Estudos Setoriais de Inovação Setor Automotivo AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL DETERMINANTES DA ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO PARA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NOS SETORES INDUSTRIAIS NO BRASIL SETOR AUTOMOTIVO Pesquisadores: Fernanda De Negri Luiz Bahia Lenita Turchi João Alberto De Negri Brasília, Dezembro de 2008 Sumário 1. DESCRIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA ......................................................................................... 2 2. O SETOR AUTOMOTIVO NA ÚLTIMA DÉCADA ............................................................................. 10 2.1. O CRESCIMENTO DOS BRICS E DA ÁSIA NO MERCADO INTERNACIONAL ............................... 10 2.2. Possibilidades de inserção nos sistemas de inovação ................................................ 14 do setor automotivo ............................................................................................................ 14 2.3. DESEMPENHO DO SETOR NO BRASIL: 1996 – 2008 ........................................................... 17 3. EMPRESAS LÍDERES NO SETOR AUTOMOTIVO .......................................................................... 29 3.1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS ............................................................................................. 30 4. INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO ................................... 36 4.1.INOVAÇÃO NUM SETOR DOMINADO POR TRANSNACIONAIS .................................................... 36 4.2. O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO ............................................ 40 4.3. A PARTICIPAÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS......................................................................... 44 5. INOVAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS FIRMAS COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO ....................................... 47 5.1. INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO ................................................................. 47 5.2. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ............................................................................................ 54 5.3. INTERAÇÃO COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO ....................................................................... 61 5.4. PERSPECTIVAS PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL ................................................. 70 6. FINANCIAMENTO AO INVESTIMENTO ........................................................................................ 73 7. INOVAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO NA ÓTICA DO EMPRESARIADO .................................................................................................... 77 7.1. PERCEPÇÃO DOS EMPRESÁRIOS SOBRE AS INOVAÇÕES NO SETOR AUTOMOTIVO ................ 77 7.2. ESTRATÉGIAS OU MECANISMOS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO PARA INOVAR ........... 80 7.3. A INOVAÇÃO NA AGENDA DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS ............................................ 85 8. OPORTUNIDADES TECNOLÓGICAS .......................................................................................... 87 9. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA ............................................................................. 91 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 101 1 1. DESCRIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA O setor automotivo tem inegável importância na estrutura industrial brasileira. Ele é um dos maiores setores da indústria, representando cerca de 10% do faturamento e 6% do emprego na indústria de transformação. Devido aos seus encadeamentos, é um setor cujo desempenho pode afetar significativamente a produção de vários outros setores industriais. A figura 1 delimita os sub-setores ou divisões que compõem o setor automotivo1. As setas representam fluxos monetários dos setores de origem (vendedores) para os de destino (compradores). Os elementos dentro da caixa em azul representam as divisões da cadeia produtiva automotiva que serão o objeto de análise deste trabalho. Elementos exteriores a essa caixa representam cadeias produtivas ou setores externos2. A figura destaca os principais elementos de ligação dentro da cadeia e com outros setores e cadeias produtivas, por meio dos fluxos monetários entre cada uma das divisões e setores representados. Nas relações dentro da própria cadeia automotiva, como era de se esperar, o setor de autopeças (peças e acessórios) tem um papel central como o principal fornecedor dos segmentos finais da cadeia: automóveis e caminhões. Em 2005, o setor de autopeças forneceu mais de R$ 15 bilhões para as montadoras de automóveis e utilitários e mais de R$ 6,5 bilhões para a fabricação de caminhões. As trocas inter-setoriais entre Cabines e Automóveis também se destacam nessa cadeia produtiva. Fora da cadeia automotiva propriamente dita, destacam-se o setor de aços e derivados, máquinas e equipamentos, material eletrônico, produtos de metal e artigos de borracha e plástico. O setor de aço e derivados representa um dos insumos mais importantes para todos os sub-setores da cadeia automotiva, especialmente para autopeças. A importância dos elos fora da cadeia automotiva se evidencia pelo valor dos seus fornecimentos ao setor. As montadoras de automóveis, por exemplo, compraram, em 2005, cerca de R$16 bilhões em componentes de fornecedores de fora da cadeia, ao 1 Essa análise foi possível pela construção, especificamente para este trabalho, de uma matriz insumoproduto para os setores analisados, em 2005. 2 Algumas setas foram representadas em traços diferentes, apenas para propiciar uma melhor visualização. 2 passo que compraram cerca de R$ 17 bilhões de fornecedores de autopeças e de cabines, carrocerias e reboques. Os principais fornecedores foram os setores de artigos de borracha e plástico e de aço e derivados. Para o sub-setor de autopeças, o valor dos fornecimentos de fora da cadeia superou os R$ 13 bilhões. Esses números explicam porque o setor tem impactos tão pronunciados sobre o nível de atividade da indústria de transformação. De fato, o crescimento da produção nesse setor pode, por meio de sua cadeia de fornecimento, impulsionar o crescimento de vários outros setores da indústria. 3 FIGURA 1. CADEIA AUTOMOTIVA, TRANSAÇÕES INTER-SETORIAIS EM 2005 (R$ MILHÕES) Artigos de borracha e plástico Aparelhos e materiais elétricos Produtos de metal exclusive máquinas 6351 3051 2704 4081 1041 Cabines, carrocerias e reboques 1528 1984 626 Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção 15421 Peças e acessórios Aços e Derivados Automóveis, caminhonetas e utilitários 122 7782 50 40 Recond/ ou recuperação de motores 6509 Caminhões e ônibus 500 Outros equipamentos de transporte 668 14 1456 1087 Material eletrônico e equipamentos Produtos metal exclusive máquinas de - Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção 395 2955 Artigos de borracha e plástico 4 Vale destacar, também, a relevância dos fluxos intra-setoriais de fornecimento em cada um dos sub-setores analisados. Especialmente no setor de autopeças – onde as autopeças de 2º e 3º nível fornecem boa parte das peças e componentes para as do 1º nível (sistemistas) – as relações de compra e venda entre as próprias empresas de autopeças são muito significativas. A jusante, a principal conexão dessa cadeia produtiva com outras são as vendas para os setores de Máquinas e equipamentos e para Outros equipamentos de transporte. A tabela 1 decompõe a demanda final das divisões do setor automotivo em 4 categorias: exportações, consumo das famílias, formação bruta de capital fixo (investimento) e outras demandas (consumo do governo e variação de estoques). A demanda intermediária, por sua vez, corresponde à demanda por produtos do setor automotivo de todos os outros setores produtivos da economia. TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DAS VENDAS SETORIAIS, POR CATEGORIA DA DEMANDA FINAL E INTERMEDIÁRIA (% DAS VENDAS TOTAIS DO SETOR, 2005) Demanda Final (% do total) Consumo Formação Divisões do setor automotivo Exportações das bruta (1) famílias de capital (2) fixo (3) Demanda Outras Demandas (4) Total Intermediária (1+2+3+4) (% do total) Automóveis, caminhonetas e 21,1 51,9 20,3 1,2 94,5 5,5 31,9 3,2 51,4 2,6 89,0 11,0 8,9 1,8 2,0 2,4 15,2 84,8 12,0 1,7 2,0 2,3 18,1 81,9 1,8 1,9 2,2 2,6 8,5 91,5 utilitários Caminhões e ônibus Peças e acessórios para veículos automotores Cabines, carrocerias e reboques Recond. ou rec. de motores para veículos automotores Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria. Os números revelam uma heterogeneidade importante na composição das vendas dos setores. Automóveis é principalmente demandado pelo consumo interno das famílias (51,9% das vendas), pelas exportações (21,1%) e pelo investimento (20,3%). O sub-setor Caminhões tem sua demanda concentrada em investimento (51,4%) e exportações (31,9%). Por outro lado, para as outras três divisões, a demanda intermediária (consumo dos setores produtivos) é o principal componente das vendas. A relevância do setor e de seus efeitos de encadeamento no restante da economia – visualizada na figura 1 – pode ser mensurada por meio do multiplicador simples da produção. O multiplicador nos diz qual o efeito, na produção total da economia, derivado de um aumento na demanda final do setor analisado. Ele é dividido em dois componentes: o direto e o indireto. O multiplicador direto mede o impacto sobre os setores que são fornecedores diretos do setor analisado, enquanto o multiplicador indireto nos dá o impacto nos demais setores da economia. A tabela 2 apresenta os multiplicadores simples de produção para os 5 sub-setores do setor automotivo. Os números revelam uma hierarquia bem definida nessa cadeia produtiva. Automóveis e Caminhões possuem o maior efeito multiplicador na economia: 3,76 e 3,60, respectivamente. Isso significa que cada Real de aumento na demanda final de automóveis leva a uma ampliação de R$ 3,76 reais na produção dos demais setores da economia. Para esses dois sub-setores, prepondera o efeito indireto (71,4% e 70,3% do total do efeito multiplicador), o que indica uma repercussão muito significativa em todos os demais setores econômicos, e não apenas naqueles que, como autopeças, fornecem diretamente ao setor. Esses resultados expressam muito bem o efeito dinamizador que o aumento da produção do setor automotivo pode ter sobre toda a atividade econômica do país. Peças e acessórios são um elemento de insumo significativo na cadeia produtiva do setor, com um componente direto do multiplicador (42,1%) relativamente superior a Automóveis e Caminhões. Isso indica um componente intra-setorial mais intenso dos efeitos multiplicadores, destacando um componente de inter-relações produtivas entre as próprias firmas do setor. O setor de Cabines é um elemento importante na cadeia automotiva, tanto como demandante como ofertante de insumos. Na sua inserção na economia brasileira, o multiplicador indica um efeito similar ao de Peças, mas com uma composição indireta relativamente maior. Por fim, o setor de Recondicionamento apresenta o menor multiplicador de produção entre os setores da cadeia, indicando uma 6 inserção relativamente menos importante na estrutura setorial da economia brasileira. TABELA 2. MULTIPLICADOR SIMPLES DE PRODUÇÃO NOS SETORES AUTOMOTIVOS SELECIONADOS (2005) Multiplicador Simples de Produção Automóveis, caminhonetas e utilitários Caminhões e ônibus Peças e acessórios para veículos automotores Cabines, carrocerias e reboques Recond. ou rec. de motores para veículos automotores Participação no mult. (%) Direto Indireto (A/Total) (B/Total) 2,69 28,6 71,4 1,07 2,53 29,7 70,3 3,17 1,33 1,84 42,1 57,9 3,06 1,04 2,01 34,2 65,8 2,35 1,00 1,35 42,7 57,3 Total (A+B) Direto (A) Indireto (B) 3,76 1,08 3,60 Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria. Em termos de emprego, o setor automotivo não é um setor intensivo em mão-deobra, fato já evidenciado por sua participação no emprego industrial menor do que sua participação nas vendas da indústria brasileira. Alguns sub-setores, como recondicionamento e autopeças são mais intensivos em mão-de-obra do que os demais (tabela 3). Entretanto, este é um setor que emprega relativamente mais mão-de-obra qualificada que os demais setores da economia. A tabela 3 mostra a relação entre empregos e produção, ou seja, número de empregos para cada R$ 1 milhão produzido por cada segmento do setor automotivo. Os números de emprego por setor foram divididos de acordo com a qualificação (educação) dos trabalhadores em: nível superior, nível médio e baixa escolaridade (ensino fundamental). Os dados revelam a predominância das ocupações de nível baixo em Recondicionamento, e a maior participação dos níveis superior e médio em Automóveis e Caminhões. Para Peças e Cabines predominam os níveis médio e baixo. 7 TABELA 3. COEFICIENTES SETORIAIS DE EMPREGO - 2005 Coeficiente de emprego Sub-setor do setor automotivo (Ocupações/Valor Produção em milhões de reais) Total Superior Médio Baixo utilitários 1,39 0,31 0,59 0,50 Caminhões e ônibus 1,28 0,42 0,62 0,24 automotores 4,90 0,47 2,13 2,30 Cabines, carrocerias e reboques 6,21 0,79 3,63 1,79 23,58 0,69 10,25 12,64 Automóveis, caminhonetas e Peças e acessórios para veículos Recond. ou rec. de motores para veículos automotores Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria. Apesar de não ser um setor intensivo em mão-de-obra, assim como na produção, os efeitos multiplicadores do setor em termos de emprego não são desprezíveis. Os multiplicadores de emprego (tabela 4) representam, para cada setor, a capacidade de geração e propagação de empregos na economia decorrente da expansão da produção (ou demanda) dos seus produtos. Assim, eles indicam quais setores possuem capacidade relativamente maior de geração de emprego na economia, tanto em termos totais como por qualificação (nível educacional) da mão-de-obra. TABELA 4. MULTIPLICADOR SIMPLES DE EMPREGO NOS SETORES AUTOMOTIVOS SELECIONADOS (OCUPAÇÕES/R$ MILHÕES , 2005) Multiplicador Simples de Emprego (ocupações/R$ milhões) Sub-setor do setor automotivo Total Superior Médio Baixo (A+B+C) (A) (B) (C) Automóveis, caminhonetas e utilitários 25,21 3,49 10,18 11,52 Caminhões e ônibus 22,81 3,34 9,38 10,08 Peças e acessórios para veículos automotores 22,63 2,81 9,18 10,64 Cabines, carrocerias e reboques 22,59 2,87 10,12 9,60 35,01 2,26 14,82 17,93 Recond. ou rec. de motores para veículos automotores Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria. 8 O sub-setor, montagem de automóveis possue um efeito multiplicador de 25,21 na economia. Em outras palavras, para cada 1 milhão de reais de produção, o setor gera 25 empregos diretos e indiretos na economia. Destes empregos, 3,49 são de educação superior (14%) e 10,18 são de nível médio (40%). Números similares são obtidos para Caminhões e Peças. Os demais sub-setores tem um efeito multiplicador similar, concentrado, entretanto, em postos de trabalho de menor qualificação. Em síntese, além de apresentar detalhadamente a estrutura do setor automotivo que será o foco desse trabalho, esta seção procurou evidenciar a relevância do setor em termos de seus impactos sobre o conjunto da economia brasileira. Tanto em termos de emprego, especialmente emprego qualificado, quanto em termos de produção o setor automotivo tem um potencial dinamizador extremamente significativo sobre a atividade econômica do país. Isso é ainda mais significativo no caso dos segmentos finais da cadeia automotiva, fabricação de automóveis e de caminhões e ônibus. Esses segmentos, embora sejam menos intensivos em mão-de-obra, em virtude de seus encadeamentos intra e inter-setoriais, possuem um potencial multiplicador de emprego muito similar aos segmentos da cadeia que são muito mais intensivos em mão-de-obra. 9 2. O SETOR AUTOMOTIVO NA ÚLTIMA DÉCADA 2.1. O CRESCIMENTO DOS BRICS E DA ÁSIA NO MERCADO INTERNACIONAL Esta seção procura mostrar algumas das principais mudanças ocorridas no setor automotivo mundial na última década a fim de avaliar quais as perspectivas e as possibilidades do Brasil nesse novo cenário. Do ponto de vista da organização da produção ao redor do mundo, a década de 90 foi marcada pela saturação e pelo acirramento da concorrência (Almeida et. al, 2006) nos mercados desenvolvidos. Esses mercados já alcançaram um nível de maturidade no qual a relação de habitantes por veículo pode ser considerada relativamente estável. Isso reduziu significativamente, as possibilidades de crescimento da demanda nesses países. Como conseqüência do acirramento da concorrência, ampliou-se a capacidade ociosa no setor automotivo ao mesmo tempo em que se observou uma redução da rentabilidade desse setor nos países centrais. A resposta do setor a essa conjuntura foi um intenso processo de reestruturação produtiva, marcado pelo aumento dos investimentos nos países emergentes. De fato, alguns autores têm chamado a atenção para uma nova onda de internacionalização das empresas do setor (Salerno, Marx e Zilbovicius, 2003; Carvalho, 2004). No Brasil, essa onda de internacionalização se refletiu na entrada de várias novas empresas no setor na segunda metade da década de 90. Carvalho (2004, 2005), por exemplo, também destaca o papel cada vez mais relevante desempenhado pelas subsidiárias das grandes multinacionais do setor e pelo IDE (Investimento Direto Esterno). Esse movimento estaria sendo reforçado pela ampliação dos fluxos de comércio intra-firma e pela emergência de alianças e joint ventures entre as empresas do setor. A produção mundial de veículos cresceu muito pouco entre 1998 e 2002, passando de 53 milhões de veículos para cerca de 59 milhões. Depois de 2003, a produção mundial passou a acelerar substancialmente. Entre 2003 e 2007, a produção mundial de automóveis cresceu em aproximadamente 13 milhões de unidades. A China foi responsável pelo aumento de 4 milhões de unidades na produção 10 mundial, seguida pelo Japão com um aumento da produção da ordem de 1,4 milhão de unidades. Brasil e Índia também foram mercados que contribuíram de forma significativa para esse crescimento. A produção, nos dois países, aumentou mais de 100%, em aproximadamente 1,1 milhão de unidades cada um, entre 2003 e 2007. GRÁFICO 1. PRODUÇÃO MUNDIAL DE VEÍCULOS (MILHÕES DE UNIDADES): 1999 A 2007. 80 73,2 Milhões de unidades 70 60 64,5 53,0 56,3 58,4 56,3 59,0 60,7 2002 2003 66,5 69,2 50 40 30 20 1998 1999 2000 2001 2004 2005 2006 2007 Fonte: Organização Internacional de Montadores de Automóveis (OICA). Entre os mercados maduros, o Japão e a Coréia do Sul foram os que apresentaram melhor desempenho. Nos Estados Unidos, por outro lado, a produção de veículos vem declinando consistentemente nos últimos 10 anos. Entre 1998 e 2007, a produção norte-americana caiu de mais de 13 milhões de veículos para menos de 11 milhões. Esses números mostram uma das principais tendências do setor automotivo mundial nos últimos anos: o aumento da importância dos países emergentes – especialmente China, Brasil e Índia – na produção mundial. O gráfico abaixo mostra o aumento da participação dos BRICS no mercado mundial de veículos entre 1999 e 2007. Os BRICs representavam cerca de 9% da produção mundial de veículos em 1999 e, em 2007, já alcançaram uma participação de 23%. Em termos absolutos, o crescimento da participação dos BRICs na produção mundial de automóveis se deve, preponderantemente, ao crescimento da participação chinesa no mercado mundial, que passou de 3,2% em 1999 para 12% em 2007. Obviamente, o tamanho 11 absoluto do mercado chinês desempenha um papel decisivo nesse processo. Dos BRICs, o único país que parece não estar acompanhando tão fortemente esse processo de crescimento é a Rússia, cuja participação na produção mundial de veículos ficou praticamente estabilizada em pouco mais de 2% durante todo o período. GRÁFICO 2. PARTICIPAÇÃO (%) DAS PRINCIPAIS REGIÕES NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE VEÍCULOS: 1999 A 2007. 100% 3% 90% 8% 24% 80% 23% 70% 60% % 21% 31% 50% 40% 9% 21% 33% 27% 30% 20% 10% 0% 1999 Europa 2000 2001 2002 2003 BRIC América do Norte 2004 2005 2006 Ásia (exceto China e Índia) 2007 Outros Fonte: Organização Internacional de Montadores de Automóveis (OICA). O Brasil aumentou de 2,4% para 4% sua participação na produção mundial e, atualmente é o sexto maior produtor de veículos automotores, atrás de Japão, EUA, China, Alemanha e Coréia do Sul. Na mesma posição do Brasil também está a França. O gráfico acima também mostra que a produção mundial está distribuída de forma muito mais equilibrada entre as principais regiões produtoras (tomando-se o conjunto dos BRICs como uma região). América do Norte e Europa perderam participação significativa no mercado mundial de automóveis nos últimos anos, especialmente a América do Norte, cuja participação na produção mundial caiu de mais de 30% para cerca de 20%. Essa perda de participação norte-americana no setor automotivo se reflete no desempenho das duas maiores montadoras do país. Tanto a GM quanto a Ford perderam market share no mercado mundial nos últimos anos. Em 1998, as 12 montadoras norte-americanas ainda eram as duas primeiras no ranking da produção mundial de automóveis. Em 2007, a Toyota assumiu a primeira posição e a Honda entrou na lista das 5 maiores. TABELA 5. PRINCIPAIS EMPRESAS MONTADORAS E PARTICIPAÇÃO % NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE VEÍCULOS: 1998 E 2007. 1998 Posição Empresa 2007 Part. % Empresa Part. % 1 GM 14,31% Toyota 13,01% 2 Ford 12,37% GM 12,95% 3 Toyota-Daihatsu 9,83% Volkswagen 8,68% 4 Volkswagen 9,08% Ford 8,66% 5 DaimlerChrysler 8,52% Honda 5,42% 6 Fiat 5,09% PSA Peugeot 4,79% Fonte: Organização Internacional de Construtores de Automóveis (OICA). As montadoras japonesas começaram a ganhar market share no mercado mundial de forma significativa já durante os anos 80. Nesse período, introduziram uma série de novas técnicas na produção de automóveis (produção flexível, just in time etc..) e mostraram-se muito mais produtivas do que as montadoras norte-americanas e européias. Nos últimos anos, vários autores têm destacado a diminuição dos diferenciais competitivos entre as montadoras mais importantes, especialmente a redução dos gaps de produtividade e qualidade entre as montadoras japonesas e as ocidentais. A despeito disso, os indicadores apresentados mostram que as montadoras japonesas continuam ganhando mercado das ocidentais, especialmente das norteamericanas. Outra tendência revelada nesta tabela é que o mercado mundial vem se tornando menos concentrado. Em 1998, as cinco maiores montadoras detinham 54% da produção mundial de veículos e, em 2007, a fatia de mercado das cinco maiores caiu para 48,7%. 13 2.2. Possibilidades de inserção nos sistemas de inovação do setor automotivo Além da reorganização global da produção, também vem ocorrendo mudanças importantes do ponto de vista das estratégias competitivas e da organização interna da produção no setor. Essas mudanças têm especial relevância do ponto de vista do processo de desenvolvimento de produtos e de como países como o Brasil podem se ligar ao processo de inovação do setor em nível mundial. Durante os anos 80 e 90, o setor passou por um processo muito amplo de reestruturação derivado, em grande medida, da necessidade de se adequar aos padrões de eficiência estabelecidos pelas montadoras japonesas. A chamada “produção enxuta”, conceito introduzido pelas japonesas, passou a ser o padrão dominante na produção do setor. A reestruturação do setor, durante esse período, implicou a adoção de técnicas relacionadas com a produção enxuta, como o just in time, a qualidade total, certificações etc, que contribuíram para o aumento da produtividade naquele período. Outra tendência observada nos últimos anos é o aumento no número de modelos de automóveis (Biesebroeck, 2006), derivada de pressões de demanda por produtos cada vez mais diferenciados e adequados às necessidades de diferentes consumidores3. Alguns autores argumentam que isso tem tido impactos negativos sobre a produtividade do setor, pois o maior número de modelos reduz o volume de produção de cada um e dificulta a obtenção de economias de escala. Esse movimento de diversificação de produtos é exatamente o oposto do que preconizava o conceito original de “produto global” ou de “carro mundial”. A concepção de “carro mundial” supunha que haveria uma crescente homogeneização de gostos e preferências dos consumidores em vários países, o que abriria espaço para a fabricação de um único produto, destinado aos vários mercados. Fabricar um “produto global” teria óbvias vantagens em termos de ganhos de escala e redução de custos de produção. 3 Biesebroeck (2006) mostra que, entre 1974 e 2004, o número de modelos de carros e utilitários leves à venda na América do Norte cresceu de 185 para 320. 14 Entretanto, diferenças culturais e especialmente, de renda, entre os países tornaram muito difícil, ou mesmo inviável, que um produto projetado para um mercado específico possa ser comercializado, sem adaptações, em todos os outros mercados. Atualmente, segundo Dias (2003) o conceito de “carro mundial” está mais relacionado com um produto fabricado e comercializado em várias partes do mundo, mas no qual podem ser realizadas modificações e adaptações aos gostos e condições locais. Para aliar baixos custos de produção com uma maior diversidade de produtos oferecidos aos consumidores, a estratégia adotada pelas empresas do setor tem sido a de padronizar algumas partes centrais do automóvel e diferenciar outras por meio do projeto em plataformas ou do projeto modular (Dias, 2003). De fato, uma das estratégias adotadas pelas montadoras para lidar com a proliferação no número de modelos é produzir vários modelos em uma mesma plataforma. Uma plataforma pode ser definida como um conjunto de componentes comuns presentes em vários produtos distintos. Esses componentes podem variar segundo a empresa, mas de modo geral, a plataforma é constituída pela parte inferior do veículo, motor, caixas de câmbio, sistemas de suspensão e de freios (Bélis-Bergouignan e Lung, 19954). Essa estratégia contribui para reduzir a perda de produtividade ocasionada pelo aumento no número de modelos, devido aos ganhos de escala no processo produtivo e também no desenvolvimento dos produtos. Por outro lado, ela amplia a complexidade do processo de produção e de desenvolvimento. De forma similar ao conceito de plataforma mundial, o projeto modular também tem sido utilizado como uma das estratégias do setor para fazer frente ao aumento na gama de produtos. Módulos são conjuntos de componentes que podem ser separados ‘naturalmente’ sem que a integridade do produto final seja comprometida (Baldwin e Clark, 1997). A separação entre os módulos pode ocorrer tanto para fins de produção quanto para o desenvolvimento dos produtos. Segundo Dias (2003) “a independência entre os módulos faz com que seja possível projetá-los em lugares distintos, por diferentes equipes, desde que haja um mecanismo de coordenação que garanta a integridade do produto final”. 4 Apud Dias (2003) 15 Outro fenômeno relevante no setor, em nível mundial, é a crescente participação dos fornecedores no processo de desenvolvimento de produtos e na produção do setor automotivo, de modo geral. Qualquer que seja a estratégia adotada pelas montadoras para reduzir custos em face à diversificação da produção, os fornecedores, especialmente os de primeiro nível, aparecem como peças centrais, participando cada vez mais intensamente do desenvolvimento de novos produtos. De fato, o surgimento da estratégia de “projeto modular”, na segunda metade dos anos 90, transformou substancialmente a relação entre montadoras e fornecedores. As montadoras, ao introduzir um novo nível hierárquico na cadeia, formado pelos chamados sistemistas, lograram reduzir o número de fornecedores de 500 para algo em torno de 150 (Salerno et. all., 2002). Os sistemistas seriam os responsáveis por fornecer subconjuntos ou módulos completos e interdependentes para as montadoras. Nesse sentido, os fornecedores também ampliaram sua responsabilidade no desenvolvimento dos novos modelos e ampliaram sua participação na geração de valor dentro do setor. Segundo Salerno, et. all. (2002) as novas estratégias de produção e desenvolvimento buscam “compartilhar custos de desenvolvimento de produtos, via sua produção em diversos países, com a crescente integração de fornecedores de primeiro nível já nas primeiras fases de detalhamento de projetos”. De fato, Biesebroeck (2006) também identificou o crescimento da participação do setor de autopeças no valor adicionado pelo setor automotivo. Em síntese, se por um lado, a estratégia de produção de um “carro mundial” parecia conduzir o processo de desenvolvimento de produtos a uma centralização nos países centrais, a estratégia “plataforma mundial” e, principalmente, as estratégias de projeto modular, parecem abrir novas possibilidades de inserção das subsidiárias nos processos de inovação das matrizes. Segundo Dias (2003) “a modificação do conceito de produto global, e sua aplicação diferente aos diferentes segmentos de mercado podem gerar estruturas de desenvolvimento de produtos descentralizadas, porém integradas e, portanto, mais complexas”. Essas novas formas de organização da produção e de desenvolvimento de produtos parecem constituir uma importante “janela de oportunidade” para as filiais 16 das grandes empresas do setor em termos de participação nos processos de P&D empreendidos por essas empresas em nível mundial. Da mesma forma, o fracasso do conceito puro de “carro mundial” e a constante necessidade de adaptações dos produtos a mercados específicos contribuem para que seja necessária a descentralização de pelo menos uma parte das atividades de P&D das montadoras em direção aos países onde os produtos serão comercializados. 2.3. DESEMPENHO DO SETOR NO BRASIL: 1996 – 2008 Durante o período do regime automotivo5 e, em grande medida, como resultado dele, a indústria automotiva brasileira realizou grandes investimentos na ampliação de sua capacidade produtiva. Segundo Almeida et. all. (200X), a retomada dos investimentos do setor na segunda metade dos anos 90 esteve relacionada, não apenas com o Regime Automotivo, mas também com a integração com a Argentina, que possibilitou às empresas se aproveitarem do comércio intra-firma e ganharem escala de produção. Estima-se que, entre 95 e 98 as empresas do setor investiram, em média, US$ 2,12 bilhões ao ano. De fato, durante o período de vigência do Regime Automotivo estavam previstos US$ 14,8 bilhões de investimentos das montadoras amparados pelos incentivos do regime. Uma parte dos investimentos realizados foi feita pelos novos competidores no mercado brasileiro, cuja entrada ocorreu tanto em resposta aos incentivos do Regime Automotivo quanto em virtude da nova onda de internacionalização do setor em busca dos mercados emergentes. Durante este período, montadoras como Renault, Peugeot, Chrysler, entre outras (tabela 6), instalaram novas plantas produtivas no país. A tabela 6 apresenta um resumo dos principais compromissos de investimentos até o ano 2000. Grande parte das inversões foi feita pelas 4 montadoras já instaladas no Brasil, o que demonstra o esforço dessas firmas para manter posição competitiva frente às novas montadoras e frente ao aumento da concorrência. A 5 Ver no anexo 1 as políticas públicas para o setor automobilístico na década de 1990 17 estratégia das firmas já instaladas é garantir as vantagens competitivas sobre os novos entrantes através das economias de escala e da expansão da produção. Neste sentido, os investimentos que tinham sido previstos tinham o objetivo atualizar os produtos já ofertados e ampliar a variedade de modelos, tendo como base os carros populares e de tamanho médios, sem perder economias de escala. TABELA 6. INVESTIMENTOS PREVISTOS NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL SOB OS INCENTIVOS DO REGIME AUTOMOTIVO – 1996/99 Montadora Investimento (Milhões) Produção início modelo local /Ano Audi 500 60 mil 98/99 Vento / A3 S.J. dos Pinhais/PR Volkswagen 250 nd 98/99 Golf nd Volkswagen 250 40 mil 96/97 Caminhões / Ônibus Rezende/RJ Volkswagen 3000 nd nd (Ampliação, fábricas e novos produtos) General Motors 3000 nd nd (Nova fábrica, novos produtos, modernização) General Motors Fiat 600 150 mil 98/99 Mini Corsa 2500 750 mil nd (Ampliação, modernização, Gravataí/RS fábricas e novos produtos) Fiat / Iveco Ford 120 nd 98 Caminhões 3000 nd nd (Ampliação, modernização, Brasil fábricas e novos produtos) Renault 1000 75 mil 98/99 Mégane S.J. dos Pinhais/PR Toyota 500 100 mil 98/99 Corolla Indaiatuba/SP Mercedez-Benz 400 80 mil 98 Classe A Juiz de Fora/MG Mercedez-Benz nd nd nd Caminhões / Ônibus (modernização, novos produtos) Honda 600 30 mil 97 Civic Sumaré/SP Peugeot 400 30 mil nd nd Pouso Alegre/MG Mitsubish 150 30 mil nd L200 nd Chrysler 315 12 mil 98 Dakota / Neon Campo Largo/PR Chrysler / BMW 500 nd nd 200 mil motores/ano Brasil BMW / Rover 150 20 mil 97 Defender Minas Gerais Hyundai 700 100 mil 99 Accent nd Asia 400 60 mil 99 Towner / Topic Bahia Skoda 150 10 mil 98 Caminhões Santa Catarina 21.320 1.547 mil Total Fonte - Banco de dados sobre indústria automobilística DIPPP/IPEA 18 As estratégias dos novos entrantes foram caracterizadas por um volume pequeno de investimentos. Esta estratégia é a mais adequada para as firmas que ainda não estabeleceram suas redes de fornecedores e distribuidores e possuem pouca experiência na produção local. Desta maneira, o processo de aprendizado ocorre sem os riscos dos grandes investimentos. TABELA 7. INDICADORES DE CONCENTRAÇÃO NA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA BRASILEIRA: 1996 A 2005. Ano Automóveis CR4 HHI Caminhões e ônibus CR4 Cabines, carrocerias e Autopeças reboques HHI CR4 HHI CR4 HHI 1996 0,99 0,25 0,90 0,33 0,47 0,07 0,13 0,01 1997 0,98 0,25 0,90 0,31 0,47 0,07 0,16 0,02 1998 0,95 0,23 0,92 0,37 0,49 0,08 0,18 0,02 1999 0,91 0,22 0,93 0,37 0,51 0,09 0,17 0,02 2000 0,87 0,21 0,95 0,35 0,53 0,10 0,16 0,02 2001 0,87 0,21 0,83 0,26 0,53 0,09 0,17 0,02 2002 0,83 0,19 0,81 0,25 0,51 0,13 0,19 0,02 2003 0,79 0,17 0,81 0,25 0,48 0,08 0,19 0,02 2004 0,76 0,16 0,87 0,26 0,44 0,08 0,20 0,02 2005 0,75 0,16 0,91 0,28 0,48 0,08 0,18 0,02 Fonte: Pesquisa Industrial Anual (PIA – IBGE). Qualquer que fosse sua estratégia de entrada no mercado brasileiro, ao longo dos últimos anos, a presença de um maior número de montadoras contribuiu para reduzir, de forma expressiva, a concentração no setor montador. A 0 apresenta dois indicadores de concentração: o CR4, que mede a participação das 4 maiores empresas no valor bruto da produção do setor e o HHI, que é um índice clássico de concentração industrial que vai de 1 (concentração total) até 1/n, onde n é o número de empresas no setor (produção igualmente distribuída entre todas as empresas). 19 A análise dos indicadores acima mostra uma expressiva redução da concentração no setor de automóveis entre 1996 e 2005. Em 1996, as 4 maiores empresas montadoras de automóveis detinham 99% do valor bruto da produção no setor montador. Dez anos depois, a participação das 4 maiores caiu para 75% do valor da produção, evidenciando o ganho de participação dos novos entrantes e o aumento da concorrência no setor. Na fabricação de caminhões e ônibus, os indicadores de concentração oscilaram bastante no período e, em 2005, estavam muito próximos aos níveis de 1996. O mesmo aconteceu com cabines e carrocerias. O setor de autopeças, por sua vez, viveu um movimento oposto ao de fabricação de automóveis. Houve, no período, um movimento de concentração de mercado expresso pela participação das 4 maiores na produção do setor, que saltou de 13% em 1996 para 18% em 2005. O HHI capta essa mudança de forma muito menos pronunciada em virtude do elevado número de empresas no setor. De fato, a produção no setor de autopeças, a despeito da concentração recente, é muito mais pulverizada do que no setor montador. O desempenho do setor de autopeças vem sendo influenciado pelas estratégias das montadoras que procuram aproximar a produção doméstica dos padrões internacionais de qualidade e custos. Os investimentos das montadoras para construção de novas plantas, com técnicas de produção mais modernas, exigem do setor de autopeças capacitação, eficiência e maior participação no projeto e na montagem dos veículos. Seguindo a tendência internacional, o padrão de produção que surge a partir dos novos investimentos nos anos 90 altera de forma significativa o relacionamento entre montadoras e fornecedores de peças e componentes. Uma das principais características do relacionamento atual é a criação de uma elite de fornecedores, chamados de primeiro nível, que passam a controlar a maior parte do valor adicionado dentro da cadeia produtiva. Os fornecedores de primeiro nível contratam outras firmas que anteriormente vendiam diretamente para as montadoras. Cabe a eles manter programas de P&D e participar de processo de desenho, desenvolvimento e teste de novos produtos. A contrapartida para esse fornecedor preferencial é o envolvimento no estágio de concepção de novos veículos e a prioridade no fornecimento para novas plantas. Esse processo reduz drasticamente o número de fornecedores diretos. 20 Seguindo esse novo modelo de produção, a ampliação da capacidade de montagem de veículos, ou a instalação de novas plantas em outros mercados domésticos, é realizada com fornecedores globais que possuem grande escala de produção, baixos custos e alta qualidade. Como a escolha desses fornecedores, muitas vezes acontece fora do Brasil, as empresas brasileiras tiveram desvantagens para acompanhar esse processo. As grandes empresas nacionais que vinham trabalhando diretamente com as montadoras foram pressionadas a realizar grandes investimentos para se adequar ao novo padrão de produção. O acirramento da concorrência com a abertura internacional pressionou as margens de lucro do setor para baixo e fragilizou financeiramente as empresas nacionais dificultando a realização de novos investimentos. As firmas brasileiras passaram a fornecer indiretamente através dos fornecedores de primeira linha ou foram compradas por firmas multinacionais. Essas razões explicam porque a concentração e a desnacionalização marcaram a reestruturação na indústria de autopeças no período recente. O intenso processo de fusões, aquisições (F&A) e joint ventures aumentou significativamente a escala de produção e reestruturou a propriedade do capital das firmas. Grande parte dos investimentos diretos externos (IDE) no setor de autopeças brasileiro foi realizado através de F&A e associação entre empresas. TABELA 8. PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NO FATURAMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO (%): 2000, 2003 2005. Ano Automóveis Caminhões Cabines Autopeças 2000 99,8 95,4 1,5 66,4 2003 99,3 97,9 3,8 65,3 2005 97,4 98,3 6,4 64,1 Fonte: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC – IBGE). Rodrigues (1998) verificou, entre 1994 e 1997, um forte aumento do market share de empresas estrangeiras no universo das maiores empresas na indústria de autopeças brasileira6. Em 1994, 45,35% das vendas domésticas eram realizadas 6 Segundo o BNDES (1996), das 60 maiores empresas mundiais do setor, pelo menos 34 já estavam presentes no país no final de 1996. Essas empresas lideram os segmentos de direção, transmissão, sistemas elétricos, eletrônica embarcada, freios e são representativas nos segmentos de eixos, motores e rodas. 21 por firmas com controle acionário do capital nacional e, em 1997, a participação dessas firmas caiu para 25,87%. Esse movimento de desnacionalização, entretanto, parece ter se esgotado na década de 90. A tabela 8 mostra que, entre 2000 e 2005, a participação estrangeira – tanto no segmento de automóveis quanto em autopeças – apresentou, inclusive, uma pequena redução. Importante destacar também que há uma grande diversidade de produtos e processos produtivos dentro da indústria de autopeças. As empresas são muito diferentes em termos de tamanho, propriedade do capital e segmento de atuação. Essa heterogeneidade explica porque, a despeito do movimento de concentração e de ganhos de escala, ainda houve um aumento muito grande no número de empresas no setor de autopeças na última década. TABELA 9. NÚMERO DE EMPRESAS E FATURAMENTO MÉDIO NO SETOR AUTOMOTIVO: 1996-2006 (R$ mil de 2007) Ano Automóveis N Fat. Caminhões N Fat. Cabines N Autopeças Fat. N Fat. 1996 16 3.284.251 12 965.373 539 7.565 906 23.187 1997 13 4.445.880 11 1.189.257 522 8.808 960 25.779 1998 12 4.308.539 10 1.250.036 595 8.176 1.052 22.564 1999 18 2.906.676 13 1.101.541 608 6.817 1.103 22.023 2000 17 3.307.011 10 1.377.233 619 8.617 1.162 24.683 2001 23 2.746.023 13 1.265.744 614 10.244 1.193 25.738 2002 26 2.768.265 15 1.191.205 693 9.003 1.443 25.587 2003 25 2.812.933 22 832.291 718 8.896 1.383 35.125 2004 40 1.743.004 14 1.326.653 727 10.009 1.413 37.412 2005 27 2.792.140 13 1.519.170 836 8.498 1.501 34.952 2006 32 2.512.085 15 1.254.209 724 9.847 1.601 31.056 Fonte: Pesquisa Industrial Anual (PIA – IBGE). Obs. Faturamento em R$ constantes de 2007, deflacionado pelo IPA-OG de material de transporte. A tabela 9 mostra que o faturamento médio das empresas do setor automotivo – com exceção do segmento de automóveis, provavelmente em virtude da instalação de novos concorrentes – aumentou entre 1996 e 2005, evidenciando os ganhos de escala do setor. No segmento de autopeças, o aumento na escala média de 22 operação se deu paralelamente com a ampliação do número de firmas, o que evidencia que o crescimento da produção total no setor foi ainda maior do que o crescimento do número de empresas. Essa onda de investimentos no setor baseou-se, também, na expectativa de um expressivo crescimento da demanda interna, que só foi se materializar muito recentemente. De fato, entre 1996 e 2003, a produção e as vendas de veículos no Brasil ficaram praticamente estagnadas (gráfico 3). O desempenho do setor começou a melhorar em 2004, fruto do crescimento econômico e do aumento da renda da população e, mais recentemente, do aumento dos prazos de financiamento para veículos. De fato, várias tentativas de impulsionar a venda de automóveis por meio de reduções de IPI foram feitas, durante o período considerado, entretanto sem muito sucesso. A principal medida que, efetivamente, alavancou a venda de automóveis nos últimos anos foi a flexibilização nos critérios de concessão de crédito, que permitiu financiar um veículo em prazos maiores. GRÁFICO 3. PRODUÇÃO ANUAL DE VEÍCULOS NO BRASIL, EM MILHÕES DE UNIDADES: 1990 A 2008* 3,00 2,68 2,39 Milhões 2,50 1,86 2,00 1,50 2,01 2,09 1,68 1,46 1,36 1,25 1,50 1,52 1,51 1,11 1,00 0,50 2008* 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 0,00 Fonte: Anfavea (IPEADATA). (*) Doze meses (agosto/07 - julho/08) Entre 2003 e julho de 2008, a produção anual de automóveis no Brasil aumentou em mais de 1 milhão de unidades impulsionada, em grande medida, pelo aquecimento do mercado interno. Esse desempenho também proporcionou, como 23 vimos anteriormente, um crescimento da participação brasileira na produção mundial de veículos. Obviamente, o faturamento das empresas do setor acompanhou esse bom desempenho da produção, passando de pouco mais de R$ 100 bilhões em 2000 para cerca de R$ 156 bilhões em 2006: um crescimento de 50%, em termos reais. Embora a última Pesquisa Industrial Anual disponível seja a de 2006, os números da ANFAVEA (gráfico 3) permitem afirmar que o faturamento deve ter continuado a crescer nos últimos meses. O faturamento do segmento de automóveis também cresceu cerca de 40%, passando de R$ 56 bilhões para cerca de R$ 80 bilhões entre 2000 e 2006 e o faturamento do segmento de caminhões e ônibus cresceu 37%. Entretanto, o crescimento mais expressivo e que mais chama a atenção no gráfico abaixo é o das autopeças. O faturamento total das autopeças cresceu mais de 70% no período, de cerca de R$ 29 bilhões para um valor próximo a R$ 50 bilhões. Esse crescimento explica porque, mesmo com o aumento do número de empresas, ainda houve um ganho de escala das empresas do setor nos últimos anos. Esse comportamento evidencia o aumento da participação das autopeças na produção total do setor. Em 1996, o segmento de autopeças respondia por 25% do valor bruto da produção no setor automotivo e, em 2006, essa participação subiu para 35%. O mesmo se deu em termos de faturamento, onde a participação das autopeças era 23% e subiu para 32% do faturamento em 2006. A contrapartida foi uma redução da participação das montadoras na produção do setor: o segmento de montagem de automóveis representava 59% do valor da produção em 1996 e caiu para 49% em 2006. Em linhas gerais, o aumento da importância do setor de autopeças na cadeia produtiva de automóveis no Brasil corrobora e está alinhado com o movimento que vem acontecendo em termos globais. De fato, o crescimento da participação do setor de autopeças também é verificado por Biesebroeck (2006) em nível mundial. Provavelmente, isso está relacionado com as novas estratégias das montadoras e com as novas formas de organização da produção do setor, onde o papel dos fornecedores – especialmente os de primeira linha – tem se tornado cada vem mais relevante na geração de valor dentro da cadeia. 24 GRÁFICO 4. EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO TOTAL DO SETOR AUTOMOTIVO (R$ BILHÕES): 1996 A 2006. Sub-setores R$ Bi 80 70 180 Automóveis Caminhões Autopeças Total 160 140 60 120 50 100 40 80 30 60 20 40 10 20 - Total R$ Bi 90 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fonte: IBGE (Pesquisa Industrial Anual). Elaboração própria. Obs. Faturamento em R$ constantes de 2007, deflacionado pelo IPA-OG de material de transporte. A indústria automobilística compreende os setores de autopeças e montadoras, ambos com elevadas economias de escala. Como conseqüência das economias de escala a estrutura de mercado no caso das montadoras possui poucas firmas e, apesar do setor de autopeças ter um número maior de firmas, ambos os setores possuem uma estrutura oligopolista. Os padrões de competição dentro da indústria são caracterizados pela oferta de produtos altamente diferenciados no mercado. Além disso, grande parte do capital das firmas instaladas no mercado doméstico é de origem externa o que torna o comércio internacional em grande medida administrado dentro da firma e dentro da indústria7. No período de 1996 a 2007, as exportações de veículos e autopeças conjuntamente registraram taxa de expansão de cerca de 264%. No mesmo período, as exportações brasileiras ampliaram aproximadamente 237%. Essa taxa de expansão das exportações do setor automotivo superior à nacional se deveu ao forte aumento 7 Existe uma vasta literatura sobre o comércio intraindústria e intrafirma. Sobre esse assunto pode ser consultado: Grubel H.G. & Lloyd,P.J. (1971); Helpman, E. (1981) Krugman, P. (1981); Lancaster, K.(1980). 25 das vendas externas de veículos, que cresceram 475% no período. As exportações de autopeças cresceram menos: 86% no período. GRÁFICO 5. EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO DO COMPLEXO AUTOMOTIVO (US$ BILHÕES): 1996-2008. 14 12 US$ bilhões 10 Exportação Importação Saldo 8 6 4 2 0 -2 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Fonte: MDIC-SECEX. Entre 1996 e 2007, as importações do setor automotivo, por outro lado, cresceram 58%, impulsionadas especialmente pelo aumento nas compras de veículos (74%) ao passo que as importações de autopeças cresceram 37%. A tabela abaixo mostra a evolução do comércio exterior do complexo automotivo, segundo a classificação adotada por este trabalho e expressa na descrição da cadeia. Os dados foram agrupados em duas categorias: i) veículos, que contém os segmentos de automóveis e de caminhões e ônibus e; ii) autopeças, que agrega o segmento de autopeças, propriamente dito, e o de carrocerias e reboques. Verifica-se, a partir da tabela, que a balança comercial de veículos foi deficitária até 1998, apresentando, após aquele ano, superávits crescentes até 2005. O saldo comercial da balança de autopeças também apresentou crescimento no período ainda que bastante inferior ao de veículos. Vale destacar também que, desde 2002, o setor automotivo vem contribuindo de forma expressiva para o saldo da balança comercial brasileira. O setor respondeu por mais de 47% do saldo de 2002 e, nos últimos 5 anos, em média, por cerca de 17%. 26 TABELA 10. COMÉRCIO EXTERIOR DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO (VEÍCULOS E AUTOPEÇAS): 1996 – 2007 US$ milhões Ano Veículos (Automóveis e Caminhões) Exportação Importação Saldo Autopeças (Cabines e autopeças) Exportação Importação Saldo 1996 1.609 2.504 -895 1.905 1.901 4 1997 3.092 3.855 -763 2.192 2.060 132 1998 3.397 4.252 -855 2.210 1.919 291 1999 2.346 2.165 181 1.585 1.162 423 2000 3.137 2.248 889 1.689 1.225 464 2001 3.312 2.354 958 1.520 1.194 326 2002 3.448 1.393 2.055 1.558 1.151 407 2003 4.667 1.091 3.576 1.879 1.275 604 2004 6.102 1.098 5.004 2.622 1.777 845 2005 8.694 1.693 7.001 3.239 2.142 1.097 2006 9.121 2.856 6.265 3.874 2.155 1.719 2007 9.248 4.346 4.902 3.545 2.596 949 Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE. Com relação aos mercados compradores de veículos e autopeças brasileiros, o principal destaque é a Argentina. A exceção do período de crise econômica (de 2001 a 2003), de uma forma geral, a Argentina adquiriu no período de 1996 a 2007 mais de 25% dos produtos exportados pelo setor. Destaque-se também, no período, a ampliação da participação de México – ainda que venha se reduzindo nos últimos 5 anos –, Venezuela, Alemanha e África do Sul. Estados Unidos, Itália e China destacam-se entre os mercados que reduziram a participação nas exportações brasileiras do setor. A tabela 11 mostra a evolução dos principais mercados compradores de produtos do complexo automotivo brasileiro no período de 1996 a 2007. Utilizou-se o capítulo 87 da nomenclatura comum do Mercosul (NCM) para representar o setor. Assim como é o principal mercado comprador, a Argentina também é o principal fornecedor de produtos do complexo automotivo para o Brasil, no período estudado. De forma geral, o Brasil adquiriu da Argentina mais de 30% do total importado do setor. Outro importante mercado fornecedor é a Alemanha de quem o País adquire normalmente mais de 10% das compras do setor. Cabe destacar também o 27 aumento da participação da China, México, Japão e França, embora estes dois últimos venham perdendo participação nos últimos anos. TABELA 11. PRINCIPAIS DESTINOS DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO SETOR AUTOMOTIVO EM ANOS SELECIONADOS % País 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2007 41,0% 40,9% 27,3% 7,4% 24,3% 27,7% 31,3% México 2,5% 5,1% 17,7% 25,2% 20,4% 16,3% 12,0% Venezuela 2,2% 4,2% 3,2% 4,5% 4,1% 7,1% 10,6% Alemanha 2,0% 3,6% 1,8% 1,6% 1,7% 5,8% 6,8% 11,9% 8,5% 16,6% 25,4% 13,0% 10,2% 6,7% Chile 8,3% 4,0% 6,5% 5,6% 6,5% 5,6% 5,6% África do Sul 2,4% 1,3% 1,6% 2,7% 3,6% 4,2% 4,0% Itália 3,5% 8,3% 8,6% 1,8% 1,5% 1,2% 0,9% China 2,7% 0,3% 0,3% 2,1% 1,3% 0,5% 0,3% Outros 23,5% 23,7% 16,3% 23,7% 23,6% 21,5% 21,7% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Argentina Estados Unidos Total Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE. TABELA 12. PRINCIPAIS PAÍSES FORNECEDORES DAS IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO SETOR AUTOMOTIVO EM ANOS SELECIONADOS % País 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2007 Argentina 33,9% 46,4% 37,4% 31,2% 25,3% 34,3% 36,5% Alemanha 14,7% 10,2% 12,7% 18,0% 15,0% 13,6% 11,9% Japão 4,7% 7,8% 9,9% 11,0% 14,2% 10,9% 10,3% México 5,1% 1,5% 1,4% 3,2% 1,2% 6,5% 7,3% Estados Unidos 8,4% 8,4% 8,3% 8,0% 10,5% 8,7% 5,3% França 2,2% 2,5% 5,7% 7,6% 7,5% 6,1% 4,9% Coréia do Sul 4,3% 3,6% 4,2% 2,3% 0,8% 1,9% 4,5% Itália 9,8% 6,3% 5,1% 4,7% 4,7% 3,0% 3,5% China 0,6% 0,2% 0,3% 0,7% 1,5% 2,4% 2,9% Outros 16,2% 13,0% 14,9% 13,3% 19,3% 12,7% 12,9% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Total Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE. 28 3. EMPRESAS LÍDERES NO SETOR AUTOMOTIVO8 O objetivo desta seção é caracterizar quem são as empresas líderes no setor e compará-las com as demais empresas que fazem parte do complexo automotivo. A divisão das empresas entre líderes, seguidoras, emergentes e frágeis9 parte do pressuposto que há uma grande heterogeneidade entre as empresas na indústria brasileira, mesmo entre as que estão em um mesmo setor de atividade. As líderes são as empresas mais inovadoras do setor, tanto em produtos como em processos, ou seja, são líderes no sentido tecnológico e detém parcela considerável do mercado. Essas empresas podem exercer dois tipos diferentes de liderança: i) em diferenciação de produtos, no caso das inovadoras em produto, ou; ii) em custos, no caso das inovadoras em processo. As empresas seguidoras, por sua vez, têm capacidade de acompanhar as empresas líderes nos seus processos de inovação e estão atualizadas tecnologicamente. Argumenta-se que, a despeito da heterogeneidade do tecido industrial brasileiro, existe no país um conjunto de empresas – representadas pelas empresas líderes e, num segundo momento, pelas seguidoras – capazes de acumular conhecimento e difundir inovações para o restante da indústria. Assim, o desempenho desse núcleo dinâmico da indústria pode contribuir para alavancar o desenvolvimento da indústria como um todo ou de um setor em particular. Existe, entretanto, um conjunto de empresas na indústria brasileira, caracterizadas por baixa competitividade e produtividade menor do que esse núcleo dinâmico. Essas empresas são numericamente expressivas mas representam muito pouco do faturamento industrial. Elas necessitam ganhar escala e eficiência e, provavelmente, terão que passar por processos importantes de reestruturação patrimonial – por meio de fusões e aquisições, por exemplo – e produtiva sob pena de não serem capazes de sobreviver em um ambiente cada vez mais competitivo. 8 Nesta seção e no restante do trabalho, a análise das empresas se concentra nas empresas com mais de 30 pessoas ocupadas representadas pela amostra da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC). 9 Detalhes sobre o critério de classificação estão disponíveis no capítulo 1 desta obra. 29 Por fim, existe um grupo pequeno de empresas que, não fazem parte desse núcleo dinâmico tampouco são pouco eficientes. São as empresas emergentes, que possuem importantes atividades tecnológicas e que podem, no futuro, desempenhar um papel ainda mais relevante na acumulação de conhecimento na indústria brasileira. Essas são algumas das características gerais de cada um desses grupos de empresa na indústria brasileira. Dada essa classificação, o objetivo desta seção é apresentar as características gerais das empresas que constituem o núcleo dinâmico do setor automotivo para, na próxima seção, avaliar suas estratégias de inovação e quais são os mecanismos pelos quais elas acumulam conhecimento. 3.1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS Existem 62 empresas que exercem papel de liderança tecnológica – seja de custos ou de diferenciação de produtos – no setor automotivo e mais de 400 empresas seguidoras. Todas essas empresas, líderes ou seguidoras, são altamente eficientes e competitivas internacionalmente: todas elas são exportadoras. Entretanto, são as empresas líderes as responsáveis pela introdução de novos produtos ou processos produtivos no mercado brasileiro: são elas que direcionam os processos de inovação e as trajetórias tecnológicas seguidas pelo setor. Por outro lado, existem outras 400 empresas classificadas como frágeis – não exportadoras, pequenas e pouco competitivas – e 28 empresas emergentes10. As 62 empresas líderes detêm quase 60% das vendas do setor e estão, principalmente, nos segmentos de montagem de veículos (11 empresas) e autopeças (37 empresas). O segmento de montagem é o que tem, proporcionalmente, o maior número de empresas líderes, o que evidencia o papel de liderança tecnológica desempenhado pelas montadoras no complexo automotivo. 10 Não foram identificadas empresas frágeis no segmento montador de automóveis, assim como não há empresas emergentes no segmento de caminhões e ônibus. 30 TABELA 13. NÚMERO DE FIRMAS, PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA E FATURAMENTO DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR SUBSETOR E CATEGORIA DE FIRMA, PARA EMPRESA COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS: 2005. Total - setor automotivo Indicador Emergen- Líderes Seguidoras Frágeis 62 416 434 28 940 % de firmas estrangeiras 62% 25% 1% 3% 16% Faturamento (R$ milhões) 93.684 63.345 2.245 1.005 160.278 Faturamento médio (R$ milhões) 1.518 152 5 35 171 N° de firmas tes Total Automóveis N° de firmas 11 6 - 3 20 % de firmas estrangeiras 89% 49% - 27% 69% Faturamento (R$ milhões) 69.012 15.499 - 753 85.264 Faturamento médio (R$ milhões) 6.173 2.753 - 274 4.359 Caminhões e ônibus N° de firmas 3 10 3 - 17 % de firmas estrangeiras 71% 62% - - 53% Faturamento (R$ milhões) 6.430 17.760 14 - 24.204 Faturamento médio (R$ milhões) 1.853 1.743 5 - 1.460 Cabines, carrocerias e reboques N° de firmas 8 24 88 19 139 % de firmas estrangeiras 27% 6% - - 2% Faturamento (R$ milhões) 2.450 3.278 270 92 6.090 326 135 3 5 44 Faturamento médio (R$ milhões) Autopeças N° de firmas 37 370 254 6 667 % de firmas estrangeiras 65% 25% 2% - 18% Faturamento (R$ milhões) 15.767 26.691 1.827 159 44.445 426 72 7 25 67 Faturamento médio (R$ milhões) Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. A escala de produção das líderes, medida pelo faturamento médio11, é praticamente 10 vezes maior do que a das empresas seguidoras: essas empresas faturam, em 11 Note-se que o faturamento médio apresentado nesta tabela não é estritamente comparável ao da tabela 9. Aqui, analisamos apenas as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, representadas 31 média, R$ 1,5 bilhão ao ano no setor automotivo. No outro extremo, estão as empresas frágeis, cujo faturamento é de cerca de R$ 5 milhões/ano, em média ao passo que o faturamento médio no setor automotivo como um todo é de R$ 171 milhões / ano. Em termos de tamanho médio, as empresas emergentes são, em todos os segmentos maiores do que as empresas frágeis, porém menores do que as seguidoras e, obviamente, do que as líderes. É claro que essas diferenças de tamanho escondem diferenças de escala importantes entre os diferentes sub-setores do complexo automotivo. Os dois segmentos nos quais a escala de produção é um fator muito mais relevante são os segmentos de montagem de automóveis e de caminhões. TABELA 14. SALÁRIO MÉDIO ANUAL E PRODUTIVIDADE NO SETOR AUTOMOTIVO, SEGUNDO CATEGORIA DE EMPRESA E SUB-SETOR: 2005. (R$ / ano) Sub-setor Variável Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total Salário médio 39.714 28.811 12.662 15.319 31.713 Produtividade 205.716 122.826 34.144 59.445 150.392 Salário médio 50.079 34.439 - 15.684 46.720 Produtividade 275.463 289.747 - 134.591 276.562 Salário médio 53.996 49.099 27.263 - 49.805 Produtividade 490.326 218.603 67.344 - 268.986 Cabines, carrocerias Salário médio 23.122 21.017 6.646 10.077 18.179 e reboques Produtividade 84.090 74.901 17.021 31.981 67.963 Salário médio 27.956 24.737 14.878 18.987 24.509 Produtividade 117.775 95.738 38.616 50.117 95.326 Total Automóveis Caminhões e ônibus Autopeças Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Obs.: a produtividade é calculada como o valor da transformação industrial / número de pessoas ocupadas. Entretanto, as principais tendências identificadas, quais sejam, a elevada participação das líderes no faturamento total do setor (a despeito do menor número pela amostra da PINTEC. Na tabela 9, utilizamos a amostra da PIA, representativa de todas as empresas brasileiras, em virtude de que, naquela seção, tínhamos o objetivo de analisar o setor da forma mais ampla possível. As diferenças de amostragem e de tamanho das empresas explicam porque o faturamento médio, aqui, é bastante superior ao que foi apresentado naquela tabela. 32 de firmas) e o seu tamanho médio muito superior se mantém em todos os segmentos do setor automotivo. O segmento de caminhões e ônibus é o único onde as empresas líderes são muito similares às seguidoras em termos de tamanho médio. No que diz respeito à participação estrangeira, como já ressaltamos, esse é um setor bastante internacionalizado, no qual os grandes players são, em geral, empresas estrangeiras. De fato, em todos os segmentos do complexo automotivo – com exceção da fabricação de cabines, carrocerias e reboques, onde a participação estrangeira no número total de empresas do setor – a maior parte das empresas líderes é estrangeira: 89% no segmento de montagem de automóveis, 71% no de caminhões e 65% no setor de autopeças. Vale lembrar que, no setor como um todo, as empresas estrangeiras são 16% do total de empresas. Aliado às diferenças em termos de tamanho, a tabela 14 mostra que as empresas líderes também possuem maior produtividade e remuneram melhor os seus trabalhadores. A produtividade das empresas líderes no setor automotivo foi de R$ 205 mil por trabalhador ao ano e o salário médio foi cerca de R$ 40 mil por trabalhador ao ano, em valores correntes de 2005. Novamente, as empresas emergentes aparecem em melhor posição do que as empresas frágeis, com maior produtividade e maiores salários. Em termos das diferenças de produtividade entre os sub-setores, podemos identificar que os elos finais da cadeia, quais sejam, os segmentos de montagem de automóveis e de caminhões e ônibus são mais produtivos do que os demais, além de pagarem salários mais altos. Independentemente das diferenças entre os segmentos, em todos eles as empresas líderes são superiores em termos desses indicadores. No que diz respeito à inserção no comércio internacional, no conjunto do setor, as empresas líderes parecem ser mais ativas, tanto em termos de exportações quanto de importações. As líderes, mesmo sendo apenas 62 empresas, respondem por cerca de 60% dos fluxos comerciais de todas as empresas do complexo automotivo. Elas exportam e também importam mais, o que faz com que, em termos de saldo comercial, elas tenham um desempenho muito próximo às empresas seguidoras. 33 TABELA 15. INDICADORES DE COMÉRCIO EXTERIOR DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR E CATEGORIA DE FIRMAS: 2005. Total - setor automotivo Fluxos de comércio Líderes US$ milhões Seguidoras % US$ milhões Total % US$ milhões % Exportação 9.154 58% 6.725 42% 15.879 100% Importação 5.186 62% 3.160 38% 8.398 100% Saldo 3.968 53% 3.564 48% 7.480 100% Automóveis Exportação 6.550 75% 2.212 25% 8.762 100% Importação 3.893 83% 756 16% 4.691 100% Saldo 2.657 65% 1.456 36% 4.071 100% Caminhões e ônibus Exportação 1.087 28% 2.796 72% 3.883 100% Importação 565 28% 1.484 72% 2.049 100% Saldo 522 28% 1.312 72% 1.834 100% Cabines, carrocerias e reboques Exportação 209 42% 283 58% 492 100% Importação 28 30% 67 70% 95 100% 181 46% 217 55% 397 100% Saldo Autopeças Exportação 1.304 48% 1.433 52% 2.738 100% Importação 699 45% 854 55% 1.562 100% Saldo 606 52% 579 49% 1.175 100% Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Boa parte da predominância das empresas líderes no comércio internacional do complexo automotivo é explicada pelo seu desempenho no sub-setor de automóveis. Nesse sub-setor, cerca de 80% dos fluxos de comércio e 65% do saldo comercial se devem às empresas líderes. Além de serem maiores, as empresas líderes também são a maior parte das empresas neste setor, o que ajuda a explicar a razão dessa predominância. Nos demais segmentos da cadeia automotiva, mesmo sendo em muito menor número, as empresas líderes representam uma parcela bastante significativa do comércio exterior. Entretanto, quando olhamos para o coeficiente de exportação 34 dessas empresas, no setor automotivo, as empresas seguidoras possuem maiores coeficientes de exportação na montagem de automóveis e coeficientes muito próximos às seguidoras em cabines e carrocerias. TABELA 16. COEFICIENTES DE EXPORTAÇÃO DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR E CATEGORIA DE FIRMAS: 2005. Setor e sub-setor Líderes Seguidoras Total automotivo 23,8% 25,9% Automóveis 23,1% 34,7% Caminhões e ônibus 41,2% 38,3% Cabines, carrocerias e reboques 20,8% 21,0% Autopeças 20,1% 13,1% Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. No sub-setor de automóveis, o menor coeficiente de exportação das lideres pode ser explicado pelo tamanho absoluto dessas empresas, significativamente maior do que o das empresas seguidoras. Como esse segmento é o principal responsável pelas exportações e representa mais da metade do faturamento do setor, os coeficientes de exportação são profundamente influenciados por ele. No segmento de autopeças, entretanto, as empresas líderes exportam uma proporção significativamente maior do seu faturamento do que as seguidoras. 35 4. INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO 4.1.INOVAÇÃO NUM SETOR DOMINADO POR TRANSNACIONAIS Como vimos, o setor automotivo é um setor muito internacionalizado e, no Brasil, dominado por empresas estrangeiras. Nesse sentido, as perspectivas de o país ter um papel mais ou menos relevante em termos de produção de conhecimento depende, além de outros fatores, de como as multinacionais do setor organizam suas atividades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento): majoritariamente na matriz ou distribuídas ao redor do mundo12. Segundo Pearce (1999), até recentemente, as atividades de P&D das multinacionais eram vistas como sendo destinadas, primordialmente, para a adaptação de produtos e processos produtivos aos mercados locais. Assim, as atividades “mais nobres” de pesquisa estariam centralizadas na matriz da corporação. Os motivos apontados para a centralização das atividades de P&D são vários. Em primeiro lugar, a existência de economias de escala nas atividades inovadoras, que poderia não tornar viável economicamente a existência de vários laboratórios de P&D em outros países. Em segundo lugar, as economias de aglomeração e as vantagens de localizar os laboratórios de P&D em locais onde eles possam se beneficiar de sinergias derivadas da proximidade com a comunidade científica e com outras instituições de pesquisa. Por fim, uma outra razão estaria relacionada aos problemas de coordenação e de controle e, derivados deles, à preocupação com a segurança dos novos projetos de pesquisa. Nesse caso, as transnacionais prefeririam reter os investimentos em P&D nos seus próprios países quando os custos de comunicação são elevados13 e quando o país receptor possui um regime de propriedade intelectual fraco (UNCTAD, 2005). 12 A maior parte dos gastos em pesquisa das grandes corporações internacionais ainda é realizada no seu próprio país (Patel, 1995; Dunning, 1994; Unctad, 2005; Kumar, 2001). 13 O avanço recente nas telecomunicações tem sido um dos fatores bastante citados na literatura a impulsionar o desenvolvimento de atividades inovadoras em outros países, por reduzir os custos de coordenação e monitoramento dessas atividades. 36 Dunning (1994) sintetiza as principais motivações para o investimento estrangeiro em atividades inovadoras reconhecidas pela literatura e ressalta as principais capacitações e/ou os fatores condicionantes de cada uma dessas estratégias. O primeiro grupo de motivações estaria relacionado à necessidade de adaptar e/ou melhorar produtos ou processos destinados aos mercados locais. Para Dunning, esse tipo de atividade tecnológica requer os mais variados tipos de habilidades, assim como requer contatos externos, especialmente com fornecedores e consumidores. Uma peculiaridade desse tipo de investimento é que ele será necessário em países receptores que sejam suficientemente diferentes do país de origem da corporação. Além disso, a escala de operação da subsidiária, bem como a disponibilidade de recursos humanos qualificados no país receptor também interfere nesse investimento (UNCTAD, 2005). Outra motivação pode ser realizar pesquisa em materiais ou produtos básicos. Esse investimento seria feito devido à imobilidade dos insumos (como minas ou plantações) ou devido à necessidade de testes contínuos e/ou de interação os consumidores. Outro objetivo pode ser o de racionalizar as atividades de P&D ao redor do mundo. Esse tipo de investimento em pesquisa é feito com o objetivo de ganhar economias de escala ou escopo, o que requer uma sofisticada infra-estrutura local. Por fim, as multinacionais podem investir em P&D em outros países a fim de monitorar as atividades inovadoras estrangeiras, a chamada busca tecnológica. A necessidade de estar presente nos principais centros inovativos do mundo, especialmente em setores intensivos em tecnologia, constitui a principal razão para esse tipo de investimento, que tem o objetivo de aumentar os ativos tecnológicos da empresa. Adaptações de produtos versus busca tecnológica constituem os dois extremos no conjunto possível de motivos que levariam à internacionalização das atividades tecnológicas das ETN’s. Por um lado, a adaptação de produtos seria uma atividade “menos nobre”, já que não está relacionada à produção de conhecimento novo e seria capaz de gerar poucas externalidades para o país receptor. Também estaria mais associada aos investimentos realizados em países em desenvolvimento, com poucas capacitações tecnológicas e tradição inovadora. Por outro lado, o monitoramento das atividades tecnológicas de outros países seria feito nos países 37 mais desenvolvidos e com tradição tecnológica em algumas áreas específicas. Esse seria o investimento mais “nobre” do ponto de vista da geração de conhecimentos e externalidades. Nesse sentido, a decisão de investimento em pesquisa resulta da interação entre as motivações da corporação e fatores locacionais do país de destino, que tornem vantajosa ou necessária a pesquisa tecnológica nesses países. Esses fatores locacionais podem ser, por exemplo, fatores macroeconômicos e institucionais como a existência de boa infra-estrutura de pesquisa, mão-de-obra qualificada para essas atividades e outros relacionados ao chamado “sistema nacional de inovação”. Podem ser também a existência, no país de destino, de capacitações tecnológicas em áreas nas quais as ETNs poderiam investir, condições de apropriabilidade dos resultados do progresso técnico, além de incentivos específicos para investimentos em P&D. Especialmente quando a motivação do investimento em P&D é possuir uma janela tecnológica para as atividades inovadoras de outros países, a existência de expertise tecnológica em áreas específicas, no país receptor desempenha um papel fundamental. A existência de recursos humanos capacitados e mais baratos do que nos países desenvolvidos, por exemplo, pode ser um fator importante a atrair investimentos em P&D para os países em desenvolvimento. É o que aponta o relatório da UNCTAD sobre o investimento em P&D das multinacionais (Unctad, 2005). Os elevados custos das atividades em P&D têm impulsionado as multinacionais a localizar suas atividades de pesquisa em países com ampla disponibilidade de pessoal qualificado e onde os custos de contratação sejam mais baratos (Unctad, 2005). Em linhas gerais, podemos agrupar as razões que influenciam o investimento estrangeiro em P&D em três ordens de fatores. O primeiro deles estaria relacionado com as estratégias globais da multinacional e com fatores organizacionais específicos de cada uma delas ou do setor em que atua. O segundo conjunto de fatores está relacionado com características específicas das subsidiárias – tamanho, poder de mercado, condições de financiamento, experiência em atividades tecnológicas etc. – e o papel da mesma na corporação. O terceiro conjunto de fatores, por sua vez, diz respeito às “vantagens locacionais” específicas de cada país de destino do investimento direto (De Negri, 2007). 38 No que diz respeito ao setor automotivo, já observamos (na segunda seção) que uma das tendências do setor, no período recente, é o aumento no número de modelos disponíveis aos consumidores em vários países. Para reduzir custos e ganhar escala de produção, mesmo com essa diversificação, as empresas têm adotado estratégias de produção em plataformas mundiais e/ou de organização modular da produção e do desenvolvimento de produtos. Essas estratégias, especialmente a de produção modular, poderiam abrir novas oportunidades para a descentralização das atividades de inovação e desenvolvimento de produtos no setor automotivo (Dias, 2003). Entretanto, mesmo quando a estratégia adotada é a de plataformas mundiais ou de produto mundial, Dias (2003) identificou alguns fatores que podem contribuir para que as atividades de desenvolvimento de produtos sejam realizadas pelas subsidiárias. Entre eles, está a necessidade de adaptações do produto às condições locais. Quanto maior essa necessidade, mais essas atividades tendem a ser desenvolvidas pelas filiais a fim de reduzir custos e, sobretudo tempo de desenvolvimento de projeto. Também são relevantes, nesse caso, o tamanho do mercado, o volume de produção da filial e a sua importância para a corporação. Segundo a autora, “o envolvimento da filial brasileira no desenvolvimento de produtos globais varia conforme os diferentes nichos de mercado, sendo maior para o segmento de entrada, que é o principal no Brasil e o segmento no qual são necessárias mais adaptações” (Dias, 2003). A autora também cita como relevantes a experiência da filial em atividades de engenharia. Além disso, fatores externos à filial e à corporação, como a disponibilidade de mão-de-obra qualificada e mais barata e a existência de políticas e incentivos específicos podem contribuir para que as atividades de P&D sejam realizadas fora da matriz. 39 4.2. O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO14 O processo de desenvolvimento de produtos no setor automotivo é um processo que custa bilhões e dura entre 3 e 4 anos (Salerno, et.all. 2008). Clark e Fugimoto (1991) dividiram esse processo nas seguintes etapas: i) definição do conceito do produto; ii) planejamento do produto; iii) engenharia do produto e; iv) engenharia do processo (Figura 2). A primeira fase consiste em definir as principais características do produto, suas funções, tecnologias e mercado alvo. Na segunda fase, a do planejamento do produto, o conceito inicial é traduzido em especificações concretas: são escolhidos os componentes e é definido o design do veículo, suas dimensões básicas e as configurações dos componentes. Segundo Dias (2003) nessa fase são tomadas decisões importantes relacionadas os componentes: quais devem ser desenvolvidos especificamente para o projeto e quais podem ser aproveitados dos projetos anteriores; se os mesmos vão ser desenvolvidos internamente ou por empresas fornecedoras etc. Nesse processo, é fundamental o envolvimento dos profissionais de compras da montadora – que deverão indicar os fornecedores aptos a produzir os componentes necessários – e dos próprios fornecedores de autopeças que, algumas vezes, participam do desenvolvimento de algumas partes do projeto. A terceira fase é a de engenharia do produto, onde é detalhado o projeto do produto até a confecção do protótipo, incluindo testes e re-projetos. Freqüentemente, o projeto é dividido em partes menores, com o desenvolvimento de alguns componentes pela própria montadora e outros projetados pelos fornecedores. A integração entre os responsáveis pelas diversas partes do projeto é essencial nessa fase. A última fase é a engenharia do processo produtivo, no chão de fábrica. É nessa fase que é pensada a forma como o novo veículo vai ser produzido e quais serão os equipamentos e ferramentas necessárias. 14 A discussão sobre as fases e a organização do desenvolvimento de produtos no setor automotivo é baseada, principalmente, em Dias (2003). 40 O Manual de Planejamento Avançado da Qualidade do Produto e Plano de Controle (APQP/CP), desenvolvido pela Ford, GM e Chrysler classifica as etapas de desenvolvimento de produtos de forma muito similar a de Clark e Fugimoto (Dias, 2003). FIGURA 2. FASES DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO. Definição do conceito Planejamento do produto Engenharia do produto Engenharia do processo Clark e Fujimoto(1991) Planejamento e definição Desenvolvimento e Projeto de Produto Desenvolvimento e Projeto de Processo Validação de produto e processo APQP Fonte: Elaborado por Dias (2003) a partir de Clark e Fujimoto (1991) e PAQP (1996). Como o processo de desenvolvimento é longo e custoso, Dias (2003) aponta que um dos objetivos principais das empresas do setor tem sido a de reduzir o tempo de desenvolvimento do produto. Esse objetivo se tornou ainda mais crucial para as empresas do setor em virtude do aumento da concorrência com os produtores asiáticos. De fato, Clark et. all. (1987) mostraram que, na década de 80, enquanto as montadoras japonesas levavam, em média, 42,6 meses para desenvolver um novo produto, as americanas e européias levavam aproximadamente 62 meses. 41 Segundo a autora, a redução do tempo de resposta a novas necessidades dos consumidores é um critério importante de competitividade e, para tanto, “um certo grau de descentralização das atividades de projeto (...) passa a ser desejável”. Essa descentralização depende, também, de como se organiza, dentro da corporação, as atividades de desenvolvimento de novos produtos e pode abrir espaço tanto para a maior participação dos fornecedores e das subsidiárias nos novos projetos. Em um extremo, essa organização pode ser dar por equipes dedicadas a um produto específico (novo automóvel) e a todos os elementos que fazem parte dele bem como aos seus derivativos (projetos derivados e adaptados de um projeto original, que lhe serve de base). Num outro extremo está a organização matricial para o desenvolvimento do novo veículo, onde profissionais alocados em diferentes funções de engenharia são solicitados a desenvolver uma parte específica de determinado projeto. Nesse caso, o projeto é subdividido por funções específicas: uma equipe trabalha no sistema de suspensão, que também pode ser utilizado em outros projetos, outra equipe no sistema de freios etc. De qualquer forma, existe uma unidade ou uma equipe que é a responsável por integrar todos os componentes e as partes do projeto desenvolvidas pelas outras equipes. Essa é a unidade sede do projeto, responsável pela sua gestão e pelas principais decisões relativas ao desenvolvimento do produto. Independentemente da forma de organização do projeto, Dias (2003) argumenta que, a fase de definição do conceito do produto exige maior centralização pois o novo produto deve estar adequado às estratégias da companhia. Por outro lado, também exige algum grau de descentralização, pelo menos em termos de informação, dado que é importante a participação de profissionais que estejam próximos ao mercado consumidor e que consigam captar as necessidades desse mercado. Ainda segundo a autora, na fase de engenharia do produto, “existe uma maior especialização dos profissionais, que se dividem de acordo com o componente ou subsistema a ser projetado”. Nesse caso, existe uma oportunidade de descentralização do desenvolvimento. 42 Segundo Veloso e Fixson (2001), a modularização facilita a participação dos fornecedores no desenvolvimento dos novos modelos. A relativa independência dos módulos faz com que eles sejam intercambiáveis entre vários modelos, o que permite que os fornecedores abatam o investimento realizado em P&D entre vários clientes. Isso contribui para tornar os fornecedores mais competitivos do que as próprias montadoras no desenvolvimento de alguns produtos. O autores citam o exemplo do desenvolvimento do airbag que, a princípio não era um módulo independente. Dessa foram, os esforços de P&D eram desenvolvidos, preponderantemente pelas montadoras. Quando o airbag se tornou um módulo independente do veículo, abriu um novo e grande mercado para as empresas fornecedoras investirem mais fortemente no desenvolvimento desse módulo. Segundo eles “now, they (fornecedores) have the incentive to invest in design resources and manufacturing facilities to develop airbag systems, because the can be easily interchanged between different car models and various assemblers”. O ampliação do processo de modularização dos veículos tem, efetivamente, permitido o crescimento da participação do setor fornecedor de autopeças tanto no desenvolvimento de produtos quanto no valor da produção do setor automotivo (como já verificamos na seção 2). “What the modularization creates, is, in effect, a new market for the suppliers’ products. It enables the supplier to apply similar solutions to different assemblers, and amortize his investment across several clients”. A escolha dos fornecedores para um novo veículo se dá nas fases iniciais do processo de desenvolvimento do produto. Assim, Salerno et. all. (2002) argumenta que a engenharia da montadora é decisiva na escolha de fornecedores pois tem, na prática, poder de veto sobre os fornecedores apresentados pelo departamento de compras. Segundo os autores, “por decorrência, passa a ser decisiva a localização da engenharia, ou (...) a localização da unidade na qual se encontra a engenharia que analisa os candidatos ao fornecimento”. Essa engenharia é, segundo os autores, aquela da unidade que é a sede do projeto do veículo e que centraliza a gestão e as decisões sobre o projeto. Para os autores, quando filiais brasileiras sediam o desenvolvimento de novos modelos, atraem co-design, projetos de fornecedores e fornecimento de empresas radicadas no país. Isso aumentaria, inclusive, as chances de empresas locais participarem do fornecimento de autopeças para os novos modelos. 43 4.3. A PARTICIPAÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS A estrutura de desenvolvimento de produtos das grandes empresas do setor é diferenciada de acordo com a montadora. Entretanto, podemos dividi-las em dois grupos: as já instaladas no Brasil no início da década de 90 e as entrantes a partir de então. Entre as últimas, o caso da Renault é típico do grupo, razão pela qual detalharemos um pouco mais seu desenvolvimento de produto (DP). Essa montadora tem poucas atividades de DP locais, sendo esse altamente centralizado na matriz. Dois de seus principais produtos (o Scénic e o Clio) têm como principal mercado a Europa e não o Brasil – o que reforça a tendência de centralização de seu DP no exterior. A Renault busca, com tal centralização, vantagens do ponto de vista de projeto, como tempo e sinergia entre atores do DP. Essa estratégia tende a ser modificada, pois as necessidades de adaptações locais tendem a ser de resposta muito demorada, já que as solicitações brasileiras ao centro francês raramente são consideradas prioritárias. O fato da Renault considerar o Brasil como o centro de operações do Mercosul reforça essa última tendência. Quanto às demais entrantes (Peugeot Citroën, Toyota, Honda e Daimler Chrysler), a organização do DP é semelhante à Renault, como mostra Consoni (2004): “todas essas entrantes têm lançado no país veículos que foram e continuam a ser concebidos, projetados e desenvolvidos no exterior, sendo legítimo afirmar que houve uma integração e atuação bastante limitadas por parte da engenharia automotiva brasileira nesse processo”. Enfim, utilizando a tipologia de DP apresentada, a estrutura das entrantes é a de P&D centralizado etnocêntrico, apesar de, como dito, provavelmente tenderem a uma maior descentralização com o tempo. Entretanto, como assinala Consoni (2004), uma das principais razões para tal estrutura tem sido a ainda baixa escala de operações locais. A Peugeot Citroën, por exemplo, não tem infra-estrutura tecnológica local e sua estratégia de DP principal é mero contato técnico com a matriz e interface com os fornecedores. Faz apenas uma tropicalização limitada e nacionalização de componentes. 44 A Toyota, por sua vez, tem apenas uma pista de testes, seu contato com a matriz é semelhante ao da Peugeot, o mesmo acontecendo com suas capacitações em DP. A Honda não chega nem a ter uma infra-estrutura tecnológica local, apesar de ser semelhante às duas anteriores em contato com a matriz e quanto à capacitação em DP. Finalmente, a Daimler Chrysler, tem infra-estrutura tecnológica local só para caminhões e ônibus, limitando-se a contatos com a matriz de forma idêntica às três antecedentes, o mesmo ocorrendo com a capacitação em DP. Quanto aos já consolidados no mercado, a Volkswagen é a que primeiro inovou nacionalmente: a partir dos anos 1960, realizou o desenvolvimento de vários derivativos locais (Brasília e Gol, por exemplo), com os quais foi líder até o final dos anos 1990. O Brasil liderou o projeto do Pólo Sedan (quanto ao Pólo hatchback, o projeto foi conduzido pela Alemanha, apesar de a filial brasileira ter mandado engenheiros para a Alemanha). Trata-se de uma estrutura de P&D em hub. No caso do Fox, a autonomia da filial foi ainda maior (o conceito do produto foi inteiramente nacional, tendo como objetivo o mercado local). Estrutura semelhante tem o P&D da Fiat. Aqui, projetos para China, Índia e América Latina têm seu DP liderado pelo Brasil em conjunto com a Itália, com participação maior naqueles produtos populares, principal mercado brasileiro. A General Motors também é semelhante em estrutura de P&D: tem DP para mercados emergentes, com projeto de derivativos, motor de baixa cilindrada e maior potência e sistema de combustível flexível (esse último também na Volks e na Fiat). O DP do Meriva, derivativo, teve substancial complexidade, e foi inclusive para o mercado europeu. A Ford apresenta envolvimento com a matriz semelhante ao da General Motors. Em síntese, a estrutura de P&D da indústria automobilística brasileira é atualmente dual: os novos entrantes pouca autonomia têm, enquanto os consolidados a têm de forma relativa. Ou seja, os entrantes apresentam uma estrutura de P&D centralizado etnocêntrico, enquanto os já consolidados apresentam uma estrutura de P&D em hub. Entretanto, a possibilidade de aumento de autonomia parece estar vinculada principalmente menos às perspectivas de exportação que às de 45 crescimento do mercado interno, que funcionaria como uma espécie de âncora para maiores parcerias com os centros de P&D da matriz. 46 5. INOVAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS FIRMAS COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO 5.1. INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO Esta seção tem o objetivo de comparar a inovação no setor automotivo brasileiro com o restante da indústria e com o setor automotivo de outros países do mundo. As próximas duas tabelas procuram fazer essa comparação a partir das pesquisas de inovação de vários países. Note-se que, para garantir a comparabilidade entre os diferentes países, utilizamos os números globais da Pesquisa de Inovação Tecnológica do IBGE e não apenas as empresas com mais de 30 funcionários. O Manual de Oslo define a inovação de produto como a implementação ou comercialização de um produto novo com características de performance aprimoradas em relação aos anteriormente produzidos. De forma similar, uma inovação de processo diz respeito à implementação de processos de produção ou métodos de entrega novos ou significativamente aprimorados – o que pode envolver mudanças nos equipamentos, recursos humanos, métodos de trabalho ou uma combinação de todos eles (OCDE, 1997). O setor automotivo é, em termos mundiais, um setor bastante inovador, possuindo investimentos em P&D e em atividades inovadoras maiores do que a média da indústria. No Brasil, a taxa de inovação (número de empresas inovadoras em relação ao total) do setor automotivo, que é de 37%, está levemente acima da média da indústria, 34%. Em relação à inovação de produto e de produto novo para o mercado, o setor automotivo revela uma diferença pouco significativa em relação à indústria brasileira como um todo. Talvez pese, nesse indicador, o elevado número de empresas no setor automotivo brasileiro. O Brasil que, como vimos, produz cerca de 2,5 milhões de veículos por ano possui mais de 2 mil e duzentas empresas no complexo automotivo. A Alemanha, por sua vez, produz três vezes mais veículos do que o Brasil a partir de uma base industrial de pouco mais de mil empresas. Esse elevado número de empresas, boa parte delas frágeis, pouco eficientes e, provavelmente, pouco 47 inovadoras contribui para explicar a menor proporção de empresas inovadoras no Brasil em comparação com outros países. TABELA 17. TAXAS DE INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA E NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO EM COMPARAÇÃO COM PAÍSES SELECIONADOS (EMPRESAS COM MAIS DE 10 PESSOAS OCUPADAS): 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS PAÍSES). Indicadores Número de empresas Inovadoras Inovadoras de produto Inovadoras de produto novo para o mercado Indicadores Número de empresas Inovadoras Inovadoras de produto Inovadoras de produto novo para o mercado Setor automotivo Alemanha Espanha França Itália Brasil 1.029 959 786 1.010 2.214 667 435 399 492 819 65% 45% 51% 49% 37% 581 320 297 297 430 56% 33% 38% 29% 19% 250 162 224 211 112 24% 17% 28% 21% 5% Indústria total Alemanha Espanha França Itália Brasil 101.199 80.957 86.547 121.561 95.301 56.908 26.524 27.322 42.997 32.796 56% 33% 32% 35% 34% 43.820 15.138 16.793 22.324 19.670 43% 19% 19% 18% 21% 17.730 5.873 10.876 13.742 3.388 18% 7% 13% 11% 4% Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC / IBGE) e Community Innovation Survey (CIS 4). Efetivamente, se observarmos a taxa de inovação do setor automotivo em alguns outros países, observamos valores bastante superiores às taxas de inovação brasileiras. Ou seja, o setor automotivo Brasileiro, embora seja um pouco mais inovador do que a média da nossa indústria, ainda é muito menos inovador do que o setor automotivo mundial. Talvez a análise de um outro indicador possa contribuir mais para caracterizar a inovatividade do complexo automotivo no Brasil: os investimentos em atividades inovadoras e em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Esse indicador deve ser menos afetado pelo elevado número de empresas na base industrial brasileira e 48 talvez sejam mais esclarecedores do real padrão de desenvolvimento tecnológico do setor automotivo brasileiro. Os gastos com inovação15 ou em atividades inodoras incluem todos os gastos relacionados com aquelas etapas científicas, tecnológicas, comerciais, financeiras e organizacionais que levam à implantação de produtos ou processos tecnologicamente novos ou aprimorados. Assim, os investimentos em atividades inovadoras incluem, desde a pesquisa propriamente dita, até investimentos em máquinas e equipamentos para a inovação, treinamento, projetos industriais e dispêndios utilizados para o lançamento do produto no mercado. Os investimentos em P&D, por sua vez, compreendem o trabalho criativo, feito em bases sistemáticas e destinado a ampliar o estoque de conhecimentos e o uso desse estoque em novas aplicações, conforme definido no Manual de Oslo e de Frascati. Nesse sentido, as atividades de P&D tem um conceito muito mais restrito do que as atividades inovadoras, de um modo geral. A tabela 18 mostra os investimentos em P&D realizados no setor automotivo e na indústria do Brasil em comparação com os mesmos países da tabela 17. TABELA 18. ESFORÇOS INOVATIVOS (% DA RECEITA LÍQUIDA DE VENDAS) NA INDÚSTRIA E NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO EM COMPARAÇÃO COM PAÍSES SELECIONADOS (EMPRESAS COM MAIS DE 10 PESSOAS OCUPADAS): 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS PAÍSES). Setor automotivo Alemanha Espanha França Itália Brasil Gastos em atividades inovativas 8,5% 2,3% 5,0% 2,0% 4,4% Gastos em P&D (interno + externo) 4,5% 1,4% 4,8% 1,4% 1,4% Indústria total Alemanha Espanha França Itália Brasil Gastos em atividades inovativas 4,6% 1,4% 3,4% 2,1% 2,8% Gastos em P&D (interno + externo) 2,6% 0,8% 3,0% 0,9% 0,7% Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC / IBGE) e Community Innovation Survey (CIS 4). 15 Este é o conceito do Manual de Oslo, no qual se baseia a Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica, do IBGE. 49 Os gastos em atividades inovadoras da indústria brasileira mostram que não estamos tão distantes de alguns países europeus quanto podíamos supor olhando apenas para a taxa de inovação. A indústria brasileira investe 2,8% do seu faturamento em atividades inovadoras, ao passo que Espanha e França, por exemplo, investem 1,4% e 2,1%, respectivamente. Entretanto, quando olhamos apenas para os investimentos em P&D, a indústria brasileira investe menos do que todos os outros quatro países (0,7%), embora esteja muito próxima de Espanha e Itália. Isso corrobora a percepção, já ressaltada em outros estudos, de que as atividades inovadoras brasileiras ainda são muito dependentes da aquisição de tecnologia, especialmente tecnologia incorporada em máquinas e equipamentos e menos de atividades de P&D propriamente ditas. TABELA 19. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA E NO SETOR AUTOMOTIVO NAS EMPRESAS COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS: 2005. Setor automotivo Indústria total Número de empresas (total) Inovadoras Inovadoras de produto Inovadoras de produto novo para o mercado Investimento em P&D (R$ milhões) Total Automóveis Caminhões e ônibus Cabines, carrocerias Autopeças e reboques Recondicionamento 31.716 940 20 17 139 667 97 13.446 511 16 12 61 396 25 42% 54% 84% 75% 44% 59% 25% 7.788 293 15 11 54 202 11 25% 31% 76% 68% 39% 30% 12% 1.565 98 14 4 29 44 7 5% 10% 69% 27% 21% 7% 7% 7.823 1.894 1.292 314 30 257 1 0,66% 1,45% 2,17% 1,78% 0,52% 0,54% 0,24% P&D / Faturamento (%) Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Os indicadores de investimento em atividades inovadoras também mostram um setor automotivo muito mais intensivo em tecnologia do que aparentavam os 50 indicadores sobre o número de empresas inovadoras. De fato, 4,4% do faturamento das empresas do setor são investidos em atividades inovadoras e 1,4% em P&D, o dobro do que a média da indústria. Em P&D, o setor automotivo brasileiro investe o mesmo percentual do faturamento que o setor automotivo espanhol e italiano e investe muito mais do que esses dois países em outras atividades inovadoras. Quando analisamos apenas as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, o número de empresas se reduz para menos da metade, ao mesmo tempo em que aumenta para 54% a proporção de empresas inovadoras (tabela 19) no setor automotivo. Entre as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, a taxa de inovação no complexo automotivo é bastante superior, portanto, à da indústria brasileira como um todo, que é de 42% (também para empresas com mais de 30 funcionários). O setor responde, ainda, por 24% dos gastos em P&D da indústria brasileira ou aproximadamente R$ 1,9 bilhão16. Fica patente, por esses números, que o segmento de montagem de automóveis e caminhões e ônibus é o setor mais dinâmico, do ponto de vista tecnológico, dentro do setor. Entre as 20 empresas do segmento de montagem de automóveis, 16 (ou 84%) são inovadoras e 14 (69%) criaram produtos novos ainda não existentes no mercado brasileiro. Nos outros segmentos, embora a proporção de empresas inovadoras também seja superior à média da indústria (exceção do recondicionamento) o número de empresas inovadoras de produtos novos para o mercado é muito inferior ao verificado no segmento de automóveis. De fato, esse segmento responde por quase 70% (mais de 1,2 bilhão) dos investimentos em P&D realizados no complexo automotivo e investe cerca de 2,2% de suas vendas em P&D. O setor de caminhões e ônibus também investe uma parcela importante das vendas em P&D (1,8%) ao passo que cabines, carrocerias e autopeças investem menos do que a média da indústria (0,52% e 0,54% das vendas contra 0,7% da indústria brasileira como um todo). Quando analisamos esses indicadores do ponto de vista das empresas líderes do setor, mais uma vez observamos que um pequeno grupo de empresas líderes é o principal responsável pelas atividades inovativas do setor automotivo. De fato, as 62 16 Ao fazer o recorte para empresas acima de 30 pessoas ocupadas, os investimentos em P&D da indústria ficaram praticamente inalterados já que a maior parte do P&D é feito, efetivamente, por empresas maiores. 51 empresas líderes são responsáveis por mais de 60% dos investimentos em P&D do setor automotivo brasileiro, investindo 1,6% do seu faturamento em P&D (tabela 20). A mesma concentração pode ser verificada para as atividades inovadoras, de um modo geral. TABELA 20. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NO SETOR AUTOMOTIVO, POR CATEGORIA DE EMPRESA (EMPRESAS COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS): 2005. Número de inovadoras e taxa de inovação Líderes Número de empresas Inovadoras Inovadoras de produto Inovadoras de produto novo para o mercado Inovadoras de processo Inovadoras de processo novo para o mercado Inovadoras de produto novo para o mercado mundial Seguidoras Frágeis Emergentes Total 62 416 434 28 940 100% 100% 100% 100% 100% 62 271 151 27 511 100% 65% 35% 94% 54% 61 135 71 27 293 98% 32% 16% 94% 31% 59 4 12 23 98 95% 1% 3% 82% 10% 53 244 118 22 437 85% 59% 27% 79% 46% 33 26 7 2 68 53% 6% 2% 7% 7% 14 0 0 16 29 22% 0% 0% 56% 3% Esforços inovativos (R$ milhões e percentual da RLV) Líderes RLV (R$ milhões) Gastos em atividades inovativas (R$ milhões e % da RLV) Gastos em P&D interno e externo (R$ milhões e % da RLV) Seguidoras Frágeis Emergentes Total 73.587 3.201 4,3% 54.188 2.170 4,0% 2.359 44 1,9% 808 130.942 104 5.519 12,9% 4,2% 1.175 641 4 74 1.894 1,60% 1,18% 0,16% 9,14% 1,45% Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Todas as empresas líderes, pela nossa definição, são inovadoras. As líderes em diferenciação de produto obrigatoriamente devem ter criado um produto novo para o mercado brasileiro e as líderes em custo devem ter introduzido um processo novo no mercado. Chama a atenção o fato de que essas empresas também são inovadoras no mercado mundial: 22% delas criaram novos produtos inexistentes no 52 mercado mundial. Esse número é bastante expressivo, dado que apenas 1% das empresas brasileiras tem capacidade de inovar para o mercado mundial e apenas 3% das empresas do setor automotivo. As empresas líderes também inovam mais em produtos do que em processos, ao contrário das seguidoras, cuja inovação está mais concentrada no processo produtivo: 59% das seguidoras inovam em processo e apenas 32% delas inovam em produto. A mesma concentração em processos acontece com as frágeis, embora em menor proporção, pois essas empresas inovam menos do que as demais. GRÁFICO 6. PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR OCUPADO EM P&D NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO, POR CATEGORIA DE EMPRESAS: 2005. 3.000 2.855 engenheiros 2.500 outros 2.000 1.654 1.500 1.000 500 41 145 frágeis emergentes líderes seguidoras Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Pela tabela 20 também fica patente o dinamismo das 28 empresas que chamamos de emergentes. Embora sejam empresas menores e não sejam exportadoras, 94% delas (27 empresas) criaram produtos novos para o mercado brasileiro e, 56% inovaram para o mercado mundial. De fato, a maior parte dos inovadores para o mercado mundial são, no setor automotivo, empresas emergentes. Os investimentos em P&D dessas empresas, como proporção do faturamento, 53 ultrapassam expressivamente os investimentos das líderes: elas investiram, em 2005, mais de 9% do seu faturamento em atividades de P&D. Outro indicador relevante dos esforços inovativos das empresas brasileiras é o número de pessoas envolvidas em atividades de P&D dentro da empresa. No setor automotivo, existem cerca de 4.700 pessoas com curso superior atuando em P&D dentro das empresas, entre os quais cerca de 4.200 são engenheiros (gráfico 6). Esse número corresponde a 17% do total de pessoas com curso superior e a 23% dos engenheiros alocados em atividades de P&D na indústria brasileira como um todo. Mais uma vez fica evidente a dominância tecnológica das empresas líderes. As 62 empresas empregam mais de 60% dos profissionais de nível superior envolvidos em atividades de P&D no setor automotivo. São mais de 2.800 profissionais, entre os quais mais de 2.500 são engenheiros. 5.2. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO As empresas irão inovar a fim de defender suas posições já estabelecidas ou para adquirir vantagens competitivas derivadas do novo produto. Para Dosi (1988) os agentes irão alocar recursos em atividades inovadoras se acreditam que: i) existem oportunidades científicas e tecnológicas ainda não exploradas; ii) existe um mercado para os novos produtos e processos; iii) haverá benefícios econômicos advindos da inovação. Segundo ele, a firma pode se engajar na busca de inovações tanto por meio de atividades formais de pesquisa e desenvolvimento quanto por meio de atividades informais – muitas vezes relacionadas ao processo de difusão tecnológica – tais como a adoção de inovações desenvolvidas em outras indústrias, o learning by doing ou by using. A despeito disso, o autor ressalta a dominância da P&D na busca tecnológica. Entretanto, assim como Dosi, vários estudos ressaltam que as atividades formais de P&D não são as únicas fontes de inovação na indústria nem o único fator responsável pelo sucesso inovador das empresas. As firmas podem inovar a partir 54 de múltiplos “insumos”: adquirindo conhecimento e tecnologias produzidos por outras empresas ou instituições; comprando tecnologia incorporada em máquinas e equipamentos, por meio de redes de cooperação, a partir da interação com os usuários, entre outros. Neste sentido, alguns autores argumentam que a ênfase nas atividades formais de P&D pode subestimar a capacidade inovadora das pequenas empresas, que teriam maior propensão a utilizar outros mecanismos para inovar que não a P&D (Dosi, 1988; Love e Roper, 1999). A preocupação com os diversos insumos das atividade inovadora não é novidade na literatura. Em certa medida, a taxonomia proposta por Pavitt (1984) procura classificar os setores segundo as fontes mais importantes de inovações em cada um deles17. Nos “setores dominados por fornecedores”, por exemplo, as principais inovações estariam incorporadas nas máquinas e equipamentos, ou seja, seriam inovações desenvolvidas em outros setores. Essa classificação sugere, portanto, que nesse grupo de setores a atividade inovadora prescindiria elevados gastos com pesquisa e desenvolvimento. Outro exemplo é o modelo estimado por Love e Roper (1999), para a atividade inovadora, que considera três possíveis caminhos pelos quais uma firma pode inovar: i) esforços internos de P&D; ii) transferência de tecnologia entre empresas do mesmo grupo e; iii) redes ou transferências de tecnologia entre empresas de grupos diferentes. Eles encontram que os três grupos de determinantes são relevantes para a inovação, mas que essas diferentes estratégias parecem ser substitutas uma à outra. Entretanto, a maior parte dos estudos empíricos apontam para uma relação de complementaridade, e não de substituibilidade, entre as diferentes fontes (ou insumos) da inovação. Fremann (1994), ao fazer uma revisão crítica da literatura sobre mudança tecnológica, ressalta a importância do aprendizado – tanto proveniente de fontes internas quanto de fontes externas – no processo de inovação. Ele argumenta ainda, que os resultados dos estudos empíricos apontam uma relação de complementaridade entre essas fontes. Segundo ele, “mesmo em indústrias onde a contratação de P&D e o licenciamento de know-how são práticas 17 Essa taxonomia será abordada mais a frente, quando discutiremos os fatores externos à firma que são relevantes na explicação das atividades tecnológicas das empresas. 55 comuns, eles dificilmente são alternativas às atividades tecnológicas internas (incluindo P&D) mas são complementares a elas”. Outros estudos também apontam na mesma direção, ou seja, de que os insumos da atividade inovadora são complementares (Dosi, 1997). Cassiman e Veugelers (2002) encontraram evidências de que atividades de P&D interno bem como as atividades de procura externa de tecnologia geram, isoladamente, menos novos produtos do que a combinação de fontes internas e externas, evidenciando alguma complementaridade entre ambas. Para o Brasil, Braga e Willmore (1991) também mostraram que, para um conjunto bastante amplo de empresas brasileiras, a importação de tecnologia do exterior é uma atividade complementar ao desenvolvimento interno de P&D. A escolha das estratégias preferenciais de inovação – por meio do desenvolvimento interno de tecnologia versus sua aquisição de fontes externas – não é indiferente a uma série de características das firmas e das estruturas de mercado. Veugelers e Cassiman (1999) mostram que as firmas pequenas são mais propensas a restringir suas atividades inovadoras a uma de duas formas possíveis (aquisição externa ou desenvolvimento de P&D interno), enquanto que as grandes firmas são mais propensas a combinar fontes internas e externas. Beneito (2003) encontrou evidências de que essa escolha também pode ser influenciada pela concorrência e pela capacidade financeira das firmas, entre outras. Uma das explicações para os achados da literatura empírica em relação às complementaridades entre esforços internos de pesquisa e aquisições de conhecimentos externos está na “dupla face” dos gastos em P&D (Cohen e Levinthal, 1989). Além de produzir conhecimento novo, os investimentos em P&D também ampliariam a capacidade das firmas de assimilar e explorar os conhecimentos desenvolvidos externamente. Em outras palavras, os gastos em P&D aumentariam a capacidade de absorção das firmas (Cohen e Levinthal, 1990). A questão que se coloca, então, é: de que forma as empresas do setor automotivo brasileiro inovam, isto é, quais os principais insumos e as principais estratégias adotadas por essas empresas para desenvolver um novo produto? A tabela 21 contribui para essa análise revelando a estrutura dos dispêndios em atividades inovadoras das empresas do setor automotivo. 56 Por esses números, é possível perceber a relevância das diferentes atividades na estratégia de inovação das empresas. Existe uma percepção de que a maior parte das inovações na indústria brasileira seria de inovações de processo, em grande medida, possibilitada pela aquisição de tecnologia incorporada em máquinas e equipamentos. Em outras palavras, as empresas estariam inovando a partir, preponderantemente, da compra de máquinas e equipamentos mais avançados tecnologicamente e não por esforços internos de Pesquisa e Desenvolvimento. Podemos perceber que isso é verdade para as empresas que classificamos como frágeis: 82% dos investimentos que essas empresas realizam para inovar se destinam à aquisição de máquinas e equipamentos18. TABELA 21. DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS GASTOS EM ATIVIDADES INOVATIVAS DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR CATEGORIA DE EMPRESA: 2005. Investimentos em atividades inovativas Gastos totais em atividades inovativas Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total 100% 100% 100% 100% 100% P&D interno 31% 29% 8% 66% 31% P&D externo 5% 1% 0% 5% 4% Aquisição de outros conhecimentos 6% 1% 1% 0% 4% equipamentos 30% 59% 82% 15% 41% Treinamentos 2% 1% 1% 2% 2% Gasto em introdução das inovações 12% 2% 1% 7% 8% Projeto Industrial 13% 8% 6% 5% 11% Aquisição de máquinas e Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Entretanto, para as empresas líderes, apenas 30% dos seus dispêndios em atividades inovadoras estão relacionados com a aquisição de tecnologia incorporada em máquinas e equipamentos. Para essas empresas, os esforços internos de Pesquisa e Desenvolvimento têm uma relevância muito maior: representam 31% do total gasto em atividades inovadoras. Os seus investimentos 18 Note-se que os dispêndios em máquinas e equipamentos reportados aqui não são os investimentos totais dessas empresas mas apenas os destinados ao processo de inovação. 57 em inovação também parecem ser muito mais distribuídos entre diversas atividades do que para as outras categorias de empresas. As empresas seguidoras, embora destinem parcela similar dos seus recursos às atividades de P&D, investem muito pouco em aquisição de P&D e de outros conhecimentos externos, assim como em outras despesas. O principal dispêndio inovador dessas empresas também está relacionado à aquisição de máquinas e equipamentos. Para as empresas emergentes, a relevância das atividades internas de P&D é ainda maior e, para essas atividades, elas destinam 66% de todos os recursos que aplicam em inovação. Utilizaremos a distribuição dos gastos em atividades de inovação para classificar as empresas segundo as estratégias de inovação predominantemente utilizadas. Podemos classificar as empresas inovadoras segundo várias diferentes e exclusivas estratégias de inovação (classificação inspirada em Cassiman e Veugelers, 2004). A primeira estratégia está relacionada com empresas que apenas compram tecnologia e não possuem esforços próprios de P&D. Essas empresas adquirem tecnologia por meio da contratação de P&D externo, licenças ou serviços de consultoria. Para efeito dessa classificação, optamos por excluir as empresas que apenas compram máquinas e equipamentos para inovar, ou seja, a compra de tecnologia que estamos falando refere-se a compra de ativos intangíveis. As empresas também podem adotar uma estratégia de desenvolvimento autárquico de tecnologia quando a única atividade inovadora desenvolvida por elas é a atividade de P&D. Essas empresas estariam engajadas em atividades internas de P&D e, ao mesmo tempo, não adquirem tecnologia externamente, seja por meio de licenças ou contratação de P&D ou serviços de consultoria. Outra possível estratégia de inovação seria caracterizada pelo desenvolvimento conjunto de atividades internas de P&D e de aquisição de tecnologias externamente. Empresas que fazem os dois tipos de atividades, simultaneamente, poderiam se aproveitar melhor das complementaridades existentes entre os esforços inovadores. 58 Por fim, também é possível identificar empresas que declararam ter inovado sem que tenham desenvolvido nenhum tipo de atividade de inovação: são as empresas que não compraram nem desenvolveram tecnologia internamente. Optamos por incluir, nessa categoria, empresas cujo único dispêndio em inovação foi a aquisição de máquinas e equipamentos para inovar. TABELA 22. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ADOTADAS PELAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, SEGUNDO CATEGORIA DE FIRMA: 2005. Estratégia de inovação Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total Apenas compram tecnologia 33% 20% 27% 38% 24% Desenvolvem apenas P&D interno 12% 7% 6% 0% 7% 42% 10% 4% 10% 12% 14% 64% 62% 52% 57% 62 271 151 27 511 100% 100% 100% 100% 100% Desenvolvem P&D interno e compram tecnologia Não desenvolvem nem compram tecnologia, exceto incorporada em BK Total (firmas inovadoras) Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. A primeira constatação relevante da tabela 22 é que as empresas líderes diversificam mais suas estratégias e integram de forma mais efetiva os diferentes insumos da inovação do que as demais. Cerca de 42% dessas empresas inovam por meio de atividades complementares de P&D interno e de aquisição externa de tecnologias, seja P&D ou outros conhecimentos. Outra parcela significativa (33%) inova apenas por meio da compra de tecnologia (licenças, patentes, know how ou mesmo P&D) de outras empresas. Apenas 12% delas possuem estratégias autárquicas de geração de tecnologia – por meio, exclusivamente, de atividades internas de P&D – ao passo que 14% inovam sem maiores esforços, exceto pela compra de máquinas e equipamentos. Vale salientar que, no setor automotivo, a complementaridade entre P&D interno e aquisição externa de conhecimento é maior do que na indústria brasileira, de um modo geral. Mesmo entre as empresas líderes da indústria, apenas 26% delas desenvolvem ao mesmo tempo atividades internas de P&D e atividades de aquisição externa de conhecimentos contra 42% das líderes do setor automotivo. 59 Por outro lado, a inovar a partir, unicamente, da compra de tecnologia externa, é uma atividade mais comum na indústria como um todo do que no setor automotivo: cerca de 42% das empresas líderes na indústria inovam a partir, unicamente, de conhecimentos desenvolvidos externamente contra 33% das líderes do setor automotivo. Dada essa diversidade de estratégias entre as líderes do setor, políticas de incentivo à inovação voltadas a essas empresas deveriam contemplar toda a diversidade de relacionamentos com o sistema nacional de inovação, além dos investimentos em P&D, propriamente ditos. Nesse sentido, é importante ter em mente que essas empresas também precisam estabelecer relações de parceria e cooperação com outras empresas e instituições e que, muitas vezes, precisam adquirir tecnologias de outras fontes a fim de complementar seus esforços de pesquisa. Esse cenário torna mais complexa a tarefa de propor medidas para impulsionar a inovação nesse grupo de empresas, que é, como já ressaltamos, o grupo de empresas capaz de liderar o processo de desenvolvimento tecnológico do setor. A maior parte das empresas seguidoras e frágeis, por sua vez, inova a partir da compra de máquinas e equipamentos. A principal diferença entre elas é que é maior a proporção de empresas seguidoras que desenvolvem P&D e compram tecnologia ao mesmo tempo: cerca de 10% contra 4% das frágeis. Em relação às empresas emergentes, podemos perceber que, a despeito dos seus investimentos em P&D como proporção do faturamento serem elevados, nenhuma delas opta pelo P&D interno como a única maneira de implementar a inovação. Muito provavelmente, por serem empresas menores, para fazer frente aos elevados custos da inovação elas optam por estabelecer vínculos mais freqüentes com outras empresas ou instituições para comprar tecnologia ou para desenvolver projetos conjuntamente. Um indício desse fato é que 38% dessas empresas inovam por meio, unicamente, da aquisição de conhecimentos e de P&D externo. É possível argumentar que a escolha da estratégia de inovação seja fortemente influenciada pelo sub-setor no qual a empresa atua. De fato, nos segmentos montadores, especialmente de automóveis, a estratégia de inovação prioritária é a de buscar as complementaridades entre desenvolvimento interno e aquisição de tecnologias. Por outro lado, nos segmentos de autopeças e de carrocerias e 60 reboques, a maior parte das empresas inova por meio da aquisição de máquinas e equipamentos. TABELA 23. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ADOTADAS PELAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR: 2005. Estratégia de Inovação Apenas compram tecnologia Automóveis Caminhões Carrocerias e ônibus e reboques Autopeças 10% 27% 36% 23% 0% 0% 4% 8% tecnologia 74% 40% 8% 9% Não desenvolvem nem compram tecnologia 16% 33% 52% 60% 100% 100% 100% 100% Desenvolvem apenas P&D interno Desenvolvem P&D interno e compram Total (firmas inovadoras) Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Entretanto, embora no setor de autopeças, a estratégia predominante seja a de inovar via aquisição de máquinas e equipamentos, as líderes desse setor se comportam de forma diferenciada. Apenas 12% inovam via aquisição de máquinas e equipamentos, 35% desenvolvem de forma complementar atividades de P&D interno e compra de tecnologia. Ou seja, as líderes do setor de autopeças têm um padrão de inovação muito mais próximo das demais líderes do complexo automotivo do que das outras firmas do seu segmento. 5.3. INTERAÇÃO COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO O conceito de sistemas nacionais de inovação está baseado na premissa que a compreensão das inter-relações entre os atores envolvidos no processo inovador é a chave para melhorar a performance tecnológica (OCDE, 1997). Segundo Freeman (1987) o sistema nacional de inovação pode ser definido como “... a rede de instituições nos setores público e privados, cujas atividades e interações dão 61 origem, importam, modificam e difundem novas tecnologias”19. Assim, esse conceito expressa o caráter sistêmico dos processos inovador. Freeman (1995) ressalta esse caráter, argumentando que “tem se tornado cada vez mais evidente que o sucesso das inovações, sua taxa de difusão e os ganhos de produtividade a elas associados dependem de uma ampla variedade de outras influências além dos esforços formais de P&D”20. Essas outras influências estão relacionadas às interações com o mercado e com outras firmas, às ligações com o sistema de ciência e tecnologia e com o próprio sistema de produção. A diversidade de estratégias de inovação mostradas anteriormente explicitam como a inovação no setor automotivo – especialmente entre as empresas líderes e as empresas montadoras – depende, além dos investimentos em P&D, do relacionamento das empresas com outras instituições e empresas. Essa seção procura identificar quem são os principais parceiros das empresas do setor automotivo nos seus processos de inovação e qual o grau de interação que essas empresas possuem com outras empresas ou instituições no Brasil e no Exterior. A interação com instituições ou empresas no exterior também é relevante, especialmente dado que o desenvolvimento de produtos no setor automotivo, na maior parte das vezes, se dá em parceria com as matrizes das filiais brasileiras (seção 0). Nesse sentido, uma questão relevante diz respeito a quem é o principal responsável pela inovação implementada pela empresa (tabela 24). De modo geral, mais de 80% das empresas do setor automotivo declararam serem as principais responsáveis pela inovação e 10% delas fizeram a inovação em cooperação com outras empresas ou instituições. No setor montador, entretanto, a necessidade de parcerias e de colaboração com outras empresas parece ser substancialmente maior. Efetivamente, 39% das montadoras de automóveis (6 das 16 empresas inovadoras) declararam que o principal responsável pela inovação foi outra empresa do grupo no exterior. Esse fato demonstra que, a despeito da tradição e competência da engenharia brasileira, boa parte das inovações realizadas pelo setor automotivo no Brasil ainda é proveniente das suas matrizes. Em certa medida, isso corrobora a percepção (já 19 Tradução livre da autora. 20 Idem 62 ressaltada na seção 0 e 0) de que a inovação no setor automotivo é, efetivamente, realizada em termos globais. O mesmo fenômeno ocorre para as montadoras de caminhões e ônibus, onde cerca de 33% das empresas declararam o principal responsável pela inovação ser uma outra empresa no exterior. TABELA 24. NÚMERO DE EMPRESAS INOVADORAS, SEGUNDO QUEM É E QUAL A LOCALIZAÇÃO DO PRINCIPAL RESPONSÁVEL PELA INOVAÇÃO, POR SEGMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO: 2005. e ônibus Carrocerias Auto-peças Cabines e Caminhões Automóveis Responsável pela inovação Brasil Exterior Total % Outras empresas do grupo 0 6 6 39% Empresa em cooperação 5 0 5 31% Outras 0 1 1 8% 16 100% N. de inovadoras Outras empresas do grupo 0 4 4 33% Empresa em cooperação 4 0 4 34% Outras 0 0 0 0% 12 100% N. de inovadoras Outras empresas do grupo 0 0 0 0% Empresa em cooperação 4 0 4 6% Outras 0 3 3 5% 61 100% N. de inovadoras Outras empresas do grupo 0 12 12 3% Empresa em cooperação 30 7 37 9% Outras 17 0 17 4% 396 100% N. de inovadoras Outras empresas do grupo Total Localização do responsável pela inovação 0 22 22 5% Empresa em cooperação 43 7 50 10% Outras 17 5 21 4% 486 100% N. de inovadoras nos segmentos acima Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. A cooperação com outros agentes também é um fenômeno muito mais comum nos segmentos montadores do que no conjunto do setor automotivo: mais de 30% das 63 empresas montadoras declararam que o principal responsável pela inovação foi a própria empresa em cooperação com outros agentes. Essa proeminência das matrizes na definição das inovações do setor também se manifesta nas remessas realizadas ao exterior referentes a serviços de tecnologia. Segundo dados do Banco Central, o setor responde por aproximadamente 20% de todas as remessas referentes a serviços tecnológicos feitas pela indústria brasileira, ou cerca de US$ 250 milhões em 2006. A grande interação das empresas líderes do setor com outras instituições – no Brasil e no exterior – também pode ser verificada pelo número de empresas inovadoras que possuem acordos de cooperação para a inovação (tabela 25). Mais de metade das empresas líderes do setor automotivo possuíam, em 2005, algum acordo de cooperação, seja com fornecedores, clientes ou institutos de pesquisa. Importante salientar que o recurso a acordos de cooperação para realizar a inovação é muito mais comum no setor automotivo do que no restante da indústria. Na indústria brasileira de um modo geral, 38% das empresas líderes possuem acordos de inovação. Da mesma forma, 11% das empresas industriais brasileiras (de todas as categorias) possuem algum tipo de acordo de cooperação ante 20% das empresas do setor automotivo. Também podemos verificar que os acordos de cooperação são muito mais freqüentes nas empresas líderes do que nas seguidoras e, especialmente do que nas frágeis. A interação dessas empresas com o sistema nacional de inovação – por meio da cooperação – é substancialmente maior do que entre as demais. Isso mostra que, além de serem as empresas que tem capacidade para impulsionar o desenvolvimento tecnológico no setor, as empresas líderes também são as que podem gerar maiores transbordamentos para o restante da economia. Os principais parceiros desses acordos são os clientes e os fornecedores diretos das empresas. A tabela 25 mostra o número de empresas que declarou que os acordos de cooperação com fornecedores, clientes, outras empresas do grupo e universidades são altamente importantes para a inovação. Assim, 36% das empresas líderes do setor declararam que a cooperação com os fornecedores é altamente importante para a realização da inovação. Em certa medida, isso é resultado da maior participação dos fornecedores no processo de desenvolvimento 64 de produtos no setor, propiciada pela crescente modularização da produção e do desenvolvimento de novos modelos de veículos. As outras empresas do grupo também são parceiros relevantes nos acordos de cooperação das líderes do setor, particularmente nas montadoras. Entre as 16 montadoras que declararam ter realizado inovações entre 2003 e 2005, 10 (ou cerca de 60%) possuem acordos de cooperação com outra empresa do grupo que, provavelmente, deve ser a sua matriz. Por outro lado, metade das montadoras inovadoras brasileiras faz a inovação em cooperação com seus fornecedores. TABELA 25. NÚMERO DE EMPRESAS INOVADORAS COM ACORDOS DE COOPERAÇÃO E EMPRESAS DE DECLARAM QUE OS ACORDOS SELECIONADOS POSSUEM ALTA IMPORTÂNCIA PARA A EMPRESA: 2005 Número de empresas Com acordos de cooperação (total) Com clientes e consumidores Com fornecedores Com outra empresa do grupo Com universidades/institutos de pesquisa Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total N. % N. % N. % N. % N. % 34 55% 57 21% 6 4% 3 10% 100 20% 24 39% 20 7% 1 1% 0 0% 45 9% 22 36% 23 9% 6 4% 1 4% 52 10% 19 30% 16 6% 0 0% 1 4% 36 7% 4 6% 6 2% 1 1% 0 0% 11 2% 12 20% 6 2% 5 3% 0 0% 23 5% 62 100% 271 100% 151 100% 27 100% 511 100% Com acordos internacionais de cooperação Número de inovadoras Fonte: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) - IBGE. Obs.: Apenas 2 empresas declararam que concorrentes são parceiros importantes na cooperação tecnológica, 6 declararam empresas de consultoria como altamente relevantes e 9 citaram centros de capacitação. As Universidades e os institutos de pesquisa, por sua vez, não parecem ser parceiros relevantes para o setor automotivo. Enquanto 19% das empresas brasileiras declaram que a cooperação com universidades é muito importante para a inovação, apenas 2% das empresas do setor automotivo (11 empresas) dizem o mesmo. Fontes do setor ouvidas por essa pesquisa declararam que existe um certo preconceito em relação à falta de objetividade dos pesquisadores. Além disso, 65 essas fontes também ressaltam um problema que talvez seja o mais relevante para que existam poucos acordos formais de cooperação com universidades: o segredo industrial. O receio em compartilhar informações estratégicas da empresa com pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa parece ser uma das principais limitações para essas parcerias. No entanto, entrevistas com engenheiros ligados ao setor mostram que existe pelo menos a interação informal entre os profissionais das empresas e das universidades. Quanto aos demais parceiros de cooperação existentes no levantamento da PINTEC (concorrentes, empresas de consultoria, e centros de capacitação) os números são ainda menos expressivos21. GRÁFICO 7. PERCENTUAL DAS EMPRESAS INOVADORAS NO SETOR AUTOMOTIVO COM ACORDOS DE COOPERAÇÃO EM PAÍSES SELECIONADOS: 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS PAÍSES). 45% 41% 40% 35% 31% 33% 30% 25% 18% 20% 20% 15% 10% 5% 0% Alemanha Espanha França Itália Brasil Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) - IBGE e Community Innovation Survey (CIS4). Outra informação importante diz respeito a existência de acordos internacionais de cooperação. Das 34 empresas líderes do setor que declararam ter acordos de cooperação, 12 empresas (ou 20% das empresas inovadoras) atribuem elevada 21 Por isso, esses números não estão na tabela. 66 importância para os acordos que possuem com agentes localizados no exterior. Novamente, a cooperação com empresas e instituições estrangeiras é muito mais comum entre as empresas líderes do setor do que nas demais categorias. Muito embora os acordos de cooperação sejam bastante intensos entre as empresas líderes, é possível constatar que essa ainda é uma fragilidade do setor. Como já vimos, apenas 20% das empresas do setor automotivo possuem acordos de cooperação para inovar. O gráfico 7 mostra que o percentual de empresas que cooperam, nos países europeus, com exceção da Itália, é bastante superior ao Brasil. Na Alemanha e na Espanha, mais de 30% das empresas realizam cooperação para inovar, e na França, esse percentual supera 40%. Assim como no Brasil, os fornecedores e clientes são os parceiros mais importantes desses acordos de inovação: no conjunto dos países selecionados, 21% das empresas possuem acordos de cooperação com fornecedores e 15% cooperam com clientes e consumidores. Outras empresas do grupo também são relevantes, elas são as parceiras de cooperação para 14% das empresas desses países. Nos países selecionados, entretanto, as Universidades e Centros de Pesquisa parecem ter uma importância muito superior nos acordos de cooperação do setor automotivo. Novamente, no conjunto dos países selecionados, 13% das empresas cooperam com Universidades. Também existe uma atividade mais intensa de cooperação com concorrentes (11% das empresas), fato que é absolutamente irrelevante no Brasil (apenas 0,4% das empresas declararam essa cooperação como importante). Investigar e corrigir as causas pelas quais a cooperação é um fenômeno menos comum na indústria brasileira pode ser um instrumento de política pública importante para estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico do setor. Isso é importante, dado que observamos a relevância da cooperação para a inovação nos países desenvolvidos. Essa baixa taxa de cooperação e de interação com outros agentes do sistema de inovação pode estar relacionada com gargalos na área de propriedade intelectual, por exemplo. Também pode ter relação com a pequena importância que às empresas do setor conferem às Universidades e Instituições Públicas de Pesquisa: o fato dos países Europeus terem um maior número de acordos de cooperação com essas instituições pode explicar porque, lá, a cooperação é um fenômeno mais comum. 67 TABELA 26. NÚMERO DE EMPRESAS QUE CONSIDERAM ALTAMENTE IMPORTANTE AS FONTES DE INFORMAÇÃO PARA A INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO, SEGUNDO CATEGORIA DE EMPRESA: 2005 Fontes de informação para a inovação Líderes N. % Seguidoras N. % Frágeis N. % Emergentes N. % Total N. % Fontes internas à empresa Departamento de P&D 35 57% 44 16% 0 0% 12 44% 91 18% Outros 35 57% 111 41% 48 32% 5 19% 199 39% Clientes e consumidores 42 67% 124 46% 88 58% 25 95% 280 55% Fornecedores 34 54% 97 36% 66 44% 15 56% 212 42% Concorrentes 23 37% 48 18% 34 22% 1 4% 106 21% Outra empresa do grupo 34 56% 48 18% 5 3% 1 4% 89 17% Instituições de teste 15 24% 29 11% 6 4% 3 12% 53 10% Aquisição de licença 18 29% 13 5% 7 5% 3 13% 41 8% Centro de capacitação 4 7% 18 7% 15 10% 2 7% 40 8% Empresa de consultoria 3 5% 21 8% 11 7% 2 7% 37 7% Universidade 6 10% 10 4% 4 3% 3 13% 24 5% 62 100% 271 100% 151 100% 27 100% Fontes externas à empresa N. de inovadoras 511 100% Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Nesse sentido, também é bom lembrar que a Lei de Inovação – publicada em 2005, no mesmo ano que esses indicadores estão sendo avaliados – procurou corrigir algumas deficiências institucionais na relação entre universidade e empresas. É possível que o número de acordos de cooperação no setor automotivo tenha aumentado desde então22. As fontes de informação para a inovação consideradas muito importantes pelas empresas inovadoras também fornecem indícios do padrão de relacionamento das empresas com outros agentes do sistema de inovação. Essas fontes são avaliadas, pelas empresas inovadoras, em uma escala de quatro níveis que vai de altamente importante até irrelevante. Selecionamos, na tabela 26, apenas as fontes que foram consideradas altamente importante pelas empresas. A tabela mostra o número de 22 O que só será possível verificar na Pesquisa de Inovação Tecnológica de 2007, ainda não divulgada 68 empresas que avaliou essas fontes como muito importantes e o percentual do total de empresas inovadoras. O departamento de P&D da própria empresa é considerada uma fonte muito importante de informação para a inovação por 57% das empresas líderes inovadoras. Nas empresas seguidoras, por sua vez, essa não é uma fonte tão relevante de informação (só 16% delas consideram os departamentos de P&D fontes de informação importantes). As empresas frágeis nem mesmo possuem departamentos de P&D ao passo que 44% das emergentes os consideram muito importantes. FIGURA 1. SÍNTESE DO RELACIONAMENTO DAS EMPRESAS INOVADORAS DO SETOR AUTOMOTIVO COM OUTROS AGENTES DO SISTEMA DE INOVAÇÃO. Empresa do Empresa líder Fornecedores Concorrentes Clientes Em relação às fontes externas, novamente essa tabela mostra a relevância da interação das empresas com fornecedores e clientes. Essas duas fontes de informação são as consideradas muito importantes pela maior parte das empresas do setor automotivo. Nas empresas líderes, adicionam-se as outras empresas do grupo como fontes de informação consideradas muito importantes pela maior parte das empresas. 69 A figura 1 sumariza o padrão de relacionamento das empresas inovadoras do setor automotivo com os demais agentes do sistema de inovação. Claramente, os principais parceiros ou agentes no Brasil que interagem com essas empresas para realizar a inovação são outras empresas, especialmente clientes e fornecedores. As empresas inovadoras fazem acordos de cooperação e buscam informação tecnológica junto aos seus fornecedores e junto as empresas compradoras dos seus produtos. Por outro lado, outras empresas do grupo – especialmente a matriz localizada no exterior – tem predominância nos processos de inovação das subsidiárias locais no caso do segmento montador de automóveis e de caminhões e ônibus. As empresas concorrentes, por sua vez, são fontes importantes de informação para a inovação muito embora, por razões óbvias, não sejam parceiras em acordos de cooperação. Os outros agentes do sistema de inovação, tais como universidades, centros de pesquisa, instituições tecnológicas, de testes e ensaios etc. são muito pouco integradas ao processo de inovação no setor automotivo. 5.4. PERSPECTIVAS PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL Como já vimos na seção 0, a participação das empresas multinacionais é preponderante (quase 100% do faturamento) nos segmentos de montagem – de automóveis e de caminhões – do setor automotivo. As empresas estrangeiras também representam mais de 60% do faturamento do setor de autopeças e são quase a totalidade do segmento de carrocerias e reboques. Nesse sentido, a participação do capital nacional no setor automotivo está bastante circunscrita ao segmento de autopeças e profundamente ligada à sua participação na cadeia de fornecimento das montadoras. O aumento da participação brasileira no mercado mundial de automóveis (seção 0) e os ganhos de escala associados a esse aumento de produção podem abrir novas janelas de oportunidades para a parcela nacional do setor de autopeças, na medida em que pode contribuir para ampliar as escalas de produção dos fornecedores domésticos. 70 Aliado a maior importância do Brasil no contexto mundial, também vimos que a produção e o desenvolvimento de produtos do setor automotivo mundial tem sido marcados pela estratégia modular e de plataformas mundiais. Essas estratégias se caracterizam pela maior participação do setor fornecedor no desenvolvimento dos novos modelos de automóveis (como vimos na seção 0). Nesse sentido, Salerno et. all. (2002) defendem que o desenvolvimento local de produtos pode contribuir para aumentar a participação dos fornecedores locais nos novos modelos, entre eles, as empresas de capital nacional. Isso seria especialmente relevante quando a subsidiária brasileira é a principal responsável pelo desenvolvimento do produto, ou seja, quando ela é a sede do projeto. Entre as 62 empresas líderes, existem 23 empresas (aproximadamente 30%) de capital nacional e essas empresas respondem por cerca de 8% dos investimentos em P&D das empresas líderes. A maior parte delas (13 empresas) está localizada no segmento de autopeças e outras 6 estão no segmento de carrocerias e reboques. Essas empresas não estão muito distantes das estrangeiras em termos dos seus indicadores de inovação. A taxa de inovação de produto novo para o mercado entre as empresas nacionais é de 18% (tabela 27), sendo que a do conjunto das empresas líderes era de 20% (como vimos na tabela 20). Por outro lado, das 434 empresas classificadas como frágeis, 430 são empresas nacionais. Quase todas as empresas emergentes são empresas de capital nacional, 27 entre 28 empresas. Entretanto, a única empresa emergente multinacional é a responsável pela maior parte dos investimentos em P&D desse grupo de empresas. A tabela 27 mostra que as empresas nacionais emergentes investiram cerca de R$ 10 milhões em atividades de P&D em 2005 entre os R$ 74 milhões desse grupo de empresas. Isso explica porque, como proporção do faturamento, as empresas domésticas desse grupo investem 3,8% em P&D ante os 9,1% do total das emergentes. Ainda assim, esse investimento é bastante superior ao realizado pelo conjunto das empresas domésticas. As empresas de capital nacional no setor automotivo investem cerca de 0,72% do seu faturamento em P&D, contra uma média de 1,44% do setor como um todo. Entre as empresas líderes, esse diferencial não é tão elevado: as nacionais investem 1,15% do faturamento em P&D contra 1,6% de todo o grupo de empresas líderes. 71 TABELA 27. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NAS EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL DO SETOR AUTOMOTIVO, POR CATEGORIA DE EMPRESA (EMPRESAS COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS): 2005. Número de inovadoras e taxa de inovação líderes número de empresas Inovadoras Inovadoras de produto Inovadoras de processo Total 430 27 791 23 201 149 26 399 100% 65% 35% 95% 50% 22 102 70 26 219 95% 33% 16% 95% 28% 22 3 11 22 58 95% 1% 2% 82% 7% 20 177 116 21 334 85% 57% 27% 78% 42% 9 11 7 2 30 40% 4% 2% 7% 4% 16 20 59% 3% Inovadoras de produto novo para o mercado mundial emergentes 311 Inovadoras de processo novo para o mercado frágeis 23 Inovadoras de produto novo para o mercado seguidoras 4 18% - 0% 0% Esforços inovativos (R$ milhões e percentual da RLV) líderes RLV (R$ milhões) Gastos em atividades inovativas (R$ milhões e % da RLV) Gastos em P&D interno e externo (R$ milhões e % da RLV) seguidoras frágeis emergentes total 8.393 14.292 1.970 250 24.905 490 505 43 23 1.060 5,8% 3,5% 2,2% 9,3% 4,3% 97 70 4 10 180 1,15% 0,49% 0,19% 3,81% 0,72% Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. 72 6. FINANCIAMENTO AO INVESTIMENTO Começaremos a análise sobre o financiamento ao investimento em atividades inovadora pela avaliação dos principais obstáculos encontrados, pelas empresas inovadoras, para realizar atividades de inovação. Entre as 522 empresas do setor automotivo que desenvolveram projetos de inovação – mesmo inacabados – 25% declararam terem encontrado algum tipo de dificuldade para realizar a inovação (gráfico 8). Chama a atenção o fato de que esse percentual é maior (40%), justamente, entre as empresas líderes, que são as mais capazes de empreender esse tipo de atividade. Talvez as dificuldades maiores enfrentadas por essas empresas tenham relação com a maior sofisticação ou com o maior grau de inovatividade dos seus projetos de inovação. GRÁFICO 8. PERCENTUAL DAS EMPRESAS INOVADORAS NO SETOR AUTOMOTIVO QUE DECLARARAM TEREM ENCONTRADO DIFICULDADES PARA INOVAR: 2005. 50% 45% 44% 40% 35% 31% 30% 25% 25% 20% 20% 13% 15% 10% 5% 0% líderes seguidoras frágeis emergentes total Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. A pergunta seguinte é: quais seriam essas dificuldades? Existem três fatores que, são, para todas as empresas, os fatores mais citados como as principais dificuldades encontradas para inovar. Os elevados custos dos processos de 73 inovação são citados como o principal fator a dificultar as atividades inovadoras por mais da metade (52%) das empresas que declararam terem encontrado dificuldades para inovar (tabela 28). O segundo fator mais citado como um obstáculo relevante são os riscos econômicos das atividades inovadoras (47%) seguido pela escassez de fontes de financiamento (35%). Esse cenário não é muito diferente do que já foi verificado para o conjunto da indústria brasileira. De fato, esses são os principais obstáculos às atividades inovadoras na visão das empresas inovadoras. Em certa medida, todos esses fatores estão relacionados: os altos custos e os elevados investimentos necessários aumentam o risco de se empreender atividades inovadoras, cujo retorno econômico, por vezes, é imprevisível. Como conseqüência, mobilizar recursos próprios ou de terceiros para esse tipo de atividade torna-se mais arriscado do que mobilizar esses recursos para investimentos em ampliação da capacidade ou em modernização, cujos retornos são mais previsíveis. Nesse sentido, mecanismos de financiamento tradicionais não são suficientes nem adequados para o financiamento às atividades inovadoras. TABELA 28. NÚMERO DE EMPRESAS QUE DESENVOLVEU PROJETOS DE INOVAÇÃO E DECLAROU TER ENCONTRADO DIFICULDADES PARA INOVAR E QUAIS AS PRINCIPAIS DIFICULDADES ENCONTRADAS: 2005. Número de empresas e porcentagem Que declararam terem encontrado dificuldade para inovar Que citaram os riscos econômicos como principal dificuldade Que citaram os elevados custos da inovação como a principal dificuldade Que citaram a escassez de fontes de financiamento adequadas como a principal dificuldade Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total 27 56 46 3 133 100% 100% 100% 100% 100% 14 21 26 1 63 53% 38% 55% 43% 47% 16 23 27 3 69 59% 41% 58% 100% 52% 6 15 21 3 46 24% 27% 45% 100% 35% Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. No caso das empresas emergentes, a escassez de fontes de financiamento é ainda mais relevante. Todas as três empresas que declararam ter dificuldades para inovar 74 disseram que essa é a principal dificuldade. Nas empresas frágeis, 45% percebem esse como o principal problema. Entretanto, para essas empresas, talvez não seja apenas a escassez de fontes de financiamento mas a sua capacidade em acessar os recursos disponíveis. GRÁFICO 9. FONTE DOS RECURSOS INVESTIDOS EM P&D DAS EMPRESAS INOVADORAS NO SETOR AUTOMOTIVO. % 2005. 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% próprio 85% líderes público 95% 97% 100% seguidoras privado frágeis emergentes 89% total Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. O gráfico 9 mostra a razão de as fontes de financiamento serem consideradas um dos três principais obstáculos às atividades inovadoras. 89% dos investimentos realizados em P&D pelas empresas do setor automotivo são financiados com recursos próprios, menos de 11% são recursos públicos e apenas 0,1% são recursos privados de terceiros. Ou seja, tanto a participação pública quanto, especialmente, a participação do crédito privado tem pouca relevância no financiamento das atividades tecnológicas na indústria automobilística brasileira. As empresas emergentes constituem o caso mais emblemático: essas empresas nem sequer tomam recursos, públicos ou privados, para investir em inovação. Todos os seus investimentos são financiados com recursos próprios, mesmo elas sendo empresas promissoras, do ponto de vista tecnológico, dado que possuem departamentos próprios de P&D e, muitas vezes, fazem inovações extremamente 75 abrangentes, dado que criam novos produtos para o mercado mundial. Também são empresas com pequena escala de produção e cuja disponibilidade de recursos próprios para financiar essas atividades é, provavelmente, muito pequena. As empresas líderes, por sua vez, são as que mais acessam mecanismos públicos de financiamento à P&D. Cerca de 15% dos seus investimentos nessa atividade são financiados com recursos públicos. Essas também são, como já vimos, as empresas que mais investem em P&D no setor automotivo, o que ajuda a explicar porque possuem maior acesso aos mecanismos de financiamento. Também são elas as empresas capazes de liderar o processo de desenvolvimento tecnológico do setor. GRÁFICO 10. PERCENTUAL DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO QUE RECEBERAM FINANCIAMENTO DO BNDES: 2005. 90% 82% 80% 70% 62% 60% 50% 50% 38% 40% 30% 20% 13% 10% 0% líderes seguidoras frágeis emergentes total Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC; BNDES. O percentual de empresas financiadas pelo BNDES – não apenas em atividades inovadoras – também é maior entre as empresas líderes. No setor automotivo, metade das empresas utilizou recursos do BNDES para financiar seus investimentos. No grupo das empresas líderes, mais de 80% utilizam os recursos do Banco. 76 7. INOVAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO NA ÓTICA DO EMPRESARIADO A presente sessão tem como objetivo analisar a percepção dos empresários sobre as estratégias utilizadas pelas empresas do setor automotivo para acumular conhecimento e promover inovações. Esta análise é feita com base em entrevistas dirigidas com empresários e organizações representativas do empresariado no setor analisado. As entrevistas (ver roteiro em anexo) foram orientadas visando captar a visão do empresariado sobre as principais inovações do setor, as estratégias e as necessidades do setor para inovar. Mais especificamente a primeira parte da entrevista busca entender o que os empresários consideravam como as principais inovações no setor. As questões seguintes tratam das fontes de informações utilizadas para inovar e como os empresários avaliam as parcerias realizadas com agentes externos como fornecedores, centros de pesquisa e universidades. O terceiro conjunto de questões busca entender como as organizações representativas do empresariado dos setores investigados tratam do tema da inovação. 7.1. PERCEPÇÃO DOS EMPRESÁRIOS SOBRE AS INOVAÇÕES NO SETOR AUTOMOTIVO No caso do setor automotivo foram entrevistados membros das principais entidades representativas do setor: Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) e Sindicato de Autopeças de SP (Sindipeças). Segundo estas entidades, as principais inovações dos últimos 10 anos estão ligadas a questão do uso de energia alternativa (biocombustível), segurança e meio ambiente. Sobre o tema questão do uso de energias alternativas, os entrevistados foram unânimes em apontar os estudos realizados pela Embrapa23 desde o período do 23 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária 77 Pró Álcool, como responsáveis pela produção de conhecimento que acabou gerando inovações no setor de combustíveis e de autopeças como os motores flex. No tema meio ambiente os entrevistados apontaram não apenas o desenvolvimento de formas mais adequadas de controle de emissões poluentes, via melhoria na tecnologia automotiva com de combustíveis, como também de fontes alternativas de energia para produzir um chamado “transporte verde”. Segundo um dos entrevistados, estudos sobre o uso energias alternativas, estão ganhando espaço nas matrizes na Europa e E.U.A e o que era considerado há cerca 2 anos, uma forma da apresentar a empresa como politicamente correta na sua preocupação com o meio ambiente, é hoje visto como uma necessidade e meta a ser perseguida. Nesse caso, as estratégias das matrizes tem sido atuar em duas vertentes: realizar esforços no sentido de aumentar a eficiência dos tradicionais mecanismos e componentes baseados no sistema de combustão interno e, ao mesmo tempo, orientar seus estudos na busca de sistemas que funcionem com novas formas de energia não mineral. Este tem sido o padrão de comportamento, em termos de busca de conhecimento para inovar, tanto de empresas que produzem carros de porte médio para um mercado de utilitários como a Toyota , VW, GM e Fiat , como empresas que fazem carros esportes e do mercado de luxo como BMW, Porsche e Jaguar. No âmbito da segurança veicular foram apresentados como inovações dos últimos 10 anos o sistema de freio denominado ABS, (Anti lock Braking System) o airbag, o Cinto de Segurança de 3 pontos e os sistemas de ignição dos faróis ou de iluminação. A importância do freio ABS em termos de inovação na área de segurança veicular é ressaltada por empresários do setor pelo fato da derrapagem ser considerada uma das principais causas de acidentes. O freio ABS consiste num sistema de travagem que evita que a roda bloqueie (quando o pedal de freio é pisado fortemente) e entre em derrapagem, deixando o automóvel sem aderência à pista. Assim, evita-se o descontrole do veículo (permitindo que obstáculos sejam desviados enquanto se freia) e aproveita-se mais o atrito estático, que é maior que o atrito cinético24. Este 24 Informações técnicas Sindipeças 78 sistema foi desenvolvido pela matriz e a Bosh é um dos grandes fornecedores no Brasil. Os outros componentes de segurança, também considerados inovação no setor como o airbag-25, e Sistemas de Iluminação (ex: uso de infra-vermelho), também foram desenvolvidos pelas matrizes e produzidos nacionalmente pelas subsidiária. Este é o padrão de desenvolvimento de produtos novos do setor automotivo, ou seja, cabe aos departamentos de P&D localizados nas matrizes,desenvolver os projetos de produto e processos. As adaptações e ajustes são feitos localmente nos chamados centros de desenvolvimento avançados. Segundo um dos entrevistados o número de empresas que tem “convencido” a matriz a instalar Centros de P&D no Brasil tem aumentado. Uma das primeiras foi a General Motors, com o Centro de P&D local que desenvolveu o projeto das pickups da GM e que nos últimos 2 anos admitiu mais de mil engenheiros26. Outras empresas vêm seguindo esta estratégia visando desenvolver projetos apropriados para situações de infra-estrutura viária, típicas de países em desenvolvimento. Entre estas estão a Renault, com Centro de P&D, no estado do Paraná, a Peugeot, no Rio de Janeiro, e por último a Toyota. Segundo o entrevistado, a última empresa demorou em lançar no mercado o modelo flex-fluel por não ter um centro de P&D local. Em síntese, segundo os empresários do setor, as principais inovações estão relacionadas aos seguintes aspectos: (a). Aperfeiçoamento simultâneo da cadeia produtiva do etanol (desde a genética da cana até a distribuição do combustível) e desenvolvimento de componentes e autopeças que possibilitaram a plena utilização do Etanol. O motor flex-fuel é o exemplo mais citado das inovações do setor. (b).Desenvolvimento para atendimento 100% dos limites de emissões nas várias fases do CONAMA27, tanto para motores Otto quanto para Diesel. (c). Logística mais eficiente e automatizada (Fiat; GM; Ford; outras) 25 O airbag funciona acionando vários sensores dispostos em partes estratégicas do veículo (frontal, traseiro, lateral direito, lateral esquerdo, atrás dos bancos do passageiro e motorista, tipo cortina no forro interno da cabina) que emite sinais para uma unidade de controle que por sua vez checa qual sensor foi atingido e assim aciona o airbag mais adequado. 26 Informação da Associação de Engenheiros da A 27 Conselho Nacional do Meio Ambiente- Ministério do Meio Ambiente 79 (d). Comunicação eletrônica entre compradores e fornecedores em vários setores (CAD; Programação; etc.). Em geral montadoras e fornecedores 1º Tier. (e). Novas fábricas de montagem construídas nos últimos 10 anos são líderes mundiais em produtividade (horas por veículo montado). (f).Prototipagem eletrônica. Simulações eletrônicas minimizando a necessidade de testes longos e caros. (g). Ampliação da utilização da Eletrônica Embarcada. Todos os veículos e fabricantes. Muitos itens são desenvolvidos por multinacionais fornecedores de 1º Tier: Bosch, Siemens, Marelli, Denso, Delphi, outros. Apesar dos avanços o Brasil está atrás de países desenvolvidos nesse aspecto, principalmente em ITS (Sistemas de Transporte Inteligentes). (h). Novos equipamentos/ sistemas de segurança veicular como airbag, freios ABS, cintos de segurança de 3 pontas e sistemas de iluminação que ampliam e intensificam o espaço visual do condutor Entre as motivações para inovar no setor é consenso entre os entrevistados a alta concorrência no setor tanto no mercado internacional como no doméstico. Em termos de mercado domestico, segundo entrevistados, poucos países têm tantas montadoras competindo neste mercado como no Brasil. Outros fatores que teriam motivado as empresas do setor a realizarem inovações, visando aumentar a eficiência do processo produtivo e de distribuição, foram abertura da economia e valorização cambial na época do Gustavo Franco (o efeito Gustavo Franco)28. 7.2. ESTRATÉGIAS OU MECANISMOS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO PARA INOVAR Os mecanismos de acumulação de conhecimento no setor automotivo no país são fortemente condicionados pelas diretrizes das matrizes das empresas multinacionais. O envolvimento da matriz é significativo desde as primeiras etapas 28 Os entrevistados estão aqui se referindo ao Presidente do Banco Central e ao período de consolidação do Plano Real, 1994-1999, particularmente a um dos eixos do referido Plano, ou seja, à valorização artificial do cambio. 80 do desenvolvimento do produto, ou seja, definição de conceitos, planejamento de produto, engenharia de produto e processo até etapas finais de validação do processo e produto. Neste processo, o principal mecanismo para acumular conhecimento para empresas subsidiárias tem sido a transferência de tecnologias e know how pelas matrizes. Nas subsidiárias, a transferência de conhecimento das matrizes é complementada por centros de desenvolvimento de engenharia local para competências específicas. Percebe-se nas entrevistas que as matrizes têm que ser convencidas a fortalecer os centros de desenvolvimento locais para além das funções de adaptação e criação de produtos específicos. Os argumentos mais utilizados pelos diretores das subsidiárias têm sido a criatividade da mão- de- obra qualificada e o baixo custo da engenharia brasileira. Como exemplos do sucesso no sentido de fortalecimento dos centros de desenvolvimento local são citados o centro mundial de desenvolvimento de caminhões da Mercedes no Brasil e vinda do centro de design mundial da GM. Além da necessidade de adaptação de produtos e processos, os entrevistados ressaltam que os centros de desenvolvimento locais se beneficiam da formação e capacidade dos engenheiros. “Tinha um presidente de uma montadora que eu discuti muito com ele. Era um presidente da General Motors.. Era um cara chinês. E ele, há muitos anos falou assim para mim: fulano, o engenheiro brasileiro é o engenheiro que tem mais desenvoltura, mais jogo de cintura, um camarada. O engenheiro brasileiro é um dos melhores do mundo.O que ele fez? Ele conseguiu provar na corporação mundial da General Motors. Fez com que a General Motors do Brasil fosse o centro de pesquisa de desenvolvimento de engenharia das pickups da General Motors, e ele admitiu nos últimos dois anos mais de mil engenheiros”. Ao mesmo tempo um entrevistado aponta para o risco de escassez de mão de obra especializada dado o aumento de centros avançados de P&D. Na fala do entrevistado: Como todas essas empresas estão montando um centro de desenvolvimento de pesquisa no Brasil, um problema seriíssimo é falta de mão-de-obra de engenharia. Sério! Sério! Tanto é que eu tive uma reunião com o pessoal do Governo de São Paulo através da Secretaria de Indústria e Comércio e eles me indicaram e nós vamos indicar para as autopeças os cursos da Faculdade de Tecnologia. A Fatec vai montar aí uma série de cursos, ao longo do Estado de São Paulo, de centros de 81 ensino específicos para determinadas matérias. Por exemplo; para mecânica, para ar condicionado, para eletrônica e eletro-eletrônico”. Embora o mecanismo principal de aprendizagem do setor automotivo nacional seja a transferência de conhecimento de ponta gerada nas matrizes, nos últimos anos os centros de desenvolvimento locais têm sido fortalecidos pelas matrizes visando um melhor aproveitamento dos recursos da região onde se localizam e ao mesmo tempo racionalizar a alocação de recursos em P&D. Esse fortalecimento tem se dado no sentido de ampliação de competências dos centros de desenvolvimentos locais potencializando a capacidade de geração e difusão de novos conhecimentos na cadeia produtiva do país. Nesta cadeia, composta por uma série de produtores de autopeças, o processo de aprendizagem se dá principalmente na relação entre empresa e fornecedores denominadas de empresas sistemistas. Atualmente as empresas sistemistas de 1 “Tier”29 trabalham diretamente com as montadoras não apenas montando o sistema, mas no planejamento e logística de produção do novo produto. A cooperação entre montadoras e sistemistas de 1 nível se dá desde o início do processo produtivo, e é apontado pelos entrevistados como o principal mecanismo de aprendizagem e acumulação de conhecimento. Cabe observar que os sistemistas de 1 Tier são empresas multinacionais e de porte semelhante as montadoras, tendo inclusive vários centros de desenvolvimento localizados no país como é o caso da Delphi. Neste processo as empresas nacionais de autopeças estariam no nível ou tier 3 ou 4 produzindo parte da peça ou peça inteiras,como freio ou bomba injetora, que vão compor os diversos sistemas automotivos. Neste segmento o principal mecanismo de aprendizagem apontado tido sido a parcerias entre as empresas de 1 e 2 tier, já que poucas empresas dos níveis menores tem porte para realizar P&D interno e dependem nas empresas dos primeiros níveis. O processo de aprendizagem nos tiers 3 e 4 é comprometido pelas relações mais conflituosas que cooperativas que parece ser o padrão de relação entre autopeças de menor porte e as sistemistas de 2 e 1Tiers. Segundo representante do Sindipeças: 29 Tier, termo utilizado no setor para designar níveis de empresas que atuam como responsáveis e montadoras de sistemas completos. Como sistemas de 1 tier são citados a Bosh , Delphi, Vanete e Mareli 82 “Relação entre fornecedores e clientes é mais conflituosa do que cooperativa, como conseqüência das políticas de suprimentos das grandes montadoras (exceção: Japonesas). Somente quando o fornecedor adquire status quase monopolista em nível mundial ou porte comparável as montadoras, as negociações ocorrem mais equitativamente, havendo verdadeira parceria em desenvolvimentos”. No setor automotivo nacional, a contratação de P&D externo assim como parcerias com Centros de Pesquisa e Universidades são práticas pouco freqüentes na busca de informações e conhecimento para inovar. Os entrevistados foram unânimes em apontar a questão do segredo industrial como a explicação para a pouca prática de contratação de P& D externo pelo setor de montadoras e de produtores de autopeças. Este foi um argumento recorrente quando o tema inovação e conhecimento apareciam nas entrevistas. Algumas organizações empresariais do setor como Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP) recusaram a conceder entrevista utilizando o argumento do clima tenso no segmento dado a problemas de patentes e segredo industrial. A interação entre empresas, universidades e centros de pesquisa é tema controverso entre os empresários do setor. Segundo o sindicato de autopeças, as parcerias ocorrem de forma pontual para resolver problemas específicos da produção e para testes de motores e de emissões. Embora os entrevistados reconheçam a existência no país de centros de excelência tecnológica como a Escola de Engenharia da Mauá e o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), Escola Politécnica, USP e Instituto Tecnológico da Aeronáutica, estes não conseguem atender as necessidades de testes, considerada a maior demanda do setor. Dois aspectos são recorrentes no discurso dos empresários quando tratam to tema interação universidade-empresa. O primeiro é o reconhecimento das dificuldades que as pequenas e médias empresas têm em buscar parcerias com as instituições de pesquisa, pois não tem departamento de pesquisa ou equipe de engenheiros que consigam expressar suas necessidades e demandas a estes centros de pesquisa. O segundo aspecto é a avaliação negativa dos empresários das parcerias ao desqualificar o comportamento do pesquisador como “despreparado para entender as necessidades de curto prazo da industria”, “falta de objetividade”, “excesso de teoria” e “futurologistas”. 83 “O pessoal da Universidade não está preocupado em oferecer algo de interesse mais prático para o setor. O que você vê, são projetos de muita futurologia de muito longo prazo. Isso cria um desestímulo para buscar parcerias com universidades” e “ Frustração. As universidades brasileiras têm pequena visão de cooperação com a Indústria Mecânica em geral visando aperfeiçoamentos de curto e médio prazo. Não há programas de apoio tecnológico para médias e pequenas empresas. Quando há grande motivação política (exemplo: biodiesel) ocorre alguma mobilização”. Estas visões refletem o desconhecimento por parte dos empresários, da lógica que rege as universidades e centros de pesquisa que é orientada para pesquisa básica e geração de conhecimentos novos. Nessa lógica, os mecanismos de incentivo a carreira do pesquisador são regidos pelo conceito de bem público, ou seja, de uma produção cujos resultados deverão ser divulgados em revistas acadêmicas. Aqui a lógica público, inerente aos centros de pesquisa das universidades públicas se contrapõe a lógica do privado na forma de segredo industrial própria da empresa privada. É esta incapacidade de compreender que as empresas e instituições de pesquisas operam com lógicas diferentes e, portanto, têm objetivos e linguagens diferentes que leva a muitos empresários a uma avaliação pessimista do processo de interação. É interessante observar que embora a interação universidade e empresa venham ocorrendo de forma pontual e segundo os empresários, aquém do esperado, estes mesmos empresários apontaram como principais inovações do setor o desenvolvimento de motores flex-fuel e da cadeia de bio-combustíveis citando centros e universidades públicas, Embrapa e Instituto Tecnológico da Aeronáutica, como fundamentais na produção de conhecimento que possibilitou a inovação de produtos no setor. Concluímos pela necessidade de melhor qualificar estas interações de forma a detectar a natureza destas parcerias em termos de seus objetivos, ou seja, afinal de que os empresários falando quando o tema é interação universidade empresa? Esta interação vem se dando para realização de testes nos laboratórios dos centros de pesquisa, resolução de gargalos em processos, problemas com produtos, ou 84 projetos conjuntos de desenvolvimento de processos ou produtos? São pontuais ou tem um caráter mais permanente? O conhecimento das boas práticas nesta área possibilitaria desenhar melhor estratégias de incentivo e fortalecimento das parcerias entre universidades e empresas no setor automobilístico. 7.3. A INOVAÇÃO NA AGENDA DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS Neste item tratamos da pauta das principais organizações representativas do setor automotivo com objetivo de conhecer os temas, prioridades e interesses que mobilizam os esforços coletivos do setor. Argumentamos aqui, que existe uma divisão de papeis entre as organizações representativas do empresariado. Enquanto algumas organizações como os sindicatos concentram-se em atividades mais tradicionais de defesa dos interesses do setor, as associações de profissionais do setor vêm ampliando sua agenda no sentido de incorporar temas relacionados à acumulação de conhecimento e inovação. Organizações que foram concebidos num modelo de bases corporativas como os sindicatos patronais e de trabalhadores assim como as federações e confederações, operam de forma mais tradicional na defesa dos interesses dos respectivos setores fazendo pressão junto ao Executivo. A agenda é definida e tem a sua pauta condicionada por temas de defesa e proteção dos interesses econômicos mais imediatos como acordo de preços, redução de carga tributária e pelas negociações coletivas do setor. Segundo representantes sindicais da indústria automotiva questões relativas ao tema inovação são pouco debatidas e sindicato sente muita dificuldade em mobilizar o setor sobre o tema. Já as Associações de classe, muitas vezes denominadas livres, no sentido que foram criadas fora do marco legal do sindicalismo, que agrupam empresas ou profissionais de um setor específico, tem espaço na sua agenda para além das questões econômicas mais imediatas. Muitas delas têm a sua própria origem, como por exemplo, Associação Nacional de Engenheiros da Indústria Automotiva, ligadas as necessidades de desenvolvimento tecnológico das empresas do setor. Temas relacionados ao incremento da competitividade, desenvolvimento tecnológico como o marco regulatório dos novos bio-combustíveis, a legislação das emissões, novos 85 mecanismos de segurança veicular fazem parte da agenda atual deste tipo de Associação. Essas associações têm desempenhado o papel de traduzir e intermediar as necessidades das empresas aos centros de pesquisa e universidades e com órgão governamentais que regulam áreas afins ao setor Automotivo como Ministério do Meio Ambiente e Minas e Energia. Organizações capazes mobilizar empresários na busca de estratégias e mecanismos de promoção da produção com base no desenvolvimento tecnológico e inovações, podem se constituir em parceiros relevantes na consolidação de políticas públicas de apoio ao desenvolvimento produtivo nacional. 86 8. OPORTUNIDADES TECNOLÓGICAS A elevação dos preços do petróleo e as crescentes preocupações em relação ao aquecimento global – aliadas a regulamentações governamentais em relação ao volume de emissões – tem sido fatores determinantes das trajetórias tecnológicas do setor automotivo, em nível mundial. Nesse sentido, boa parte dos esforços tecnológicos dos grandes players do setor estão se voltando para a produção de automóveis mais eficientes do ponto de vista de consumo de combustível, assim como para a procura de combustíveis alternativos. O motor bicombustível – citado por vários dos entrevistados ouvidos por essa pesquisa como uma das principais inovações do setor automotivo brasileiro – é um exemplo dessa tendência. Entretanto, o motor bicombustível continua baseado no atual paradigma tecnológico do motor de combustão interna. De fato, o bicombustível brasileiro foi modificado pelas filiais brasileiras a partir de motores desenvolvidos pelas matrizes. Veículos de baixa emissão (LEV ou Low Emission Vehicles) estão sendo desenvolvidos por todas as montadoras líderes do setor, em nível mundial. Existem pelo menos três categorias de veículos de baixa emissão que estão recebendo maior atenção dos grandes players do setor: os veículos elétricos; os híbridos e os veículos movidos a célula de combustível (Frenken et. al., 2003). Os veículos elétricos são impulsionados por um motor elétrico que, por sua vez, é alimentado por uma bateria. Até o momento, a principal desvantagem dessa tecnologia é que a energia precisar ser armazenada, no automóvel, na forma de eletricidade. Isso demanda baterias muito caras, de grande volume e, até o momento, de baixa durabilidade, além de uma infra-estrutura de recarga para esses veículos. O veículo híbrido, por sua vez, combina um motor de combustão interna com um motor elétrico, que podem funcionar em paralelo ou em série. Num veículo híbrido serial, o motor de combustão gera a energia necessária para o motor elétrico, que impulsiona o veículo. 87 O veículo movido a célula de combustível é impulsionado por um motor elétrico que é alimentado por uma célula de combustível. A célula converte uma fonte energética (que pode ser hidrogênio) em eletricidade. A grande dificuldade dessa tecnologia, nesse momento, está em como armazenar o hidrogênio no veículo e em toda a infra-estrutura de abastecimento que precisará se desenvolvida. Esses veículos também poderiam ser abastecidos com combustíveis tradicionais ou alternativos (etanol, por exemplo) e, nesse caso, esses combustíveis seriam transformados em hidrogênio no próprio veículo. Frenken et. al. (2003) argumenta que os esforços tecnológicos e as patentes das grandes empresas do setor estão distribuídas entre essas várias tecnologias. Portanto, ainda não é possível determinar qual será o paradigma dominante em termos de veículos de baixa emissão. A maior eficiência energética demanda, além da busca por novas formas de propulsão, outros tipos de tecnologia. Mesmo dentro do paradigma de motor a combustão interna, ampliar a eficiência no consumo de combustíveis implica, entre outras coisas, reduzir o peso do veículo e aumentar a eficiência desses motores. Nesse sentido, a pesquisa de novos materiais, mais leves ou resistentes, tem sido, assim como no setor aeronáutico, uma das grandes frentes de desenvolvimento tecnológico no setor automotivo. Para avaliar para que áreas do conhecimento e domínios tecnológicos estão se voltando as patentes do setor automotivo, utilizamos a base de dados do escritório Norte-americano de patentes (USPTO) entre 1974 e 2006. Como o setor automotivo é um setor bastante internacionalizado no qual os grandes players são conhecidos, selecionamos os depósitos de patentes das grandes empresas do setor, montadoras e autopeças30. Antes de mais nada, a tabela 29 mostra quem são as líderes tecnológicas do setor, em nível mundial, e como essa liderança tem se alterado ao longo do tempo. Na década de 70, a General Motors e a Ford eram responsáveis, respectivamente, por 44% e por 14% de todas as patentes depositadas pelas montadoras do setor no 30 A relação de todas as montadoras do setor foi retirada do site da OICA e, para as autopeças, utilizamos a relação das empresas filiadas ao SINDIPEÇAS, dado que a maior parte das grandes multinacionais do setor estão instaladas no Brasil. 88 USPTO. Honda e Toyota respondiam por apenas 2% e 6% dessas patentes, respectivamente. TABELA 29. NÚMERO DE PATENTES REGISTRADAS, POR ANO, NO USPTO PELAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006. Empresa 1974 1982 % Nº 1990 % Nº 1998 % Nº 2006 % Nº % Nº 1284 100% 1381 100% 3208 100% 3980 100% 3665 100% 124 10% 304 22% 1284 40% 1547 39% 1029 28% 26 2% 95 7% 377 12% 382 10% 785 21% 566 44% 251 18% 379 12% 300 8% 484 13% Toyota 80 6% 171 12% 176 5% 402 10% 471 13% Nissan 118 9% 316 23% 398 12% 197 5% 348 9% Hyundai 0 0% 0 0% 2 0% 309 8% 190 5% Volvo 6 0% 18 1% 10 0% 38 1% 61 2% Porsche 9 1% 11 1% 49 2% 26 1% 47 1% 184 14% 88 6% 154 5% 143 4% 39 1% 0 0% 0 0% 131 4% 63 2% 39 1% Peugeot 15 1% 12 1% 16 0% 4 0% 26 1% Citroen 19 1% 6 0% 1 0% 1 0% 26 1% Saab 1 0% 0 0% 2 0% 3 0% 23 1% Smart 0 0% 0 0% 6 0% 15 0% 20 1% Volkswagen 2 0% 0 0% 13 0% 17 0% 15 0% Todas Mitsubishi Honda General Motors Ford Motor Mazda Fonte: USPTO Durante as últimas décadas, a liderança tecnológica das montadoras norteamericanas foi extremamente corroída. Em 2006, 21% das patentes depositadas pelas montadoras no USPTO, eram da Honda, 13% da General Motors e 13% da Toyota. Note-se que a Mitsubishi aparece como líder absoluta entre as montadoras. Entretanto, essa empresa produz vários outros produtos, desde eletrônicos de consumo até automóveis e sua participação elevada pode ser explicada por essa ampla base tecnológica. A tabela 30 mostra o domínio tecnológico citado nas patentes registradas no USPTO das montadoras do setor automotivo para vários anos a partir de 1974. A tabela evidencia as mudanças tecnológicas que aconteceram neste setor no últimos 40 anos. A maior parte das patentes registradas na década de 1970 era de “componentes elétricos”,“análise, medida e controle” seguida de semicondutores. 89 Na década de 2000 o domínio tecnológico passa para “tecnologias da informação” e “telecomunicações”. Há uma grande possibilidade de no futuro a maior parte das patentes estarem relacionadas à energia. A tabela 31 mostra que as engenharias permanecem com as áreas científica mais importantes ao longo dos últimos 40 anos. TABELA 30. DOMÍNIOS TECNOLÓGICOS CITADOS PELAS PATENTES REGISTRADAS NO USPTO PELAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006. 1974 1982 1990 1998 2006 Tecnologias da informação 4% 1% 4% 8% 13% Telecomunicações 8% 6% 5% 5% 12% Química Macromolecular 6% 6% 5% 13% 9% Componentes elétricos 14% 12% 8% 8% 8% Análise, medidas e controle 13% 5% 5% 6% 6% Audiovisual 6% 2% 3% 2% 5% Química orgânica fina 4% 18% 9% 11% 5% 5% 8% 9% 5% 4% 10% 2% 12% 7% 4% 4% 1% 3% 2% 3% Tecnologias de superfície e revestimento Semicondutores Motores, bombas e turbinas Fonte: Ribeiro, Ruiz, Bernardes e Albuquerque (2008) TABELA 31. ÁREAS CIENTÍFICAS MAIS CITADAS NAS PATENTES DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006. 1974 1982 1990 1998 2006 37% 18% 22% 21% 27% Inorgânica 15% 38% 28% 28% 17% Engenharia Mecânica, Civil e outras 10% 11% 14% 14% 14% 2% 3% 3% 3% 13% 17% 11% 13% 13% 11% 7% 8% 8% 11% 6% Engenharia Eletrônica Engenharia Química e Química Ciência dos Materiais Física (outros) Química orgânica Fonte: Ribeiro, Ruiz, Bernardes e Albuquerque (2008) 90 9. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA Na primeira seção deste trabalho, mostramos que o setor automotivo é um setor extremamente capaz de impulsionar a produção industrial, devido aos seus fortes efeitos de encadeamento com vários outros setores da estrutura industrial brasileira. De fato, é possível afirmar que boa parte do crescimento da indústria brasileira no período recente se deve ao bom desempenho desse setor. Esse crescimento recente, depois da relativa estabilidade na produção de veículos durante os anos 90 foi fruto de vários fatores. Em primeiro lugar, o setor automotivo brasileiro tinha, no início dos anos 2000 uma grande capacidade instalada, e um elevado índice de ociosidade. Efetivamente, é bom lembrar que durante a primeira metade dos anos 90 foram realizados uma série de investimentos no setor automotivo brasileiro, tanto em resposta aos incentivos do regime automotivo quanto devido às estratégias das multinacionais do setor. Esse é, aliás, um segundo fator relevante. Os mercados dos países desenvolvidos alcançaram uma relação de habitantes por automóvel relativamente estável, o que reduziu a possibilidade de crescimento da demanda no longo prazo e contribuiu para um acirramento da concorrência entre os grandes players do setor. Como resposta a esse acirramento da concorrência, o setor automobilístico se voltou para os países ditos emergentes, com perspectivas de maior crescimento da demanda. Nesse sentido, a participação de alguns desses países, especialmente os BRICS, na produção mundial de automóveis cresceu de forma expressiva na última década. Devido ao tamanho do seu mercado de consumo, principalmente do potencial desse mercado, a China se destacou entre os BRICS, chegando, em 2007, a 12% da produção mundial de automóveis. O crescimento recente do mercado brasileiro também contribuiu para que a posição do país se tornasse mais significativa. Hoje, o Brasil é o sétimo maior produtor mundial de automóveis, com 4% de toda a produção, logo atrás da França. As perspectivas de crescimento do mercado brasileiro são, também, muito positivas. É muito provável que, com os investimentos já anunciados pelo setor, nos próximos anos o país venha a ganhar mais uma posição nesse ranking. Do ponto de vista doméstico, o crescimento recente da produção e do consumo foi fortemente 91 impulsionado pela ampliação da renda disponível e pelo alongamento dos prazos de financiamento de veículos. Assim, desse ponto de vista, o Brasil ganhou e tende a continuar ganhando importância no mercado mundial de veículos. Efetivamente, para várias montadoras, o Brasil é um dos principais mercados, o que abre novas perspectivas também, do ponto de vista tecnológico. Muito se falou, no passado recente, que as inovações e os esforços inovativos do setor automotivo brasileiro eram determinados, apenas, pela necessidade de adaptar os modelos desenvolvidos nas matrizes ao mercado local. Isso é verdade apenas parcialmente. A adaptação de produtos ao mercado local parece ser apenas o primeiro passo nas atividades de engenharia das subsidiárias locais. Na medida em que as filiais brasileiras ganhem experiência nesse tipo de atividade adaptativa, ganham também espaço junto às matrizes para realizar atividades mais complexas e, por vezes, assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento de novos modelos. Esse foi o caso do Fox, por exemplo, que foi um modelo desenvolvido majoritariamente no país. Nesse sentido, a maior importância do mercado brasileiro no contexto mundial, pode contribuir para que as matrizes desloquem cada vez mais atividades de engenharia para a subsidiária local. Outros fatores observado no cenário mundial também podem contribuir para a ampliação das atividades tecnológicas das subsidiárias brasileiras. A estratégia modular de produção e de desenvolvimento de produtos no setor automotivo abre novas possibilidades para a maior participação de fornecedores e das subsidiárias locais no processo de desenvolvimento de produtos da matriz, em nível mundial. A maior participação dos fornecedores nesse processo pode, inclusive, abrir espaço para as empresas de capital nacional na cadeia de fornecimento das montadoras. De fato, as atividades tecnológicas desenvolvidas pelo setor automotivo brasileiro não são, de forma nenhuma, desprezíveis ou menores. O setor automotivo responde por 24% do total dos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento realizado pelo conjunto da indústria brasileira. Em termos de esforços tecnológicos, a proporção das vendas destinadas aos investimentos em P&D pelas empresas brasileiras no setor é muito próxima a países como Espanha e Itália. Apesar disso, a taxa de inovação no setor é bastante inferior a observada nesses países, o que se explica pelo número elevado de empresas na base industrial do setor automotivo brasileiro. Existem mais de 2 mil empresas no setor automotivo brasileiro, número que é o dobro do verificado na Alemanha, por exemplo, país que produz três vezes 92 mais automóveis do que o Brasil. Esse fato ressalta necessidade de que o setor, especialmente o segmento de autopeças, ganhe escala de produção para continuar sendo competitivo internacionalmente. Nesse trabalho, identificamos que existem 62 empresas líderes no setor automotivo brasileiro. Essas empresas são responsáveis por quase 60% do faturamento do setor e por mais de 60% dos seus investimentos em P&D. Pelas suas características competitivas, essas seriam as empresas com capacidade para impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor e determinar as tendências tecnológicas do setor no longo prazo. Analisamos também, as estratégias de inovação adotadas pelas diferentes empresas do setor automotivo. Partimos da premissa que uma estratégia tecnológica mais diversificada – que inclua tanto investimentos em P&D quanto aquisição externa de tecnologia – tende a ser mais vantajosa tanto do ponto de vista dos seus resultados para a empresa inovadora quanto do ponto de vista da geração de externalidades para o restante da indústria. Vários autores argumentam que boa parte da inovação na indústria brasileira é baseada, simplesmente, na aquisição de máquinas e equipamentos mais sofisticados. Esse tipo de inovação demandaria menos esforços tecnológicos e teria menos capacidade de alavancar o desenvolvimento tecnológico da indústria brasileira. Observamos que isso é verdade para as empresas frágeis e, em certa medida para as empresas seguidoras. As empresas líderes, entretanto, possuem estratégias tecnológicas muito mais diversificadas e intensivas na acumulação interna de conhecimento. As empresas líderes são mais capazes de cooperar e de estabelecer vínculos com outros agentes do sistema de inovação. Dessa forma, também são mais capazes de gerar externalidades positivas para o conjunto do setor automotivo e da indústria brasileira de modo geral. Muito embora também tenhamos verificado que a inovação no setor automotivo – especialmente nas empresas montadoras – ainda é muito dependente das suas matrizes localizadas no exterior. Chamou a atenção o fato de que mais de 30% das empresas montadoras brasileiras declararam que o principal responsável pela inovação implementada por ela é uma outra empresa do grupo no exterior. 93 Apesar da cooperação ser uma atividade bastante comum entre as empresas líderes, observamos que o setor automotivo brasileiro como um todo ainda coopera muito pouco em comparação com outros países. As atividades de cooperação são, como no resto do mundo, bastante intensas com fornecedores, clientes e com outras empresas do grupo. A parceria com universidades e centros de pesquisa é, entretanto, uma atividade praticamente inexistente no setor automotivo brasileiro. Nesse sentido, e dado os impactos positivos – relatados pela literatura – das atividades de cooperação sobre o desempenho inovador, o estímulo a essas atividades pode ser um instrumento importante para impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor. A lei de inovação, cujos impactos ainda não podem ser observados pelos dados de 2005 (dado que a lei foi aprovada em 2004) pode ter efeitos importantes sobre as parcerias entre empresas e instituições de ciência e tecnologia (C&T). Outros mecanismos poderiam ser utilizados para impulsionar esse tipo de cooperação. A vinculação dos mecanismos existentes de subvenção e/ou financiamento ao desenvolvimento de projetos cooperativos31 pode ser um instrumento importante para estimular as atividades de cooperação, não apenas entre empresas e universidades mas também entre diferentes empresas. Esse é um aspecto importante no setor automotivo, dada a crescente importância dos fornecedores no desenvolvimento de produtos realizado pelas montadoras. Da mesma forma, a crescente importância das tecnologias da informação nas inovações do setor automotivo pode ser beneficiada de políticas de financiamento que estimulem parcerias entre empresas automobilísticas e de tecnologias de informação. Em relação aos mecanismos de financiamento existentes e à utilização de mecanismos públicos de apoio à inovação, verificamos que esses mecanismos estão mais direcionados para as empresas líderes. Dado que, como já argumentamos, essas são as empresas mais capazes de impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor, esse viés nos parece acertado. Entretanto, também verificamos que há um grupo de empresas fortemente inovadoras – que são as empresas emergentes – cujo acesso aos mecanismos públicos de estímulo à inovação é praticamente nulo. Tudo indica que essas 31 É bom lembrar que a FINEP já subvenciona projetos de inovação realizados em parceria entre empresas e universidades por meio do chamado FNDCT cooperativo. Entretanto, não há, até onde os autores sabem, mecanismos similares que estimulem a parceria entre empresas. 94 empresas sejam muito promissoras do ponto de tecnológico e que, portanto, deveriam merecer maior acesso aos mecanismos públicos de financiamento. Essas são empresas que possuem departamentos de P&D e/ou realizam inovações para o mercado mundial. Nesse sentido, uma alternativa para direcionar mais recursos públicos para essas empresas poderia ser a vinculação de alguns financiamentos à existência de departamentos de P&D ou à implementação prévia de inovações para o mercado brasileiro ou para o mercado mundial. Esse seria um critério perfeitamente aceitável, especialmente dada a característica cumulativa do progresso técnico, que faz com que o desenvolvimento tecnológico futuro seja bastante dependente do que a empresa já realizou no passado, em termos tecnológicos. Por fim, a análise de oportunidades tecnológicas, na última seção do relatório traz um mapa de quais as áreas tecnológicas e científicas que estão, atualmente, dando suporte para as inovações do setor automotivo. Em termos de domínios tecnológicos, verificamos que as tecnologias da informação e as telecomunicações estão ganhando espaço nas patentes do setor automotivo, evidenciando que, cada vez mais, as inovações nesse setor são dependentes dessas tecnologias. Em relação às áreas de conhecimento, verificamos a emergência da ciência dos materiais como fonte para as inovações no setor automotivo, juntamente com as engenharias. A emergência desse campo científico está profundamente relacionada com a necessidade de aumentar a eficiência energética dos automóveis, que é uma tendência tecnológica predominante no setor. O desenvolvimento de novos materiais é, de fato, uma tecnologia pré-competitiva que pode ser utilizada tanto no setor automotivo quanto em outros setores, talvez o aeronáutico seja o principal exemplo. Nesse sentido, existe aí um espaço importante de atuação de políticas públicas. É possível pensar na criação de centros de pesquisa em tecnologias pré-competitivas – apenas na ciência dos materiais mas também em ou novos combustíveis – que poderiam impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor. Por outro lado, é preciso também estimular a formação profissional nas áreas do conhecimento mais necessárias para as inovações automotivas. A relativa escassez de engenheiros qualificados é uma questão que precisa ser resolvida para garantir o progresso técnico no setor. 95 Por fim, grande parte da literatura sobre o setor automotivo tem destacado a redução de emissões como uma das tendências tecnológicas mais importantes do setor no futuro próximo. Nesse sentido, além de desenvolver mecanismos que estimulem a inovação nessas áreas, é necessário fortalecer os mecanismos de “enforcement” destinados a controlar a emissão de poluentes. 96 ANEXO 1: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O SETOR AUTOMOTIVO NA DÉCADA DE 1990 A indústria automobilística brasileira contou com proteção absoluta desde o início de sua implantação no país até o começo dos anos 90. Com o processo de abertura à concorrência externa, uma política industrial específica para o setor automotivo adquiriu especial relevância desde os primeiros anos da década de 90 e, principalmente, após o programa de estabilização econômica iniciado em 1994. Após 1990, diversas medidas de política governamental foram dirigidas diretamente para o setor automotivo conforme mostra a tabela 1. A abertura de 1990 e 1991 marcou o fim de regimes discricionários de proteção à concorrência externa, entre eles o BEFIEX. A política para o setor automotivo em 1992 e 1993 foi marcada pelas negociações na Câmara Setorial do Complexo Automotivo. Neste período foram negociadas reduções de impostos (IPI e ICMS) e das margens de lucro dentro da cadeia produtiva. Foram também fixadas metas de salário e emprego. Em 1993, além das políticas deliberadas no âmbito da Câmara Setorial, o governo reduziu o IPI dos carros populares para 0,1%. O período de 1994 até o início de 1995 foi caracterizado pelo fim das negociações na Câmara Setorial e pela redução nas alíquotas de importação de veículos e peças. O Imposto de Importação (II) atingiu o nível mais baixo, 20%, em setembro de 1994 com a antecipação da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC). No início de 1995, em resposta ao crescimento das importações de veículos e à preocupação com possível desvio de investimento estrangeiro do Brasil para a Argentina, a abertura do setor automotivo começou a ser revertida, elevando-se inicialmente o imposto de importação para 32% em fevereiro e para 70% em março. A retomada de uma política industrial para o setor automotivo inicia-se com a edição da Medida Provisória (MP) 1.024, de junho de 1995. A imposição de cotas através da MP 1.024 deu origem a dificuldades do Governo Brasileiro com o Governo Argentino. A Argentina alegava rompimento de acordo firmado entre o Brasil e aquele país no contexto do Mercosul, além de ser questionada no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O contencioso entre Brasil e Argentina foi solucionado em janeiro de 1996 por meio de um acordo 97 firmado entre os dois países. Este previa o reconhecimento mútuo dos respectivos regimes automotivos nacionais até dezembro de 1999. No âmbito da OMC, as cotas poderiam, em princípio, ser justificadas sob o Artigo XVIIIB do GATT, com base na fragilidade do balanço de pagamentos. Com mais de US$ 45 bilhões de dólares de reservas cambiais o argumento brasileiro para imposição de cotas não foi aceito no Comitê de Balanço de Pagamentos da OMC em outubro de 1995. Abriu-se assim caminho para a MP 1.235 e o Decreto 1.761, editados em dezembro de 1995, que são as bases do regime automotivo regulamentado através da Lei 9.449 e do Decreto 2.072 de novembro de 1996 que vigorou até dezembro de 1999. O principal instrumento de incentivo dado às montadoras instaladas no país foi a redução do Imposto de Importação (II) até dezembro de 1999. Através dessas leis, o II para veículos importados pelas montadoras instaladas no Brasil é reduzido em 50%. Para importações de bens de capital, a redução do II é de 90%. Para peças, componentes e demais matérias-primas, foi estabelecido o seguinte cronograma de redução do II: 85% em 1996, 70% em 1997, 55% em 1998 e 40% em 1999. A contrapartida dos incentivos foi o índice de nacionalização mínimo de 60% e a vinculação das importações às exportações. O regime vincula as importações ao desempenho exportador das firmas. Para os bens de capital, foi estabelecido que a proporção entre as aquisições de bens de capital produzidos no país e as importações com redução do imposto de importação não poderia ser inferior à proporção de 1 por 1 até dezembro de 1997 e de 1,5 por 1 a partir de janeiro de 1998. Para matérias-primas, essa proporção não poderia ser inferior a 1 por 1. Para autopeças, o valor FOB das importações de insumos não pode exceder dois terços do valor das exportações líquidas. O valor FOB das importações de matérias-primas adicionado às importações de insumos e veículos de transporte, com redução do imposto de importação, não poderia exceder o das exportações líquidas. Além do regime automotivo geral, o governo federal publicou em dezembro de 1996 a MP 1.532 criou incentivos especiais para as firmas que se instalarem nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. A MP transformou-se na Lei 9.449 em março de 1997. Estas medidas ficaram conhecidas como regime automotivo regional ou especial. O regime especial permitia a importação de peças e componentes com a redução de 90% do II até o ano de 1999. Estava previsto no 98 regime especial que as aquisições de máquinas e equipamentos fabricados no Brasil dariam direito a um bônus de 200% para importação e, no caso de aquisições de ferramentas fabricadas no Brasil, de 150%. Os bônus de importação vigoraram durante toda a vigência do regime. O regime especial isentava do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) as aquisições de máquinas e equipamentos até 1999 e reduzia em 45% o IPI nas aquisições de matérias primas e insumos. Além destes incentivos, a medida isentava tais aquisições do Imposto de Renda calculado com base no lucro da exploração do empreendimento, do adicional ao frete para a renovação da Marinha Mercante e também do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de câmbio realizadas para pagamento dos bens importados. 99 TABELA 32. - MEDIDAS DE POLÍTICA QUE AFETARAM O SETOR AUTOMOTIVO - 1990 - 2000 Instrumento Medida 8 -MP 1.235 (14/12/95) - Estabelecem as bases do chamado “regime automotivo brasileiro”. Entre os diversos 9- Decr. 1.761 (26/12/95) incentivos, destacam-se: as montadoras instaladas no país poderão importar automóveis com redução de 50% do imposto de importação e bens de capital com 10 - Decr. 1.863 (16/4/96) redução de 90% do imposto de importação. A redução do Imposto de Importação para as importações de máquinas, equipamentos, matérias-primas e peças realizadas pelas montadoras instaladas no Brasil seguirão o seguinte cronograma: redução de 85% em 1996; 70% em 1997; 55% em 1998 e 40% em 1999. Índice de nacionalização de 60%. Para as chamadas “newcomers” são estabelecidas flexibilidades especiais. O comércio brasileiro realizado com o Mercosul obedecerá regras específicas. - Modifica a Medida Provisória 1.235. 11 - MP 1.483 (5/2/96) 12 - Decreto 1.987 - Estabelece cota tarifária para importação de 50.000 carros no prazo de um ano a (20/8/96) partir da data de publicação do Decreto procedentes da Coréia, Japão e União 13- MP 1.532 Européia (18/12/96) - Estabelece regime especial para as montadoras que venham a se instalar nas Regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Fixou-se até 31/05/97 o prazo de habilitação 14 - Decreto 2.072 para novas montadoras. (24/11/96) - Altera as alíquotas “ad valorem” do Imposto de Importação de máquinas, equipamentos, peças e componentes. Fica estabelecido o seguinte cronograma: 15- Decreto 2.307 redução de 60% no período de 24/11/96 a 31/12/96; 55% em 1997; 40% em 1998 e (20/07/97) 1999. 16 - Lei 9.440 (14/03/97) - Estabelece cota tarifária para importação de 50.000 carros no prazo de um ano a Decreto 2.179 (18/03/97) partir da data de publicação do Decreto procedentes da Coréia, Japão e União Port. Européia Interm. Nº3 - “Regime Automotivo Especial” - regiões NO, NE e CO. (31/03/97) 17 - Lei 9.449 (14/03/97) Decreto 2.072 (14/11/96) Port. Interm. Nº 1 - “Regime Automotivo Geral” (05/01/97) 18 - Lei Nº 1.602 - Altera os incentivos referente as alíquotas do Imposto de Importação da Lei 9.440 e (14/11/97) 19 - Decreto 2.391 (20/11/97) da Lei 9.449 para empresas não habilitadas até 14/11/97. - Alteram as alíquotas do IPI para veículos automotores. Decreto 2.386 (14/11/97) Decreto 2.375 (11/11/97 20 - Decreto 2.638 - Altera o Decreto 2.072 - Resultado na negociação Brasil/EUA (30/06/98) 21- Decreto 2.706 (3/8/98) - Altera as alíquotas do IPI para veículos automotores. Fonte: IPEA 100 BIBLIOGRAFIA Almeida, C.C.R; Carlo, S.A.F; Mercês, R; Guerra, O. F. (200X) “Indústria automobilística brasileira: conjuntura recente e estratégias de desenvolvimento”, 2006. Baldwin, Carliss Y.; Clark, Kim B. (1997). “Managing the age of modularity”. Harvard Business Review, sept-oct, p. 84-93. Clark, K. B.; Chew, W. B.; Fugimoto, T.; Meyer, J.; Scherer, F. M. (1987). “Product Development in the World Auto Industry”. Brookings Papers on Economic Activity, vol. 1987, n. 3, Special Issue on Microeconomics, pp. 729781. Consoni, F. L. (2004). Da tropicalização ao projeto de veículos: um estudo das competências em desenvolvimento de produtos nas montadoras de automóveis no Brasil. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas – SP, 269p. Dias, Ana. V. C. (2003). Produto Mundial, engenharia brasileira: integração de subsidiárias no desenvolvimento de produtos globais na indústria automobilística. Tese de doutorado, POLI – USP, São Paulo, 303p. Quintela, H.L.M.M.; Rocha, H.M. (2007) “Nível de maturidade e comparação dos PDPs de produtos automotivos”. Produção, vol.17 no.1, Jan./Apr, São Paulo. Ribeiro, L.C.; Ruiz, R.M., Bernardes, A. e Albuquerque, E.M. (2008). “Matrices of Science and Technology Interactions and Patterns of Structured Growth: implications for development”. Texto para Discussão do Cedeplar, n. 333. Belo Horizonte: Cedeplar/UFMG. Salerno, M. S., Marx, R., & Zilbovicius, M. (2003). A nova configuração da cadeia de fornecimento na Indústria automobilística do Brasil. Revista de Administração da USP, 38(3), 192-204. Veloso, F. Fixson, S. (2001). “Make-Buy Decisions in the Auto Industry: new perspectives on the role of the supplier as an innovator”. Technological Forecasting and Social Change, 67, PP. 239-257. 101