O envolvimento do cliente no processo de desenvolvimento de produtos: estudo de casos no setor de equipamentos médicohospitalares Mario Orestes Aguirre González (UFES) [email protected] José Carlos de Toledo (UFSCar) [email protected] Diego Hikari Okamoto (UFScar) [email protected] Pedro Carlos Oprime (UFSCar) [email protected] O objetivo deste trabalho é analisar, do ponto de vista teórico e prático, o envolvimento do cliente no Processo de Desenvolvimento de Produtos (PDP), em empresas do setor de equipamentos médico-hospitalares. O aporte teórico do trabalho abrange os modelos de gestão do PDP e as abordagens para o envolvimento do cliente no PDP. Foram realizados estudo de casos em duas empresas que desenvolvem produtos nesse segmento industrial. A escolha deste setor é justificada pela relevância do mesmo para o desenvolvimento econômico do país e pela importância do PDP neste setor. A pesquisa de campo mostrou, como principal vantagem deste envolvimento, a redução dos riscos envolvidos no lançamento do novo produto e a reduçao do indice erros e de mudanças de projeto, pós-lançamento do novo produto. Como principal desvantagem observou-se, na prática, a presença de problemas (conflitos) entre a empresa que desenvolve os produtos e seus clientes, em relação à obtenção e registro de patentes associadas ao novo produto e o compartilhamento de custos envolvidos específicos envolvidos no desenvolvemento. Assim, recomenda-se uma gestão adequada a este processo de envolvimento, com transparência e definição antecipada do escopo dos direitos e dos custos no desenvolvimento. Palavras-chave: Gestão do Processo de Desenvolvimento de Produto; Envolvimento do Cliente; Setor de Equipamentos Médico-hospitalares. 1. Introdução O ambiente atual de mudanças, impulsionadas pela rápida geração e difusão do conhecimento, por meio das tecnologias de informação, favorece um cenário competitivo no qual a inovação de bens e serviços é fundamental. Por um lado, o aumento da capacidade de oferta, de vários produtos, que supera a demanda efetiva, criou um cenário de concorrência mais acirrada entre as empresas. Na visão de Kotler (2000), as empresas, para se protegerem da concorrência, buscam diferenciar seus produtos, tendo como base o seu processo de desenvolvimento de produto (PDP). Por outro lado, a facilidade de acesso à informação que os clientes têm atualmente, na ótica de Smith e Fingar (2003), levou a uma mudança no mercado, de um domínio conduzido pela empresa para um controlado pelo cliente. Os modelos de referência para gestão da qualidade, tais como ISO 9000, os Prêmios Nacionais de Qualidade com seus modelos de excelência em gestão de negócios, os Programas de Qualidade Total e os Programas Seis Sigma, destacam a importância do cliente, como ponto de partida e de chegada da gestão empresarial. Embora o cliente seja considerado como um dos principais atores nestes modelos, a discussão de seu papel e de suas atividades se restringe a aspectos pontuais como, por exemplo, a identificação de suas necessidades e a avaliação da satisfação e da fidelidade do cliente, dando-se pouca ênfase, no processo de 1 desenvolvimento, nas especificidades e na forma de interação entre a empresa e seus clientes. Clarck & Wheelwright (1993), Griffing (1997), Cooper (2001) e Chesbrough (2003), apontam que um dos principais fatores para o sucesso de um novo produto está na capacidade da empresa compreender e atender as necessidades dos clientes. Para Von Hippel (2005), o cliente representa um grande patrimônio como fonte de idéias para o PDP das empresas. Kaulio (1998), Pinegar (2001), Alam (2002) e Gassmann e Wecht (2005) procuraram sistematizar o envolvimento do cliente durante o desenvolvimento do produto, definindo diversos papéis a esse agente (tais como: especificador, especialista, sensor de oportunidades, avaliador, etc.) neste processo. Neste sentido, uma abordagem adequada para o envolvimento do cliente na gestão do processo de desenvolvimento do produto permitiria às empresas produtoras de bens de capital vantagens competitivas, especificamente na redução do risco no lançamento de novos produtos e a adoção de uma abordagem de inovação aberta e democratizada, propostas por Von Hippel (1986; 2005) e Chesbrough (2003). O objetivo deste trabalho é analisar o envolvimento do cliente no PDP em duas empresas fornecedoras de equipamentos médico-hospitalares, contrapondo o que está prescrito na bibliografia com as práticas identificadas no estudo de casos, focando as iniciativas para compartilhamento de ações no desenvolvimento de novos produtos. Neste sentido, apresenta-se, nos dois próximos tópicos, a contextualização teórica, em seguida o método de pesquisa adotado, finalizando com a apresentação e discussão dos resultados. 2. Gestão do Processo de Desenvolvimento do Produto As empresas com melhores práticas de desenvolvimento de produtos têm utilizado um modelo formal como guia em seus processos de desenvolvimento, podendo seguir modelos específicos já divulgados em publicações da área, modelos adaptados e até mesmo modelos próprios das empresas (GRIFFIN, 1997; CHENG, 2000). Smith e Morrow (1999) apontam que pesquisas estão sendo realizadas para desenvolver e melhorar os modelos de referência para gestão deste processo, devido à sua complexidade. Sob este foco, a bibliografia sobre PDP apresenta diferentes enfoques de modelos de gestão, desde o enfoque tradicional, baseado nos tipos de organização da empresa, até os mais recentes baseados nos modelos abertos de inovação. Saren (1984) apresenta uma revisão de vários modelos básicos para a inovação e desenvolvimento de produto, tendo como escopo as atividades realizadas dentro da empresa. Os modelos são classificados pelo autor com base em sua taxonomia nos seguintes tipos: estágios departamentais, estágios de atividades, de decisão, de processo de conversão, e responsivos. Outra abordagem, de destaque na bibliografia, é a do funil de desenvolvimento, de Clark & Wheelwright (1993), que apresenta uma visão do PDP como um processo de negócio e propõe um alinhamento entre as atividades do PDP e o planejamento estratégico da empresa, considerando as estratégias de mercado, de produtos e de tecnologia. De acordo com Rozenfeld et al. (2006), foi principalmente a partir desta abordagem que se consolidou o conceito de gestão do PDP, conforme conhecido atualmente. Cooper (2001) propõe uma abordagem de avaliação e transição de fases, chamadas de Stage-Gates, que foca no processo sistemático de decisões, garantindo não apenas o desempenho e a qualidade das atividades do desenvolvimento do produto, mas também que as decisões e escolhas levem em consideração o andamento de todos os projetos e as mudanças no ambiente de mercado e tecnológico. 2 Um outro enfoque do PDP é o praticado pela Toyota, denominado Set-Based Concurrent Engineering (SBCE), que se baseia nos seguintes princípios: definição da abrangência do projeto de desenvolvimento, integração das equipes de projeto pela interseção multifuncional e o estabelecimento de compromissos sobre as viabilidades técnica e econômica (SOBEK et al. 1999). Yang e El-Haik (2003) apresentam um enfoque do PDP, que complementa a metodologia de solução de problemas dos Programas Seis Sigma, denominado Design For Six Sigma (DFSS), orientado para o desenvolvimento de um novo produto ou processo usando os princípios do Seis Sigma. Esse modelo incentiva a antecipação sistemática das necessidades dos clientes e a intensa aplicação de métodos estatísticos e científicos, relativamente mais complexos, para compreender e satisfazer essas necessidades. Uma nova abordagem para a gestão do PDP, apresentada por Chesbrough (2003), é a denominada de inovação aberta (open innovation), conforme Figura 1. O autor aponta que os modelos tradicionais de inovação limitam a capacidade interna de criatividade e desenvolvimento da organização, visto que cada empresa deve gerar idéias, gerenciar o seu desenvolvimento, internalizar a produção e comercializar os produtos ou serviços que delas resultam. Para o autor, as empresas, com ajuda de tecnologias de informação, conseguem se conectar em rede e compartilhar informações sobre projeto e desenvolvimento de novos produtos com seus clientes, fornecedores, e centros de pesquisa. Comparado com o modelo do funil, esta abordagem considera que as entradas, os processos do PDP e os resultados deste processo são dinâmicos e necessitam de intensa interação da empresa com o meio externo, tanto na aquisição do conhecimento tecnológico e de mercado, quanto de soluções para as dificuldades no desenvolvimento e para a negociação de conhecimento e o licenciamento de spin-offs. Licenciamento Ciência e Tecnologia base interna Outros mercados da empresa Tecnologia Spin-offs Mercado Novo Ciência e Tecnologia base externa Mercado Atual Entrada de tecnologia Pesquisa - P Desenvolvimento - D FIGURA 1 – O paradigma da inovação aberta. Fonte: Chesbrough (2003). Rozenfeld et al. (2006) apresentam uma visão mais abrangente do PDP, considerandoo como um macro processo de negócios. Para os autores, o PDP consiste em um conjunto de atividades por meio das quais se busca, a partir de necessidades do mercado e das possibilidades e restrições tecnológicas, e considerando as estratégias competitivas e de produto da empresa, chegar às especificações de projeto de um produto e de seu processo de produção, para que a manufatura seja capaz de produzi-lo. Além disso, o processo de desenvolvimentos de produtos envolve as atividades de acompanhamento do produto após o seu lançamento, sendo de sua responsabilidade avaliar o comportamento do novo produto, no 3 uso e na produção, e realizar, quando necessário, eventuais inovações, planejar a descontinuidade do produto no mercado e internalizar as aprendizagens ocorridas ao longo do PDP e do próprio ciclo de vida do produto. O modelo de referência genérico para o PDP, apresentado por Rozenfeld et al. (2006), é considerado como um agrupamento das melhores práticas referentes a abordagens, métodos e ferramentas presentes nas publicações sobre PDP. Este modelo genérico contempla três macro fases, as quais envolvem fases, atividades e tarefas. Clark & Whelwright (1993) apontam que o PDP apresenta uma estrutura complexa, devido à sua natureza dinâmica, grande interação exigida entre as áreas da empresa (P&D, Marketing, Produção, Suprimentos, Comercial e Qualidade) e um elevado volume e diversidade de informações, de diferentes fontes, manipuladas durante o processo. Para lidar com estes aspectos, Cooper (2001) recomenda que um dos fatores que interferem no desempenho do PDP é o envolvimento de clientes neste processo, o que será abordado no próximo item. 3. O envolvimento do cliente no processo de desenvolvimento de produto 3.1 Estrutura conceitual do envolvimento do cliente no PDP Na bibliografia existem diferentes formas de abordar o tema da relação entre PDP e o cliente. Para essa relação podem ser encontradas as denominações “colaboração”, “envolvimento”, “integração”, “participação”, que são utilizados na literatura para denotar as empresas que praticam o desenvolvimento de produto incluindo ao cliente nesse processo. Entretanto, Kaulio (1998) e Pinegar (2000) consideram o termo “envolvimento” como sendo mais abrangente do que os outros, e mais adequado para indicar essa relação. Pinegar (2000) apresenta uma estrutura conceitual para situar o envolvimento do cliente no PDP, como mostrado na Figura 2. Esta estrutura consiste em cinco complexos construtos: envolvimento do cliente, orientação para o mercado, relacionamento com o cliente, sucesso do PDP, e impacto do produto no cliente. Orientação para o mercado Envolvimento do cliente no PDP Relacionamento com o cliente Sucesso do PDP Impacto no cliente FIGURA 2 - Estrutura conceitual do envolvimento do cliente no PDP. Fonte: Pinegar (2000). Na Figura 2, percebe-se que a orientação para o mercado e o relacionamento do cliente são antecedentes do envolvimento do cliente no PDP. Por sua vez, este construto contribui diretamente para o sucesso do PDP e, conseqüentemente, afeta a competitividade do produto no mercado. Também, esta atuação é moderada pelo impacto que o produto causa no cliente. O escopo do envolvimento dos clientes no PDP pode ser amplo, envolvendo desde a participação em pesquisas de mercado até a inclusão do cliente na equipe de projeto, levando aos diferentes tipos de envolvimento destes no PDP. Isto possibilita o desenvolvimento de 4 abordagens de envolvimento do cliente no desenvolvimento de produtos, que serão apresentadas a seguir. 3.2 Abordagens de envolvimento do cliente no PDP Em busca de um melhor entendimento do envolvimento do cliente no PDP, diversos autores apresentam formas diferentes de abordar a relação entre o PDP e o cliente, buscando pesquisar e compreender os tipos de envolvimento adotados, o papel do cliente no processo e o seu nível/grau de envolvimento. A seguir são apresentadas as abordagens de Von Hippel (1986; 2005), Kaulio (1998), Pinegar (2000), Alam (2002) e Gussmann; Wecht (2005). Abordagem de von Hippel (1986;20005) Esse autor, mentor do termo Lead-User, é considerado um dos pioneiros no estudo do tema do envolvimento do cliente no PDP com a publicação do seu livro Fontes de Inovação (1986). Na sua abordagem, o cliente representa a principal fonte de inovação das empresas. Neste sentido, o desafio é descobrir quais clientes são os Lead Users, definidos como usuários cujas necessidades potenciais atuais se tornarão gerais em alguns anos no mercado. Eles podem servir como um laboratório de marketing na previsão de necessidades futuras do mercado. Alem disso, os Lead-Users tentam preencher as necessidades do mercado pelas suas experiências, apresentando novos conceitos para o novo produto e dados para o projeto do produto. Um exemplo de utilização do conceito de Lead Users é o que ocorre em algumas empresas usuárias de CAD (computer-aided design). Uma empresa, que trabalha com essa ferramenta numa determinada aplicação (modelagem geométrica de produtos estampados, por exemplo), é um usuário líder para a empresa que fornece o CAD. Ela se torna uma codesenvolvedora do produto. Abordagem de Kaulio (1998) Kaulio (1998) discute o envolvimento do cliente considerando duas dimensões: longitudinal e lateral. A dimensão longitudinal corresponde às fases do PDP, onde para cada fase são requeridas diferentes entradas de informação do cliente. Já a dimensão lateral descreve os tipos de interação com o cliente, sendo classificados como: “projetado para”, “projetado com” e “projetado pelo”. O primeiro tipo, “projetado para”, denota a abordagem de PDP onde produtos são projetados em beneficio dos clientes, e métodos de pesquisa tradicional são usados (survey, entrevistas e, estudos específicos como focus group). Também são considerados teorias e modelos sobre comportamento do cliente, que servem como conhecimento de entrada para o projeto. Neste caso, o envolvimento do cliente no PDP do fabricante é pontual. No tipo “projetado com”, a abordagem de foco no cliente utiliza dados das preferências, necessidades e requisitos do cliente similar ao anterior; em adição inclui a exposição dos diferentes conceitos/soluções para o cliente. Assim, os clientes podem propor mudanças ou acrescentar soluções para as propostas e podem participar nas fases inicial e final do PDP. O tipo “projetado pelo” denota a abordagem do PDP onde clientes são ativamente envolvidos e participam no projeto em todas as fases do processo. A distinção entre clientes e projetistas do fornecedor praticamente deixa de existir. 5 Abordagem de Pinegar (2000) A abordagem de Pinegar (2000) leva em consideração duas dimensões: o nível de desenvolvimento da tecnologia da empresa - capacidade de invenção da empresa - e o nível de desenvolvimento da aplicação - definição dos requisitos do mercado, refinamento da tecnologia e seu agrupamento para um determinado contexto. Pela combinação dessas dimensões, é possível diferenciar quatro tipos de envolvimento do cliente (Figura 3). No tipo de envolvimento informante (reporting), a empresa avalia a sua tecnologia pela pesquisa com seus clientes tradicionais, mediante questionários ou grupos de estudo focados. O papel do cliente corresponde a reportar quais características do produto podem ser melhoradas. Já no tipo “instrutor” (coaching), a empresa trabalha para desenvolver uma tecnologia emergente, considerada uma inovação descontinua (MOORE, 1991 citado por PINEGAR, 2000). O propósito da empresa, em envolver o cliente, é pesquisar as suas necessidades não atendidas que a nova tecnologia possa satisfazer. Para envolver o cliente no inicio do PDP, diversas formas de aplicação da tecnologia devem ser mostradas para o cliente, com o intuito de obter sua opinião. Instrutor (Coaching) - Previsão de tecnologia - Identificação de problemas e oportunidades; - Geração e definição do conceito. Baixa Informante (Reporting) - Pesquisa ao cliente - Senso no mercado. Desenvolvimento da tecnologia Alta Parceiro /Sócio (Partnering) - Co-desenvolvimento; - Compartilhar recursos - Explorar aplicações. Desenvolvimento da aplicação Alta Orientado (Advising) - Junta para novos produtos; - Grupos focados; - Teste Beta. Baixa FIGURA 3- Classificação do envolvimento do cliente. Fonte: Pinegar (2000). Na situação onde a aplicação da tecnologia é o principal objetivo da empresa, o cliente cumpre o papel de conselheiro ou orientador. Embora o cliente participe para que a tecnologia seja capaz de atender a suas necessidades, ele não é aprisionado pela nova tecnologia, e isso pode requerer que a tecnologia possa ser fornecida numa variedade de formas adicionais no futuro. Além dos clientes iniciais, o fornecedor da tecnologia pode ampliar sua definição de clientes ao incluir outros segmentos de mercado pelas suas características peculiares. Quando os objetivos da empresa são, simultaneamente, desenvolver a tecnologia e suas aplicações, é necessário um maior nível de envolvimento do cliente. Nessa situação, o cliente é considerado como parceiro da organização, sendo envolvido no co-desenvolvimento da tecnologia e suas aplicações específicas. Os riscos associados com o projeto são altos para ambas as partes. Portanto, especialmente no início, a colaboração precisa ser próxima e interativa para garantir o sucesso da comercialização da tecnologia. Esta colaboração com o cliente, neste processo de aprendizagem mutua e interativa sobre as aplicações do desenvolvimento da tecnologia, é essencial para o co-desenvolvimento (SINKULA, 1994). Abordagem de Alam (2002) Alam (2002), num estudo sobre o envolvimento do cliente no desenvolvimento de serviço, apresenta a sua abordagem, numa perspectiva mais abrangente, considerando quatro 6 dimensões: o objetivo do envolvimento, estágios/fases de interação entre cliente e a equipe de projeto, a intensidade da interação e a forma de interação. O Quadro 1 resume cada uma dessas dimensões. Dimensões Objetivo do envolvimento Estágios de interação Intensidade de interação Forma de interação Fonte: Alam (2002) QUADRO 1 – Dimensões do envolvimento do cliente no PDP Descrição Existem diversos motivos para o envolvimento do cliente no PDP, mas o desenvolvimento de um produto superior e diferenciado é o principal deles. Planejamento estratégico, geração de idéias, armazenamento de idéias, análise de negócios, formação de um time funcional, serviço e processo de design, treinamento de pessoal, serviço de teste e projeto piloto, teste de marketing e, comercialização. Engloba desde a aquisição de informações sobre o mercado, via feedback em assuntos específicos, até a completa participação do cliente no projeto. É caracterizado pelos papéis que os clientes assumem no PDP e pelo nível ou grau de envolvimento do cliente no processo de desenvolvimento de produtos. Abordagem de Gassmann & Wetch (2005) Gassmann e Wecht (2005) abordam o envolvimento do cliente nas fases iniciais do PDP, levando em consideração a natureza e criação de novos conhecimentos neste processo. Mediante estudo de casos, os autores identificaram diferentes papéis para os clientes, como: sensor de oportunidades, especialista complementar, especificador do produto e selecionador, de acordo com a natureza e criação de novos conhecimentos para o PDP (Quadro 2). QUADRO 2 - Papel do cliente no PDP do fabricante Papel do cliente sensor de oportunidades Descrição Participa na identificação do problema ou na geração de idéias do processo de inovação, tendo em conta as tendências e cenários futuros para novas oportunidades e possibilidades. O tipo de conhecimento envolvido é o tácito de mercado. especialista A principal contribuição do cliente é de complementar a competência da organização complementar com o seu conhecimento explicito sobre o mercado pelo uso do produto atual. O foco se dá fundamentalmente na conversão do conhecimento tácito existente no mercado para soluções inovadoras. especificador Representa o mais especifico na integração do cliente, pelo alto nível de experiência e de conhecimento técnico pelo uso do produto. Isso possibilita ao cliente não somente impulsionar e guiar a inovação por meio da especificação do produto, mas também ter o papel principal no processo de integração (da perspectiva do cliente, o mesmo processo pode ser visto como integração do fornecedor). selecionador Representa os processos necessários para levantar novos conceitos para o PDP. Neste estágio, um cliente, pela sua própria experiência no uso de produtos existentes, pode ajudar a selecionar e refinar conceitos de produtos promissores. O conhecimento tácito é convertido em feedback que acrescenta oportunidades para desenvolver novos produtos com sucesso. Fonte: Gassmann e Wecht (2005) 4. Método de pesquisa Inicialmente realizou-se uma revisão bibliográfica sobre os temas gestão do PDP e envolvimento do cliente no PDP. A partir desta revisão, foi elaborado um questionário semiestruturado para servir de instrumento de apoio na pesquisa de campo de duas empresas fabricantes de bens de capital para o segmento médico-hospitalar, denominadas no trabalho de empresas Alfa e Beta. Os critérios de escolha das empresas foram: 1) grau de liderança no segmento no mercado nacional e 2) experiência em desenvolvimento de novos produtos acima de dez anos. Neste sentido, a pesquisa de campo apresentada neste trabalho é de natureza qualitativa, adotando o método de estudo de casos. De acordo com Vianna (2001) e Yin 7 (2001) na pesquisa qualitativa são analisadas cada situação a partir de seus dados descritivos, buscando identificar relações, causas, efeitos, conseqüências e outros aspectos considerados necessários à compreensão da realidade estudada e que, geralmente, envolve múltiplos aspectos. As entrevistas foram realizadas com o Diretor de Desenvolvimento de Produto e com o Gerente do Departamento de P&D da empresa Alfa e com o Gerente de Desenvolvimento de Produto da empresa Beta. Para a elaboração do roteiro da entrevista, as fases do modelo de PDP de Rozenfeld et al. (2006) serviram de base para analisar o envolvimento do cliente no PDP das empresas pesquisadas. 5. Descrição e análise crítica dos resultados 5.1 Descrição das empresas As empresas estudadas pertencem ao setor de bens de capital e fornecem máquinas, equipamentos e instrumentos para uso na produção de outros produtos e/ou serviços. A empresa Alfa atua no segmento de instrumentação e equipamentos médico-hospitalares para lavanderia, cirurgia, ortopedia, dentre outras. A empresa Beta apresenta três linhas de produtos, o médico hospitalar, que incluem equipamentos oftalmológicos e odontológicos, o aeroespacial e o militar. Ambas as empresas são lideres nos seus segmentos de mercado no Brasil e realizam exportam seus produtos. A empresa Alfa iniciou suas atividades no ano de 1952, tendo atualmente 455 funcionários. A área de P&D inclui a área de desenvolvimento de produto, na qual trabalham 18 funcionários em tempo integral, das quais, 25% possuem formação em nível de pósgraduação. A empresa investe em P&D em torno de 7% de seu faturamento. Tem como principais clientes os médicos (clínicas, consultórios), hospitais, clínicas e distribuidores. A empresa Beta iniciou suas atividades no ano de 1986. Apresenta um alto investimento em P&D, ao redor de 10% de seu faturamento. Possui 350 funcionários no total, das quais, 49 pertencem à área de P&D. A área de P&D é gerenciada por um dos diretores da empresa, tendo uma alta percentagem de funcionários (35%) com nível de pós-graduação, o que a levou a ter em média 17 projetos de desenvolvimento por ano. Tem como principais clientes os médicos, hospitais, e Ministérios do Exército e da Aeronáutica brasileiros. Para responder a demanda de seus clientes utiliza como estratégias de produção os tipos engineering-to-order, assembling-to-order e make-to-order. 5.2 Gestão do PDP das empresas A empresa Alfa utiliza como referencia para a gestão de seu DP um modelo adaptado das normas ISO 9000 e ISO 13485 e o modelo de gestão de projetos PMBOK. As atividades iniciais para definição de um novo produto são realizadas de maneira formal, por meio de reuniões e registros de informações, seguindo as recomendações das ISO 9000 e 13485. A formação das equipes para cada projeto é multidisciplinar envolvendo também participantes externos, dentre eles, clientes, fornecedores de serviço de ensaios do produto e distribuidores. Por outro lado, a empresa Beta utiliza a abordagem de processo para o DP por meio de um modelo de referência adequado ao setor mecatrônica. O modelo de referência considera as atividades do PDP em fases, sendo estas: estratégia, portfólio, especificações, planejamento do projeto, concepção, planejamento técnico, projeto técnico, otimização, homologação, validação, lançamento e monitoramento. A empresa realiza pesquisa de mercado de maneira formal antes de iniciar um novo projeto, incluindo também outras atividades tais como pesquisa sobre tendências tecnológicas e a participação em feiras e exposições. 8 Em comparação com o modelo proposto por Rozenfeld et al. (2006) o modelo de gestão de DP da empresa Beta apresenta algumas diferenças. A primeira é que antes da fase de planejamento do projeto é realizado o levantamento de informação para a especificação do produto. O entrevistado considera que isso se dá pelo fato que nas experiências em projetos anteriores, alguns problemas no planejamento, no que diz a prazos de conclusão, se devia à falta de informações, nesta fase, sobre as especificações do novo produto. 5.3 O envolvimento do cliente no PDP das empresas As empresas Alfa e Beta indicam que o médico é o principal cliente que participa nos seus processos de desenvolvimento, influenciado pelo seu perfil: futuro usuário da máquina/equipamento, alto conhecimento técnico do produto e conhecimento de mercado. Para conhecer o grau de envolvimento do cliente no PDP das empresas, foi utilizada na entrevista uma escala de mensuração tipo likert de 0 a 10 (“10” representa alto grau de envolvimento e “0” nenhum tipo de envolvimento) nas fases do PDP, tendo como base o modelo de Rozenfeld et al. (2006). As médias resultantes das três entrevistas são mostradas na Tabela 1. TABELA1 – Pontuação do grau de envolvimento do cliente Fases Empresa Alfa Empresa Beta Captar necessidades /oportunidades 8 7 Projeto informacional 10 10 Projeto conceitual 8 7 Projeto detalhado e construção de protótipo 7 5 Revisão do protótipo 10 10 Lançamento e implantação do produto 10 8 De acordo com a Tabela 1, o nível de envolvimento máximo de clientes ocorre: primeiro, na fase do projeto informacional, na qual há necessidade de informações técnicas e de mercado para definir o conceito do produto; segundo, na fase de revisão do protótipo, cuja finalidade é, além de testar o protótipo, inserir no produto, características que melhorem a interação entre a máquina e os usuários. Na fase de lançamento do produto da empresa Alfa, o cliente é envolve em alto grau, em função da estratégia de marketing da empresa. A fase de projeto detalhado/construção do protótipo representa o menor grau de envolvimento. Critérios de seleção dos clientes Ambas as empresas utilizam os mesmos critérios na escolha de clientes que serão envolvidos, diferenciando-se na ordem de importância. A empresa Alfa tem como critério de seleção: 1º formador de opinião; 2º experiência na área técnica; 3º disponibilidade para trabalhar em projetos; 4º disponibilidade para divulgação do produto. A empresa Beta utiliza os critérios: 1º experiência na área técnica; 2º disponibilidade para trabalhar em projetos; 3º formador de opinião; 4º disponibilidade para divulgação do produto. Tipo de interação com os clientes Ambas as empresas interagem com seus clientes de forma parecida, sendo através de reuniões formais, troca de e-mails, ensaios práticos conjuntos e a participação nos testes de protótipos. Na empresa Beta, os clientes são convocados para interagir na sede da empresa nas fases de projeto informacional e de revisão do protótipo. A empresa Alfa utiliza como forte estratégia a influencia do cliente no meio profissional, neste sentido, na etapa do lançamento do produto, a interação com o cliente é alta e freqüente. 9 Impacto da participação do cliente no PDP Para conhecer os ganhos obtidos pelas empresas ao envolver clientes no PDP foi elaborado uma questão com respostas numa escala de 0 a 10, sendo “0” representando ganho não significativo e “10” ganho significativo. A Tabela 2 apresenta as médias das três entrevistas. TABELA 2 – Pontuação do impacto do envolvimento do cliente no PDP. Fator Empresa Alfa Empresa Beta Apresenta idéias para a inovação radical 9 8 Apresenta idéias para a inovação incremental 10 9 Aumenta a produtividade da equipe de projeto 8 9 Reduz o custo de desenvolvimento 9 10 Aumenta o nível da parceria 10 9 Reduz as incertezas e riscos 10 10 Reduz erros e mudanças de projeto 10 10 Embora todos os fatores de ganho da empresa em envolver o cliente no PDP foram bem avaliados, os fatores de maior ganho, também assim considerados na bibliografia da área, são: reduzir o risco e incerteza do mercado, reduzir os erros e mudanças de projeto e aumentar a parceria com os clientes. Na percepção dos entrevistados, os clientes (médicos) se tornaram atores principais no PDP da empresa. No passado, os clientes eram meros usuários dos produtos. No presente, há necessidade de considerar que cada cliente tem uma demanda diferente e desejam participar de projetos junto a empresa. No futuro, o grau de envolvimento do cliente tende a aumentar, assim como o nível de exigência dos clientes, quanto à eficácia, eficiência e custos dos novos equipamentos. 6. Considerações finais A importância de envolvimento do cliente no PDP da empresa fabricante é citada na literatura das áreas de conhecimento de marketing, desenvolvimento de produto e qualidade, entretanto, a forma como é gerenciado esse envolvimento, quais são os fatores que levam ao envolvimento, como acontece esse envolvimento, quais os critérios de escolha dos clientes, quais as técnicas e ferramentas utilizadas no envolvimento, recebem pouca atenção na bibliografia. Nesse sentido, esse trabalho objetivou explorar algumas respostas a essas questões. As abordagens de envolvimento do cliente, apresentadas pelos autores que pesquisa o tema, podem ser consideradas semelhantes e complementares. A abordagem de Von Hippel (1985) foca nos critérios de escolha dos clientes. Kaulio (1998), Pinegar (2000) e Gassmann e Wecht (2004) abordam os diversos papeis que os clientes cumprem nas fases do PDP, que podem ser desde uma simples participação como um informante, até como um parceiro e colaborador, integrante da equipe de desenvolvimento do produto. A abordagem de Alam (2002) considera o envolvimento do cliente num sentido mais amplo, com dimensões, dentro das quais envolve aspectos estratégicos e operacionais. A prática do envolvimento do cliente no PDP, no segmento estudado, não difere significativamente do que é apresentado na literatura. De acordo com Von Hippel (1986, 2005), as empresas podem utilizar o critério de Lead User para selecionar os clientes que participarão no seu PDP. Nos casos estudados, a empresas utilizam critérios semelhantes baseados no seguinte perfil dos médicos: formador de opinião, experiência na área técnica, disponibilidade para trabalhar em projetos, e disponibilidade para divulgação do produto. 10 Na abordagem de Kaulio (1998), o tipo de envolvimento do cliente praticado pelas empresas Alfa e Beta seria intermediário entre os tipos “projetado com” e “projetado pelo”, pela sua alta participação Considerando a abordagem de Gassmann e Wecht (2005), o médico cumpre várias das funções citadas pelo autor, dentre elas, como: 1) sensor de oportunidades, mediante a apresentação de novas idéias ao fabricante, 2) especialista complementar, pela participação como fonte de informação técnica e de mercado na fase do projeto informacional e, como 3) selecionador, pela participação na avaliação de especificações do produto. Na classificação da participação dos clientes na abordagem de Pinegar (2000), o médico representaria os papéis de: 1) orientador, pela participação em reuniões de decisões sobre o novo produto, 2) instrutor, pela participação na escolha do conceito, e) parceiro, pelo fato do teste do protótipo ser realizado no consultório do médico. O grau de envolvimento do cliente tem uma ligeira variação entre as empresas e dentre das fases de seus processos de desenvolvimento, concordando com a citação de Alam (2002) e Gassmann e Wecht (2004). Nas fases de projeto informacional e de revisão do protótipo acontecem uma maior participação dos clientes das empresas Alfa e Beta. A forma de interação das empresas com seus clientes são parecidas, utilizando reuniões conjuntas, troca de e-mails e realização de ensaios e testes em conjunto. A utilização de modernas tecnologias de informação para trabalho on-line, ainda é pouco utilizado nas empresas estudadas. Segundo Nambisian (2002) empresas que buscam maior beneficio ao envolver os clientes no PDP podem utilizar modernas tecnologias para reduzir os custos desse envolvimento e aumentar o número de clientes participantes. Na literatura é destacado apresentado que as principais vantagens de envolver clientes no PDP são a diminuição do risco no lançamento de novos produtos (COOPER, 2001), a redução de erros e de mudança no projeto (GASSMANN & WECHT, 2004) e o aumento de parceria com os clientes (VON HIPPEL, 1986; 2005). Essas vantagens foram observadas nas duas empresas estudadas, além disso, essas empresas consideram o cliente como importante fonte de idéias para novos produtos e como fator que aumenta a produtividade da equipe de projeto. Em relação às desvantagens desse envolvimento, a bibliografia enfatiza os custos associados a esse envolvimento, já as empresas estudadas consideram como desvantagem os eventuais problemas e conflitos gerados quanto à apropriação das patentes que possam resultar. Por fim, a importância do papel do cliente como direcionador dos produtos tende a aumentar. Essa afirmação pode ser validada pela prática observada nas empresas estudadas, que consideram que no passado os clientes eram vistos como meros aplicadores dos produtos, no presente eles buscam customização às suas diferentes demandas, e no futuro espera-se que esse predomínio tende a aumentar ainda mais. Referências CHENG, L.C. Caracterização da Gestão de desenvolvimento do produto: delineando o seu contorno e dimensões básicas. In: Congresso Brasileiro de Gestão de Desenvolvimento de Produto, II, 2000, São Carlos. Anais ... São Carlos: UFSCar, 2000. p. 1-9. CHESBROUGH, H. 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