Estudos
Setoriais de
Inovação
Setor Automotivo
AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL
DETERMINANTES DA ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO PARA INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA NOS SETORES INDUSTRIAIS NO BRASIL
SETOR AUTOMOTIVO
Pesquisadores:
Fernanda De Negri
Luiz Bahia
Lenita Turchi
João Alberto De Negri
Brasília, Dezembro de 2008
Sumário
1. DESCRIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA ......................................................................................... 2
2. O SETOR AUTOMOTIVO NA ÚLTIMA DÉCADA ............................................................................. 10
2.1. O CRESCIMENTO DOS BRICS E DA ÁSIA NO MERCADO INTERNACIONAL ............................... 10
2.2. Possibilidades de inserção nos sistemas de inovação ................................................ 14
do setor automotivo ............................................................................................................ 14
2.3. DESEMPENHO DO SETOR NO BRASIL: 1996 – 2008 ........................................................... 17
3. EMPRESAS LÍDERES NO SETOR AUTOMOTIVO .......................................................................... 29
3.1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS ............................................................................................. 30
4. INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO ................................... 36
4.1.INOVAÇÃO NUM SETOR DOMINADO POR TRANSNACIONAIS .................................................... 36
4.2. O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO ............................................ 40
4.3. A PARTICIPAÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS......................................................................... 44
5. INOVAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS FIRMAS COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO ....................................... 47
5.1. INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO ................................................................. 47
5.2. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ............................................................................................ 54
5.3. INTERAÇÃO COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO ....................................................................... 61
5.4. PERSPECTIVAS PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL ................................................. 70
6. FINANCIAMENTO AO INVESTIMENTO ........................................................................................ 73
7. INOVAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO
NA ÓTICA DO EMPRESARIADO .................................................................................................... 77
7.1. PERCEPÇÃO DOS EMPRESÁRIOS SOBRE AS INOVAÇÕES NO SETOR AUTOMOTIVO ................ 77
7.2. ESTRATÉGIAS OU MECANISMOS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO PARA INOVAR ........... 80
7.3. A INOVAÇÃO NA AGENDA DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS ............................................ 85
8. OPORTUNIDADES TECNOLÓGICAS .......................................................................................... 87
9. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA ............................................................................. 91
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 101
1
1. DESCRIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA
O setor automotivo tem inegável importância na estrutura industrial brasileira. Ele é um
dos maiores setores da indústria, representando cerca de 10% do faturamento e 6% do
emprego na indústria de transformação. Devido aos seus encadeamentos, é um setor
cujo desempenho pode afetar significativamente a produção de vários outros setores
industriais.
A figura 1 delimita os sub-setores ou divisões que compõem o setor automotivo1. As setas
representam fluxos monetários dos setores de origem (vendedores) para os de destino
(compradores). Os elementos dentro da caixa em azul representam as divisões da cadeia
produtiva automotiva que serão o objeto de análise deste trabalho. Elementos exteriores a
essa caixa representam cadeias produtivas ou setores externos2.
A figura destaca os principais elementos de ligação dentro da cadeia e com outros setores
e cadeias produtivas, por meio dos fluxos monetários entre cada uma das divisões e
setores representados.
Nas relações dentro da própria cadeia automotiva, como era de se esperar, o setor de
autopeças (peças e acessórios) tem um papel central como o principal fornecedor dos
segmentos finais da cadeia: automóveis e caminhões. Em 2005, o setor de autopeças
forneceu mais de R$ 15 bilhões para as montadoras de automóveis e utilitários e mais de
R$ 6,5 bilhões para a fabricação de caminhões. As trocas inter-setoriais entre Cabines e
Automóveis também se destacam nessa cadeia produtiva.
Fora da cadeia automotiva propriamente dita, destacam-se o setor de aços e derivados,
máquinas e equipamentos, material eletrônico, produtos de metal e artigos de borracha e
plástico. O setor de aço e derivados representa um dos insumos mais importantes para
todos os sub-setores da cadeia automotiva, especialmente para autopeças.
A importância dos elos fora da cadeia automotiva se evidencia pelo valor dos seus
fornecimentos ao setor. As montadoras de automóveis, por exemplo, compraram, em
2005, cerca de R$16 bilhões em componentes de fornecedores de fora da cadeia, ao
1
Essa análise foi possível pela construção, especificamente para este trabalho, de uma matriz insumoproduto para os setores analisados, em 2005.
2
Algumas setas foram representadas em traços diferentes, apenas para propiciar uma melhor visualização.
2
passo que compraram cerca de R$ 17 bilhões de fornecedores de autopeças e de
cabines, carrocerias e reboques. Os principais fornecedores foram os setores de artigos
de borracha e plástico e de aço e derivados. Para o sub-setor de autopeças, o valor dos
fornecimentos de fora da cadeia superou os R$ 13 bilhões.
Esses números explicam porque o setor tem impactos tão pronunciados sobre o nível de
atividade da indústria de transformação. De fato, o crescimento da produção nesse setor
pode, por meio de sua cadeia de fornecimento, impulsionar o crescimento de vários
outros setores da indústria.
3
FIGURA 1. CADEIA AUTOMOTIVA, TRANSAÇÕES INTER-SETORIAIS EM 2005 (R$ MILHÕES)
Artigos de
borracha e
plástico
Aparelhos e
materiais
elétricos
Produtos de metal
exclusive
máquinas
6351
3051
2704
4081
1041
Cabines,
carrocerias e
reboques
1528
1984
626
Máquinas
e
equipamentos,
inclusive
manutenção
15421
Peças
e
acessórios
Aços
e
Derivados
Automóveis,
caminhonetas e
utilitários
122
7782
50
40
Recond/ ou
recuperação
de motores
6509
Caminhões e
ônibus
500
Outros
equipamentos
de transporte
668
14
1456
1087
Material
eletrônico
e
equipamentos
Produtos
metal
exclusive
máquinas
de
-
Máquinas
e
equipamentos,
inclusive
manutenção
395
2955
Artigos de
borracha e
plástico
4
Vale destacar, também, a relevância dos fluxos intra-setoriais de fornecimento em
cada um dos sub-setores analisados. Especialmente no setor de autopeças – onde
as autopeças de 2º e 3º nível fornecem boa parte das peças e componentes para as
do 1º nível (sistemistas) – as relações de compra e venda entre as próprias
empresas de autopeças são muito significativas.
A jusante, a principal conexão dessa cadeia produtiva com outras são as vendas
para os setores de Máquinas e equipamentos e para Outros equipamentos de
transporte.
A tabela 1 decompõe a demanda final das divisões do setor automotivo em 4
categorias: exportações, consumo das famílias, formação bruta de capital fixo
(investimento) e outras demandas (consumo do governo e variação de estoques).
A demanda intermediária, por sua vez, corresponde à demanda por produtos do
setor automotivo de todos os outros setores produtivos da economia.
TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DAS VENDAS SETORIAIS, POR CATEGORIA DA DEMANDA FINAL
E INTERMEDIÁRIA (% DAS VENDAS TOTAIS DO SETOR, 2005)
Demanda Final (% do total)
Consumo Formação
Divisões do setor
automotivo
Exportações
das
bruta
(1)
famílias
de capital
(2)
fixo (3)
Demanda
Outras
Demandas
(4)
Total
Intermediária
(1+2+3+4)
(% do total)
Automóveis,
caminhonetas e
21,1
51,9
20,3
1,2
94,5
5,5
31,9
3,2
51,4
2,6
89,0
11,0
8,9
1,8
2,0
2,4
15,2
84,8
12,0
1,7
2,0
2,3
18,1
81,9
1,8
1,9
2,2
2,6
8,5
91,5
utilitários
Caminhões e ônibus
Peças e acessórios para
veículos automotores
Cabines, carrocerias e
reboques
Recond. ou rec. de
motores para veículos
automotores
Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.
Os números revelam uma heterogeneidade importante na composição das vendas
dos setores. Automóveis é principalmente demandado pelo consumo interno das
famílias (51,9% das vendas), pelas exportações (21,1%) e pelo investimento
(20,3%). O sub-setor Caminhões tem sua demanda concentrada em investimento
(51,4%) e exportações (31,9%).
Por outro lado, para as outras três divisões, a demanda intermediária (consumo dos
setores produtivos) é o principal componente das vendas.
A relevância do setor e de seus efeitos de encadeamento no restante da economia
– visualizada na figura 1 – pode ser mensurada por meio do multiplicador simples
da produção. O multiplicador nos diz qual o efeito, na produção total da economia,
derivado de um aumento na demanda final do setor analisado. Ele é dividido em
dois componentes: o direto e o indireto. O multiplicador direto mede o impacto sobre
os setores que são fornecedores diretos do setor analisado, enquanto o
multiplicador indireto nos dá o impacto nos demais setores da economia.
A tabela 2 apresenta os multiplicadores simples de produção para os 5 sub-setores
do setor automotivo. Os números revelam uma hierarquia bem definida nessa
cadeia produtiva. Automóveis e Caminhões possuem o maior efeito multiplicador na
economia: 3,76 e 3,60, respectivamente. Isso significa que cada Real de aumento
na demanda final de automóveis leva a uma ampliação de R$ 3,76 reais na
produção dos demais setores da economia. Para esses dois sub-setores,
prepondera o efeito indireto (71,4% e 70,3% do total do efeito multiplicador), o que
indica uma repercussão muito significativa em todos os demais setores econômicos,
e não apenas naqueles que, como autopeças, fornecem diretamente ao setor.
Esses resultados expressam muito bem o efeito dinamizador que o aumento da
produção do setor automotivo pode ter sobre toda a atividade econômica do país.
Peças e acessórios são um elemento de insumo significativo na cadeia produtiva do
setor, com um componente direto do multiplicador (42,1%) relativamente superior a
Automóveis e Caminhões. Isso indica um componente intra-setorial mais intenso
dos efeitos multiplicadores, destacando um componente de inter-relações
produtivas entre as próprias firmas do setor.
O setor de Cabines é um elemento importante na cadeia automotiva, tanto como
demandante como ofertante de insumos. Na sua inserção na economia brasileira, o
multiplicador indica um efeito similar ao de Peças, mas com uma composição
indireta relativamente maior. Por fim, o setor de Recondicionamento apresenta o
menor multiplicador de produção entre os setores da cadeia, indicando uma
6
inserção relativamente menos importante na estrutura setorial da economia
brasileira.
TABELA 2. MULTIPLICADOR SIMPLES DE PRODUÇÃO NOS SETORES AUTOMOTIVOS
SELECIONADOS (2005)
Multiplicador Simples de Produção
Automóveis, caminhonetas
e utilitários
Caminhões e ônibus
Peças e acessórios para
veículos automotores
Cabines,
carrocerias
e
reboques
Recond. ou rec. de motores
para veículos automotores
Participação no mult. (%)
Direto
Indireto
(A/Total)
(B/Total)
2,69
28,6
71,4
1,07
2,53
29,7
70,3
3,17
1,33
1,84
42,1
57,9
3,06
1,04
2,01
34,2
65,8
2,35
1,00
1,35
42,7
57,3
Total (A+B)
Direto (A)
Indireto (B)
3,76
1,08
3,60
Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.
Em termos de emprego, o setor automotivo não é um setor intensivo em mão-deobra, fato já evidenciado por sua participação no emprego industrial menor do que
sua participação nas vendas da indústria brasileira. Alguns sub-setores, como
recondicionamento e autopeças são mais intensivos em mão-de-obra do que os
demais (tabela 3).
Entretanto, este é um setor que emprega relativamente mais mão-de-obra
qualificada que os demais setores da economia.
A tabela 3 mostra a relação entre empregos e produção, ou seja, número de
empregos para cada R$ 1 milhão produzido por cada segmento do setor
automotivo. Os números de emprego por setor foram divididos de acordo com a
qualificação (educação) dos trabalhadores em: nível superior, nível médio e baixa
escolaridade (ensino fundamental).
Os dados revelam a predominância das ocupações de nível baixo em
Recondicionamento, e a maior participação dos níveis superior e médio em
Automóveis e Caminhões. Para Peças e Cabines predominam os níveis médio e
baixo.
7
TABELA 3. COEFICIENTES SETORIAIS DE EMPREGO - 2005
Coeficiente de emprego
Sub-setor do setor
automotivo
(Ocupações/Valor Produção em milhões de reais)
Total
Superior
Médio
Baixo
utilitários
1,39
0,31
0,59
0,50
Caminhões e ônibus
1,28
0,42
0,62
0,24
automotores
4,90
0,47
2,13
2,30
Cabines, carrocerias e reboques
6,21
0,79
3,63
1,79
23,58
0,69
10,25
12,64
Automóveis, caminhonetas e
Peças e acessórios para veículos
Recond. ou rec. de motores para
veículos automotores
Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.
Apesar de não ser um setor intensivo em mão-de-obra, assim como na produção,
os efeitos multiplicadores do setor em termos de emprego não são desprezíveis. Os
multiplicadores de emprego (tabela 4) representam, para cada setor, a capacidade
de geração e propagação de empregos na economia decorrente da expansão da
produção (ou demanda) dos seus produtos. Assim, eles indicam quais setores
possuem capacidade relativamente maior de geração de emprego na economia,
tanto em termos totais como por qualificação (nível educacional) da mão-de-obra.
TABELA 4. MULTIPLICADOR SIMPLES DE EMPREGO NOS SETORES AUTOMOTIVOS
SELECIONADOS (OCUPAÇÕES/R$ MILHÕES , 2005)
Multiplicador Simples de Emprego
(ocupações/R$ milhões)
Sub-setor do setor automotivo
Total
Superior
Médio
Baixo
(A+B+C)
(A)
(B)
(C)
Automóveis, caminhonetas e utilitários
25,21
3,49
10,18
11,52
Caminhões e ônibus
22,81
3,34
9,38
10,08
Peças e acessórios para veículos automotores
22,63
2,81
9,18
10,64
Cabines, carrocerias e reboques
22,59
2,87
10,12
9,60
35,01
2,26
14,82
17,93
Recond. ou rec. de motores para veículos
automotores
Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.
8
O sub-setor, montagem de automóveis possue um efeito multiplicador de 25,21 na
economia. Em outras palavras, para cada 1 milhão de reais de produção, o setor
gera 25 empregos diretos e indiretos na economia. Destes empregos, 3,49 são de
educação superior (14%) e 10,18 são de nível médio (40%). Números similares são
obtidos para Caminhões e Peças.
Os demais sub-setores tem um efeito multiplicador similar, concentrado, entretanto,
em postos de trabalho de menor qualificação.
Em síntese, além de apresentar detalhadamente a estrutura do setor automotivo
que será o foco desse trabalho, esta seção procurou evidenciar a relevância do
setor em termos de seus impactos sobre o conjunto da economia brasileira.
Tanto em termos de emprego, especialmente emprego qualificado, quanto em
termos de produção o setor automotivo tem um potencial dinamizador
extremamente significativo sobre a atividade econômica do país. Isso é ainda mais
significativo no caso dos segmentos finais da cadeia automotiva, fabricação de
automóveis e de caminhões e ônibus.
Esses segmentos, embora sejam menos intensivos em mão-de-obra, em virtude de
seus encadeamentos intra e inter-setoriais, possuem um potencial multiplicador de
emprego muito similar aos segmentos da cadeia que são muito mais intensivos em
mão-de-obra.
9
2. O SETOR AUTOMOTIVO NA ÚLTIMA DÉCADA
2.1. O CRESCIMENTO DOS BRICS E DA ÁSIA NO MERCADO INTERNACIONAL
Esta seção procura mostrar algumas das principais mudanças ocorridas no setor
automotivo mundial na última década a fim de avaliar quais as perspectivas e as
possibilidades do Brasil nesse novo cenário.
Do ponto de vista da organização da produção ao redor do mundo, a década de 90
foi marcada pela saturação e pelo acirramento da concorrência (Almeida et. al,
2006) nos mercados desenvolvidos. Esses mercados já alcançaram um nível de
maturidade no qual a relação de habitantes por veículo pode ser considerada
relativamente estável. Isso reduziu significativamente, as possibilidades de
crescimento da demanda nesses países.
Como conseqüência do acirramento da concorrência, ampliou-se a capacidade
ociosa no setor automotivo ao mesmo tempo em que se observou uma redução da
rentabilidade desse setor nos países centrais.
A resposta do setor a essa conjuntura foi um intenso processo de reestruturação
produtiva, marcado pelo aumento dos investimentos nos países emergentes. De
fato, alguns autores têm chamado a atenção para uma nova onda de
internacionalização das empresas do setor (Salerno, Marx e Zilbovicius, 2003;
Carvalho, 2004). No Brasil, essa onda de internacionalização se refletiu na entrada
de várias novas empresas no setor na segunda metade da década de 90.
Carvalho (2004, 2005), por exemplo, também destaca o papel cada vez mais
relevante desempenhado pelas subsidiárias das grandes multinacionais do setor e
pelo IDE (Investimento Direto Esterno). Esse movimento estaria sendo reforçado
pela ampliação dos fluxos de comércio intra-firma e pela emergência de alianças e
joint ventures entre as empresas do setor.
A produção mundial de veículos cresceu muito pouco entre 1998 e 2002, passando
de 53 milhões de veículos para cerca de 59 milhões. Depois de 2003, a produção
mundial passou a acelerar substancialmente. Entre 2003 e 2007, a produção
mundial de automóveis cresceu em aproximadamente 13 milhões de unidades. A
China foi responsável pelo aumento de 4 milhões de unidades na produção
10
mundial, seguida pelo Japão com um aumento da produção da ordem de 1,4 milhão
de unidades. Brasil e Índia também foram mercados que contribuíram de forma
significativa para esse crescimento. A produção, nos dois países, aumentou mais de
100%, em aproximadamente 1,1 milhão de unidades cada um, entre 2003 e 2007.
GRÁFICO 1. PRODUÇÃO MUNDIAL DE VEÍCULOS (MILHÕES DE UNIDADES): 1999 A 2007.
80
73,2
Milhões de unidades
70
60
64,5
53,0
56,3
58,4
56,3
59,0
60,7
2002
2003
66,5
69,2
50
40
30
20
1998
1999
2000
2001
2004
2005
2006
2007
Fonte: Organização Internacional de Montadores de Automóveis (OICA).
Entre os mercados maduros, o Japão e a Coréia do Sul foram os que apresentaram
melhor desempenho. Nos Estados Unidos, por outro lado, a produção de veículos
vem declinando consistentemente nos últimos 10 anos. Entre 1998 e 2007, a
produção norte-americana caiu de mais de 13 milhões de veículos para menos de
11 milhões.
Esses números mostram uma das principais tendências do setor automotivo
mundial nos últimos anos: o aumento da importância dos países emergentes –
especialmente China, Brasil e Índia – na produção mundial. O gráfico abaixo mostra
o aumento da participação dos BRICS no mercado mundial de veículos entre 1999
e 2007.
Os BRICs representavam cerca de 9% da produção mundial de veículos em 1999 e,
em 2007, já alcançaram uma participação de 23%. Em termos absolutos, o
crescimento da participação dos BRICs na produção mundial de automóveis se
deve, preponderantemente, ao crescimento da participação chinesa no mercado
mundial, que passou de 3,2% em 1999 para 12% em 2007. Obviamente, o tamanho
11
absoluto do mercado chinês desempenha um papel decisivo nesse processo. Dos
BRICs, o único país que parece não estar acompanhando tão fortemente esse
processo de crescimento é a Rússia, cuja participação na produção mundial de
veículos ficou praticamente estabilizada em pouco mais de 2% durante todo o
período.
GRÁFICO 2. PARTICIPAÇÃO (%) DAS PRINCIPAIS REGIÕES NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE
VEÍCULOS: 1999 A 2007.
100%
3%
90%
8%
24%
80%
23%
70%
60%
%
21%
31%
50%
40%
9%
21%
33%
27%
30%
20%
10%
0%
1999
Europa
2000
2001
2002
2003
BRIC
América do Norte
2004
2005
2006
Ásia (exceto China e Índia)
2007
Outros
Fonte: Organização Internacional de Montadores de Automóveis (OICA).
O Brasil aumentou de 2,4% para 4% sua participação na produção mundial e,
atualmente é o sexto maior produtor de veículos automotores, atrás de Japão, EUA,
China, Alemanha e Coréia do Sul. Na mesma posição do Brasil também está a
França.
O gráfico acima também mostra que a produção mundial está distribuída de forma
muito mais equilibrada entre as principais regiões produtoras (tomando-se o
conjunto dos BRICs como uma região). América do Norte e Europa perderam
participação significativa no mercado mundial de automóveis nos últimos anos,
especialmente a América do Norte, cuja participação na produção mundial caiu de
mais de 30% para cerca de 20%.
Essa perda de participação norte-americana no setor automotivo se reflete no
desempenho das duas maiores montadoras do país. Tanto a GM quanto a Ford
perderam market share no mercado mundial nos últimos anos. Em 1998, as
12
montadoras norte-americanas ainda eram as duas primeiras no ranking da
produção mundial de automóveis. Em 2007, a Toyota assumiu a primeira posição e
a Honda entrou na lista das 5 maiores.
TABELA 5. PRINCIPAIS EMPRESAS MONTADORAS E PARTICIPAÇÃO % NA
PRODUÇÃO MUNDIAL DE VEÍCULOS: 1998 E 2007.
1998
Posição
Empresa
2007
Part. %
Empresa
Part. %
1
GM
14,31% Toyota
13,01%
2
Ford
12,37% GM
12,95%
3
Toyota-Daihatsu
9,83% Volkswagen
8,68%
4
Volkswagen
9,08% Ford
8,66%
5
DaimlerChrysler
8,52% Honda
5,42%
6
Fiat
5,09% PSA Peugeot
4,79%
Fonte: Organização Internacional de Construtores de Automóveis (OICA).
As montadoras japonesas começaram a ganhar market share no mercado mundial
de forma significativa já durante os anos 80. Nesse período, introduziram uma série
de novas técnicas na produção de automóveis (produção flexível, just in time etc..) e
mostraram-se muito mais produtivas do que as montadoras norte-americanas e
européias.
Nos últimos anos, vários autores têm destacado a diminuição dos diferenciais
competitivos entre as montadoras mais importantes, especialmente a redução dos
gaps de produtividade e qualidade entre as montadoras japonesas e as ocidentais.
A despeito disso, os indicadores apresentados mostram que as montadoras
japonesas continuam ganhando mercado das ocidentais, especialmente das norteamericanas.
Outra tendência revelada nesta tabela é que o mercado mundial vem se tornando
menos concentrado. Em 1998, as cinco maiores montadoras detinham 54% da
produção mundial de veículos e, em 2007, a fatia de mercado das cinco maiores
caiu para 48,7%.
13
2.2. Possibilidades de inserção nos sistemas de inovação
do setor automotivo
Além da reorganização global da produção, também vem ocorrendo mudanças
importantes do ponto de vista das estratégias competitivas e da organização interna
da produção no setor. Essas mudanças têm especial relevância do ponto de vista
do processo de desenvolvimento de produtos e de como países como o Brasil
podem se ligar ao processo de inovação do setor em nível mundial.
Durante os anos 80 e 90, o setor passou por um processo muito amplo de
reestruturação derivado, em grande medida, da necessidade de se adequar aos
padrões de eficiência estabelecidos pelas montadoras japonesas. A chamada
“produção enxuta”, conceito introduzido pelas japonesas, passou a ser o padrão
dominante na produção do setor. A reestruturação do setor, durante esse período,
implicou a adoção de técnicas relacionadas com a produção enxuta, como o just in
time, a qualidade total, certificações etc, que contribuíram para o aumento da
produtividade naquele período.
Outra tendência observada nos últimos anos é o aumento no número de modelos
de automóveis (Biesebroeck, 2006), derivada de pressões de demanda por
produtos cada vez mais diferenciados e adequados às necessidades de diferentes
consumidores3. Alguns autores argumentam que isso tem tido impactos negativos
sobre a produtividade do setor, pois o maior número de modelos reduz o volume de
produção de cada um e dificulta a obtenção de economias de escala.
Esse movimento de diversificação de produtos é exatamente o oposto do que
preconizava o conceito original de “produto global” ou de “carro mundial”. A
concepção
de
“carro
mundial”
supunha
que
haveria
uma
crescente
homogeneização de gostos e preferências dos consumidores em vários países, o
que abriria espaço para a fabricação de um único produto, destinado aos vários
mercados. Fabricar um “produto global” teria óbvias vantagens em termos de
ganhos de escala e redução de custos de produção.
3
Biesebroeck (2006) mostra que, entre 1974 e 2004, o número de modelos de carros e utilitários
leves à venda na América do Norte cresceu de 185 para 320.
14
Entretanto, diferenças culturais e especialmente, de renda, entre os países
tornaram muito difícil, ou mesmo inviável, que um produto projetado para um
mercado específico possa ser comercializado, sem adaptações, em todos os outros
mercados. Atualmente, segundo Dias (2003) o conceito de “carro mundial” está
mais relacionado com um produto fabricado e comercializado em várias partes do
mundo, mas no qual podem ser realizadas modificações e adaptações aos gostos e
condições locais.
Para aliar baixos custos de produção com uma maior diversidade de produtos
oferecidos aos consumidores, a estratégia adotada pelas empresas do setor tem
sido a de padronizar algumas partes centrais do automóvel e diferenciar outras por
meio do projeto em plataformas ou do projeto modular (Dias, 2003).
De fato, uma das estratégias adotadas pelas montadoras para lidar com a
proliferação no número de modelos é produzir vários modelos em uma mesma
plataforma. Uma plataforma pode ser definida como um conjunto de componentes
comuns presentes em vários produtos distintos. Esses componentes podem variar
segundo a empresa, mas de modo geral, a plataforma é constituída pela parte
inferior do veículo, motor, caixas de câmbio, sistemas de suspensão e de freios
(Bélis-Bergouignan e Lung, 19954).
Essa estratégia contribui para reduzir a perda de produtividade ocasionada pelo
aumento no número de modelos, devido aos ganhos de escala no processo
produtivo e também no desenvolvimento dos produtos. Por outro lado, ela amplia a
complexidade do processo de produção e de desenvolvimento.
De forma similar ao conceito de plataforma mundial, o projeto modular também tem
sido utilizado como uma das estratégias do setor para fazer frente ao aumento na
gama de produtos. Módulos são conjuntos de componentes que podem ser
separados ‘naturalmente’ sem que a integridade do produto final seja comprometida
(Baldwin e Clark, 1997). A separação entre os módulos pode ocorrer tanto para fins
de produção quanto para o desenvolvimento dos produtos.
Segundo Dias (2003) “a independência entre os módulos faz com que seja possível
projetá-los em lugares distintos, por diferentes equipes, desde que haja um
mecanismo de coordenação que garanta a integridade do produto final”.
4
Apud Dias (2003)
15
Outro fenômeno relevante no setor, em nível mundial, é a crescente participação
dos fornecedores no processo de desenvolvimento de produtos e na produção do
setor automotivo, de modo geral.
Qualquer que seja a estratégia adotada pelas montadoras para reduzir custos em
face à diversificação da produção, os fornecedores, especialmente os de primeiro
nível, aparecem como peças centrais, participando cada vez mais intensamente do
desenvolvimento de novos produtos.
De fato, o surgimento da estratégia de “projeto modular”, na segunda metade dos
anos 90, transformou substancialmente a relação entre montadoras e fornecedores.
As montadoras, ao introduzir um novo nível hierárquico na cadeia, formado pelos
chamados sistemistas, lograram reduzir o número de fornecedores de 500 para algo
em torno de 150 (Salerno et. all., 2002). Os sistemistas seriam os responsáveis por
fornecer subconjuntos ou módulos completos e interdependentes para as
montadoras.
Nesse
sentido,
os
fornecedores
também
ampliaram
sua
responsabilidade no desenvolvimento dos novos modelos e ampliaram sua
participação na geração de valor dentro do setor.
Segundo
Salerno,
et.
all.
(2002)
as
novas
estratégias
de
produção
e
desenvolvimento buscam “compartilhar custos de desenvolvimento de produtos, via
sua produção em diversos países, com a crescente integração de fornecedores de
primeiro nível já nas primeiras fases de detalhamento de projetos”. De fato,
Biesebroeck (2006) também identificou o crescimento da participação do setor de
autopeças no valor adicionado pelo setor automotivo.
Em síntese, se por um lado, a estratégia de produção de um “carro mundial” parecia
conduzir o processo de desenvolvimento de produtos a uma centralização nos
países centrais, a estratégia “plataforma mundial” e, principalmente, as estratégias
de projeto modular, parecem abrir novas possibilidades de inserção das subsidiárias
nos processos de inovação das matrizes. Segundo Dias (2003) “a modificação do
conceito de produto global, e sua aplicação diferente aos diferentes segmentos de
mercado podem gerar estruturas de desenvolvimento de produtos descentralizadas,
porém integradas e, portanto, mais complexas”.
Essas novas formas de organização da produção e de desenvolvimento de
produtos parecem constituir uma importante “janela de oportunidade” para as filiais
16
das grandes empresas do setor em termos de participação nos processos de P&D
empreendidos por essas empresas em nível mundial.
Da mesma forma, o fracasso do conceito puro de “carro mundial” e a constante
necessidade de adaptações dos produtos a mercados específicos contribuem para
que seja necessária a descentralização de pelo menos uma parte das atividades de
P&D das montadoras em direção aos países onde os produtos serão
comercializados.
2.3. DESEMPENHO DO SETOR NO BRASIL: 1996 – 2008
Durante o período do regime automotivo5 e, em grande medida, como resultado
dele, a indústria automotiva brasileira realizou grandes investimentos na ampliação
de sua capacidade produtiva. Segundo Almeida et. all. (200X), a retomada dos
investimentos do setor na segunda metade dos anos 90 esteve relacionada, não
apenas com o Regime Automotivo, mas também com a integração com a Argentina,
que possibilitou às empresas se aproveitarem do comércio intra-firma e ganharem
escala de produção.
Estima-se que, entre 95 e 98 as empresas do setor investiram, em média, US$ 2,12
bilhões ao ano. De fato, durante o período de vigência do Regime Automotivo
estavam previstos US$ 14,8 bilhões de investimentos das montadoras amparados
pelos incentivos do regime.
Uma parte dos investimentos realizados foi feita pelos novos competidores no
mercado brasileiro, cuja entrada ocorreu tanto em resposta aos incentivos do
Regime Automotivo quanto em virtude da nova onda de internacionalização do setor
em busca dos mercados emergentes. Durante este período, montadoras como
Renault, Peugeot, Chrysler, entre outras (tabela 6), instalaram novas plantas
produtivas no país.
A tabela 6 apresenta um resumo dos principais compromissos de investimentos até
o ano 2000. Grande parte das inversões foi feita pelas 4 montadoras já instaladas
no Brasil, o que demonstra o esforço dessas firmas para manter posição
competitiva frente às novas montadoras e frente ao aumento da concorrência. A
5
Ver no anexo 1 as políticas públicas para o setor automobilístico na década de 1990
17
estratégia das firmas já instaladas é garantir as vantagens competitivas sobre os
novos entrantes através das economias de escala e da expansão da produção.
Neste sentido, os investimentos que tinham sido previstos tinham o objetivo
atualizar os produtos já ofertados e ampliar a variedade de modelos, tendo como
base os carros populares e de tamanho médios, sem perder economias de escala.
TABELA 6. INVESTIMENTOS PREVISTOS NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL SOB
OS INCENTIVOS DO REGIME AUTOMOTIVO – 1996/99
Montadora
Investimento
(Milhões)
Produção
início
modelo
local
/Ano
Audi
500
60 mil
98/99
Vento / A3
S.J. dos Pinhais/PR
Volkswagen
250
nd
98/99
Golf
nd
Volkswagen
250
40 mil
96/97
Caminhões / Ônibus
Rezende/RJ
Volkswagen
3000
nd
nd
(Ampliação, fábricas e novos
produtos)
General Motors
3000
nd
nd
(Nova fábrica, novos
produtos, modernização)
General Motors
Fiat
600
150 mil
98/99
Mini Corsa
2500
750 mil
nd
(Ampliação, modernização,
Gravataí/RS
fábricas e novos produtos)
Fiat / Iveco
Ford
120
nd
98
Caminhões
3000
nd
nd
(Ampliação, modernização,
Brasil
fábricas e novos produtos)
Renault
1000
75 mil
98/99
Mégane
S.J. dos Pinhais/PR
Toyota
500
100 mil
98/99
Corolla
Indaiatuba/SP
Mercedez-Benz
400
80 mil
98
Classe A
Juiz de Fora/MG
Mercedez-Benz
nd
nd
nd
Caminhões / Ônibus
(modernização, novos
produtos)
Honda
600
30 mil
97
Civic
Sumaré/SP
Peugeot
400
30 mil
nd
nd
Pouso Alegre/MG
Mitsubish
150
30 mil
nd
L200
nd
Chrysler
315
12 mil
98
Dakota / Neon
Campo Largo/PR
Chrysler / BMW
500
nd
nd
200 mil motores/ano
Brasil
BMW / Rover
150
20 mil
97
Defender
Minas Gerais
Hyundai
700
100 mil
99
Accent
nd
Asia
400
60 mil
99
Towner / Topic
Bahia
Skoda
150
10 mil
98
Caminhões
Santa Catarina
21.320
1.547 mil
Total
Fonte - Banco de dados sobre indústria automobilística DIPPP/IPEA
18
As estratégias dos novos entrantes foram caracterizadas por um volume pequeno
de investimentos. Esta estratégia é a mais adequada para as firmas que ainda não
estabeleceram suas redes de fornecedores e distribuidores e possuem pouca
experiência na produção local. Desta maneira, o processo de aprendizado ocorre
sem os riscos dos grandes investimentos.
TABELA 7. INDICADORES DE CONCENTRAÇÃO NA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA
BRASILEIRA: 1996 A 2005.
Ano
Automóveis
CR4
HHI
Caminhões e
ônibus
CR4
Cabines,
carrocerias e
Autopeças
reboques
HHI
CR4
HHI
CR4
HHI
1996
0,99
0,25
0,90
0,33
0,47
0,07
0,13
0,01
1997
0,98
0,25
0,90
0,31
0,47
0,07
0,16
0,02
1998
0,95
0,23
0,92
0,37
0,49
0,08
0,18
0,02
1999
0,91
0,22
0,93
0,37
0,51
0,09
0,17
0,02
2000
0,87
0,21
0,95
0,35
0,53
0,10
0,16
0,02
2001
0,87
0,21
0,83
0,26
0,53
0,09
0,17
0,02
2002
0,83
0,19
0,81
0,25
0,51
0,13
0,19
0,02
2003
0,79
0,17
0,81
0,25
0,48
0,08
0,19
0,02
2004
0,76
0,16
0,87
0,26
0,44
0,08
0,20
0,02
2005
0,75
0,16
0,91
0,28
0,48
0,08
0,18
0,02
Fonte: Pesquisa Industrial Anual (PIA – IBGE).
Qualquer que fosse sua estratégia de entrada no mercado brasileiro, ao longo dos
últimos anos, a presença de um maior número de montadoras contribuiu para
reduzir, de forma expressiva, a concentração no setor montador. A 0 apresenta dois
indicadores de concentração: o CR4, que mede a participação das 4 maiores
empresas no valor bruto da produção do setor e o HHI, que é um índice clássico de
concentração industrial que vai de 1 (concentração total) até 1/n, onde n é o número
de empresas no setor (produção igualmente distribuída entre todas as empresas).
19
A análise dos indicadores acima mostra uma expressiva redução da concentração
no setor de automóveis entre 1996 e 2005. Em 1996, as 4 maiores empresas
montadoras de automóveis detinham 99% do valor bruto da produção no setor
montador. Dez anos depois, a participação das 4 maiores caiu para 75% do valor da
produção, evidenciando o ganho de participação dos novos entrantes e o aumento
da concorrência no setor. Na fabricação de caminhões e ônibus, os indicadores de
concentração oscilaram bastante no período e, em 2005, estavam muito próximos
aos níveis de 1996. O mesmo aconteceu com cabines e carrocerias.
O setor de autopeças, por sua vez, viveu um movimento oposto ao de fabricação de
automóveis. Houve, no período, um movimento de concentração de mercado
expresso pela participação das 4 maiores na produção do setor, que saltou de 13%
em 1996 para 18% em 2005. O HHI capta essa mudança de forma muito menos
pronunciada em virtude do elevado número de empresas no setor. De fato, a
produção no setor de autopeças, a despeito da concentração recente, é muito mais
pulverizada do que no setor montador.
O desempenho do setor de autopeças vem sendo influenciado pelas estratégias
das montadoras que procuram aproximar a produção doméstica dos padrões
internacionais de qualidade e custos. Os investimentos das montadoras para
construção de novas plantas, com técnicas de produção mais modernas, exigem do
setor de autopeças capacitação, eficiência e maior participação no projeto e na
montagem dos veículos. Seguindo a tendência internacional, o padrão de produção
que surge a partir dos novos investimentos nos anos 90 altera de forma significativa
o relacionamento entre montadoras e fornecedores de peças e componentes.
Uma das principais características do relacionamento atual é a criação de uma elite
de fornecedores, chamados de primeiro nível, que passam a controlar a maior parte
do valor adicionado dentro da cadeia produtiva. Os fornecedores de primeiro nível
contratam outras firmas que anteriormente vendiam diretamente para as
montadoras. Cabe a eles manter programas de P&D e participar de processo de
desenho, desenvolvimento e teste de novos produtos. A contrapartida para esse
fornecedor preferencial é o envolvimento no estágio de concepção de novos
veículos e a prioridade no fornecimento para novas plantas. Esse processo reduz
drasticamente o número de fornecedores diretos.
20
Seguindo esse novo modelo de produção, a ampliação da capacidade de
montagem de veículos, ou a instalação de novas plantas em outros mercados
domésticos, é realizada com fornecedores globais que possuem grande escala de
produção, baixos custos e alta qualidade. Como a escolha desses fornecedores,
muitas vezes acontece fora do Brasil,
as
empresas
brasileiras
tiveram
desvantagens para acompanhar esse processo. As grandes empresas nacionais
que vinham trabalhando diretamente com as montadoras foram pressionadas a
realizar grandes investimentos para se adequar ao novo padrão de produção. O
acirramento da concorrência com a abertura internacional pressionou as margens
de lucro do setor para baixo e fragilizou financeiramente as empresas nacionais
dificultando a realização de novos investimentos. As firmas brasileiras passaram a
fornecer indiretamente através dos fornecedores de primeira linha ou foram
compradas por firmas multinacionais.
Essas razões explicam porque a concentração e a desnacionalização marcaram a
reestruturação na indústria de autopeças no período recente. O intenso processo de
fusões, aquisições (F&A) e joint ventures aumentou significativamente a escala de
produção e reestruturou a propriedade do capital das firmas. Grande parte dos
investimentos diretos externos (IDE) no setor de autopeças brasileiro foi realizado
através de F&A e associação entre empresas.
TABELA 8. PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NO FATURAMENTO DO SETOR
AUTOMOTIVO (%): 2000, 2003 2005.
Ano
Automóveis
Caminhões
Cabines
Autopeças
2000
99,8
95,4
1,5
66,4
2003
99,3
97,9
3,8
65,3
2005
97,4
98,3
6,4
64,1
Fonte: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC – IBGE).
Rodrigues (1998) verificou, entre 1994 e 1997, um forte aumento do market share
de empresas estrangeiras no universo das maiores empresas na indústria de
autopeças brasileira6. Em 1994, 45,35% das vendas domésticas eram realizadas
6
Segundo o BNDES (1996), das 60 maiores empresas mundiais do setor, pelo menos 34 já estavam
presentes no país no final de 1996. Essas empresas lideram os segmentos de direção, transmissão,
sistemas elétricos, eletrônica embarcada, freios e são representativas nos segmentos de eixos,
motores e rodas.
21
por firmas com controle acionário do capital nacional e, em 1997, a participação
dessas firmas caiu para 25,87%.
Esse movimento de desnacionalização, entretanto, parece ter se esgotado na
década de 90. A tabela 8 mostra que, entre 2000 e 2005, a participação estrangeira
– tanto no segmento de automóveis quanto em autopeças – apresentou, inclusive,
uma pequena redução.
Importante destacar também que há uma grande diversidade de produtos e
processos produtivos dentro da indústria de autopeças. As empresas são muito
diferentes em termos de tamanho, propriedade do capital e segmento de atuação.
Essa heterogeneidade explica porque, a despeito do movimento de concentração e
de ganhos de escala, ainda houve um aumento muito grande no número de
empresas no setor de autopeças na última década.
TABELA 9. NÚMERO DE EMPRESAS E FATURAMENTO MÉDIO NO SETOR AUTOMOTIVO:
1996-2006
(R$ mil de 2007)
Ano
Automóveis
N
Fat.
Caminhões
N
Fat.
Cabines
N
Autopeças
Fat.
N
Fat.
1996
16
3.284.251
12
965.373
539
7.565
906
23.187
1997
13
4.445.880
11
1.189.257
522
8.808
960
25.779
1998
12
4.308.539
10
1.250.036
595
8.176
1.052
22.564
1999
18
2.906.676
13
1.101.541
608
6.817
1.103
22.023
2000
17
3.307.011
10
1.377.233
619
8.617
1.162
24.683
2001
23
2.746.023
13
1.265.744
614
10.244
1.193
25.738
2002
26
2.768.265
15
1.191.205
693
9.003
1.443
25.587
2003
25
2.812.933
22
832.291
718
8.896
1.383
35.125
2004
40
1.743.004
14
1.326.653
727
10.009
1.413
37.412
2005
27
2.792.140
13
1.519.170
836
8.498
1.501
34.952
2006
32
2.512.085
15
1.254.209
724
9.847
1.601
31.056
Fonte: Pesquisa Industrial Anual (PIA – IBGE). Obs. Faturamento em R$ constantes de 2007,
deflacionado pelo IPA-OG de material de transporte.
A tabela 9 mostra que o faturamento médio das empresas do setor automotivo –
com exceção do segmento de automóveis, provavelmente em virtude da instalação
de novos concorrentes – aumentou entre 1996 e 2005, evidenciando os ganhos de
escala do setor. No segmento de autopeças, o aumento na escala média de
22
operação se deu paralelamente com a ampliação do número de firmas, o que
evidencia que o crescimento da produção total no setor foi ainda maior do que o
crescimento do número de empresas.
Essa onda de investimentos no setor baseou-se, também, na expectativa de um
expressivo crescimento da demanda interna, que só foi se materializar muito
recentemente. De fato, entre 1996 e 2003, a produção e as vendas de veículos no
Brasil ficaram praticamente estagnadas (gráfico 3). O desempenho do setor
começou a melhorar em 2004, fruto do crescimento econômico e do aumento da
renda da população e, mais recentemente, do aumento dos prazos de
financiamento para veículos.
De fato, várias tentativas de impulsionar a venda de automóveis por meio de
reduções de IPI foram feitas, durante o período considerado, entretanto sem muito
sucesso. A principal medida que, efetivamente, alavancou a venda de automóveis
nos últimos anos foi a flexibilização nos critérios de concessão de crédito, que
permitiu financiar um veículo em prazos maiores.
GRÁFICO 3. PRODUÇÃO ANUAL DE VEÍCULOS NO BRASIL, EM MILHÕES DE UNIDADES:
1990 A 2008*
3,00
2,68
2,39
Milhões
2,50
1,86
2,00
1,50
2,01 2,09
1,68
1,46
1,36
1,25
1,50 1,52
1,51
1,11
1,00
0,50
2008*
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
0,00
Fonte: Anfavea (IPEADATA). (*) Doze meses (agosto/07 - julho/08)
Entre 2003 e julho de 2008, a produção anual de automóveis no Brasil aumentou
em mais de 1 milhão de unidades impulsionada, em grande medida, pelo
aquecimento do mercado interno. Esse desempenho também proporcionou, como
23
vimos anteriormente, um crescimento da participação brasileira na produção
mundial de veículos.
Obviamente, o faturamento das empresas do setor acompanhou esse bom
desempenho da produção, passando de pouco mais de R$ 100 bilhões em 2000
para cerca de R$ 156 bilhões em 2006: um crescimento de 50%, em termos reais.
Embora a última Pesquisa Industrial Anual disponível seja a de 2006, os números
da ANFAVEA (gráfico 3) permitem afirmar que o faturamento deve ter continuado a
crescer nos últimos meses.
O faturamento do segmento de automóveis também cresceu cerca de 40%,
passando de R$ 56 bilhões para cerca de R$ 80 bilhões entre 2000 e 2006 e o
faturamento do segmento de caminhões e ônibus cresceu 37%.
Entretanto, o crescimento mais expressivo e que mais chama a atenção no gráfico
abaixo é o das autopeças. O faturamento total das autopeças cresceu mais de 70%
no período, de cerca de R$ 29 bilhões para um valor próximo a R$ 50 bilhões. Esse
crescimento explica porque, mesmo com o aumento do número de empresas, ainda
houve um ganho de escala das empresas do setor nos últimos anos.
Esse comportamento evidencia o aumento da participação das autopeças na
produção total do setor. Em 1996, o segmento de autopeças respondia por 25% do
valor bruto da produção no setor automotivo e, em 2006, essa participação subiu
para 35%. O mesmo se deu em termos de faturamento, onde a participação das
autopeças era 23% e subiu para 32% do faturamento em 2006.
A contrapartida foi uma redução da participação das montadoras na produção do
setor: o segmento de montagem de automóveis representava 59% do valor da
produção em 1996 e caiu para 49% em 2006.
Em linhas gerais, o aumento da importância do setor de autopeças na cadeia
produtiva de automóveis no Brasil corrobora e está alinhado com o movimento que
vem acontecendo em termos globais. De fato, o crescimento da participação do
setor de autopeças também é verificado por Biesebroeck (2006) em nível mundial.
Provavelmente, isso está relacionado com as novas estratégias das montadoras e
com as novas formas de organização da produção do setor, onde o papel dos
fornecedores – especialmente os de primeira linha – tem se tornado cada vem mais
relevante na geração de valor dentro da cadeia.
24
GRÁFICO 4. EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO TOTAL DO SETOR AUTOMOTIVO (R$ BILHÕES):
1996 A 2006.
Sub-setores R$ Bi
80
70
180
Automóveis
Caminhões
Autopeças
Total
160
140
60
120
50
100
40
80
30
60
20
40
10
20
-
Total R$ Bi
90
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: IBGE (Pesquisa Industrial Anual). Elaboração própria. Obs. Faturamento em R$ constantes
de 2007, deflacionado pelo IPA-OG de material de transporte.
A indústria automobilística compreende os setores de autopeças e montadoras,
ambos com elevadas economias de escala. Como conseqüência das economias de
escala a estrutura de mercado no caso das montadoras possui poucas firmas e,
apesar do setor de autopeças ter um número maior de firmas, ambos os setores
possuem uma estrutura oligopolista. Os padrões de competição dentro da indústria
são caracterizados pela oferta de produtos altamente diferenciados no mercado.
Além disso, grande parte do capital das firmas instaladas no mercado doméstico é
de origem externa o que torna o comércio internacional em grande medida
administrado dentro da firma e dentro da indústria7.
No período de 1996 a 2007, as exportações de veículos e autopeças conjuntamente
registraram taxa de expansão de cerca de 264%. No mesmo período, as
exportações brasileiras ampliaram aproximadamente 237%. Essa taxa de expansão
das exportações do setor automotivo superior à nacional se deveu ao forte aumento
7
Existe uma vasta literatura sobre o comércio intraindústria e intrafirma. Sobre esse assunto pode
ser consultado: Grubel H.G. & Lloyd,P.J. (1971); Helpman, E. (1981) Krugman, P. (1981); Lancaster,
K.(1980).
25
das vendas externas de veículos, que cresceram 475% no período. As exportações
de autopeças cresceram menos: 86% no período.
GRÁFICO 5. EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO DO COMPLEXO
AUTOMOTIVO (US$ BILHÕES): 1996-2008.
14
12
US$ bilhões
10
Exportação
Importação
Saldo
8
6
4
2
0
-2
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Fonte: MDIC-SECEX.
Entre 1996 e 2007, as importações do setor automotivo, por outro lado, cresceram
58%, impulsionadas especialmente pelo aumento nas compras de veículos (74%)
ao passo que as importações de autopeças cresceram 37%.
A tabela abaixo mostra a evolução do comércio exterior do complexo automotivo,
segundo a classificação adotada por este trabalho e expressa na descrição da
cadeia. Os dados foram agrupados em duas categorias: i) veículos, que contém os
segmentos de automóveis e de caminhões e ônibus e; ii) autopeças, que agrega o
segmento de autopeças, propriamente dito, e o de carrocerias e reboques.
Verifica-se, a partir da tabela, que a balança comercial de veículos foi deficitária até
1998, apresentando, após aquele ano, superávits crescentes até 2005. O saldo
comercial da balança de autopeças também apresentou crescimento no período
ainda que bastante inferior ao de veículos.
Vale destacar também que, desde 2002, o setor automotivo vem contribuindo de
forma expressiva para o saldo da balança comercial brasileira. O setor respondeu
por mais de 47% do saldo de 2002 e, nos últimos 5 anos, em média, por cerca de
17%.
26
TABELA 10. COMÉRCIO EXTERIOR DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO (VEÍCULOS E
AUTOPEÇAS): 1996 – 2007
US$ milhões
Ano
Veículos (Automóveis e Caminhões)
Exportação
Importação
Saldo
Autopeças (Cabines e autopeças)
Exportação
Importação
Saldo
1996
1.609
2.504
-895
1.905
1.901
4
1997
3.092
3.855
-763
2.192
2.060
132
1998
3.397
4.252
-855
2.210
1.919
291
1999
2.346
2.165
181
1.585
1.162
423
2000
3.137
2.248
889
1.689
1.225
464
2001
3.312
2.354
958
1.520
1.194
326
2002
3.448
1.393
2.055
1.558
1.151
407
2003
4.667
1.091
3.576
1.879
1.275
604
2004
6.102
1.098
5.004
2.622
1.777
845
2005
8.694
1.693
7.001
3.239
2.142
1.097
2006
9.121
2.856
6.265
3.874
2.155
1.719
2007
9.248
4.346
4.902
3.545
2.596
949
Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE.
Com relação aos mercados compradores de veículos e autopeças brasileiros, o
principal destaque é a Argentina. A exceção do período de crise econômica (de
2001 a 2003), de uma forma geral, a Argentina adquiriu no período de 1996 a 2007
mais de 25% dos produtos exportados pelo setor.
Destaque-se também, no período, a ampliação da participação de México – ainda
que venha se reduzindo nos últimos 5 anos –, Venezuela, Alemanha e África do
Sul. Estados Unidos, Itália e China destacam-se entre os mercados que reduziram a
participação nas exportações brasileiras do setor.
A tabela 11 mostra a evolução dos principais mercados compradores de produtos
do complexo automotivo brasileiro no período de 1996 a 2007. Utilizou-se o capítulo
87 da nomenclatura comum do Mercosul (NCM) para representar o setor.
Assim como é o principal mercado comprador, a Argentina também é o principal
fornecedor de produtos do complexo automotivo para o Brasil, no período estudado.
De forma geral, o Brasil adquiriu da Argentina mais de 30% do total importado do
setor. Outro importante mercado fornecedor é a Alemanha de quem o País adquire
normalmente mais de 10% das compras do setor. Cabe destacar também o
27
aumento da participação da China, México, Japão e França, embora estes dois
últimos venham perdendo participação nos últimos anos.
TABELA 11. PRINCIPAIS DESTINOS DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO SETOR
AUTOMOTIVO EM ANOS SELECIONADOS
%
País
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2007
41,0%
40,9%
27,3%
7,4%
24,3%
27,7%
31,3%
México
2,5%
5,1%
17,7%
25,2%
20,4%
16,3%
12,0%
Venezuela
2,2%
4,2%
3,2%
4,5%
4,1%
7,1%
10,6%
Alemanha
2,0%
3,6%
1,8%
1,6%
1,7%
5,8%
6,8%
11,9%
8,5%
16,6%
25,4%
13,0%
10,2%
6,7%
Chile
8,3%
4,0%
6,5%
5,6%
6,5%
5,6%
5,6%
África do Sul
2,4%
1,3%
1,6%
2,7%
3,6%
4,2%
4,0%
Itália
3,5%
8,3%
8,6%
1,8%
1,5%
1,2%
0,9%
China
2,7%
0,3%
0,3%
2,1%
1,3%
0,5%
0,3%
Outros
23,5%
23,7%
16,3%
23,7%
23,6%
21,5%
21,7%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
Argentina
Estados Unidos
Total
Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE.
TABELA 12. PRINCIPAIS PAÍSES FORNECEDORES DAS IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO
SETOR AUTOMOTIVO EM ANOS SELECIONADOS
%
País
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2007
Argentina
33,9%
46,4%
37,4%
31,2%
25,3%
34,3%
36,5%
Alemanha
14,7%
10,2%
12,7%
18,0%
15,0%
13,6%
11,9%
Japão
4,7%
7,8%
9,9%
11,0%
14,2%
10,9%
10,3%
México
5,1%
1,5%
1,4%
3,2%
1,2%
6,5%
7,3%
Estados Unidos
8,4%
8,4%
8,3%
8,0%
10,5%
8,7%
5,3%
França
2,2%
2,5%
5,7%
7,6%
7,5%
6,1%
4,9%
Coréia do Sul
4,3%
3,6%
4,2%
2,3%
0,8%
1,9%
4,5%
Itália
9,8%
6,3%
5,1%
4,7%
4,7%
3,0%
3,5%
China
0,6%
0,2%
0,3%
0,7%
1,5%
2,4%
2,9%
Outros
16,2%
13,0%
14,9%
13,3%
19,3%
12,7%
12,9%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
Total
Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE.
28
3. EMPRESAS LÍDERES NO SETOR AUTOMOTIVO8
O objetivo desta seção é caracterizar quem são as empresas líderes no setor e
compará-las com as demais empresas que fazem parte do complexo automotivo. A
divisão das empresas entre líderes, seguidoras, emergentes e frágeis9 parte do
pressuposto que há uma grande heterogeneidade entre as empresas na indústria
brasileira, mesmo entre as que estão em um mesmo setor de atividade.
As líderes são as empresas mais inovadoras do setor, tanto em produtos como em
processos, ou seja, são líderes no sentido tecnológico e detém parcela considerável
do mercado. Essas empresas podem exercer dois tipos diferentes de liderança: i)
em diferenciação de produtos, no caso das inovadoras em produto, ou; ii) em
custos, no caso das inovadoras em processo. As empresas seguidoras, por sua
vez, têm capacidade de acompanhar as empresas líderes nos seus processos de
inovação e estão atualizadas tecnologicamente.
Argumenta-se que, a despeito da heterogeneidade do tecido industrial brasileiro,
existe no país um conjunto de empresas – representadas pelas empresas líderes e,
num segundo momento, pelas seguidoras – capazes de acumular conhecimento e
difundir inovações para o restante da indústria. Assim, o desempenho desse núcleo
dinâmico da indústria pode contribuir para alavancar o desenvolvimento da indústria
como um todo ou de um setor em particular.
Existe, entretanto, um conjunto de empresas na indústria brasileira, caracterizadas
por baixa competitividade e produtividade menor do que esse núcleo dinâmico.
Essas empresas são numericamente expressivas mas representam muito pouco do
faturamento
industrial.
Elas
necessitam
ganhar
escala
e
eficiência
e,
provavelmente, terão que passar por processos importantes de reestruturação
patrimonial – por meio de fusões e aquisições, por exemplo – e produtiva sob pena
de não serem capazes de sobreviver em um ambiente cada vez mais competitivo.
8
Nesta seção e no restante do trabalho, a análise das empresas se concentra nas empresas com
mais de 30 pessoas ocupadas representadas pela amostra da Pesquisa de Inovação Tecnológica
(PINTEC).
9
Detalhes sobre o critério de classificação estão disponíveis no capítulo 1 desta obra.
29
Por fim, existe um grupo pequeno de empresas que, não fazem parte desse núcleo
dinâmico tampouco são pouco eficientes. São as empresas emergentes, que
possuem importantes atividades tecnológicas e que podem, no futuro, desempenhar
um papel ainda mais relevante na acumulação de conhecimento na indústria
brasileira.
Essas são algumas das características gerais de cada um desses grupos de
empresa na indústria brasileira. Dada essa classificação, o objetivo desta seção é
apresentar as características gerais das empresas que constituem o núcleo
dinâmico do setor automotivo para, na próxima seção, avaliar suas estratégias de
inovação e quais são os mecanismos pelos quais elas acumulam conhecimento.
3.1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS
Existem 62 empresas que exercem papel de liderança tecnológica – seja de custos
ou de diferenciação de produtos – no setor automotivo e mais de 400 empresas
seguidoras. Todas essas empresas, líderes ou seguidoras, são altamente eficientes
e competitivas internacionalmente: todas elas são exportadoras. Entretanto, são as
empresas líderes as responsáveis pela introdução de novos produtos ou processos
produtivos no mercado brasileiro: são elas que direcionam os processos de
inovação e as trajetórias tecnológicas seguidas pelo setor.
Por outro lado, existem outras 400 empresas classificadas como frágeis – não
exportadoras, pequenas e pouco competitivas – e 28 empresas emergentes10.
As 62 empresas líderes detêm quase 60% das vendas do setor e estão,
principalmente, nos segmentos de montagem de veículos (11 empresas) e
autopeças
(37
empresas).
O
segmento
de
montagem
é
o
que
tem,
proporcionalmente, o maior número de empresas líderes, o que evidencia o papel
de
liderança
tecnológica
desempenhado
pelas
montadoras
no
complexo
automotivo.
10
Não foram identificadas empresas frágeis no segmento montador de automóveis, assim como não
há empresas emergentes no segmento de caminhões e ônibus.
30
TABELA 13. NÚMERO DE FIRMAS, PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA E FATURAMENTO DAS
EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR SUBSETOR E CATEGORIA DE FIRMA, PARA
EMPRESA COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS: 2005.
Total - setor automotivo
Indicador
Emergen-
Líderes
Seguidoras
Frágeis
62
416
434
28
940
% de firmas estrangeiras
62%
25%
1%
3%
16%
Faturamento (R$ milhões)
93.684
63.345
2.245
1.005
160.278
Faturamento médio (R$ milhões)
1.518
152
5
35
171
N° de firmas
tes
Total
Automóveis
N° de firmas
11
6
-
3
20
% de firmas estrangeiras
89%
49%
-
27%
69%
Faturamento (R$ milhões)
69.012
15.499
-
753
85.264
Faturamento médio (R$ milhões)
6.173
2.753
-
274
4.359
Caminhões e ônibus
N° de firmas
3
10
3
-
17
% de firmas estrangeiras
71%
62%
-
-
53%
Faturamento (R$ milhões)
6.430
17.760
14
-
24.204
Faturamento médio (R$ milhões)
1.853
1.743
5
-
1.460
Cabines, carrocerias e reboques
N° de firmas
8
24
88
19
139
% de firmas estrangeiras
27%
6%
-
-
2%
Faturamento (R$ milhões)
2.450
3.278
270
92
6.090
326
135
3
5
44
Faturamento médio (R$ milhões)
Autopeças
N° de firmas
37
370
254
6
667
% de firmas estrangeiras
65%
25%
2%
-
18%
Faturamento (R$ milhões)
15.767
26.691
1.827
159
44.445
426
72
7
25
67
Faturamento médio (R$ milhões)
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC),
do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
A escala de produção das líderes, medida pelo faturamento médio11, é praticamente
10 vezes maior do que a das empresas seguidoras: essas empresas faturam, em
11
Note-se que o faturamento médio apresentado nesta tabela não é estritamente comparável ao da
tabela 9. Aqui, analisamos apenas as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, representadas
31
média, R$ 1,5 bilhão ao ano no setor automotivo. No outro extremo, estão as
empresas frágeis, cujo faturamento é de cerca de R$ 5 milhões/ano, em média ao
passo que o faturamento médio no setor automotivo como um todo é de R$ 171
milhões / ano.
Em termos de tamanho médio, as empresas emergentes são, em todos os
segmentos maiores do que as empresas frágeis, porém menores do que as
seguidoras e, obviamente, do que as líderes.
É claro que essas diferenças de tamanho escondem diferenças de escala
importantes entre os diferentes sub-setores do complexo automotivo. Os dois
segmentos nos quais a escala de produção é um fator muito mais relevante são os
segmentos de montagem de automóveis e de caminhões.
TABELA 14. SALÁRIO MÉDIO ANUAL E PRODUTIVIDADE NO SETOR AUTOMOTIVO, SEGUNDO
CATEGORIA DE EMPRESA E SUB-SETOR: 2005.
(R$ / ano)
Sub-setor
Variável
Líderes
Seguidoras
Frágeis
Emergentes
Total
Salário médio
39.714
28.811
12.662
15.319
31.713
Produtividade
205.716
122.826
34.144
59.445
150.392
Salário médio
50.079
34.439
-
15.684
46.720
Produtividade
275.463
289.747
-
134.591
276.562
Salário médio
53.996
49.099
27.263
-
49.805
Produtividade
490.326
218.603
67.344
-
268.986
Cabines, carrocerias Salário médio
23.122
21.017
6.646
10.077
18.179
e reboques
Produtividade
84.090
74.901
17.021
31.981
67.963
Salário médio
27.956
24.737
14.878
18.987
24.509
Produtividade
117.775
95.738
38.616
50.117
95.326
Total
Automóveis
Caminhões e ônibus
Autopeças
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC),
do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Obs.: a produtividade é calculada como o valor da
transformação industrial / número de pessoas ocupadas.
Entretanto, as principais tendências identificadas, quais sejam, a elevada
participação das líderes no faturamento total do setor (a despeito do menor número
pela amostra da PINTEC. Na tabela 9, utilizamos a amostra da PIA, representativa de todas as
empresas brasileiras, em virtude de que, naquela seção, tínhamos o objetivo de analisar o setor da
forma mais ampla possível. As diferenças de amostragem e de tamanho das empresas explicam
porque o faturamento médio, aqui, é bastante superior ao que foi apresentado naquela tabela.
32
de firmas) e o seu tamanho médio muito superior se mantém em todos os
segmentos do setor automotivo. O segmento de caminhões e ônibus é o único onde
as empresas líderes são muito similares às seguidoras em termos de tamanho
médio.
No que diz respeito à participação estrangeira, como já ressaltamos, esse é um
setor bastante internacionalizado, no qual os grandes players são, em geral,
empresas estrangeiras. De fato, em todos os segmentos do complexo automotivo –
com exceção da fabricação de cabines, carrocerias e reboques, onde a participação
estrangeira no número total de empresas do setor – a maior parte das empresas
líderes é estrangeira: 89% no segmento de montagem de automóveis, 71% no de
caminhões e 65% no setor de autopeças. Vale lembrar que, no setor como um todo,
as empresas estrangeiras são 16% do total de empresas.
Aliado às diferenças em termos de tamanho, a tabela 14 mostra que as empresas
líderes também possuem maior produtividade e remuneram melhor os seus
trabalhadores. A produtividade das empresas líderes no setor automotivo foi de R$
205 mil por trabalhador ao ano e o salário médio foi cerca de R$ 40 mil por
trabalhador ao ano, em valores correntes de 2005.
Novamente, as empresas emergentes aparecem em melhor posição do que as
empresas frágeis, com maior produtividade e maiores salários.
Em termos das diferenças de produtividade entre os sub-setores, podemos
identificar que os elos finais da cadeia, quais sejam, os segmentos de montagem de
automóveis e de caminhões e ônibus são mais produtivos do que os demais, além
de pagarem salários mais altos.
Independentemente das diferenças entre os segmentos, em todos eles as
empresas líderes são superiores em termos desses indicadores.
No que diz respeito à inserção no comércio internacional, no conjunto do setor, as
empresas líderes parecem ser mais ativas, tanto em termos de exportações quanto
de importações. As líderes, mesmo sendo apenas 62 empresas, respondem por
cerca de 60% dos fluxos comerciais de todas as empresas do complexo automotivo.
Elas exportam e também importam mais, o que faz com que, em termos de saldo
comercial, elas tenham um desempenho muito próximo às empresas seguidoras.
33
TABELA 15. INDICADORES DE COMÉRCIO EXTERIOR DAS EMPRESAS DO SETOR
AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR E CATEGORIA DE FIRMAS: 2005.
Total - setor automotivo
Fluxos de comércio
Líderes
US$ milhões
Seguidoras
%
US$ milhões
Total
%
US$ milhões
%
Exportação
9.154
58%
6.725
42%
15.879 100%
Importação
5.186
62%
3.160
38%
8.398 100%
Saldo
3.968
53%
3.564
48%
7.480 100%
Automóveis
Exportação
6.550
75%
2.212
25%
8.762 100%
Importação
3.893
83%
756
16%
4.691 100%
Saldo
2.657
65%
1.456
36%
4.071 100%
Caminhões e ônibus
Exportação
1.087
28%
2.796
72%
3.883 100%
Importação
565
28%
1.484
72%
2.049 100%
Saldo
522
28%
1.312
72%
1.834 100%
Cabines, carrocerias e reboques
Exportação
209
42%
283
58%
492 100%
Importação
28
30%
67
70%
95 100%
181
46%
217
55%
397 100%
Saldo
Autopeças
Exportação
1.304
48%
1.433
52%
2.738 100%
Importação
699
45%
854
55%
1.562 100%
Saldo
606
52%
579
49%
1.175 100%
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica
(PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho.
Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
Boa parte da predominância das empresas líderes no comércio internacional do
complexo automotivo é explicada pelo seu desempenho no sub-setor de
automóveis. Nesse sub-setor, cerca de 80% dos fluxos de comércio e 65% do saldo
comercial se devem às empresas líderes. Além de serem maiores, as empresas
líderes também são a maior parte das empresas neste setor, o que ajuda a explicar
a razão dessa predominância.
Nos demais segmentos da cadeia automotiva, mesmo sendo em muito menor
número, as empresas líderes representam uma parcela bastante significativa do
comércio exterior. Entretanto, quando olhamos para o coeficiente de exportação
34
dessas empresas, no setor automotivo, as empresas seguidoras possuem maiores
coeficientes de exportação na montagem de automóveis e coeficientes muito
próximos às seguidoras em cabines e carrocerias.
TABELA 16. COEFICIENTES DE EXPORTAÇÃO DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO,
POR SUB-SETOR E CATEGORIA DE FIRMAS: 2005.
Setor e sub-setor
Líderes
Seguidoras
Total automotivo
23,8%
25,9%
Automóveis
23,1%
34,7%
Caminhões e ônibus
41,2%
38,3%
Cabines, carrocerias e reboques
20,8%
21,0%
Autopeças
20,1%
13,1%
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica
(PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do
Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
No sub-setor de automóveis, o menor coeficiente de exportação das lideres pode
ser explicado pelo tamanho absoluto dessas empresas, significativamente maior do
que o das empresas seguidoras. Como esse segmento é o principal responsável
pelas exportações e representa mais da metade do faturamento do setor, os
coeficientes de exportação são profundamente influenciados por ele.
No segmento de autopeças, entretanto, as empresas líderes exportam uma
proporção significativamente maior do seu faturamento do que as seguidoras.
35
4. INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO
4.1.INOVAÇÃO NUM SETOR DOMINADO POR TRANSNACIONAIS
Como vimos, o setor automotivo é um setor muito internacionalizado e, no Brasil,
dominado por empresas estrangeiras. Nesse sentido, as perspectivas de o país ter
um papel mais ou menos relevante em termos de produção de conhecimento
depende, além de outros fatores, de como as multinacionais do setor organizam
suas atividades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento): majoritariamente na matriz
ou distribuídas ao redor do mundo12.
Segundo
Pearce
(1999),
até
recentemente,
as
atividades
de
P&D
das
multinacionais eram vistas como sendo destinadas, primordialmente, para a
adaptação de produtos e processos produtivos aos mercados locais. Assim, as
atividades “mais nobres” de pesquisa estariam centralizadas na matriz da
corporação.
Os motivos apontados para a centralização das atividades de P&D são vários. Em
primeiro lugar, a existência de economias de escala nas atividades inovadoras, que
poderia não tornar viável economicamente a existência de vários laboratórios de
P&D em outros países. Em segundo lugar, as economias de aglomeração e as
vantagens de localizar os laboratórios de P&D em locais onde eles possam se
beneficiar de sinergias derivadas da proximidade com a comunidade científica e
com outras instituições de pesquisa. Por fim, uma outra razão estaria relacionada
aos problemas de coordenação e de controle e, derivados deles, à preocupação
com a segurança dos novos projetos de pesquisa. Nesse caso, as transnacionais
prefeririam reter os investimentos em P&D nos seus próprios países quando os
custos de comunicação são elevados13 e quando o país receptor possui um regime
de propriedade intelectual fraco (UNCTAD, 2005).
12
A maior parte dos gastos em pesquisa das grandes corporações internacionais ainda é realizada
no seu próprio país (Patel, 1995; Dunning, 1994; Unctad, 2005; Kumar, 2001).
13
O avanço recente nas telecomunicações tem sido um dos fatores bastante citados na literatura a
impulsionar o desenvolvimento de atividades inovadoras em outros países, por reduzir os custos de
coordenação e monitoramento dessas atividades.
36
Dunning (1994) sintetiza as principais motivações para o investimento estrangeiro
em atividades inovadoras reconhecidas pela literatura e ressalta as principais
capacitações e/ou os fatores condicionantes de cada uma dessas estratégias.
O primeiro grupo de motivações estaria relacionado à necessidade de adaptar e/ou
melhorar produtos ou processos destinados aos mercados locais. Para Dunning,
esse tipo de atividade tecnológica requer os mais variados tipos de habilidades,
assim como requer contatos externos, especialmente com fornecedores e
consumidores. Uma peculiaridade desse tipo de investimento é que ele será
necessário em países receptores que sejam suficientemente diferentes do país de
origem da corporação. Além disso, a escala de operação da subsidiária, bem como
a disponibilidade de recursos humanos qualificados no país receptor também
interfere nesse investimento (UNCTAD, 2005).
Outra motivação pode ser realizar pesquisa em materiais ou produtos básicos. Esse
investimento seria feito devido à imobilidade dos insumos (como minas ou
plantações) ou devido à necessidade de testes contínuos e/ou de interação os
consumidores.
Outro objetivo pode ser o de racionalizar as atividades de P&D ao redor do mundo.
Esse tipo de investimento em pesquisa é feito com o objetivo de ganhar economias
de escala ou escopo, o que requer uma sofisticada infra-estrutura local.
Por fim, as multinacionais podem investir em P&D em outros países a fim de
monitorar as atividades inovadoras estrangeiras, a chamada busca tecnológica. A
necessidade de estar presente nos principais centros inovativos do mundo,
especialmente em setores intensivos em tecnologia, constitui a principal razão para
esse tipo de investimento, que tem o objetivo de aumentar os ativos tecnológicos da
empresa.
Adaptações de produtos versus busca tecnológica constituem os dois extremos no
conjunto possível de motivos que levariam à internacionalização das atividades
tecnológicas das ETN’s. Por um lado, a adaptação de produtos seria uma atividade
“menos nobre”, já que não está relacionada à produção de conhecimento novo e
seria capaz de gerar poucas externalidades para o país receptor. Também estaria
mais associada aos investimentos realizados em países em desenvolvimento, com
poucas capacitações tecnológicas e tradição inovadora. Por outro lado, o
monitoramento das atividades tecnológicas de outros países seria feito nos países
37
mais desenvolvidos e com tradição tecnológica em algumas áreas específicas. Esse
seria o investimento mais “nobre” do ponto de vista da geração de conhecimentos e
externalidades.
Nesse sentido, a decisão de investimento em pesquisa resulta da interação entre as
motivações da corporação e fatores locacionais do país de destino, que tornem
vantajosa ou necessária a pesquisa tecnológica nesses países. Esses fatores
locacionais podem ser, por exemplo, fatores macroeconômicos e institucionais
como a existência de boa infra-estrutura de pesquisa, mão-de-obra qualificada para
essas atividades e outros relacionados ao chamado “sistema nacional de inovação”.
Podem ser também a existência, no país de destino, de capacitações tecnológicas
em áreas nas quais as ETNs poderiam investir, condições de apropriabilidade dos
resultados do progresso técnico, além de incentivos específicos para investimentos
em P&D. Especialmente quando a motivação do investimento em P&D é possuir
uma janela tecnológica para as atividades inovadoras de outros países, a existência
de expertise tecnológica em áreas específicas, no país receptor desempenha um
papel fundamental.
A existência de recursos humanos capacitados e mais baratos do que nos países
desenvolvidos, por exemplo, pode ser um fator importante a atrair investimentos em
P&D para os países em desenvolvimento. É o que aponta o relatório da UNCTAD
sobre o investimento em P&D das multinacionais (Unctad, 2005). Os elevados
custos das atividades em P&D têm impulsionado as multinacionais a localizar suas
atividades de pesquisa em países com ampla disponibilidade de pessoal qualificado
e onde os custos de contratação sejam mais baratos (Unctad, 2005).
Em linhas gerais, podemos agrupar as razões que influenciam o investimento
estrangeiro em P&D em três ordens de fatores. O primeiro deles estaria relacionado
com as estratégias globais da multinacional e com fatores organizacionais
específicos de cada uma delas ou do setor em que atua. O segundo conjunto de
fatores está relacionado com características específicas das subsidiárias –
tamanho, poder de mercado, condições de financiamento, experiência em
atividades tecnológicas etc. – e o papel da mesma na corporação. O terceiro
conjunto de fatores, por sua vez, diz respeito às “vantagens locacionais” específicas
de cada país de destino do investimento direto (De Negri, 2007).
38
No que diz respeito ao setor automotivo, já observamos (na segunda seção) que
uma das tendências do setor, no período recente, é o aumento no número de
modelos disponíveis aos consumidores em vários países. Para reduzir custos e
ganhar escala de produção, mesmo com essa diversificação, as empresas têm
adotado estratégias de produção em plataformas mundiais e/ou de organização
modular da produção e do desenvolvimento de produtos.
Essas estratégias, especialmente a de produção modular, poderiam abrir novas
oportunidades
para
a
descentralização
das
atividades
de
inovação
e
desenvolvimento de produtos no setor automotivo (Dias, 2003).
Entretanto, mesmo quando a estratégia adotada é a de plataformas mundiais ou de
produto mundial, Dias (2003) identificou alguns fatores que podem contribuir para
que as atividades de desenvolvimento de produtos sejam realizadas pelas
subsidiárias. Entre eles, está a necessidade de adaptações do produto às
condições locais. Quanto maior essa necessidade, mais essas atividades tendem a
ser desenvolvidas pelas filiais a fim de reduzir custos e, sobretudo tempo de
desenvolvimento de projeto. Também são relevantes, nesse caso, o tamanho do
mercado, o volume de produção da filial e a sua importância para a corporação.
Segundo a autora, “o envolvimento da filial brasileira no desenvolvimento de
produtos globais varia conforme os diferentes nichos de mercado, sendo maior para
o segmento de entrada, que é o principal no Brasil e o segmento no qual são
necessárias mais adaptações” (Dias, 2003).
A autora também cita como relevantes a experiência da filial em atividades de
engenharia. Além disso, fatores externos à filial e à corporação, como a
disponibilidade de mão-de-obra qualificada e mais barata e a existência de políticas
e incentivos específicos podem contribuir para que as atividades de P&D sejam
realizadas fora da matriz.
39
4.2. O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO14
O processo de desenvolvimento de produtos no setor automotivo é um processo
que custa bilhões e dura entre 3 e 4 anos (Salerno, et.all. 2008). Clark e Fugimoto
(1991) dividiram esse processo nas seguintes etapas: i) definição do conceito do
produto; ii) planejamento do produto; iii) engenharia do produto e; iv) engenharia do
processo (Figura 2).
A primeira fase consiste em definir as principais características do produto, suas
funções, tecnologias e mercado alvo.
Na segunda fase, a do planejamento do produto, o conceito inicial é traduzido em
especificações concretas: são escolhidos os componentes e é definido o design do
veículo, suas dimensões básicas e as configurações dos componentes. Segundo
Dias (2003) nessa fase são tomadas decisões importantes relacionadas os
componentes: quais devem ser desenvolvidos especificamente para o projeto e
quais podem ser aproveitados dos projetos anteriores; se os mesmos vão ser
desenvolvidos internamente ou por empresas fornecedoras etc. Nesse processo, é
fundamental o envolvimento dos profissionais de compras da montadora – que
deverão indicar os fornecedores aptos a produzir os componentes necessários – e
dos próprios fornecedores de autopeças que, algumas vezes, participam do
desenvolvimento de algumas partes do projeto.
A terceira fase é a de engenharia do produto, onde é detalhado o projeto do produto
até a confecção do protótipo, incluindo testes e re-projetos. Freqüentemente, o
projeto é dividido em partes menores, com o desenvolvimento de alguns
componentes pela própria montadora e outros projetados pelos fornecedores. A
integração entre os responsáveis pelas diversas partes do projeto é essencial nessa
fase.
A última fase é a engenharia do processo produtivo, no chão de fábrica. É nessa
fase que é pensada a forma como o novo veículo vai ser produzido e quais serão os
equipamentos e ferramentas necessárias.
14
A discussão sobre as fases e a organização do desenvolvimento de produtos no setor automotivo
é baseada, principalmente, em Dias (2003).
40
O Manual de Planejamento Avançado da Qualidade do Produto e Plano de Controle
(APQP/CP), desenvolvido pela Ford, GM e Chrysler classifica as etapas de
desenvolvimento de produtos de forma muito similar a de Clark e Fugimoto (Dias,
2003).
FIGURA 2. FASES DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR
AUTOMOTIVO.
Definição do
conceito
Planejamento
do produto
Engenharia do produto
Engenharia do processo
Clark e Fujimoto(1991)
Planejamento e definição
Desenvolvimento e Projeto de Produto
Desenvolvimento e Projeto de Processo
Validação de produto e processo
APQP
Fonte: Elaborado por Dias (2003) a partir de Clark e Fujimoto (1991) e PAQP (1996).
Como o processo de desenvolvimento é longo e custoso, Dias (2003) aponta que
um dos objetivos principais das empresas do setor tem sido a de reduzir o tempo de
desenvolvimento do produto.
Esse objetivo se tornou ainda mais crucial para as empresas do setor em virtude do
aumento da concorrência com os produtores asiáticos. De fato, Clark et. all. (1987)
mostraram que, na década de 80, enquanto as montadoras japonesas levavam, em
média, 42,6 meses para desenvolver um novo produto, as americanas e européias
levavam aproximadamente 62 meses.
41
Segundo a autora, a redução do tempo de resposta a novas necessidades dos
consumidores é um critério importante de competitividade e, para tanto, “um certo
grau de descentralização das atividades de projeto (...) passa a ser desejável”.
Essa descentralização depende, também, de como se organiza, dentro da
corporação, as atividades de desenvolvimento de novos produtos e pode abrir
espaço tanto para a maior participação dos fornecedores e das subsidiárias nos
novos projetos.
Em um extremo, essa organização pode ser dar por equipes dedicadas a um
produto específico (novo automóvel) e a todos os elementos que fazem parte dele
bem como aos seus derivativos (projetos derivados e adaptados de um projeto
original, que lhe serve de base).
Num outro extremo está a organização matricial para o desenvolvimento do novo
veículo, onde profissionais alocados em diferentes funções de engenharia são
solicitados a desenvolver uma parte específica de determinado projeto. Nesse caso,
o projeto é subdividido por funções específicas: uma equipe trabalha no sistema de
suspensão, que também pode ser utilizado em outros projetos, outra equipe no
sistema de freios etc. De qualquer forma, existe uma unidade ou uma equipe que é
a responsável por integrar todos os componentes e as partes do projeto
desenvolvidas pelas outras equipes. Essa é a unidade sede do projeto, responsável
pela sua gestão e pelas principais decisões relativas ao desenvolvimento do
produto.
Independentemente da forma de organização do projeto, Dias (2003) argumenta
que, a fase de definição do conceito do produto exige maior centralização pois o
novo produto deve estar adequado às estratégias da companhia. Por outro lado,
também exige algum grau de descentralização, pelo menos em termos de
informação, dado que é importante a participação de profissionais que estejam
próximos ao mercado consumidor e que consigam captar as necessidades desse
mercado.
Ainda segundo a autora, na fase de engenharia do produto, “existe uma maior
especialização dos profissionais, que se dividem de acordo com o componente ou
subsistema a ser projetado”. Nesse
caso,
existe
uma
oportunidade
de
descentralização do desenvolvimento.
42
Segundo Veloso e Fixson (2001), a modularização facilita a participação dos
fornecedores no desenvolvimento dos novos modelos. A relativa independência dos
módulos faz com que eles sejam intercambiáveis entre vários modelos, o que
permite que os fornecedores abatam o investimento realizado em P&D entre vários
clientes. Isso contribui para tornar os fornecedores mais competitivos do que as
próprias montadoras no desenvolvimento de alguns produtos.
O autores citam o exemplo do desenvolvimento do airbag que, a princípio não era
um módulo independente. Dessa foram, os esforços de P&D eram desenvolvidos,
preponderantemente pelas montadoras. Quando o airbag se tornou um módulo
independente do veículo, abriu um novo e grande mercado para as empresas
fornecedoras investirem mais fortemente no desenvolvimento desse módulo.
Segundo eles “now, they (fornecedores) have the incentive to invest in design
resources and manufacturing facilities to develop airbag systems, because the can
be easily interchanged between different car models and various assemblers”.
O ampliação do processo de modularização dos veículos tem, efetivamente,
permitido o crescimento da participação do setor fornecedor de autopeças tanto no
desenvolvimento de produtos quanto no valor da produção do setor automotivo
(como já verificamos na seção 2). “What the modularization creates, is, in effect, a
new market for the suppliers’ products. It enables the supplier to apply similar
solutions to different assemblers, and amortize his investment across several
clients”.
A escolha dos fornecedores para um novo veículo se dá nas fases iniciais do
processo de desenvolvimento do produto. Assim, Salerno et. all. (2002) argumenta
que a engenharia da montadora é decisiva na escolha de fornecedores pois tem, na
prática, poder de veto sobre os fornecedores apresentados pelo departamento de
compras. Segundo os autores, “por decorrência, passa a ser decisiva a localização
da engenharia, ou (...) a localização da unidade na qual se encontra a engenharia
que analisa os candidatos ao fornecimento”. Essa engenharia é, segundo os
autores, aquela da unidade que é a sede do projeto do veículo e que centraliza a
gestão e as decisões sobre o projeto. Para os autores, quando filiais brasileiras
sediam o desenvolvimento de novos modelos, atraem co-design, projetos de
fornecedores e fornecimento de empresas radicadas no país. Isso aumentaria,
inclusive, as chances de empresas locais participarem do fornecimento de
autopeças para os novos modelos.
43
4.3. A PARTICIPAÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS
A estrutura de desenvolvimento de produtos das grandes empresas do setor é
diferenciada de acordo com a montadora. Entretanto, podemos dividi-las em dois
grupos: as já instaladas no Brasil no início da década de 90 e as entrantes a partir
de então.
Entre as últimas, o caso da Renault é típico do grupo, razão pela qual detalharemos
um pouco mais seu desenvolvimento de produto (DP). Essa montadora tem poucas
atividades de DP locais, sendo esse altamente centralizado na matriz. Dois de seus
principais produtos (o Scénic e o Clio) têm como principal mercado a Europa e não
o Brasil – o que reforça a tendência de centralização de seu DP no exterior. A
Renault busca, com tal centralização, vantagens do ponto de vista de projeto, como
tempo e sinergia entre atores do DP. Essa estratégia tende a ser modificada, pois
as necessidades de adaptações locais tendem a ser de resposta muito demorada,
já que as solicitações brasileiras ao centro francês raramente são consideradas
prioritárias. O fato da Renault considerar o Brasil como o centro de operações do
Mercosul reforça essa última tendência.
Quanto às demais entrantes (Peugeot Citroën, Toyota, Honda e Daimler Chrysler),
a organização do DP é semelhante à Renault, como mostra Consoni (2004): “todas
essas entrantes têm lançado no país veículos que foram e continuam a ser
concebidos, projetados e desenvolvidos no exterior, sendo legítimo afirmar que
houve uma integração e atuação bastante limitadas por parte da engenharia
automotiva brasileira nesse processo”. Enfim, utilizando a tipologia de DP
apresentada, a estrutura das entrantes é a de P&D centralizado etnocêntrico,
apesar de, como dito, provavelmente tenderem a uma maior descentralização com
o tempo. Entretanto, como assinala Consoni (2004), uma das principais razões para
tal estrutura tem sido a ainda baixa escala de operações locais.
A Peugeot Citroën, por exemplo, não tem infra-estrutura tecnológica local e sua
estratégia de DP principal é mero contato técnico com a matriz e interface com os
fornecedores. Faz apenas uma tropicalização limitada e nacionalização de
componentes.
44
A Toyota, por sua vez, tem apenas uma pista de testes, seu contato com a matriz é
semelhante ao da Peugeot, o mesmo acontecendo com suas capacitações em DP.
A Honda não chega nem a ter uma infra-estrutura tecnológica local, apesar de ser
semelhante às duas anteriores em contato com a matriz e quanto à capacitação em
DP.
Finalmente, a Daimler Chrysler, tem infra-estrutura tecnológica local só para
caminhões e ônibus, limitando-se a contatos com a matriz de forma idêntica às três
antecedentes, o mesmo ocorrendo com a capacitação em DP.
Quanto aos já consolidados no mercado, a Volkswagen é a que primeiro inovou
nacionalmente: a partir dos anos 1960, realizou o desenvolvimento de vários
derivativos locais (Brasília e Gol, por exemplo), com os quais foi líder até o final dos
anos 1990. O Brasil liderou o projeto do Pólo Sedan (quanto ao Pólo hatchback, o
projeto foi conduzido pela Alemanha, apesar de a filial brasileira ter mandado
engenheiros para a Alemanha). Trata-se de uma estrutura de P&D em hub. No caso
do Fox, a autonomia da filial foi ainda maior (o conceito do produto foi inteiramente
nacional, tendo como objetivo o mercado local).
Estrutura semelhante tem o P&D da Fiat. Aqui, projetos para China, Índia e América
Latina têm seu DP liderado pelo Brasil em conjunto com a Itália, com participação
maior naqueles produtos populares, principal mercado brasileiro.
A General Motors também é semelhante em estrutura de P&D: tem DP para
mercados emergentes, com projeto de derivativos, motor de baixa cilindrada e
maior potência e sistema de combustível flexível (esse último também na Volks e na
Fiat). O DP do Meriva, derivativo, teve substancial complexidade, e foi inclusive
para o mercado europeu.
A Ford apresenta envolvimento com a matriz semelhante ao da General Motors.
Em síntese, a estrutura de P&D da indústria automobilística brasileira é atualmente
dual: os novos entrantes pouca autonomia têm, enquanto os consolidados a têm de
forma relativa. Ou seja, os entrantes apresentam uma estrutura de P&D
centralizado etnocêntrico, enquanto os já consolidados apresentam uma estrutura
de P&D em hub. Entretanto, a possibilidade de aumento de autonomia parece estar
vinculada principalmente menos às perspectivas de exportação que às de
45
crescimento do mercado interno, que funcionaria como uma espécie de âncora para
maiores parcerias com os centros de P&D da matriz.
46
5. INOVAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS FIRMAS COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO
5.1. INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO
Esta seção tem o objetivo de comparar a inovação no setor automotivo brasileiro
com o restante da indústria e com o setor automotivo de outros países do mundo.
As próximas duas tabelas procuram fazer essa comparação a partir das pesquisas
de inovação de vários países. Note-se que, para garantir a comparabilidade entre
os diferentes países, utilizamos os números globais da Pesquisa de Inovação
Tecnológica do IBGE e não apenas as empresas com mais de 30 funcionários.
O Manual de Oslo define a inovação de produto como a implementação ou
comercialização de um produto novo com características de performance
aprimoradas em relação aos anteriormente produzidos. De forma similar, uma
inovação de processo diz respeito à implementação de processos de produção ou
métodos de entrega novos ou significativamente aprimorados – o que pode envolver
mudanças nos equipamentos, recursos humanos, métodos de trabalho ou uma
combinação de todos eles (OCDE, 1997).
O setor automotivo é, em termos mundiais, um setor bastante inovador, possuindo
investimentos em P&D e em atividades inovadoras maiores do que a média da
indústria.
No Brasil, a taxa de inovação (número de empresas inovadoras em relação ao total)
do setor automotivo, que é de 37%, está levemente acima da média da indústria,
34%. Em relação à inovação de produto e de produto novo para o mercado, o setor
automotivo revela uma diferença pouco significativa em relação à indústria brasileira
como um todo.
Talvez pese, nesse indicador, o elevado número de empresas no setor automotivo
brasileiro. O Brasil que, como vimos, produz cerca de 2,5 milhões de veículos por
ano possui mais de 2 mil e duzentas empresas no complexo automotivo. A
Alemanha, por sua vez, produz três vezes mais veículos do que o Brasil a partir de
uma base industrial de pouco mais de mil empresas. Esse elevado número de
empresas, boa parte delas frágeis, pouco eficientes e, provavelmente, pouco
47
inovadoras contribui para explicar a menor proporção de empresas inovadoras no
Brasil em comparação com outros países.
TABELA 17. TAXAS DE INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA E NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO
EM COMPARAÇÃO COM PAÍSES SELECIONADOS (EMPRESAS COM MAIS DE 10 PESSOAS
OCUPADAS): 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS PAÍSES).
Indicadores
Número de empresas
Inovadoras
Inovadoras de produto
Inovadoras de produto novo para o
mercado
Indicadores
Número de empresas
Inovadoras
Inovadoras de produto
Inovadoras de produto novo para o
mercado
Setor automotivo
Alemanha
Espanha
França
Itália
Brasil
1.029
959
786
1.010
2.214
667
435
399
492
819
65%
45%
51%
49%
37%
581
320
297
297
430
56%
33%
38%
29%
19%
250
162
224
211
112
24%
17%
28%
21%
5%
Indústria total
Alemanha
Espanha
França
Itália
Brasil
101.199
80.957
86.547
121.561
95.301
56.908
26.524
27.322
42.997
32.796
56%
33%
32%
35%
34%
43.820
15.138
16.793
22.324
19.670
43%
19%
19%
18%
21%
17.730
5.873
10.876
13.742
3.388
18%
7%
13%
11%
4%
Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC / IBGE) e Community Innovation
Survey (CIS 4).
Efetivamente, se observarmos a taxa de inovação do setor automotivo em alguns
outros países, observamos valores bastante superiores às taxas de inovação
brasileiras. Ou seja, o setor automotivo Brasileiro, embora seja um pouco mais
inovador do que a média da nossa indústria, ainda é muito menos inovador do que
o setor automotivo mundial.
Talvez a análise de um outro indicador possa contribuir mais para caracterizar a
inovatividade do complexo automotivo no Brasil: os investimentos em atividades
inovadoras e em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Esse indicador deve ser
menos afetado pelo elevado número de empresas na base industrial brasileira e
48
talvez sejam mais esclarecedores do real padrão de desenvolvimento tecnológico
do setor automotivo brasileiro.
Os gastos com inovação15 ou em atividades inodoras incluem todos os gastos
relacionados com aquelas etapas científicas, tecnológicas, comerciais, financeiras e
organizacionais
que
levam
à
implantação
de
produtos
ou
processos
tecnologicamente novos ou aprimorados. Assim, os investimentos em atividades
inovadoras incluem, desde a pesquisa propriamente dita, até investimentos em
máquinas e equipamentos para a inovação, treinamento, projetos industriais e
dispêndios utilizados para o lançamento do produto no mercado.
Os investimentos em P&D, por sua vez, compreendem o trabalho criativo, feito em
bases sistemáticas e destinado a ampliar o estoque de conhecimentos e o uso
desse estoque em novas aplicações, conforme definido no Manual de Oslo e de
Frascati. Nesse sentido, as atividades de P&D tem um conceito muito mais restrito
do que as atividades inovadoras, de um modo geral.
A tabela 18 mostra os investimentos em P&D realizados no setor automotivo e na
indústria do Brasil em comparação com os mesmos países da tabela 17.
TABELA 18. ESFORÇOS INOVATIVOS (% DA RECEITA LÍQUIDA DE VENDAS) NA INDÚSTRIA E
NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO EM COMPARAÇÃO COM PAÍSES SELECIONADOS
(EMPRESAS COM MAIS DE 10 PESSOAS OCUPADAS): 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS
PAÍSES).
Setor automotivo
Alemanha
Espanha
França
Itália
Brasil
Gastos em atividades inovativas
8,5%
2,3%
5,0%
2,0%
4,4%
Gastos em P&D (interno + externo)
4,5%
1,4%
4,8%
1,4%
1,4%
Indústria total
Alemanha
Espanha
França
Itália
Brasil
Gastos em atividades inovativas
4,6%
1,4%
3,4%
2,1%
2,8%
Gastos em P&D (interno + externo)
2,6%
0,8%
3,0%
0,9%
0,7%
Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC / IBGE) e Community Innovation
Survey (CIS 4).
15
Este é o conceito do Manual de Oslo, no qual se baseia a Pesquisa Industrial de Inovação
Tecnológica, do IBGE.
49
Os gastos em atividades inovadoras da indústria brasileira mostram que não
estamos tão distantes de alguns países europeus quanto podíamos supor olhando
apenas para a taxa de inovação. A indústria brasileira investe 2,8% do seu
faturamento em atividades inovadoras, ao passo que Espanha e França, por
exemplo, investem 1,4% e 2,1%, respectivamente.
Entretanto, quando olhamos apenas para os investimentos em P&D, a indústria
brasileira investe menos do que todos os outros quatro países (0,7%), embora
esteja muito próxima de Espanha e Itália. Isso corrobora a percepção, já ressaltada
em outros estudos, de que as atividades inovadoras brasileiras ainda são muito
dependentes da aquisição de tecnologia, especialmente tecnologia incorporada em
máquinas e equipamentos e menos de atividades de P&D propriamente ditas.
TABELA 19. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA E
NO SETOR AUTOMOTIVO NAS EMPRESAS COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS: 2005.
Setor automotivo
Indústria
total
Número de
empresas (total)
Inovadoras
Inovadoras de
produto
Inovadoras de
produto novo para o
mercado
Investimento em
P&D (R$ milhões)
Total
Automóveis
Caminhões
e ônibus
Cabines,
carrocerias
Autopeças
e reboques
Recondicionamento
31.716
940
20
17
139
667
97
13.446
511
16
12
61
396
25
42%
54%
84%
75%
44%
59%
25%
7.788
293
15
11
54
202
11
25%
31%
76%
68%
39%
30%
12%
1.565
98
14
4
29
44
7
5%
10%
69%
27%
21%
7%
7%
7.823
1.894
1.292
314
30
257
1
0,66% 1,45%
2,17%
1,78%
0,52%
0,54%
0,24%
P&D / Faturamento
(%)
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
Os indicadores de investimento em atividades inovadoras também mostram um
setor automotivo muito mais intensivo em tecnologia do que aparentavam os
50
indicadores sobre o número de empresas inovadoras. De fato, 4,4% do faturamento
das empresas do setor são investidos em atividades inovadoras e 1,4% em P&D, o
dobro do que a média da indústria. Em P&D, o setor automotivo brasileiro investe o
mesmo percentual do faturamento que o setor automotivo espanhol e italiano e
investe muito mais do que esses dois países em outras atividades inovadoras.
Quando analisamos apenas as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, o
número de empresas se reduz para menos da metade, ao mesmo tempo em que
aumenta para 54% a proporção de empresas inovadoras (tabela 19) no setor
automotivo. Entre as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, a taxa de
inovação no complexo automotivo é bastante superior, portanto, à da indústria
brasileira como um todo, que é de 42% (também para empresas com mais de 30
funcionários). O setor responde, ainda, por 24% dos gastos em P&D da indústria
brasileira ou aproximadamente R$ 1,9 bilhão16.
Fica patente, por esses números, que o segmento de montagem de automóveis e
caminhões e ônibus é o setor mais dinâmico, do ponto de vista tecnológico, dentro
do setor. Entre as 20 empresas do segmento de montagem de automóveis, 16 (ou
84%) são inovadoras e 14 (69%) criaram produtos novos ainda não existentes no
mercado brasileiro. Nos outros segmentos, embora a proporção de empresas
inovadoras
também
seja
superior
à
média
da
indústria
(exceção
do
recondicionamento) o número de empresas inovadoras de produtos novos para o
mercado é muito inferior ao verificado no segmento de automóveis.
De fato, esse segmento responde por quase 70% (mais de 1,2 bilhão) dos
investimentos em P&D realizados no complexo automotivo e investe cerca de 2,2%
de suas vendas em P&D. O setor de caminhões e ônibus também investe uma
parcela importante das vendas em P&D (1,8%) ao passo que cabines, carrocerias e
autopeças investem menos do que a média da indústria (0,52% e 0,54% das
vendas contra 0,7% da indústria brasileira como um todo).
Quando analisamos esses indicadores do ponto de vista das empresas líderes do
setor, mais uma vez observamos que um pequeno grupo de empresas líderes é o
principal responsável pelas atividades inovativas do setor automotivo. De fato, as 62
16
Ao fazer o recorte para empresas acima de 30 pessoas ocupadas, os investimentos em P&D da
indústria ficaram praticamente inalterados já que a maior parte do P&D é feito, efetivamente, por
empresas maiores.
51
empresas líderes são responsáveis por mais de 60% dos investimentos em P&D do
setor automotivo brasileiro, investindo 1,6% do seu faturamento em P&D (tabela
20). A mesma concentração pode ser verificada para as atividades inovadoras, de
um modo geral.
TABELA 20. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NO SETOR AUTOMOTIVO, POR
CATEGORIA DE EMPRESA (EMPRESAS COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS): 2005.
Número de inovadoras e taxa de inovação
Líderes
Número de empresas
Inovadoras
Inovadoras de produto
Inovadoras de produto novo para o
mercado
Inovadoras de processo
Inovadoras de processo novo para o
mercado
Inovadoras de produto novo para o
mercado mundial
Seguidoras
Frágeis
Emergentes
Total
62
416
434
28
940
100%
100%
100%
100%
100%
62
271
151
27
511
100%
65%
35%
94%
54%
61
135
71
27
293
98%
32%
16%
94%
31%
59
4
12
23
98
95%
1%
3%
82%
10%
53
244
118
22
437
85%
59%
27%
79%
46%
33
26
7
2
68
53%
6%
2%
7%
7%
14
0
0
16
29
22%
0%
0%
56%
3%
Esforços inovativos (R$ milhões e percentual da RLV)
Líderes
RLV (R$ milhões)
Gastos em atividades inovativas (R$
milhões e % da RLV)
Gastos em P&D interno e externo
(R$ milhões e % da RLV)
Seguidoras
Frágeis
Emergentes
Total
73.587
3.201
4,3%
54.188
2.170
4,0%
2.359
44
1,9%
808 130.942
104
5.519
12,9%
4,2%
1.175
641
4
74
1.894
1,60%
1,18%
0,16%
9,14%
1,45%
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
Todas as empresas líderes, pela nossa definição, são inovadoras. As líderes em
diferenciação de produto obrigatoriamente devem ter criado um produto novo para o
mercado brasileiro e as líderes em custo devem ter introduzido um processo novo
no mercado. Chama a atenção o fato de que essas empresas também são
inovadoras no mercado mundial: 22% delas criaram novos produtos inexistentes no
52
mercado mundial. Esse número é bastante expressivo, dado que apenas 1% das
empresas brasileiras tem capacidade de inovar para o mercado mundial e apenas
3% das empresas do setor automotivo.
As empresas líderes também inovam mais em produtos do que em processos, ao
contrário das seguidoras, cuja inovação está mais concentrada no processo
produtivo: 59% das seguidoras inovam em processo e apenas 32% delas inovam
em produto.
A mesma concentração em processos acontece com as frágeis,
embora em menor proporção, pois essas empresas inovam menos do que as
demais.
GRÁFICO 6. PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR OCUPADO EM P&D NO SETOR AUTOMOTIVO
BRASILEIRO, POR CATEGORIA DE EMPRESAS: 2005.
3.000
2.855
engenheiros
2.500
outros
2.000
1.654
1.500
1.000
500
41
145
frágeis
emergentes
líderes
seguidoras
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
Pela tabela 20 também fica patente o dinamismo das 28 empresas que chamamos
de emergentes. Embora sejam empresas menores e não sejam exportadoras, 94%
delas (27 empresas) criaram produtos novos para o mercado brasileiro e, 56%
inovaram para o mercado mundial. De fato, a maior parte dos inovadores para o
mercado
mundial
são,
no
setor
automotivo,
empresas
emergentes.
Os
investimentos em P&D dessas empresas, como proporção do faturamento,
53
ultrapassam expressivamente os investimentos das líderes: elas investiram, em
2005, mais de 9% do seu faturamento em atividades de P&D.
Outro indicador relevante dos esforços inovativos das empresas brasileiras é o
número de pessoas envolvidas em atividades de P&D dentro da empresa. No setor
automotivo, existem cerca de 4.700 pessoas com curso superior atuando em P&D
dentro das empresas, entre os quais cerca de 4.200 são engenheiros (gráfico 6).
Esse número corresponde a 17% do total de pessoas com curso superior e a 23%
dos engenheiros alocados em atividades de P&D na indústria brasileira como um
todo.
Mais uma vez fica evidente a dominância tecnológica das empresas líderes. As 62
empresas empregam mais de 60% dos profissionais de nível superior envolvidos
em atividades de P&D no setor automotivo. São mais de 2.800 profissionais, entre
os quais mais de 2.500 são engenheiros.
5.2. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO
As empresas irão inovar a fim de defender suas posições já estabelecidas ou para
adquirir vantagens competitivas derivadas do novo produto. Para Dosi (1988) os
agentes irão alocar recursos em atividades inovadoras se acreditam que: i) existem
oportunidades científicas e tecnológicas ainda não exploradas; ii) existe um
mercado para os novos produtos e processos; iii) haverá benefícios econômicos
advindos da inovação.
Segundo ele, a firma pode se engajar na busca de inovações tanto por meio de
atividades formais de pesquisa e desenvolvimento quanto por meio de atividades
informais – muitas vezes relacionadas ao processo de difusão tecnológica – tais
como a adoção de inovações desenvolvidas em outras indústrias, o learning by
doing ou by using. A despeito disso, o autor ressalta a dominância da P&D na busca
tecnológica.
Entretanto, assim como Dosi, vários estudos ressaltam que as atividades formais de
P&D não são as únicas fontes de inovação na indústria nem o único fator
responsável pelo sucesso inovador das empresas. As firmas podem inovar a partir
54
de múltiplos “insumos”: adquirindo conhecimento e tecnologias produzidos por
outras empresas ou instituições; comprando tecnologia incorporada em máquinas e
equipamentos, por meio de redes de cooperação, a partir da interação com os
usuários, entre outros. Neste sentido, alguns autores argumentam que a ênfase nas
atividades formais de P&D pode subestimar a capacidade inovadora das pequenas
empresas, que teriam maior propensão a utilizar outros mecanismos para inovar
que não a P&D (Dosi, 1988; Love e Roper, 1999).
A preocupação com os diversos insumos das atividade inovadora não é novidade
na literatura. Em certa medida, a taxonomia proposta por Pavitt (1984) procura
classificar os setores segundo as fontes mais importantes de inovações em cada
um deles17. Nos “setores dominados por fornecedores”, por exemplo, as principais
inovações estariam incorporadas nas máquinas e equipamentos, ou seja, seriam
inovações desenvolvidas em outros setores. Essa classificação sugere, portanto,
que nesse grupo de setores a atividade inovadora prescindiria elevados gastos com
pesquisa e desenvolvimento.
Outro exemplo é o modelo estimado por Love e Roper (1999), para a atividade
inovadora, que considera três possíveis caminhos pelos quais uma firma pode
inovar: i) esforços internos de P&D; ii) transferência de tecnologia entre empresas
do mesmo grupo e; iii) redes ou transferências de tecnologia entre empresas de
grupos diferentes. Eles encontram que os três grupos de determinantes são
relevantes para a inovação, mas que essas diferentes estratégias parecem ser
substitutas uma à outra.
Entretanto, a maior parte dos estudos empíricos apontam para uma relação de
complementaridade, e não de substituibilidade, entre as diferentes fontes (ou
insumos) da inovação. Fremann (1994), ao fazer uma revisão crítica da literatura
sobre mudança tecnológica, ressalta a importância do aprendizado – tanto
proveniente de fontes internas quanto de fontes externas – no processo de
inovação. Ele argumenta ainda, que os resultados dos estudos empíricos apontam
uma relação de complementaridade entre essas fontes. Segundo ele, “mesmo em
indústrias onde a contratação de P&D e o licenciamento de know-how são práticas
17
Essa taxonomia será abordada mais a frente, quando discutiremos os fatores externos à firma que
são relevantes na explicação das atividades tecnológicas das empresas.
55
comuns, eles dificilmente são alternativas às atividades tecnológicas internas
(incluindo P&D) mas são complementares a elas”.
Outros estudos também apontam na mesma direção, ou seja, de que os insumos da
atividade inovadora são complementares (Dosi, 1997). Cassiman e Veugelers
(2002) encontraram evidências de que atividades de P&D interno bem como as
atividades de procura externa de tecnologia geram, isoladamente, menos novos
produtos do que a combinação de fontes internas e externas, evidenciando alguma
complementaridade entre ambas. Para o Brasil, Braga e Willmore (1991) também
mostraram que, para um conjunto bastante amplo de empresas brasileiras, a
importação de tecnologia do exterior é uma atividade complementar ao
desenvolvimento interno de P&D.
A escolha das estratégias preferenciais de inovação – por meio do desenvolvimento
interno de tecnologia versus sua aquisição de fontes externas – não é indiferente a
uma série de características das firmas e das estruturas de mercado. Veugelers e
Cassiman (1999) mostram que as firmas pequenas são mais propensas a restringir
suas atividades inovadoras a uma de duas formas possíveis (aquisição externa ou
desenvolvimento de P&D interno), enquanto que as grandes firmas são mais
propensas a combinar fontes internas e externas. Beneito (2003) encontrou
evidências de que essa escolha também pode ser influenciada pela concorrência e
pela capacidade financeira das firmas, entre outras.
Uma das explicações para os achados da literatura empírica em relação às
complementaridades entre esforços internos de pesquisa e aquisições de
conhecimentos externos está na “dupla face” dos gastos em P&D (Cohen e
Levinthal, 1989). Além de produzir conhecimento novo, os investimentos em P&D
também ampliariam a capacidade das firmas de assimilar e explorar os
conhecimentos desenvolvidos externamente. Em outras palavras, os gastos em
P&D aumentariam a capacidade de absorção das firmas (Cohen e Levinthal, 1990).
A questão que se coloca, então, é: de que forma as empresas do setor automotivo
brasileiro inovam, isto é, quais os principais insumos e as principais estratégias
adotadas por essas empresas para desenvolver um novo produto? A tabela 21
contribui para essa análise revelando a estrutura dos dispêndios em atividades
inovadoras das empresas do setor automotivo.
56
Por esses números, é possível perceber a relevância das diferentes atividades na
estratégia de inovação das empresas. Existe uma percepção de que a maior parte
das inovações na indústria brasileira seria de inovações de processo, em grande
medida, possibilitada pela aquisição de tecnologia incorporada em máquinas e
equipamentos. Em outras palavras, as empresas estariam inovando a partir,
preponderantemente, da compra de máquinas e equipamentos mais avançados
tecnologicamente e não por esforços internos de Pesquisa e Desenvolvimento.
Podemos perceber que isso é verdade para as empresas que classificamos como
frágeis: 82% dos investimentos que essas empresas realizam para inovar se
destinam à aquisição de máquinas e equipamentos18.
TABELA 21. DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS GASTOS EM ATIVIDADES INOVATIVAS DAS
EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR CATEGORIA DE EMPRESA: 2005.
Investimentos em atividades
inovativas
Gastos totais em atividades inovativas
Líderes
Seguidoras Frágeis Emergentes
Total
100%
100%
100%
100%
100%
P&D interno
31%
29%
8%
66%
31%
P&D externo
5%
1%
0%
5%
4%
Aquisição de outros conhecimentos
6%
1%
1%
0%
4%
equipamentos
30%
59%
82%
15%
41%
Treinamentos
2%
1%
1%
2%
2%
Gasto em introdução das inovações
12%
2%
1%
7%
8%
Projeto Industrial
13%
8%
6%
5%
11%
Aquisição de máquinas e
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
Entretanto, para as empresas líderes, apenas 30% dos seus dispêndios em
atividades inovadoras estão relacionados com a aquisição de tecnologia
incorporada em máquinas e equipamentos. Para essas empresas, os esforços
internos de Pesquisa e Desenvolvimento têm uma relevância muito maior:
representam 31% do total gasto em atividades inovadoras. Os seus investimentos
18
Note-se que os dispêndios em máquinas e equipamentos reportados aqui não são os
investimentos totais dessas empresas mas apenas os destinados ao processo de inovação.
57
em inovação também parecem ser muito mais distribuídos entre diversas atividades
do que para as outras categorias de empresas.
As empresas seguidoras, embora destinem parcela similar dos seus recursos às
atividades de P&D, investem muito pouco em aquisição de P&D e de outros
conhecimentos externos, assim como em outras despesas. O principal dispêndio
inovador dessas empresas também está relacionado à aquisição de máquinas e
equipamentos.
Para as empresas emergentes, a relevância das atividades internas de P&D é ainda
maior e, para essas atividades, elas destinam 66% de todos os recursos que
aplicam em inovação.
Utilizaremos a distribuição dos gastos em atividades de inovação para classificar as
empresas segundo as estratégias de inovação predominantemente utilizadas.
Podemos classificar as empresas inovadoras segundo várias diferentes e
exclusivas estratégias de inovação (classificação inspirada em Cassiman e
Veugelers, 2004).
A primeira estratégia está relacionada com empresas que apenas compram
tecnologia e não possuem esforços próprios de P&D. Essas empresas adquirem
tecnologia por meio da contratação de P&D externo, licenças ou serviços de
consultoria. Para efeito dessa classificação, optamos por excluir as empresas que
apenas compram máquinas e equipamentos para inovar, ou seja, a compra de
tecnologia que estamos falando refere-se a compra de ativos intangíveis.
As empresas também podem adotar uma estratégia de desenvolvimento autárquico
de tecnologia quando a única atividade inovadora desenvolvida por elas é a
atividade de P&D. Essas empresas estariam engajadas em atividades internas de
P&D e, ao mesmo tempo, não adquirem tecnologia externamente, seja por meio de
licenças ou contratação de P&D ou serviços de consultoria.
Outra possível estratégia de inovação seria caracterizada pelo desenvolvimento
conjunto de atividades internas de P&D e de aquisição de tecnologias
externamente. Empresas que fazem os dois tipos de atividades, simultaneamente,
poderiam se aproveitar melhor das complementaridades existentes entre os
esforços inovadores.
58
Por fim, também é possível identificar empresas que declararam ter inovado sem
que tenham desenvolvido nenhum tipo de atividade de inovação: são as empresas
que não compraram nem desenvolveram tecnologia internamente. Optamos por
incluir, nessa categoria, empresas cujo único dispêndio em inovação foi a aquisição
de máquinas e equipamentos para inovar.
TABELA 22. ESTRATÉGIAS
DE INOVAÇÃO ADOTADAS PELAS EMPRESAS DO SETOR
AUTOMOTIVO, SEGUNDO CATEGORIA DE FIRMA: 2005.
Estratégia de inovação
Líderes
Seguidoras
Frágeis
Emergentes
Total
Apenas compram tecnologia
33%
20%
27%
38%
24%
Desenvolvem apenas P&D interno
12%
7%
6%
0%
7%
42%
10%
4%
10%
12%
14%
64%
62%
52%
57%
62
271
151
27
511
100%
100%
100%
100%
100%
Desenvolvem P&D interno e compram
tecnologia
Não desenvolvem nem compram
tecnologia, exceto incorporada em BK
Total (firmas inovadoras)
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
A primeira constatação relevante da tabela 22 é que as empresas líderes
diversificam mais suas estratégias e integram de forma mais efetiva os diferentes
insumos da inovação do que as demais. Cerca de 42% dessas empresas inovam
por meio de atividades complementares de P&D interno e de aquisição externa de
tecnologias, seja P&D ou outros conhecimentos. Outra parcela significativa (33%)
inova apenas por meio da compra de tecnologia (licenças, patentes, know how ou
mesmo P&D) de outras empresas. Apenas 12% delas possuem estratégias
autárquicas de geração de tecnologia – por meio, exclusivamente, de atividades
internas de P&D – ao passo que 14% inovam sem maiores esforços, exceto pela
compra de máquinas e equipamentos.
Vale salientar que, no setor automotivo, a complementaridade entre P&D interno e
aquisição externa de conhecimento é maior do que na indústria brasileira, de um
modo geral. Mesmo entre as empresas líderes da indústria, apenas 26% delas
desenvolvem ao mesmo tempo atividades internas de P&D e atividades de
aquisição externa de conhecimentos contra 42% das líderes do setor automotivo.
59
Por outro lado, a inovar a partir, unicamente, da compra de tecnologia externa, é
uma atividade mais comum na indústria como um todo do que no setor automotivo:
cerca de 42% das empresas líderes na indústria inovam a partir, unicamente, de
conhecimentos desenvolvidos externamente contra 33% das líderes do setor
automotivo.
Dada essa diversidade de estratégias entre as líderes do setor, políticas de
incentivo à inovação voltadas a essas empresas deveriam contemplar toda a
diversidade de relacionamentos com o sistema nacional de inovação, além dos
investimentos em P&D, propriamente ditos. Nesse sentido, é importante ter em
mente que essas empresas também precisam estabelecer relações de parceria e
cooperação com outras empresas e instituições e que, muitas vezes, precisam
adquirir tecnologias de outras fontes a fim de complementar seus esforços de
pesquisa. Esse cenário torna mais complexa a tarefa de propor medidas para
impulsionar a inovação nesse grupo de empresas, que é, como já ressaltamos, o
grupo de empresas capaz de liderar o processo de desenvolvimento tecnológico do
setor.
A maior parte das empresas seguidoras e frágeis, por sua vez, inova a partir da
compra de máquinas e equipamentos. A principal diferença entre elas é que é maior
a proporção de empresas seguidoras que desenvolvem P&D e compram tecnologia
ao mesmo tempo: cerca de 10% contra 4% das frágeis.
Em relação às empresas emergentes, podemos perceber que, a despeito dos seus
investimentos em P&D como proporção do faturamento serem elevados, nenhuma
delas opta pelo P&D interno como a única maneira de implementar a inovação.
Muito provavelmente, por serem empresas menores, para fazer frente aos elevados
custos da inovação elas optam por estabelecer vínculos mais freqüentes com outras
empresas ou instituições para comprar tecnologia ou para desenvolver projetos
conjuntamente. Um indício desse fato é que 38% dessas empresas inovam por
meio, unicamente, da aquisição de conhecimentos e de P&D externo.
É possível argumentar que a escolha da estratégia de inovação seja fortemente
influenciada pelo sub-setor no qual a empresa atua. De fato, nos segmentos
montadores, especialmente de automóveis, a estratégia de inovação prioritária é a
de buscar as complementaridades entre desenvolvimento interno e aquisição de
tecnologias. Por outro lado, nos segmentos de autopeças e de carrocerias e
60
reboques, a maior parte das empresas inova por meio da aquisição de máquinas e
equipamentos.
TABELA 23. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ADOTADAS PELAS EMPRESAS DO SETOR
AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR: 2005.
Estratégia de Inovação
Apenas compram tecnologia
Automóveis
Caminhões Carrocerias
e ônibus
e reboques
Autopeças
10%
27%
36%
23%
0%
0%
4%
8%
tecnologia
74%
40%
8%
9%
Não desenvolvem nem compram tecnologia
16%
33%
52%
60%
100%
100%
100%
100%
Desenvolvem apenas P&D interno
Desenvolvem P&D interno e compram
Total (firmas inovadoras)
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
Entretanto, embora no setor de autopeças, a estratégia predominante seja a de
inovar via aquisição de máquinas e equipamentos, as líderes desse setor se
comportam de forma diferenciada. Apenas 12% inovam via aquisição de máquinas
e equipamentos, 35% desenvolvem de forma complementar atividades de P&D
interno e compra de tecnologia. Ou seja, as líderes do setor de autopeças têm um
padrão de inovação muito mais próximo das demais líderes do complexo
automotivo do que das outras firmas do seu segmento.
5.3. INTERAÇÃO COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO
O conceito de sistemas nacionais de inovação está baseado na premissa que a
compreensão das inter-relações entre os atores envolvidos no processo inovador é
a chave para melhorar a performance tecnológica (OCDE, 1997). Segundo
Freeman (1987) o sistema nacional de inovação pode ser definido como “... a rede
de instituições nos setores público e privados, cujas atividades e interações dão
61
origem, importam, modificam e difundem novas tecnologias”19. Assim, esse conceito
expressa o caráter sistêmico dos processos inovador. Freeman (1995) ressalta esse
caráter, argumentando que “tem se tornado cada vez mais evidente que o sucesso
das inovações, sua taxa de difusão e os ganhos de produtividade a elas associados
dependem de uma ampla variedade de outras influências além dos esforços formais
de P&D”20. Essas outras influências estão relacionadas às interações com o
mercado e com outras firmas, às ligações com o sistema de ciência e tecnologia e
com o próprio sistema de produção.
A diversidade de estratégias de inovação mostradas anteriormente explicitam como
a inovação no setor automotivo – especialmente entre as empresas líderes e as
empresas montadoras – depende, além dos investimentos em P&D, do
relacionamento das empresas com outras instituições e empresas.
Essa seção procura identificar quem são os principais parceiros das empresas do
setor automotivo nos seus processos de inovação e qual o grau de interação que
essas empresas possuem com outras empresas ou instituições no Brasil e no
Exterior. A interação com instituições ou empresas no exterior também é relevante,
especialmente dado que o desenvolvimento de produtos no setor automotivo, na
maior parte das vezes, se dá em parceria com as matrizes das filiais brasileiras
(seção 0).
Nesse sentido, uma questão relevante diz respeito a quem é o principal responsável
pela inovação implementada pela empresa (tabela 24). De modo geral, mais de
80% das empresas do setor automotivo declararam serem as principais
responsáveis pela inovação e 10% delas fizeram a inovação em cooperação com
outras empresas ou instituições.
No setor montador, entretanto, a necessidade de parcerias e de colaboração com
outras empresas parece ser substancialmente maior. Efetivamente, 39% das
montadoras de automóveis (6 das 16 empresas inovadoras) declararam que o
principal responsável pela inovação foi outra empresa do grupo no exterior. Esse
fato demonstra que, a despeito da tradição e competência da engenharia brasileira,
boa parte das inovações realizadas pelo setor automotivo no Brasil ainda é
proveniente das suas matrizes. Em certa medida, isso corrobora a percepção (já
19
Tradução livre da autora.
20
Idem
62
ressaltada na seção 0 e 0) de que a inovação no setor automotivo é, efetivamente,
realizada em termos globais. O mesmo fenômeno ocorre para as montadoras de
caminhões e ônibus, onde cerca de 33% das empresas declararam o principal
responsável pela inovação ser uma outra empresa no exterior.
TABELA 24. NÚMERO DE EMPRESAS INOVADORAS, SEGUNDO QUEM É E QUAL A
LOCALIZAÇÃO DO PRINCIPAL RESPONSÁVEL PELA INOVAÇÃO, POR SEGMENTO DO SETOR
AUTOMOTIVO: 2005.
e ônibus
Carrocerias
Auto-peças
Cabines e
Caminhões
Automóveis
Responsável pela inovação
Brasil
Exterior
Total
%
Outras empresas do grupo
0
6
6
39%
Empresa em cooperação
5
0
5
31%
Outras
0
1
1
8%
16
100%
N. de inovadoras
Outras empresas do grupo
0
4
4
33%
Empresa em cooperação
4
0
4
34%
Outras
0
0
0
0%
12
100%
N. de inovadoras
Outras empresas do grupo
0
0
0
0%
Empresa em cooperação
4
0
4
6%
Outras
0
3
3
5%
61
100%
N. de inovadoras
Outras empresas do grupo
0
12
12
3%
Empresa em cooperação
30
7
37
9%
Outras
17
0
17
4%
396
100%
N. de inovadoras
Outras empresas do grupo
Total
Localização do responsável pela inovação
0
22
22
5%
Empresa em cooperação
43
7
50
10%
Outras
17
5
21
4%
486
100%
N. de inovadoras nos
segmentos acima
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
A cooperação com outros agentes também é um fenômeno muito mais comum nos
segmentos montadores do que no conjunto do setor automotivo: mais de 30% das
63
empresas montadoras declararam que o principal responsável pela inovação foi a
própria empresa em cooperação com outros agentes.
Essa proeminência das matrizes na definição das inovações do setor também se
manifesta nas remessas realizadas ao exterior referentes a serviços de tecnologia.
Segundo dados do Banco Central, o setor responde por aproximadamente 20% de
todas as remessas referentes a serviços tecnológicos feitas pela indústria brasileira,
ou cerca de US$ 250 milhões em 2006.
A grande interação das empresas líderes do setor com outras instituições – no
Brasil e no exterior – também pode ser verificada pelo número de empresas
inovadoras que possuem acordos de cooperação para a inovação (tabela 25). Mais
de metade das empresas líderes do setor automotivo possuíam, em 2005, algum
acordo de cooperação, seja com fornecedores, clientes ou institutos de pesquisa.
Importante salientar que o recurso a acordos de cooperação para realizar a
inovação é muito mais comum no setor automotivo do que no restante da indústria.
Na indústria brasileira de um modo geral, 38% das empresas líderes possuem
acordos de inovação. Da mesma forma, 11% das empresas industriais brasileiras
(de todas as categorias) possuem algum tipo de acordo de cooperação ante 20%
das empresas do setor automotivo.
Também podemos verificar que os acordos de cooperação são muito mais
freqüentes nas empresas líderes do que nas seguidoras e, especialmente do que
nas frágeis. A interação dessas empresas com o sistema nacional de inovação –
por meio da cooperação – é substancialmente maior do que entre as demais. Isso
mostra que, além de serem as empresas que tem capacidade para impulsionar o
desenvolvimento tecnológico no setor, as empresas líderes também são as que
podem gerar maiores transbordamentos para o restante da economia.
Os principais parceiros desses acordos são os clientes e os fornecedores diretos
das empresas. A tabela 25 mostra o número de empresas que declarou que os
acordos de cooperação com fornecedores, clientes, outras empresas do grupo e
universidades são altamente importantes para a inovação. Assim, 36% das
empresas líderes do setor declararam que a cooperação com os fornecedores é
altamente importante para a realização da inovação. Em certa medida, isso é
resultado da maior participação dos fornecedores no processo de desenvolvimento
64
de produtos no setor, propiciada pela crescente modularização da produção e do
desenvolvimento de novos modelos de veículos.
As outras empresas do grupo também são parceiros relevantes nos acordos de
cooperação das líderes do setor, particularmente nas montadoras. Entre as 16
montadoras que declararam ter realizado inovações entre 2003 e 2005, 10 (ou
cerca de 60%) possuem acordos de cooperação com outra empresa do grupo que,
provavelmente, deve ser a sua matriz. Por outro lado, metade das montadoras
inovadoras brasileiras faz a inovação em cooperação com seus fornecedores.
TABELA 25. NÚMERO DE EMPRESAS INOVADORAS COM ACORDOS DE COOPERAÇÃO E
EMPRESAS DE DECLARAM QUE OS ACORDOS SELECIONADOS POSSUEM ALTA IMPORTÂNCIA
PARA A EMPRESA: 2005
Número de empresas
Com acordos de
cooperação (total)
Com clientes e
consumidores
Com fornecedores
Com outra empresa do
grupo
Com universidades/institutos
de pesquisa
Líderes
Seguidoras
Frágeis
Emergentes
Total
N.
%
N.
%
N.
%
N.
%
N.
%
34
55%
57
21%
6
4%
3
10%
100
20%
24
39%
20
7%
1
1%
0
0%
45
9%
22
36%
23
9%
6
4%
1
4%
52
10%
19
30%
16
6%
0
0%
1
4%
36
7%
4
6%
6
2%
1
1%
0
0%
11
2%
12
20%
6
2%
5
3%
0
0%
23
5%
62
100%
271
100%
151
100%
27
100%
511
100%
Com acordos
internacionais de
cooperação
Número de inovadoras
Fonte: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) - IBGE. Obs.: Apenas 2 empresas
declararam que concorrentes são parceiros importantes na cooperação tecnológica, 6 declararam
empresas de consultoria como altamente relevantes e 9 citaram centros de capacitação.
As Universidades e os institutos de pesquisa, por sua vez, não parecem ser
parceiros relevantes para o setor automotivo. Enquanto 19% das empresas
brasileiras declaram que a cooperação com universidades é muito importante para
a inovação, apenas 2% das empresas do setor automotivo (11 empresas) dizem o
mesmo. Fontes do setor ouvidas por essa pesquisa declararam que existe um certo
preconceito em relação à falta de objetividade dos pesquisadores. Além disso,
65
essas fontes também ressaltam um problema que talvez seja o mais relevante para
que existam poucos acordos formais de cooperação com universidades: o segredo
industrial. O receio em compartilhar informações estratégicas da empresa com
pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa parece ser uma das
principais limitações para essas parcerias. No entanto, entrevistas com engenheiros
ligados ao setor mostram que existe pelo menos a interação informal entre os
profissionais das empresas e das universidades.
Quanto aos demais parceiros de cooperação existentes no levantamento da
PINTEC (concorrentes, empresas de consultoria, e centros de capacitação) os
números são ainda menos expressivos21.
GRÁFICO 7. PERCENTUAL DAS EMPRESAS INOVADORAS NO SETOR AUTOMOTIVO COM
ACORDOS DE COOPERAÇÃO EM PAÍSES SELECIONADOS: 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS
PAÍSES).
45%
41%
40%
35%
31%
33%
30%
25%
18%
20%
20%
15%
10%
5%
0%
Alemanha
Espanha
França
Itália
Brasil
Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) - IBGE e Community Innovation
Survey (CIS4).
Outra informação importante diz respeito a existência de acordos internacionais de
cooperação. Das 34 empresas líderes do setor que declararam ter acordos de
cooperação, 12 empresas (ou 20% das empresas inovadoras) atribuem elevada
21
Por isso, esses números não estão na tabela.
66
importância para os acordos que possuem com agentes localizados no exterior.
Novamente, a cooperação com empresas e instituições estrangeiras é muito mais
comum entre as empresas líderes do setor do que nas demais categorias.
Muito embora os acordos de cooperação sejam bastante intensos entre as
empresas líderes, é possível constatar que essa ainda é uma fragilidade do setor.
Como já vimos, apenas 20% das empresas do setor automotivo possuem acordos
de cooperação para inovar. O gráfico 7 mostra que o percentual de empresas que
cooperam, nos países europeus, com exceção da Itália, é bastante superior ao
Brasil. Na Alemanha e na Espanha, mais de 30% das empresas realizam
cooperação para inovar, e na França, esse percentual supera 40%.
Assim como no Brasil, os fornecedores e clientes são os parceiros mais importantes
desses acordos de inovação: no conjunto dos países selecionados, 21% das
empresas possuem acordos de cooperação com fornecedores e 15% cooperam
com clientes e consumidores. Outras empresas do grupo também são relevantes,
elas são as parceiras de cooperação para 14% das empresas desses países.
Nos países selecionados, entretanto, as Universidades e Centros de Pesquisa
parecem ter uma importância muito superior nos acordos de cooperação do setor
automotivo. Novamente, no conjunto dos países selecionados, 13% das empresas
cooperam com Universidades. Também existe uma atividade mais intensa de
cooperação com concorrentes (11% das empresas), fato que é absolutamente
irrelevante no Brasil (apenas 0,4% das empresas declararam essa cooperação
como importante).
Investigar e corrigir as causas pelas quais a cooperação é um fenômeno menos
comum na indústria brasileira pode ser um instrumento de política pública
importante para estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico do setor.
Isso é importante, dado que observamos a relevância da cooperação para a
inovação nos países desenvolvidos. Essa baixa taxa de cooperação e de interação
com outros agentes do sistema de inovação pode estar relacionada com gargalos
na área de propriedade intelectual, por exemplo. Também pode ter relação com a
pequena importância que às empresas do setor conferem às Universidades e
Instituições Públicas de Pesquisa: o fato dos países Europeus terem um maior
número de acordos de cooperação com essas instituições pode explicar porque, lá,
a cooperação é um fenômeno mais comum.
67
TABELA 26. NÚMERO DE EMPRESAS QUE CONSIDERAM ALTAMENTE IMPORTANTE AS
FONTES DE INFORMAÇÃO PARA A INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO, SEGUNDO CATEGORIA
DE EMPRESA: 2005
Fontes de informação para
a inovação
Líderes
N.
%
Seguidoras
N.
%
Frágeis
N.
%
Emergentes
N.
%
Total
N.
%
Fontes internas à empresa
Departamento de P&D
35
57%
44
16%
0
0%
12
44%
91
18%
Outros
35
57%
111
41%
48
32%
5
19%
199
39%
Clientes e consumidores
42
67%
124
46%
88
58%
25
95%
280
55%
Fornecedores
34
54%
97
36%
66
44%
15
56%
212
42%
Concorrentes
23
37%
48
18%
34
22%
1
4%
106
21%
Outra empresa do grupo
34
56%
48
18%
5
3%
1
4%
89
17%
Instituições de teste
15
24%
29
11%
6
4%
3
12%
53
10%
Aquisição de licença
18
29%
13
5%
7
5%
3
13%
41
8%
Centro de capacitação
4
7%
18
7%
15
10%
2
7%
40
8%
Empresa de consultoria
3
5%
21
8%
11
7%
2
7%
37
7%
Universidade
6
10%
10
4%
4
3%
3
13%
24
5%
62 100%
271
100% 151 100%
27
100%
Fontes externas à empresa
N. de inovadoras
511 100%
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
Nesse sentido, também é bom lembrar que a Lei de Inovação – publicada em 2005,
no mesmo ano que esses indicadores estão sendo avaliados – procurou corrigir
algumas deficiências institucionais na relação entre universidade e empresas. É
possível que o número de acordos de cooperação no setor automotivo tenha
aumentado desde então22.
As fontes de informação para a inovação consideradas muito importantes pelas
empresas inovadoras também fornecem indícios do padrão de relacionamento das
empresas com outros agentes do sistema de inovação. Essas fontes são avaliadas,
pelas empresas inovadoras, em uma escala de quatro níveis que vai de altamente
importante até irrelevante. Selecionamos, na tabela 26, apenas as fontes que foram
consideradas altamente importante pelas empresas. A tabela mostra o número de
22
O que só será possível verificar na Pesquisa de Inovação Tecnológica de 2007, ainda não
divulgada
68
empresas que avaliou essas fontes como muito importantes e o percentual do total
de empresas inovadoras.
O departamento de P&D da própria empresa é considerada uma fonte muito
importante de informação para a inovação por 57% das empresas líderes
inovadoras. Nas empresas seguidoras, por sua vez, essa não é uma fonte tão
relevante de informação (só 16% delas consideram os departamentos de P&D
fontes de informação importantes). As empresas frágeis nem mesmo possuem
departamentos de P&D ao passo que 44% das emergentes os consideram muito
importantes.
FIGURA 1. SÍNTESE DO RELACIONAMENTO DAS EMPRESAS INOVADORAS DO SETOR
AUTOMOTIVO COM OUTROS AGENTES DO SISTEMA DE INOVAÇÃO.
Empresa
do
Empresa
líder
Fornecedores
Concorrentes
Clientes
Em relação às fontes externas, novamente essa tabela mostra a relevância da
interação das empresas com fornecedores e clientes. Essas duas fontes de
informação são as consideradas muito importantes pela maior parte das empresas
do setor automotivo. Nas empresas líderes, adicionam-se as outras empresas do
grupo como fontes de informação consideradas muito importantes pela maior parte
das empresas.
69
A figura 1 sumariza o padrão de relacionamento das empresas inovadoras do setor
automotivo com os demais agentes do sistema de inovação. Claramente, os
principais parceiros ou agentes no Brasil que interagem com essas empresas para
realizar a inovação são outras empresas, especialmente clientes e fornecedores. As
empresas inovadoras fazem acordos de cooperação e
buscam informação
tecnológica junto aos seus fornecedores e junto as empresas compradoras dos
seus produtos.
Por outro lado, outras empresas do grupo – especialmente a matriz localizada no
exterior – tem predominância nos processos de inovação das subsidiárias locais no
caso do segmento montador de automóveis e de caminhões e ônibus.
As empresas concorrentes, por sua vez, são fontes importantes de informação para
a inovação muito embora, por razões óbvias, não sejam parceiras em acordos de
cooperação.
Os outros agentes do sistema de inovação, tais como universidades, centros de
pesquisa, instituições tecnológicas, de testes e ensaios etc. são muito pouco
integradas ao processo de inovação no setor automotivo.
5.4. PERSPECTIVAS PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL
Como já vimos na seção 0, a participação das empresas multinacionais é
preponderante (quase 100% do faturamento) nos segmentos de montagem – de
automóveis e de caminhões – do setor automotivo. As empresas estrangeiras
também representam mais de 60% do faturamento do setor de autopeças e são
quase a totalidade do segmento de carrocerias e reboques. Nesse sentido, a
participação do capital nacional no setor automotivo está bastante circunscrita ao
segmento de autopeças e profundamente ligada à sua participação na cadeia de
fornecimento das montadoras.
O aumento da participação brasileira no mercado mundial de automóveis (seção 0)
e os ganhos de escala associados a esse aumento de produção podem abrir novas
janelas de oportunidades para a parcela nacional do setor de autopeças, na medida
em que pode contribuir para ampliar as escalas de produção dos fornecedores
domésticos.
70
Aliado a maior importância do Brasil no contexto mundial, também vimos que a
produção e o desenvolvimento de produtos do setor automotivo mundial tem sido
marcados pela estratégia modular e de plataformas mundiais. Essas estratégias se
caracterizam pela maior participação do setor fornecedor no desenvolvimento dos
novos modelos de automóveis (como vimos na seção 0).
Nesse sentido, Salerno et. all. (2002) defendem que o desenvolvimento local de
produtos pode contribuir para aumentar a participação dos fornecedores locais nos
novos modelos, entre eles, as empresas de capital nacional. Isso seria
especialmente relevante quando a subsidiária brasileira é a principal responsável
pelo desenvolvimento do produto, ou seja, quando ela é a sede do projeto.
Entre as 62 empresas líderes, existem 23 empresas (aproximadamente 30%) de
capital nacional e essas empresas respondem por cerca de 8% dos investimentos
em P&D das empresas líderes. A maior parte delas (13 empresas) está localizada
no segmento de autopeças e outras 6 estão no segmento de carrocerias e
reboques. Essas empresas não estão muito distantes das estrangeiras em termos
dos seus indicadores de inovação. A taxa de inovação de produto novo para o
mercado entre as empresas nacionais é de 18% (tabela 27), sendo que a do
conjunto das empresas líderes era de 20% (como vimos na tabela 20).
Por outro lado, das 434 empresas classificadas como frágeis, 430 são empresas
nacionais. Quase todas as empresas emergentes são empresas de capital nacional,
27 entre 28 empresas. Entretanto, a única empresa emergente multinacional é a
responsável pela maior parte dos investimentos em P&D desse grupo de empresas.
A tabela 27 mostra que as empresas nacionais emergentes investiram cerca de R$
10 milhões em atividades de P&D em 2005 entre os R$ 74 milhões desse grupo de
empresas. Isso explica porque, como proporção do faturamento, as empresas
domésticas desse grupo investem 3,8% em P&D ante os 9,1% do total das
emergentes. Ainda assim, esse investimento é bastante superior ao realizado pelo
conjunto das empresas domésticas.
As empresas de capital nacional no setor automotivo investem cerca de 0,72% do
seu faturamento em P&D, contra uma média de 1,44% do setor como um todo.
Entre as empresas líderes, esse diferencial não é tão elevado: as nacionais
investem 1,15% do faturamento em P&D contra 1,6% de todo o grupo de empresas
líderes.
71
TABELA 27. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NAS EMPRESAS DE CAPITAL
NACIONAL DO SETOR AUTOMOTIVO, POR CATEGORIA DE EMPRESA (EMPRESAS COM MAIS DE
30 PESSOAS OCUPADAS): 2005.
Número de inovadoras e taxa de inovação
líderes
número de empresas
Inovadoras
Inovadoras de produto
Inovadoras de processo
Total
430
27
791
23
201
149
26
399
100%
65%
35%
95%
50%
22
102
70
26
219
95%
33%
16%
95%
28%
22
3
11
22
58
95%
1%
2%
82%
7%
20
177
116
21
334
85%
57%
27%
78%
42%
9
11
7
2
30
40%
4%
2%
7%
4%
16
20
59%
3%
Inovadoras de produto novo para o
mercado mundial
emergentes
311
Inovadoras de processo novo para o
mercado
frágeis
23
Inovadoras de produto novo para o
mercado
seguidoras
4
18%
-
0%
0%
Esforços inovativos (R$ milhões e percentual da RLV)
líderes
RLV (R$ milhões)
Gastos em atividades inovativas (R$
milhões e % da RLV)
Gastos em P&D interno e externo
(R$ milhões e % da RLV)
seguidoras
frágeis
emergentes
total
8.393
14.292
1.970
250
24.905
490
505
43
23
1.060
5,8%
3,5%
2,2%
9,3%
4,3%
97
70
4
10
180
1,15%
0,49%
0,19%
3,81%
0,72%
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
72
6. FINANCIAMENTO AO INVESTIMENTO
Começaremos a análise sobre o financiamento ao investimento em atividades
inovadora pela avaliação dos principais obstáculos encontrados, pelas empresas
inovadoras, para realizar atividades de inovação.
Entre as 522 empresas do setor automotivo que desenvolveram projetos de
inovação – mesmo inacabados – 25% declararam terem encontrado algum tipo de
dificuldade para realizar a inovação (gráfico 8). Chama a atenção o fato de que esse
percentual é maior (40%), justamente, entre as empresas líderes, que são as mais
capazes de empreender esse tipo de atividade. Talvez as dificuldades maiores
enfrentadas por essas empresas tenham relação com a maior sofisticação ou com o
maior grau de inovatividade dos seus projetos de inovação.
GRÁFICO 8. PERCENTUAL DAS EMPRESAS INOVADORAS NO SETOR AUTOMOTIVO QUE
DECLARARAM TEREM ENCONTRADO DIFICULDADES PARA INOVAR: 2005.
50%
45%
44%
40%
35%
31%
30%
25%
25%
20%
20%
13%
15%
10%
5%
0%
líderes
seguidoras
frágeis
emergentes
total
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
A pergunta seguinte é: quais seriam essas dificuldades? Existem três fatores que,
são, para todas as empresas, os fatores mais citados como as principais
dificuldades encontradas para inovar. Os elevados custos dos processos de
73
inovação são citados como o principal fator a dificultar as atividades inovadoras por
mais da metade (52%) das empresas que declararam terem encontrado
dificuldades para inovar (tabela 28). O segundo fator mais citado como um
obstáculo relevante são os riscos econômicos das atividades inovadoras (47%)
seguido pela escassez de fontes de financiamento (35%).
Esse cenário não é muito diferente do que já foi verificado para o conjunto da
indústria brasileira. De fato, esses são os principais obstáculos às atividades
inovadoras na visão das empresas inovadoras. Em certa medida, todos esses
fatores estão relacionados: os altos custos e os elevados investimentos necessários
aumentam o risco de se empreender atividades inovadoras, cujo retorno
econômico, por vezes, é imprevisível. Como conseqüência, mobilizar recursos
próprios ou de terceiros para esse tipo de atividade torna-se mais arriscado do que
mobilizar esses recursos para investimentos em ampliação da capacidade ou em
modernização, cujos retornos são mais previsíveis. Nesse sentido, mecanismos de
financiamento tradicionais não são suficientes nem adequados para o financiamento
às atividades inovadoras.
TABELA 28. NÚMERO DE EMPRESAS QUE DESENVOLVEU PROJETOS DE INOVAÇÃO E
DECLAROU TER ENCONTRADO DIFICULDADES PARA INOVAR E QUAIS AS PRINCIPAIS
DIFICULDADES ENCONTRADAS: 2005.
Número de empresas e porcentagem
Que declararam terem encontrado
dificuldade para inovar
Que citaram os riscos econômicos como
principal dificuldade
Que citaram os elevados custos da inovação
como a principal dificuldade
Que citaram a escassez de fontes de
financiamento adequadas como a principal
dificuldade
Líderes
Seguidoras
Frágeis
Emergentes
Total
27
56
46
3
133
100%
100%
100%
100%
100%
14
21
26
1
63
53%
38%
55%
43%
47%
16
23
27
3
69
59%
41%
58%
100%
52%
6
15
21
3
46
24%
27%
45%
100%
35%
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
No caso das empresas emergentes, a escassez de fontes de financiamento é ainda
mais relevante. Todas as três empresas que declararam ter dificuldades para inovar
74
disseram que essa é a principal dificuldade. Nas empresas frágeis, 45% percebem
esse como o principal problema. Entretanto, para essas empresas, talvez não seja
apenas a escassez de fontes de financiamento mas a sua capacidade em acessar
os recursos disponíveis.
GRÁFICO 9. FONTE
DOS RECURSOS INVESTIDOS EM
P&D
DAS EMPRESAS INOVADORAS
NO SETOR AUTOMOTIVO. % 2005.
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
próprio
85%
líderes
público
95%
97%
100%
seguidoras
privado
frágeis
emergentes
89%
total
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.
O gráfico 9 mostra a razão de as fontes de financiamento serem consideradas um
dos três principais obstáculos às atividades inovadoras. 89% dos investimentos
realizados em P&D pelas empresas do setor automotivo são financiados com
recursos próprios, menos de 11% são recursos públicos e apenas 0,1% são
recursos privados de terceiros. Ou seja, tanto a participação pública quanto,
especialmente, a participação do crédito privado tem pouca relevância no
financiamento das atividades tecnológicas na indústria automobilística brasileira.
As empresas emergentes constituem o caso mais emblemático: essas empresas
nem sequer tomam recursos, públicos ou privados, para investir em inovação.
Todos os seus investimentos são financiados com recursos próprios, mesmo elas
sendo empresas promissoras, do ponto de vista tecnológico, dado que possuem
departamentos próprios de P&D e, muitas vezes, fazem inovações extremamente
75
abrangentes, dado que criam novos produtos para o mercado mundial. Também
são empresas com pequena escala de produção e cuja disponibilidade de recursos
próprios para financiar essas atividades é, provavelmente, muito pequena.
As empresas líderes, por sua vez, são as que mais acessam mecanismos públicos
de financiamento à P&D. Cerca de 15% dos seus investimentos nessa atividade são
financiados com recursos públicos. Essas também são, como já vimos, as
empresas que mais investem em P&D no setor automotivo, o que ajuda a explicar
porque possuem maior acesso aos mecanismos de financiamento. Também são
elas as empresas capazes de liderar o processo de desenvolvimento tecnológico do
setor.
GRÁFICO 10. PERCENTUAL DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO QUE RECEBERAM
FINANCIAMENTO DO BNDES: 2005.
90%
82%
80%
70%
62%
60%
50%
50%
38%
40%
30%
20%
13%
10%
0%
líderes
seguidoras
frágeis
emergentes
total
Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do
IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX) – MDIC; BNDES.
O percentual de empresas financiadas pelo BNDES – não apenas em atividades
inovadoras – também é maior entre as empresas líderes. No setor automotivo,
metade das empresas utilizou recursos do BNDES para financiar seus
investimentos. No grupo das empresas líderes, mais de 80% utilizam os recursos do
Banco.
76
7. INOVAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO DO SETOR
AUTOMOTIVO NA ÓTICA DO EMPRESARIADO
A presente sessão tem como objetivo analisar a percepção dos empresários sobre
as estratégias utilizadas pelas empresas do setor automotivo para acumular
conhecimento e promover inovações. Esta análise é feita com base em entrevistas
dirigidas com empresários e organizações representativas do empresariado no
setor analisado. As entrevistas (ver roteiro em anexo) foram orientadas visando
captar a visão do empresariado sobre as principais inovações do setor, as
estratégias e as necessidades do setor para inovar. Mais especificamente a
primeira parte da entrevista busca entender o que os empresários consideravam
como as principais inovações no setor. As questões seguintes tratam das fontes de
informações utilizadas para inovar e como os empresários avaliam as parcerias
realizadas com agentes externos como fornecedores, centros de pesquisa e
universidades. O terceiro conjunto de questões busca entender como as
organizações representativas do empresariado dos setores investigados tratam do
tema da inovação.
7.1. PERCEPÇÃO
DOS
EMPRESÁRIOS
SOBRE AS
INOVAÇÕES
NO
SETOR
AUTOMOTIVO
No caso do setor automotivo foram entrevistados membros das principais entidades
representativas do setor: Associação Nacional de Fabricantes de Veículos
Automotores (ANFAVEA), Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) e
Sindicato de Autopeças de SP (Sindipeças). Segundo estas entidades, as principais
inovações dos últimos 10 anos estão ligadas a questão do uso de energia
alternativa (biocombustível), segurança e meio ambiente.
Sobre o tema questão do uso de energias alternativas, os entrevistados foram
unânimes em apontar os estudos realizados pela Embrapa23 desde o período do
23
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
77
Pró Álcool, como responsáveis pela produção de conhecimento que acabou
gerando inovações no setor de combustíveis e de autopeças como os motores flex.
No tema meio ambiente os entrevistados apontaram não apenas o desenvolvimento
de formas mais adequadas de controle de emissões poluentes, via melhoria na
tecnologia automotiva com de combustíveis, como também de fontes alternativas de
energia para produzir um chamado “transporte verde”.
Segundo um dos
entrevistados, estudos sobre o uso energias alternativas, estão ganhando espaço
nas matrizes na Europa e E.U.A e o que era considerado há cerca 2 anos, uma
forma da apresentar a empresa como politicamente correta na sua preocupação
com o meio ambiente, é hoje visto como uma necessidade e meta a ser perseguida.
Nesse caso, as estratégias das matrizes tem sido atuar em duas vertentes: realizar
esforços no sentido de aumentar a eficiência dos tradicionais mecanismos e
componentes baseados no sistema de combustão interno e, ao mesmo tempo,
orientar seus estudos na busca de sistemas que funcionem com novas formas de
energia não mineral. Este tem sido o padrão de comportamento, em termos de
busca de conhecimento para inovar, tanto de empresas que produzem carros de
porte médio para um mercado de utilitários como a Toyota , VW, GM e Fiat , como
empresas que fazem carros esportes e do mercado de luxo como BMW, Porsche e
Jaguar.
No âmbito da segurança veicular foram apresentados como inovações dos últimos
10 anos o sistema de freio denominado ABS, (Anti lock Braking System) o airbag, o
Cinto de Segurança de 3 pontos e os sistemas de ignição dos faróis ou de
iluminação.
A importância do freio ABS em termos de inovação na área de segurança veicular é
ressaltada por empresários do setor pelo fato da derrapagem ser considerada uma
das principais causas de acidentes. O freio ABS consiste num sistema de travagem
que evita que a roda bloqueie (quando o pedal de freio é pisado fortemente) e entre
em derrapagem, deixando o automóvel sem aderência à pista. Assim, evita-se o
descontrole do veículo (permitindo que obstáculos sejam desviados enquanto se
freia) e aproveita-se mais o atrito estático, que é maior que o atrito cinético24. Este
24
Informações técnicas Sindipeças
78
sistema foi desenvolvido pela matriz e a Bosh é um dos grandes fornecedores no
Brasil.
Os outros componentes de segurança, também considerados inovação no setor
como o airbag-25, e Sistemas de Iluminação (ex: uso de infra-vermelho), também
foram desenvolvidos pelas matrizes e produzidos nacionalmente pelas subsidiária.
Este é o padrão de desenvolvimento de produtos novos do setor automotivo, ou
seja, cabe aos departamentos de P&D localizados nas matrizes,desenvolver os
projetos de produto e processos. As adaptações e ajustes são feitos localmente nos
chamados centros de desenvolvimento avançados. Segundo um dos entrevistados
o número de empresas que tem “convencido” a matriz a instalar Centros de P&D no
Brasil tem aumentado. Uma das primeiras foi a General Motors, com o Centro de
P&D local que desenvolveu o projeto das pickups da GM e que nos últimos 2 anos
admitiu mais de mil engenheiros26. Outras empresas vêm seguindo esta estratégia
visando desenvolver projetos apropriados para situações de infra-estrutura viária,
típicas de países em desenvolvimento. Entre estas estão a Renault, com Centro de
P&D, no estado do Paraná, a Peugeot, no Rio de Janeiro, e por último a Toyota.
Segundo o entrevistado, a última empresa demorou em lançar no mercado o
modelo flex-fluel por não ter um centro de P&D local.
Em síntese, segundo os empresários do setor, as principais inovações estão
relacionadas aos seguintes aspectos:
(a). Aperfeiçoamento simultâneo da cadeia produtiva do etanol (desde a genética da
cana
até a distribuição do combustível) e desenvolvimento de componentes e
autopeças que possibilitaram a plena utilização do Etanol. O motor flex-fuel é o
exemplo mais citado das inovações do setor.
(b).Desenvolvimento para atendimento 100% dos limites de emissões nas várias
fases do CONAMA27, tanto para motores Otto quanto para Diesel.
(c). Logística mais eficiente e automatizada (Fiat; GM; Ford; outras)
25
O airbag funciona acionando vários sensores dispostos em partes estratégicas do veículo (frontal,
traseiro, lateral direito, lateral esquerdo, atrás dos bancos do passageiro e motorista, tipo cortina no
forro interno da cabina) que emite sinais para uma unidade de controle que por sua vez checa qual
sensor foi atingido e assim aciona o airbag mais adequado.
26
Informação da Associação de Engenheiros da A
27
Conselho Nacional do Meio Ambiente- Ministério do Meio Ambiente
79
(d). Comunicação eletrônica entre compradores e fornecedores em vários setores
(CAD; Programação; etc.). Em geral montadoras e fornecedores 1º Tier.
(e). Novas fábricas de montagem construídas nos últimos 10 anos são líderes
mundiais em produtividade (horas por veículo montado).
(f).Prototipagem eletrônica. Simulações eletrônicas minimizando a necessidade de
testes longos e caros.
(g). Ampliação da utilização da Eletrônica Embarcada. Todos os veículos e
fabricantes. Muitos itens são desenvolvidos por multinacionais fornecedores de 1º
Tier: Bosch, Siemens, Marelli, Denso, Delphi, outros. Apesar dos avanços o Brasil
está atrás de países desenvolvidos nesse aspecto, principalmente em ITS
(Sistemas de Transporte Inteligentes).
(h). Novos equipamentos/ sistemas de segurança veicular como airbag, freios ABS,
cintos de segurança de 3 pontas e sistemas de iluminação que ampliam e
intensificam o espaço visual do condutor
Entre as motivações para inovar no setor é consenso entre os entrevistados a alta
concorrência no setor tanto no mercado internacional como no doméstico. Em
termos de mercado domestico, segundo entrevistados, poucos países têm tantas
montadoras competindo neste mercado como no Brasil. Outros fatores que teriam
motivado as empresas do setor a realizarem inovações, visando aumentar a
eficiência do processo produtivo e de distribuição, foram abertura da economia e
valorização cambial na época do Gustavo Franco (o efeito Gustavo Franco)28.
7.2. ESTRATÉGIAS
OU
MECANISMOS
DE
ACUMULAÇÃO
DE
CONHECIMENTO
PARA INOVAR
Os mecanismos de acumulação de conhecimento no setor automotivo no país são
fortemente
condicionados
pelas
diretrizes
das
matrizes
das
empresas
multinacionais. O envolvimento da matriz é significativo desde as primeiras etapas
28
Os entrevistados estão aqui se referindo ao Presidente do Banco Central e ao período de
consolidação do Plano Real, 1994-1999, particularmente a um dos eixos do referido Plano, ou seja, à
valorização artificial do cambio.
80
do desenvolvimento do produto, ou seja, definição de conceitos, planejamento de
produto, engenharia de produto e processo até etapas finais de validação do
processo e produto. Neste processo, o principal mecanismo para acumular
conhecimento para empresas subsidiárias tem sido a transferência de tecnologias e
know how pelas matrizes.
Nas subsidiárias, a transferência de conhecimento das matrizes é complementada
por centros de desenvolvimento de engenharia local para competências específicas.
Percebe-se nas entrevistas que as matrizes têm que ser convencidas a fortalecer os
centros de desenvolvimento locais para além das funções de adaptação e criação
de produtos específicos. Os argumentos mais utilizados pelos diretores das
subsidiárias têm sido a criatividade da mão- de- obra qualificada e o baixo custo da
engenharia brasileira. Como exemplos do sucesso no sentido de fortalecimento dos
centros de desenvolvimento local são citados o centro mundial de desenvolvimento
de caminhões da Mercedes no Brasil e vinda do centro de design mundial da GM.
Além da necessidade de adaptação de produtos e processos, os entrevistados
ressaltam que os centros de desenvolvimento locais se beneficiam da formação e
capacidade dos engenheiros.
“Tinha um presidente de uma montadora que eu discuti muito com ele. Era um
presidente da General Motors.. Era um cara chinês. E ele, há muitos anos falou
assim para mim: fulano, o engenheiro brasileiro é o engenheiro que tem mais
desenvoltura, mais jogo de cintura, um camarada. O engenheiro brasileiro é um dos
melhores do mundo.O que ele fez? Ele conseguiu provar na corporação mundial da
General Motors. Fez com que a General Motors do Brasil fosse o centro de pesquisa
de desenvolvimento de engenharia das pickups da General Motors, e ele admitiu
nos últimos dois anos mais de mil engenheiros”.
Ao mesmo tempo um entrevistado aponta para o risco de escassez de mão de obra
especializada dado o aumento de centros avançados de P&D. Na fala do
entrevistado:
Como todas essas empresas estão montando um centro de desenvolvimento de
pesquisa no Brasil, um problema seriíssimo é falta de mão-de-obra de engenharia.
Sério! Sério! Tanto é que eu tive uma reunião com o pessoal do Governo de São
Paulo através da Secretaria de Indústria e Comércio e eles me indicaram e nós
vamos indicar para as autopeças os cursos da Faculdade de Tecnologia. A Fatec vai
montar aí uma série de cursos, ao longo do Estado de São Paulo, de centros de
81
ensino específicos para determinadas matérias. Por exemplo; para mecânica, para
ar condicionado, para eletrônica e eletro-eletrônico”.
Embora o mecanismo principal de aprendizagem do setor automotivo nacional seja
a transferência de conhecimento de ponta gerada nas matrizes, nos últimos anos os
centros de desenvolvimento locais têm sido fortalecidos pelas matrizes visando um
melhor aproveitamento dos recursos da região onde se localizam e ao mesmo
tempo racionalizar a alocação de recursos em P&D. Esse fortalecimento tem se
dado no sentido de ampliação de competências dos centros de desenvolvimentos
locais potencializando a capacidade de geração e difusão de novos conhecimentos
na cadeia produtiva do país.
Nesta cadeia, composta por uma série de produtores de autopeças, o processo de
aprendizagem se dá principalmente na relação entre empresa e fornecedores
denominadas de empresas sistemistas. Atualmente as empresas sistemistas de 1
“Tier”29 trabalham diretamente com as montadoras não apenas montando o
sistema, mas no planejamento e logística de produção do novo produto.
A
cooperação entre montadoras e sistemistas de 1 nível se dá desde o início do
processo produtivo, e é apontado pelos entrevistados como o principal mecanismo
de aprendizagem e acumulação de conhecimento. Cabe observar que os
sistemistas de 1 Tier são empresas multinacionais e de porte semelhante as
montadoras, tendo inclusive vários centros de desenvolvimento localizados no país
como é o caso da Delphi.
Neste processo as empresas nacionais de autopeças estariam no nível ou tier 3 ou
4 produzindo parte da peça ou peça inteiras,como freio ou bomba injetora, que vão
compor os diversos sistemas automotivos. Neste segmento o principal mecanismo
de aprendizagem apontado tido sido a parcerias entre as empresas de 1 e 2 tier, já
que poucas empresas dos níveis menores tem porte para realizar P&D interno e
dependem nas empresas dos primeiros níveis. O processo de aprendizagem nos
tiers 3 e 4 é comprometido pelas relações mais conflituosas que cooperativas que
parece ser o padrão de relação entre autopeças de menor porte e as sistemistas de
2 e 1Tiers. Segundo representante do Sindipeças:
29
Tier, termo utilizado no setor para designar níveis de empresas que atuam como responsáveis e
montadoras de sistemas completos. Como sistemas de 1 tier são citados a Bosh , Delphi, Vanete e
Mareli
82
“Relação entre fornecedores e clientes é mais conflituosa do que
cooperativa, como conseqüência das políticas de suprimentos das grandes
montadoras (exceção: Japonesas). Somente quando o fornecedor adquire
status quase monopolista em nível mundial ou porte comparável as
montadoras, as negociações ocorrem mais equitativamente, havendo
verdadeira parceria em desenvolvimentos”.
No setor automotivo nacional, a contratação de P&D externo assim como parcerias
com Centros de Pesquisa e Universidades são práticas pouco freqüentes na busca
de informações e conhecimento para inovar. Os entrevistados foram unânimes em
apontar a questão do segredo industrial como a explicação para a pouca prática de
contratação de P& D externo pelo setor de montadoras e de produtores de
autopeças. Este foi um argumento recorrente quando o tema inovação e
conhecimento apareciam nas entrevistas. Algumas organizações empresariais do
setor como Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP) recusaram a
conceder entrevista utilizando o argumento do clima tenso no segmento dado a
problemas de patentes e segredo industrial.
A interação entre empresas, universidades e centros de pesquisa é tema
controverso entre os empresários do setor. Segundo o sindicato de autopeças, as
parcerias ocorrem de forma pontual para resolver problemas específicos da
produção e para testes de motores e de emissões. Embora os entrevistados
reconheçam a existência no país de centros de excelência tecnológica como a
Escola de Engenharia da Mauá e o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), Escola
Politécnica, USP e Instituto Tecnológico da Aeronáutica, estes não conseguem
atender as necessidades de testes, considerada a maior demanda do setor.
Dois aspectos são recorrentes no discurso dos empresários quando tratam to tema
interação universidade-empresa. O primeiro é o reconhecimento das dificuldades
que as pequenas e médias empresas têm em buscar parcerias com as instituições
de pesquisa, pois não tem departamento de pesquisa ou equipe de engenheiros
que consigam expressar suas necessidades e demandas a estes centros de
pesquisa. O segundo aspecto é a avaliação negativa dos empresários das parcerias
ao desqualificar o comportamento do pesquisador como “despreparado para
entender as necessidades de curto prazo da industria”, “falta de objetividade”,
“excesso de teoria” e “futurologistas”.
83
“O pessoal da Universidade não está preocupado em oferecer algo de
interesse mais prático para o setor. O que você vê, são projetos de muita
futurologia de muito longo prazo. Isso cria um desestímulo para buscar
parcerias com universidades”
e
“ Frustração. As universidades brasileiras têm pequena visão de cooperação
com a Indústria Mecânica em geral visando aperfeiçoamentos de curto e
médio prazo. Não há programas de apoio tecnológico para médias e
pequenas empresas. Quando há grande motivação política (exemplo:
biodiesel) ocorre alguma mobilização”.
Estas visões refletem o desconhecimento por parte dos empresários, da lógica que
rege as universidades e centros de pesquisa que é orientada para pesquisa básica
e geração de conhecimentos novos. Nessa lógica, os mecanismos de incentivo a
carreira do pesquisador são regidos pelo conceito de bem público, ou seja, de uma
produção cujos resultados deverão ser divulgados em revistas acadêmicas. Aqui a
lógica público, inerente aos centros de pesquisa das universidades públicas se
contrapõe a lógica do privado na forma de segredo industrial própria da empresa
privada. É esta incapacidade de compreender que as empresas e instituições de
pesquisas operam com lógicas diferentes e, portanto, têm objetivos e linguagens
diferentes que leva a muitos empresários a uma avaliação pessimista do processo
de interação.
É interessante observar que embora a interação universidade e empresa venham
ocorrendo de forma pontual e segundo os empresários, aquém do esperado, estes
mesmos
empresários
apontaram
como
principais
inovações
do
setor
o
desenvolvimento de motores flex-fuel e da cadeia de bio-combustíveis citando
centros e universidades públicas, Embrapa e Instituto Tecnológico da Aeronáutica,
como fundamentais na produção de conhecimento que possibilitou a inovação de
produtos no setor.
Concluímos pela necessidade de melhor qualificar estas interações de forma a
detectar a natureza destas parcerias em termos de seus objetivos, ou seja, afinal de
que os empresários falando quando o tema é interação universidade empresa? Esta
interação vem se dando para realização de testes nos laboratórios dos centros de
pesquisa, resolução de gargalos em processos, problemas com produtos, ou
84
projetos conjuntos de desenvolvimento de processos ou produtos? São pontuais ou
tem um caráter mais permanente? O conhecimento das boas práticas nesta área
possibilitaria desenhar melhor estratégias de incentivo e fortalecimento das
parcerias entre universidades e empresas no setor automobilístico.
7.3. A INOVAÇÃO NA AGENDA DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS
Neste item tratamos da pauta das principais organizações representativas do setor
automotivo com objetivo de conhecer os temas, prioridades e interesses que
mobilizam os esforços coletivos do setor. Argumentamos aqui, que existe uma
divisão de papeis entre as organizações representativas do empresariado.
Enquanto algumas organizações como os sindicatos concentram-se em atividades
mais tradicionais de defesa dos interesses do setor, as associações de profissionais
do setor vêm ampliando sua agenda no sentido de incorporar temas relacionados à
acumulação de conhecimento e inovação.
Organizações que foram concebidos num modelo de bases corporativas como os
sindicatos
patronais
e
de
trabalhadores
assim
como
as
federações
e
confederações, operam de forma mais tradicional na defesa dos interesses dos
respectivos setores fazendo pressão junto ao Executivo. A agenda é definida e tem
a sua pauta condicionada por temas de defesa e proteção dos interesses
econômicos mais imediatos como acordo de preços, redução de carga tributária e
pelas negociações coletivas do setor. Segundo representantes sindicais da indústria
automotiva questões relativas ao tema inovação são pouco debatidas e sindicato
sente muita dificuldade em mobilizar o setor sobre o tema.
Já as Associações de classe, muitas vezes denominadas livres, no sentido que
foram criadas fora do marco legal do sindicalismo, que agrupam empresas ou
profissionais de um setor específico, tem espaço na sua agenda para além das
questões econômicas mais imediatas. Muitas delas têm a sua própria origem, como
por exemplo, Associação Nacional de Engenheiros da Indústria Automotiva, ligadas
as necessidades de desenvolvimento tecnológico das empresas do setor. Temas
relacionados ao incremento da competitividade, desenvolvimento tecnológico como
o marco regulatório dos novos bio-combustíveis, a legislação das emissões, novos
85
mecanismos de segurança veicular fazem parte da agenda atual deste tipo de
Associação. Essas associações têm desempenhado o papel de traduzir e
intermediar as necessidades das empresas aos centros de pesquisa e
universidades e com órgão governamentais que regulam áreas afins ao setor
Automotivo como Ministério do Meio Ambiente e Minas e Energia.
Organizações capazes mobilizar empresários na busca de estratégias e
mecanismos de promoção da produção com base no desenvolvimento tecnológico
e inovações, podem se constituir em parceiros relevantes na consolidação de
políticas públicas de apoio ao desenvolvimento produtivo nacional.
86
8. OPORTUNIDADES TECNOLÓGICAS
A elevação dos preços do petróleo e as crescentes preocupações em relação ao
aquecimento global – aliadas a regulamentações governamentais em relação ao
volume de emissões – tem sido fatores determinantes das trajetórias tecnológicas
do setor automotivo, em nível mundial. Nesse sentido, boa parte dos esforços
tecnológicos dos grandes players do setor estão se voltando para a produção de
automóveis mais eficientes do ponto de vista de consumo de combustível, assim
como para a procura de combustíveis alternativos. O motor bicombustível – citado
por vários dos entrevistados ouvidos por essa pesquisa como uma das principais
inovações do setor automotivo brasileiro – é um exemplo dessa tendência.
Entretanto, o motor bicombustível continua baseado no atual paradigma tecnológico
do motor de combustão interna. De fato, o bicombustível brasileiro foi modificado
pelas filiais brasileiras a partir de motores desenvolvidos pelas matrizes.
Veículos de baixa emissão (LEV ou Low Emission Vehicles) estão sendo
desenvolvidos por todas as montadoras líderes do setor, em nível mundial. Existem
pelo menos três categorias de veículos de baixa emissão que estão recebendo
maior atenção dos grandes players do setor: os veículos elétricos; os híbridos e os
veículos movidos a célula de combustível (Frenken et. al., 2003).
Os veículos elétricos são impulsionados por um motor elétrico que, por sua vez, é
alimentado por uma bateria. Até o momento, a principal desvantagem dessa
tecnologia é que a energia precisar ser armazenada, no automóvel, na forma de
eletricidade. Isso demanda baterias muito caras, de grande volume e, até o
momento, de baixa durabilidade, além de uma infra-estrutura de recarga para esses
veículos.
O veículo híbrido, por sua vez, combina um motor de combustão interna com um
motor elétrico, que podem funcionar em paralelo ou em série. Num veículo híbrido
serial, o motor de combustão gera a energia necessária para o motor elétrico, que
impulsiona o veículo.
87
O veículo movido a célula de combustível é impulsionado por um motor elétrico que
é alimentado por uma célula de combustível. A célula converte uma fonte energética
(que pode ser hidrogênio) em eletricidade. A grande dificuldade dessa tecnologia,
nesse momento, está em como armazenar o hidrogênio no veículo e em toda a
infra-estrutura de abastecimento que precisará se desenvolvida. Esses veículos
também poderiam ser abastecidos com combustíveis tradicionais ou alternativos
(etanol, por exemplo) e, nesse caso, esses combustíveis seriam transformados em
hidrogênio no próprio veículo.
Frenken et. al. (2003) argumenta que os esforços tecnológicos e as patentes das
grandes empresas do setor estão distribuídas entre essas várias tecnologias.
Portanto, ainda não é possível determinar qual será o paradigma dominante em
termos de veículos de baixa emissão.
A maior eficiência energética demanda, além da busca por novas formas de
propulsão, outros tipos de tecnologia. Mesmo dentro do paradigma de motor a
combustão interna, ampliar a eficiência no consumo de combustíveis implica, entre
outras coisas, reduzir o peso do veículo e aumentar a eficiência desses motores.
Nesse sentido, a pesquisa de novos materiais, mais leves ou resistentes, tem sido,
assim como no setor aeronáutico, uma das grandes frentes de desenvolvimento
tecnológico no setor automotivo.
Para avaliar para que áreas do conhecimento e domínios tecnológicos estão se
voltando as patentes do setor automotivo, utilizamos a base de dados do escritório
Norte-americano de patentes (USPTO) entre 1974 e 2006. Como o setor automotivo
é um setor bastante internacionalizado no qual os grandes players são conhecidos,
selecionamos os depósitos de patentes das grandes empresas do setor,
montadoras e autopeças30.
Antes de mais nada, a tabela 29 mostra quem são as líderes tecnológicas do setor,
em nível mundial, e como essa liderança tem se alterado ao longo do tempo. Na
década de 70, a General Motors e a Ford eram responsáveis, respectivamente, por
44% e por 14% de todas as patentes depositadas pelas montadoras do setor no
30
A relação de todas as montadoras do setor foi retirada do site da OICA e, para as autopeças,
utilizamos a relação das empresas filiadas ao SINDIPEÇAS, dado que a maior parte das grandes
multinacionais do setor estão instaladas no Brasil.
88
USPTO. Honda e Toyota respondiam por apenas 2% e 6% dessas patentes,
respectivamente.
TABELA 29. NÚMERO DE PATENTES REGISTRADAS, POR ANO, NO USPTO PELAS
EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006.
Empresa
1974
1982
%
Nº
1990
%
Nº
1998
%
Nº
2006
%
Nº
%
Nº
1284
100%
1381
100%
3208
100%
3980
100%
3665
100%
124
10%
304
22%
1284
40%
1547
39%
1029
28%
26
2%
95
7%
377
12%
382
10%
785
21%
566
44%
251
18%
379
12%
300
8%
484
13%
Toyota
80
6%
171
12%
176
5%
402
10%
471
13%
Nissan
118
9%
316
23%
398
12%
197
5%
348
9%
Hyundai
0
0%
0
0%
2
0%
309
8%
190
5%
Volvo
6
0%
18
1%
10
0%
38
1%
61
2%
Porsche
9
1%
11
1%
49
2%
26
1%
47
1%
184
14%
88
6%
154
5%
143
4%
39
1%
0
0%
0
0%
131
4%
63
2%
39
1%
Peugeot
15
1%
12
1%
16
0%
4
0%
26
1%
Citroen
19
1%
6
0%
1
0%
1
0%
26
1%
Saab
1
0%
0
0%
2
0%
3
0%
23
1%
Smart
0
0%
0
0%
6
0%
15
0%
20
1%
Volkswagen
2
0%
0
0%
13
0%
17
0%
15
0%
Todas
Mitsubishi
Honda
General Motors
Ford Motor
Mazda
Fonte: USPTO
Durante as últimas décadas, a liderança tecnológica das montadoras norteamericanas foi extremamente corroída. Em 2006, 21% das patentes depositadas
pelas montadoras no USPTO, eram da Honda, 13% da General Motors e 13% da
Toyota. Note-se que a Mitsubishi aparece como líder absoluta entre as montadoras.
Entretanto, essa empresa produz vários outros produtos, desde eletrônicos de
consumo até automóveis e sua participação elevada pode ser explicada por essa
ampla base tecnológica.
A tabela 30 mostra o domínio tecnológico citado nas patentes registradas no
USPTO das montadoras do setor automotivo para vários anos a partir de 1974. A
tabela evidencia as mudanças tecnológicas que aconteceram neste setor no últimos
40 anos. A maior parte das patentes registradas na década de 1970 era de
“componentes elétricos”,“análise, medida e controle” seguida de semicondutores.
89
Na década de 2000 o domínio tecnológico passa para “tecnologias da informação” e
“telecomunicações”. Há uma grande possibilidade de no futuro a maior parte das
patentes estarem relacionadas à energia. A tabela 31 mostra que as engenharias
permanecem com as áreas científica mais importantes ao longo dos últimos 40
anos.
TABELA 30. DOMÍNIOS TECNOLÓGICOS CITADOS PELAS PATENTES REGISTRADAS NO
USPTO PELAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006.
1974
1982
1990
1998
2006
Tecnologias da informação
4%
1%
4%
8%
13%
Telecomunicações
8%
6%
5%
5%
12%
Química Macromolecular
6%
6%
5%
13%
9%
Componentes elétricos
14%
12%
8%
8%
8%
Análise, medidas e controle
13%
5%
5%
6%
6%
Audiovisual
6%
2%
3%
2%
5%
Química orgânica fina
4%
18%
9%
11%
5%
5%
8%
9%
5%
4%
10%
2%
12%
7%
4%
4%
1%
3%
2%
3%
Tecnologias de superfície e
revestimento
Semicondutores
Motores, bombas e turbinas
Fonte: Ribeiro, Ruiz, Bernardes e Albuquerque (2008)
TABELA 31. ÁREAS CIENTÍFICAS MAIS CITADAS NAS PATENTES DAS EMPRESAS DO SETOR
AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006.
1974
1982
1990
1998
2006
37%
18%
22%
21%
27%
Inorgânica
15%
38%
28%
28%
17%
Engenharia Mecânica, Civil e outras
10%
11%
14%
14%
14%
2%
3%
3%
3%
13%
17%
11%
13%
13%
11%
7%
8%
8%
11%
6%
Engenharia Eletrônica
Engenharia Química e Química
Ciência dos Materiais
Física (outros)
Química orgânica
Fonte: Ribeiro, Ruiz, Bernardes e Albuquerque (2008)
90
9. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA
Na primeira seção deste trabalho, mostramos que o setor automotivo é um setor
extremamente capaz de impulsionar a produção industrial, devido aos seus fortes
efeitos de encadeamento com vários outros setores da estrutura industrial brasileira.
De fato, é possível afirmar que boa parte do crescimento da indústria brasileira no
período recente se deve ao bom desempenho desse setor.
Esse crescimento recente, depois da relativa estabilidade na produção de veículos
durante os anos 90 foi fruto de vários fatores. Em primeiro lugar, o setor automotivo
brasileiro tinha, no início dos anos 2000 uma grande capacidade instalada, e um
elevado índice de ociosidade. Efetivamente, é bom lembrar que durante a primeira
metade dos anos 90 foram realizados uma série de investimentos no setor
automotivo brasileiro, tanto em resposta aos incentivos do regime automotivo
quanto devido às estratégias das multinacionais do setor. Esse é, aliás, um segundo
fator relevante.
Os mercados dos países desenvolvidos alcançaram uma relação de habitantes por
automóvel relativamente estável, o que reduziu a possibilidade de crescimento da
demanda no longo prazo e contribuiu para um acirramento da concorrência entre os
grandes players do setor. Como resposta a esse acirramento da concorrência, o
setor automobilístico se voltou para os países ditos emergentes, com perspectivas
de maior crescimento da demanda. Nesse sentido, a participação de alguns desses
países, especialmente os BRICS, na produção mundial de automóveis cresceu de
forma expressiva na última década. Devido ao tamanho do seu mercado de
consumo, principalmente do potencial desse mercado, a China se destacou entre os
BRICS, chegando, em 2007, a 12% da produção mundial de automóveis. O
crescimento recente do mercado brasileiro também contribuiu para que a posição
do país se tornasse mais significativa. Hoje, o Brasil é o sétimo maior produtor
mundial de automóveis, com 4% de toda a produção, logo atrás da França.
As perspectivas de crescimento do mercado brasileiro são, também, muito
positivas. É muito provável que, com os investimentos já anunciados pelo setor, nos
próximos anos o país venha a ganhar mais uma posição nesse ranking. Do ponto
de vista doméstico, o crescimento recente da produção e do consumo foi fortemente
91
impulsionado pela ampliação da renda disponível e pelo alongamento dos prazos
de financiamento de veículos. Assim, desse ponto de vista, o Brasil ganhou e tende
a continuar ganhando importância no mercado mundial de veículos. Efetivamente,
para várias montadoras, o Brasil é um dos principais mercados, o que abre novas
perspectivas também, do ponto de vista tecnológico.
Muito se falou, no passado recente, que as inovações e os esforços inovativos do
setor automotivo brasileiro eram determinados, apenas, pela necessidade de
adaptar os modelos desenvolvidos nas matrizes ao mercado local. Isso é verdade
apenas parcialmente. A adaptação de produtos ao mercado local parece ser apenas
o primeiro passo nas atividades de engenharia das subsidiárias locais. Na medida
em que as filiais brasileiras ganhem experiência nesse tipo de atividade adaptativa,
ganham também espaço junto às matrizes para realizar atividades mais complexas
e, por vezes, assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento de novos modelos.
Esse foi o caso do Fox, por exemplo, que foi um modelo desenvolvido
majoritariamente no país. Nesse sentido, a maior importância do mercado brasileiro
no contexto mundial, pode contribuir para que as matrizes desloquem cada vez
mais atividades de engenharia para a subsidiária local.
Outros fatores observado no cenário mundial também podem contribuir para a
ampliação das atividades tecnológicas das subsidiárias brasileiras. A estratégia
modular de produção e de desenvolvimento de produtos no setor automotivo abre
novas possibilidades para a maior participação de fornecedores e das subsidiárias
locais no processo de desenvolvimento de produtos da matriz, em nível mundial. A
maior participação dos fornecedores nesse processo pode, inclusive, abrir espaço
para as empresas de capital nacional na cadeia de fornecimento das montadoras.
De fato, as atividades tecnológicas desenvolvidas pelo setor automotivo brasileiro
não são, de forma nenhuma, desprezíveis ou menores. O setor automotivo
responde por 24% do total dos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento
realizado pelo conjunto da indústria brasileira. Em termos de esforços tecnológicos,
a proporção das vendas destinadas aos investimentos em P&D pelas empresas
brasileiras no setor é muito próxima a países como Espanha e Itália. Apesar disso,
a taxa de inovação no setor é bastante inferior a observada nesses países, o que se
explica pelo número elevado de empresas na base industrial do setor automotivo
brasileiro. Existem mais de 2 mil empresas no setor automotivo brasileiro, número
que é o dobro do verificado na Alemanha, por exemplo, país que produz três vezes
92
mais automóveis do que o Brasil. Esse fato ressalta necessidade de que o setor,
especialmente o segmento de autopeças, ganhe escala de produção para continuar
sendo competitivo internacionalmente.
Nesse trabalho, identificamos que existem 62 empresas líderes no setor automotivo
brasileiro. Essas empresas são responsáveis por quase 60% do faturamento do
setor e por mais de 60% dos seus investimentos em P&D. Pelas suas
características competitivas, essas seriam as empresas com capacidade para
impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor e determinar as tendências
tecnológicas do setor no longo prazo.
Analisamos também, as estratégias de inovação adotadas pelas diferentes
empresas do setor automotivo. Partimos da premissa que uma estratégia
tecnológica mais diversificada – que inclua tanto investimentos em P&D quanto
aquisição externa de tecnologia – tende a ser mais vantajosa tanto do ponto de
vista dos seus resultados para a empresa inovadora quanto do ponto de vista da
geração de externalidades para o restante da indústria.
Vários autores argumentam que boa parte da inovação na indústria brasileira é
baseada, simplesmente, na aquisição de máquinas e equipamentos mais
sofisticados. Esse tipo de inovação demandaria menos esforços tecnológicos e teria
menos capacidade de alavancar o desenvolvimento tecnológico da indústria
brasileira. Observamos que isso é verdade para as empresas frágeis e, em certa
medida para as empresas seguidoras. As empresas líderes, entretanto, possuem
estratégias tecnológicas muito mais diversificadas e intensivas na acumulação
interna de conhecimento.
As empresas líderes são mais capazes de cooperar e de estabelecer vínculos com
outros agentes do sistema de inovação. Dessa forma, também são mais capazes de
gerar externalidades positivas para o conjunto do setor automotivo e da indústria
brasileira de modo geral. Muito embora também tenhamos verificado que a
inovação no setor automotivo – especialmente nas empresas montadoras – ainda é
muito dependente das suas matrizes localizadas no exterior. Chamou a atenção o
fato de que mais de 30% das empresas montadoras brasileiras declararam que o
principal responsável pela inovação implementada por ela é uma outra empresa do
grupo no exterior.
93
Apesar da cooperação ser uma atividade bastante comum entre as empresas
líderes, observamos que o setor automotivo brasileiro como um todo ainda coopera
muito pouco em comparação com outros países. As atividades de cooperação são,
como no resto do mundo, bastante intensas com fornecedores, clientes e com
outras empresas do grupo. A parceria com universidades e centros de pesquisa é,
entretanto, uma atividade praticamente inexistente no setor automotivo brasileiro.
Nesse sentido, e dado os impactos positivos – relatados pela literatura – das
atividades de cooperação sobre o desempenho inovador, o estímulo a essas
atividades pode ser um instrumento importante para impulsionar o desenvolvimento
tecnológico do setor.
A lei de inovação, cujos impactos ainda não podem ser observados pelos dados de
2005 (dado que a lei foi aprovada em 2004) pode ter efeitos importantes sobre as
parcerias entre empresas e instituições de ciência e tecnologia (C&T). Outros
mecanismos poderiam ser utilizados para impulsionar esse tipo de cooperação. A
vinculação dos mecanismos existentes de subvenção e/ou financiamento ao
desenvolvimento de projetos cooperativos31 pode ser um instrumento importante
para estimular as atividades de cooperação, não apenas entre empresas e
universidades mas também entre diferentes empresas. Esse é um aspecto
importante no setor automotivo, dada a crescente importância dos fornecedores no
desenvolvimento de produtos realizado pelas montadoras. Da mesma forma, a
crescente importância das tecnologias da informação nas inovações do setor
automotivo pode ser beneficiada de políticas de financiamento que estimulem
parcerias entre empresas automobilísticas e de tecnologias de informação.
Em relação aos mecanismos de financiamento existentes e à utilização de
mecanismos públicos de apoio à inovação, verificamos que esses mecanismos
estão mais direcionados para as empresas líderes. Dado que, como já
argumentamos, essas são as empresas mais capazes de impulsionar o
desenvolvimento tecnológico do setor, esse viés nos parece acertado.
Entretanto, também verificamos que há um grupo de empresas fortemente
inovadoras – que são as empresas emergentes – cujo acesso aos mecanismos
públicos de estímulo à inovação é praticamente nulo. Tudo indica que essas
31
É bom lembrar que a FINEP já subvenciona projetos de inovação realizados em parceria entre
empresas e universidades por meio do chamado FNDCT cooperativo. Entretanto, não há, até onde
os autores sabem, mecanismos similares que estimulem a parceria entre empresas.
94
empresas sejam muito promissoras do ponto de tecnológico e que, portanto,
deveriam merecer maior acesso aos mecanismos públicos de financiamento. Essas
são empresas que possuem departamentos de P&D e/ou realizam inovações para o
mercado mundial. Nesse sentido, uma alternativa para direcionar mais recursos
públicos para essas empresas poderia ser a vinculação de alguns financiamentos à
existência de departamentos de P&D ou à implementação prévia de inovações para
o mercado brasileiro ou para o mercado mundial. Esse seria um critério
perfeitamente aceitável, especialmente dada a característica cumulativa do
progresso técnico, que faz com que o desenvolvimento tecnológico futuro seja
bastante dependente do que a empresa já realizou no passado, em termos
tecnológicos.
Por fim, a análise de oportunidades tecnológicas, na última seção do relatório traz
um mapa de quais as áreas tecnológicas e científicas que estão, atualmente, dando
suporte para as inovações do setor automotivo. Em termos de domínios
tecnológicos, verificamos que as tecnologias da informação e as telecomunicações
estão ganhando espaço nas patentes do setor automotivo, evidenciando que, cada
vez mais, as inovações nesse setor são dependentes dessas tecnologias.
Em relação às áreas de conhecimento, verificamos a emergência da ciência dos
materiais como fonte para as inovações no setor automotivo, juntamente com as
engenharias. A emergência desse campo científico está profundamente relacionada
com a necessidade de aumentar a eficiência energética dos automóveis, que é uma
tendência tecnológica predominante no setor.
O desenvolvimento de novos materiais é, de fato, uma tecnologia pré-competitiva
que pode ser utilizada tanto no setor automotivo quanto em outros setores, talvez o
aeronáutico seja o principal exemplo. Nesse sentido, existe aí um espaço
importante de atuação de políticas públicas. É possível pensar na criação de
centros de pesquisa em tecnologias pré-competitivas –
apenas na ciência dos
materiais mas também em ou novos combustíveis – que poderiam impulsionar o
desenvolvimento tecnológico do setor.
Por outro lado, é preciso também estimular a formação profissional nas áreas do
conhecimento mais necessárias para as inovações automotivas. A relativa escassez
de engenheiros qualificados é uma questão que precisa ser resolvida para garantir
o progresso técnico no setor.
95
Por fim, grande parte da literatura sobre o setor automotivo tem destacado a
redução de emissões como uma das tendências tecnológicas mais importantes do
setor no futuro próximo. Nesse sentido, além de desenvolver mecanismos que
estimulem a inovação nessas áreas, é necessário fortalecer os mecanismos de
“enforcement” destinados a controlar a emissão de poluentes.
96
ANEXO 1: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O SETOR AUTOMOTIVO NA DÉCADA DE
1990
A indústria automobilística brasileira contou com proteção absoluta desde o início
de sua implantação no país até o começo dos anos 90. Com o processo de abertura
à concorrência externa, uma política industrial específica para o setor automotivo
adquiriu especial relevância desde os primeiros anos da década de 90 e,
principalmente, após o programa de estabilização econômica iniciado em 1994.
Após 1990, diversas medidas de política governamental foram dirigidas diretamente
para o setor automotivo conforme mostra a tabela 1.
A abertura de 1990 e 1991 marcou o fim de regimes discricionários de proteção à
concorrência externa, entre eles o BEFIEX. A política para o setor automotivo em
1992 e 1993 foi marcada pelas negociações na Câmara Setorial do Complexo
Automotivo. Neste período foram negociadas reduções de impostos (IPI e ICMS) e
das margens de lucro dentro da cadeia produtiva. Foram também fixadas metas de
salário e emprego. Em 1993, além das políticas deliberadas no âmbito da Câmara
Setorial, o governo reduziu o IPI dos carros populares para 0,1%.
O período de 1994 até o início de 1995 foi caracterizado pelo fim das negociações
na Câmara Setorial e pela redução nas alíquotas de importação de veículos e
peças. O Imposto de Importação (II) atingiu o nível mais baixo, 20%, em setembro
de 1994 com a antecipação da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC). No início
de 1995, em resposta ao crescimento das importações de veículos e à preocupação
com possível desvio de investimento estrangeiro do Brasil para a Argentina, a
abertura do setor automotivo começou a ser revertida, elevando-se inicialmente o
imposto de importação para 32% em fevereiro e para 70% em março.
A retomada de uma política industrial para o setor automotivo inicia-se com a edição
da Medida Provisória (MP) 1.024, de junho de 1995.
A imposição de cotas através da MP 1.024 deu origem a dificuldades do Governo
Brasileiro com o Governo Argentino. A Argentina alegava rompimento de acordo
firmado entre o Brasil e aquele país no contexto do Mercosul, além de ser
questionada no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O contencioso
entre Brasil e Argentina foi solucionado em janeiro de 1996 por meio de um acordo
97
firmado entre os dois países. Este previa o reconhecimento mútuo dos respectivos
regimes automotivos nacionais até dezembro de 1999.
No âmbito da OMC, as cotas poderiam, em princípio, ser justificadas sob o Artigo
XVIIIB do GATT, com base na fragilidade do balanço de pagamentos. Com mais de
US$ 45 bilhões de dólares de reservas cambiais o argumento brasileiro para
imposição de cotas não foi aceito no Comitê de Balanço de Pagamentos da OMC
em outubro de 1995.
Abriu-se assim caminho para a MP 1.235 e o Decreto 1.761, editados em dezembro
de 1995, que são as bases do regime automotivo regulamentado através da Lei
9.449 e do Decreto 2.072 de novembro de 1996 que vigorou até dezembro de 1999.
O principal instrumento de incentivo dado às montadoras instaladas no país foi a
redução do Imposto de Importação (II) até dezembro de 1999. Através dessas leis,
o II para veículos importados pelas montadoras instaladas no Brasil é reduzido em
50%. Para importações de bens de capital, a redução do II é de 90%. Para peças,
componentes e demais matérias-primas, foi estabelecido o seguinte cronograma de
redução do II: 85% em 1996, 70% em 1997, 55% em 1998 e 40% em 1999.
A contrapartida dos incentivos foi o índice de nacionalização mínimo de 60% e a
vinculação das importações às exportações. O regime vincula as importações ao
desempenho exportador das firmas. Para os bens de capital, foi estabelecido que a
proporção entre as aquisições de bens de capital produzidos no país e as
importações com redução do imposto de importação não poderia ser inferior à
proporção de 1 por 1 até dezembro de 1997 e de 1,5 por 1 a partir de janeiro de
1998. Para matérias-primas, essa proporção não poderia ser inferior a 1 por 1. Para
autopeças, o valor FOB das importações de insumos não pode exceder dois terços
do valor das exportações líquidas. O valor FOB das importações de matérias-primas
adicionado às importações de insumos e veículos de transporte, com redução do
imposto de importação, não poderia exceder o das exportações líquidas.
Além do regime automotivo geral, o governo federal publicou em dezembro de 1996
a MP 1.532 criou incentivos especiais para as firmas que se instalarem nas regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. A MP transformou-se na Lei 9.449 em
março de 1997. Estas medidas ficaram conhecidas como regime automotivo
regional ou especial. O regime especial permitia a importação de peças e
componentes com a redução de 90% do II até o ano de 1999. Estava previsto no
98
regime especial que as aquisições de máquinas e equipamentos fabricados no
Brasil dariam direito a um bônus de 200% para importação e, no caso de aquisições
de ferramentas fabricadas no Brasil, de 150%. Os bônus de importação vigoraram
durante toda a vigência do regime. O regime especial isentava do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI) as aquisições de máquinas e equipamentos até 1999
e reduzia em 45% o IPI nas aquisições de matérias primas e insumos. Além destes
incentivos, a medida isentava tais aquisições do Imposto de Renda calculado com
base no lucro da exploração do empreendimento, do adicional ao frete para a
renovação da Marinha Mercante e também do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) nas operações de câmbio realizadas para pagamento dos bens
importados.
99
TABELA 32. - MEDIDAS DE POLÍTICA QUE AFETARAM O SETOR AUTOMOTIVO - 1990 - 2000
Instrumento
Medida
8 -MP 1.235 (14/12/95)
- Estabelecem as bases do chamado “regime automotivo brasileiro”. Entre os diversos
9- Decr. 1.761 (26/12/95)
incentivos, destacam-se: as montadoras instaladas no país poderão importar
automóveis com redução de 50% do imposto de importação e bens de capital com
10 - Decr. 1.863 (16/4/96)
redução de 90% do imposto de importação. A redução do Imposto de Importação para
as importações de máquinas, equipamentos, matérias-primas e peças realizadas pelas
montadoras instaladas no Brasil seguirão o seguinte cronograma: redução de 85% em
1996; 70% em 1997; 55% em 1998 e 40% em 1999. Índice de nacionalização de 60%.
Para as chamadas “newcomers” são estabelecidas flexibilidades especiais. O
comércio brasileiro realizado com o Mercosul obedecerá regras específicas.
- Modifica a Medida Provisória 1.235.
11 - MP 1.483
(5/2/96)
12 - Decreto 1.987
- Estabelece cota tarifária para importação de 50.000 carros no prazo de um ano a
(20/8/96)
partir da data de publicação do Decreto procedentes da Coréia, Japão e União
13- MP 1.532
Européia
(18/12/96)
- Estabelece regime especial para as montadoras que venham a se instalar nas
Regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Fixou-se até 31/05/97 o prazo de habilitação
14 - Decreto 2.072
para novas montadoras.
(24/11/96)
- Altera as alíquotas
“ad valorem” do Imposto de Importação de máquinas,
equipamentos, peças e componentes. Fica estabelecido o seguinte cronograma:
15- Decreto 2.307
redução de 60% no período de 24/11/96 a 31/12/96; 55% em 1997; 40% em 1998 e
(20/07/97)
1999.
16 - Lei 9.440 (14/03/97)
- Estabelece cota tarifária para importação de 50.000 carros no prazo de um ano a
Decreto 2.179 (18/03/97)
partir da data de publicação do Decreto procedentes da Coréia, Japão e União
Port.
Européia
Interm.
Nº3
- “Regime Automotivo Especial” - regiões NO, NE e CO.
(31/03/97)
17 - Lei 9.449 (14/03/97)
Decreto 2.072 (14/11/96)
Port.
Interm.
Nº
1
- “Regime Automotivo Geral”
(05/01/97)
18 - Lei Nº 1.602
- Altera os incentivos referente as alíquotas do Imposto de Importação da Lei 9.440 e
(14/11/97)
19
-
Decreto
2.391
(20/11/97)
da Lei 9.449 para empresas não habilitadas até 14/11/97.
- Alteram as alíquotas do IPI para veículos automotores.
Decreto 2.386 (14/11/97)
Decreto 2.375 (11/11/97
20 - Decreto 2.638
- Altera o Decreto 2.072 - Resultado na negociação Brasil/EUA
(30/06/98)
21- Decreto 2.706 (3/8/98)
- Altera as alíquotas do IPI para veículos automotores.
Fonte: IPEA
100
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101
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