas reativas ao status quo mundial, algumas delas inconcebíveis para quem pretende influenciar uma mudança de rumo planetária, como a aceitação acrítica da controvertida política de limitações do uso de combustíveis fósseis embutida no Protocolo de Kyoto. Em linhas gerais, o documento enfatiza alguns pontos básicos: ‐ a construção de um sistema internacional fundado sob o estado de direito e a diplomacia multilateral e a garantia de iguais oportunidades de desenvolvimento para todos os países; ‐ o fortalecimento do multilateralismo, com o papel central sendo desempenhado pela Organização das Nações Unidas (com a Rússia e a China apoiando as pretensões do Brasil e da Índia quanto ao Conselho de Segurança); ‐ o desenvolvimento econômico global a longo prazo, além das soluções de problemas como a pobreza, a fome e as doenças, terá que levar em conta "os interesses de todas as nações e no contexto de sistema econômico global justo"; ‐ uma estreita interconexão entre a segurança energética, desenvolvimento socioeconômico e proteção ambiental; ‐ a cooperação internacional é necessária para tratar das mudanças climáticas e alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio, com base em parcerias globais; ‐ a cooperação Sul‐Sul é um elemento importante dos esforços internacionais de desenvolvimento. A "timidez" demonstrada no documento é até certo ponto compreensível, tanto pelo ineditismo da iniciativa como pelas muitas diferenças de interesses e percepções entre os quatro países. Entretanto, para que a iniciativa prospere e ganhe a dinâmica necessária para se constituir num fator determinante na reconfiguração da ordem global, será preciso que as respectivas lideranças nacionais se dêem conta do novo paradigma de relações 2
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internacionais que, de forma ainda incipiente, começa a emergir em meio às turbulências da presente crise sistêmica, e assumam a responsabilidade de catalisar essa histórica mudança de rumo planetária. Um dos principais fatores do novo paradigma é a recuperação da iniciativa e das capacidades e responsabilidades econômicas dos Estados nacionais soberanos, atribuições subtraídas pela "globalização" financeira e pela suposta hegemonia dos "mercados", considerados principais agentes e fins últimos dos processos econômicos. A Federação Russa tem proporcionado um considerável aporte a esse processo, sob a liderança do ex‐presidente e agora primeiro‐ministro Vladimir Putin, que teve o grande mérito de reunificar as elites russas em torno do propósito comum de reconstruir o Estado nacional e devolver à maioria da população a auto‐estima e a confiança no futuro, após a dilapidação promovida pelo catastrófico regime de Boris Yeltsin. Não por acaso, a despeito das numerosas críticas de que é alvo no Ocidente, principalmente na Europa e nos EUA (a maioria por ignorância histórica ou má‐fé), Putin encerrou o seu segundo mandato presidencial com índices de popularidade inigualados por qualquer líder das democracias ocidentais. É evidente que um item fundamental desse processo terá que ser uma profunda reforma do sistema financeiro internacional, a qual recoloque as finanças a serviço da economia real e deixe para trás as três décadas de desregulamentação e excessos especulativos que produziram a presente desordem global. O peso político e econômico dos "BRICs" pode ser um dos catalisadores da convocação de uma conferência internacional para a discussão de tal reforma e, embora o documento não mencione qualquer proposta concreta, o desdobramento da crise sistêmica nos próximos meses poderá levar novidades à mesa das discussões dos ministros da Fazenda do grupo, em novembro. Outro fator crucial, a consolidação de um ambiente de cooperação internacional para o enfrentamento dos cada vez mais complexos problemas de alcance global, irá depender fundamentalmente de uma ampla reforma no sistema das Nações Unidas, como reconhece o comunicado. Não obstante, é ilusório pensar que a mera admissão de novos membros permanentes no Conselho de Segurança trará uma grande contribuição, uma vez que o órgão não passa de uma relíquia da Guerra Fria e um dos símbolos de uma era de hegemonias cuja época já passou. Para tanto, será preciso criar novas estruturas mais sintonizadas com os presentes desafios globais, que, além de tudo, não acirrem ressentimentos regionais altamente contraproducentes, como os que seriam despertados pela simples inclusão de alguns "eleitos" ao Conselho existente. Sem pretender aprofundar a discussão, um outro fator para o qual os "BRICs" poderão desempenhar um papel fundamental é a troca da ideologia malthusiano‐ambientalista prevalecente nas últimas décadas por um sistema científico verdadeiramente capaz de proporcionar as bases para o progresso compartilhado de toda a Humanidade, com a definição de novas fontes de recursos naturais, a expansão da capacidade alimentícia de uma população crescente em números e exigências de consumo e o equacionamento racional das interações das 3
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atividades humanas com o meio ambiente. O caminho mais promissor para isso é oferecido pelo vasto cabedal científico desenvolvido na Rússia e na Ucrânia a partir da chamada escola biogeoquímica criada pelo grande cientista Vladimir I. Vernadski (1863‐1945), que proporciona as bases para a inevitável transformação da biosfera pela razão humana ‐ denominado noosfera por Vernadski. Um bom começo seria o estabelecimento de intercâmbios científicos e a tradução das obras da "escola de Vernadski", raramente publicadas fora da Rússia. Em síntese, a sinergia potencial dos "BRICs" poderá estender‐se a numerosas outras áreas e constituir de fato uma particularidade histórica, desde que brasileiros, russos, indianos e chineses se coloquem à altura das responsabilidades do momento. 4
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