EDUCAÇÃO MORAL E EMPATIA: CONTRIBUIÇÕES PARA A PROMOÇÃO DE UMA
EDUCAÇÃO EM/PARA OS DIREITOS HUMANOS
EDUCACIÓN MORAL Y EMPATÍA: CONTRIBUCIONES PARA LA PROMOCIÓN DE UNA
EDUCACIÓN EN/PARA LOS DERECHOS HUMANOS
Raffaela Medeiros e Morais
Saulo de Tarso Gambarra da Nóbrega
RESUMO
O presente trabalho se propõe a pensar possibilidades de articulação entre a Psicologia e os Direitos
Humanos, partindo de discussões psicológicas voltadas para a educação moral, desenvolvimento sócio-moral
e empatia, e refletindo sobre as possíveis interlocuções e contribuições para a promoção de uma educação
em/para os Direitos Humanos. Assim, tendo a temática da educação em direitos humanos como pano de
fundo, será refletido a importância da educação moral para a formação de sujeitos autônomos,
comprometidos socialmente, e habilitados para a convivência interpessoal, ressalvando ainda a importância
da empatia nesse processo. Assim, abraçando-se uma abordagem interdisciplinar, será abordada a educação
moral numa vertente psicológica, destacando-se os trabalhos de Piaget, Kohlberg e Hoffman sobre
desenvolvimento moral. Ainda dentro desse tema da moralidade, será enfatizada também a importância da
empatia, tema ainda incipiente dentro do direito, demonstrando-se como a mesma pode servir de instrumento
para promoção de uma educação em/para os direitos humanos.
PALAVRAS-CHAVES: Educação Moral; Empatia; Direitos Humanos.
RESUMEN
Este trabajo se propone a pensar posibilidades de articulación entre la Psicología y los Derechos Humanos,
partiendo de las discusiones psicológicas que se vuelven a la educación moral, desarrollo socio moral y
empatía, y reflejar acerca de las posibles interlocuciones y contribuciones para la promoción de una
educación en/para los Derechos Humanos. Así, teniendo la temática de la educación en derechos humanos
como telón de fondo, se reflejará la importancia de la educación moral para la formación de sujetos
autónomos, comprometidos socialmente, y habilitados para la armonía interpersonal, recordando aún la
importancia de la empatía en este proceso. Por lo tanto, abarcando un enfoque interdisciplinario, se abordará
la educación moral en una dimensión psicológica, destacándose los trabajos de Piaget, Kohlberg y Hoffman
acerca del desarrollo moral. Aún dentro de este tema de la moralidad, se hará hincapié en la importancia de la
empatía, un tema todavía incipiente dentro de la ley, demostrando que se puede servir como un instrumento
para la promoción de la educación y los derechos humanos.
PALAVRAS-CLAVE: Educación Moral, Empatía, Derechos Humanos.
INTRODUÇÃO
Só se educa em direitos humanos quem se humaniza e só é possível
investir completamente na humanização a partir de uma conduta
humanizada.
Ricardo Ballestreri
Diante dos quadros cotidianos de violência, guerras, aumento da xenofobia, crise mundial,
discriminação racial, corrupção, exclusão social, intolerância religiosa e todo um rol de injustiças, mostra-se
pertinente a temática da educação em direitos humanos, justamente por ela servir de instrumento para
formação de indivíduos habilitados para uma consciência cidadã, para práticas democráticas, para o exercício
da tolerância, para o respeito às diferenças, para a convivência pacífica.
Inicialmente, será feita uma breve abordagem histórica sobre os direitos humanos a fim de demarcar
o lugar de partida da reflexão, abordando o desafio de coadunar, num mesmo cenário, a pretensão da
universalização dos direitos humanos e a necessidade de se respeitar o multiculturalismo e às diferenças.
Logo após será discutido a interlocução entre educação moral e educação em/para os direitos
humanos. Neste momento, as discussões ganharão contornos interdisciplinares, pois será abordada a
educação moral também sob uma vertente psicológica, destacando-se os trabalhos de Piaget, Kohlberg e
Hoffman (apud SAMPAIO, 2007) sobre desenvolvimento moral.
Dentro do tema da moralidade, será enfatizada também a importância da empatia. Partir-se-á de
uma breve reflexão sobre o conceito de empatia; em seguida, será discutida a importância da empatia para o
desenvolvimento moral dos indivíduos; e, conseqüentemente, como a mesma pode servir de instrumento para
promoção de uma educação em/para os direitos humanos.
Assim, em linhas gerais, o presente trabalho se propõe a pensar possibilidades de articulação entre a
Psicologia e os Direitos Humanos, partindo de discussões psicológicas voltadas para a educação moral,
desenvolvimento sócio-moral e empatia, e refletindo sobre as possíveis interlocuções e contribuições para a
promoção de uma educação pautada em valores com vistas a contribuir para uma educação em/para os
Direitos Humanos.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
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1. BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
Para o breve exame do percurso dos Direitos Humanos, o nosso estudo terá com marco temporal a
Modernidade, período que se inicia as grandes descobertas geográficas e a criação de um mercado
mundial[1] nos séculos XV/XVI, até a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948.
Tipicamente modernos e ocidentais, os Direitos Humanos nascem num determinado período da
história e numa determinada civilização: na Europa a partir do século XVI/XVII. Neste contexto, os Direitos
Humanos foram, desde o início, relacionados com todo processo que fez da história européia a história do
Mundo. Com o advento da modernidade, ou modernidade clássica, nos séculos XVII/XVIII, enraizaram-se
nas revoluções liberais da Inglaterra e França; na experiência das treze colônias inglesas na América do Norte
como processo formativo dos Estados Unidos da América; e estendendo-se por alguns outros países
europeus (Bélgica, Alemanha, Itália, etc.) (SANTOS, 2006). Nessa época, ainda não são caracterizados
como Direitos Humanos, mas já encontravam-se codificados nas Declarações de Direito inglesa (Bill of
Rights) de 1689 e na francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789) que buscavam
assegurar, juridicamente, direitos para membros de seus respectivos Estados Nacionais, consignando-os
como cidadãos.
A expansão do ideário liberal e sua concepção de cidadania, indissociável da própria expansão do
capitalismo, repercutiu sobre parte da Europa e das Américas, no século XIX, e, fortificado pelo
imperialismo europeu sobre a África e Ásia, a partir de meados de mesmo século, o seu modelo de estado
moderno e de cidadania foi se cristalizando em seus contornos: democrático liberal, capitalista, branco,
masculino, cristão. Nesse percurso histórico, deparamo-nos com acontecimentos centrais para a
consolidação, ainda que formalmente, da pretensão liberal traduzida na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), em 1948. Após os horrores e as barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), a Organização das Nações Unidas (ONU) mobiliza-se na consecução de respostas ao disparate
do plano liberal e, assim, expede a DUDH, documento elaborado dentro dos contornos da tradição ocidental
moderna, que declara como principais pressupostos: a natureza humana universal, a dignidade do indivíduo e
a ordem social democrática[2].
Mais além, a sociedade contemporânea pós-guerra e, sobretudo, pós anos setenta, complexifica-se e
diversifica-se, como resultado tanto de processos de âmbito socioeconômico (como os intensos
deslocamentos demográficos intercontinentais de mão-de-obra e mudanças nos contornos da sociedade
mundial devido à reestruturação do mercado de trabalho) quanto de processos de cunho político-ideológicocultural.
Com a queda do muro de Berlim, em 1989, e a conseqüente derrocada de, aproximadamente,
quarenta anos de regime bipolar no mundo, marcados pela contraposição político-ideológica ente Leste e
Oeste e pela estratégia de recíproca dissuasão termonuclear dos dois blocos, o mundo, agora descortinado,
enxerga com maior clareza um evento de grandes proporções e de enorme alcance desde as últimas décadas
do século passado e na inauguração do século XXI, quer seja: a globalização. Movimento de alargamento
territorial de mercado capitalista, intensificado pela constituição de grandes conglomerados econômicos
multinacionais, tendo como suporte poderosas redes informacionais e de telecomunicações.
Desta forma, a perspectiva dos Direitos Humanos, desde a sua formalização representacional, após
a 2ª Guerra Mundial, vem se esbatendo, em suas dimensões teóricas e práticas, entre um horizonte
universalizante, em que se põe com uma cultura para a espécie humana, posto que os direitos são
configurados como patrimônio de todos, e as territorialidades de culturas específicas, que não só apontam
diferentes maneiras de recepcionar os Direitos Humanos e ainda manifestam refratividade aos mesmos.
Talvez este seja o grande desafio da atualidade, tentar universalizar os direitos humanos,
respeitando o multiculturalismo e recepcionando as diferenças. A busca pela universalização dos direitos
humanos precisa superar a visão meramente eurocêntrica, acolhendo o diálogo entre todos os povos, no qual
cada um poderá discutir, em condições de igualdade e respeito, uma pauta precisa para persecução da
efetividade dos direitos humanos. Talvez o diálogo intercultural e o respeito às diferenças sejam caminhos
possíveis para que todos os povos possam solidariamente marchar na incessante luta pela paz e pela justiça.
Deste modo, convém examinarmos de forma sintética, sem, contudo, não desconsiderar os eventos
históricos anteriormente expostos, a emergência de uma cidadania plural e universal, apta a lutar pelos
interesses comuns a todo gênero humano e, não apenas, uma universalização pautada na tradição de uma
cultura específica. E a construção dessa cidadania pretende consolidar o respeito ao multiculturalismo, aos
princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, o reconhecimento do outro, a tolerância entre os povos, a
busca pela paz, a solidariedade entre as nações, a persecução da justiça. Entretanto, para se atingir tamanha
pretensão, torna-se imprescindível o investimento em educação, e educar em/para Direitos Humanos nada
mais é do que educar para esses valores.
Por isso, partimos do pressuposto que a educação moral possa se constituir como mais um
instrumento eficaz para a promoção de uma cultura voltada para atenção aos direitos humanos e à dignidade
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da pessoa humana, tendo em vista que ela não apenas habilita o indivíduo para a autonomia moral, como
também colabora para a construção de uma convivência interpessoal mais pacífica.
2. IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO MORAL PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA
EM/PARA OS DIREITOS HUMANOS
Apesar de vários documentos internacionais já tratarem sobre a necessidade de implementação da
educação em direitos humanos, esta ainda é um campo recente tanto no contexto brasileiro como no latinoamericano. O Relatório do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, sobre o tema, revela que desde a
Declaração Universal e particularmente, no Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Direitos
Humanos, especificamente no que tange aos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, o direito à educação
em direitos humanos integra o direito à educação (TAVARES, 2007). Em 1993, a Conferência Mundial de
Direitos Humanos, através da Declaração de Viena, já indicava que "a educação, a capacitação e a
informação pública em direitos humanos são indispensáveis para estabelecer e promover relações estáveis e
harmoniosas entre as comunidades e para fomentar a compreensão mútua, a tolerância e a paz" (NACIONES
UNIDAS, 1993, apud TAVARES, 2007).
A própria ONU (Organização das Nações Unidas) oferecer uma atenção especial ao tema,
devidamente retratada em seus documentos, a exemplo do Decênio das Nações Unidas para a Educação na
Esfera dos Direitos Humanos (1995-2004) e do Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos,
aprovado em 2004 (TAVARES, 2007). Este Programa estabelece a necessidade de fortalecer o respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais; exercitar a compreensão, a tolerância e o respeito;
desenvolver a personalidade de forma plena e o sentido da dignidade do ser humano; fomentar a paz e a
justiça social; promover o desenvolvimento sustentável; facilitar a participação efetiva de todos numa
sociedade livre, democrática e igualitária. (NACIONES UNIDAS, 2007 apud TAVARES, 2007).
Assim sendo, Tavares (2007) nos aponta a maior finalidade da educação em direitos humanos é:
[...] atuar na formação da pessoa em todas as suas dimensões a fim de contribuir ao desenvolvimento de
sua condição de cidadão e cidadã, ativos na luta por seus direitos, no cumprimento de seus deveres e na
fomentação de sua humanidade. Dessa forma, uma pessoa que goza de uma educação nesse âmbito, é
capaz de atuar frente às injustiças e desigualdades, reconhecendo-se como sujeito autônomo e, ademais,
reconhecendo o outro com iguais direitos, dentro dos preceitos de diversidade e tolerância, valorizando
assim a convivência harmoniosa, o respeito mútuo e a solidariedade.
Segundo Benevides (2007), a Educação em Direitos Humanos parte de três pontos: primeiro, é uma
educação permanente, continuada e global. Segundo, é uma educação voltada para a mudança cultural.
Terceiro, "é educação em valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, ou seja, não se
trata de mera transmissão de conhecimentos". Este último ponto é o cerne de nossa discussão quando nos
referirmos da importância de se educar em valores a fim de contribuir para uma educação em/para os
Direitos Humanos.
Os direitos humanos são mais do que simplesmente direitos no sentido estrito do termo, são valores
éticos[3] que orientam o próprio direito e que a sociedade civil e o Estado procuram efetivar através das
instituições. Foi pensando sobre os princípios e conteúdos da educação aos direitos humanos, que, em 1997,
23 educadores de vários Estados do Brasil, num encontro promovido pela Rede (Rede Brasileira de
Educação aos Direitos Humanos), elaboraram um documento no qual foi apresentado as dimensões, os
valores, os conteúdos, a metodologia e os princípios que deveriam orientar uma educação para os direitos
humanos (TOSI, 2006).
Percebe-se, desse modo, que educar em valores é um dos investimentos imprescindíveis para
orientar uma educação em direitos humanos. Segundo TOSI (2006), "a eticidade é o mundo dos valores
coletivos próprios de um povo e cabe ao Estado promover, garantir, defender estes valores éticos
indispensáveis para a formação do bom cidadão". Assim, segundo ele, cabe à sociedade e ao Estado
promover alguns valores éticos coletivos que fundam a convivência civil e o ordenamento jurídico,
demonstrando, assim, que é esta a tese que está implícita nos documentos oficiais que incentivam a
promoção da cidadania e dos direitos humanos como temas transversais ou como disciplinas obrigatória para
os cursos universitários.
Acrescenta-se que não apenas nos cursos universitários, mas também em outros setores da
educação com um todo, essa proposta deve ser perseguida. Tavares (2007) esclarece que no Brasil, o campo
normativo referente aos direitos humanos e a sua educação se incorporam nos seguintes documentos:
Constituição (1998), Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), Parâmetros Curriculares da Educação (a
partir de 1996), Programa Nacional de Direitos Humanos (primeira versão em 1996 e segunda em 2002) e o
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, cujas diretrizes e ações voltam-se para a formação
cidadã.
Para ilustrar cita-se o texto do PCNs quando destaca que um dos objetivos do ensino fundamental é
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capacitar os alunos para:
[...] compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e
deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e
repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito (BRASIL apud
SAMPAIO, 2007, grifo nosso).
Assim, para se educar para a solidariedade, cooperação, justiça, respeito ao outro, habilidades
precisam ser acionadas. A educação técnica, especialista, voltada apenas para o treinamento[4], não será
suficiente para despertar no indivíduo essas habilidades. Deve-se investir em práticas voltadas para a
formação de uma consciência cidadã, respeito à igualdade, à liberdade, o cuidado consigo, com o outro, com
o meio ambiente, participação e responsabilização pela vida social, política e econômica. Para Bittar (2007),
preparar o sujeito para o exercício democrático significa, acima de tudo, prepará-lo para o desenvolvimento
de habilidades que giram em torno da capacidade de convívio, de socialização, de responsabilização na
relação ego-alter.
Não fica difícil perceber que uma concepção de educação baseada no paradigma da consciência,
centrada no sujeito, não consegue oferecer uma solução adequada para as questões relativas à
convivência das pessoas, mormente para as que envolvam noções de dever e de justiça. Só o conceito de
uma racionalidade comunicativa, centrada na intersubjetividade, pode dar conta das múltiplas dimensões
que fazem parte dos processos educativos (BOUFLEUER, apud BITTAR, 2007).
Isto se mostra urgente e, ao mesmo tempo, extremamente desafiador na contemporaneidade, tendo
em vista que nesta habita a crise dos valores, o abandono da tradição, a cultura do niilismo, o estímulo à
competitividade, ao consumismo, ao materialismo, ao individualismo. Trabalhar com a proposta de educação
moral é se propor a andar na contra-mão desses valores pós-modernos e acatar o desafio de estimular valores
como solidariedade, cooperação, altruísmo, respeito ao outro, à dignidade humana. Fenômenos como a
globalização e o avanço na tecnologia da informação intensificaram o intercâmbio entre pessoas de todo o
mundo, mas a constatação dessa proximidade e da interdependência entre os povos não garantiram o
aumento da tolerância, o respeito às diferenças, o acolhimento do outro, à hospitalidade ao estrangeiro, a
consagração da paz entre as nações. Mesmo estando próximos, não se está com o outro e para o outro.
Maritain (1966) analisa que o reconhecimento da interdependência atual das nações não é garantia
alguma de paz, mas antes uma expectativa de guerra, tendo em vista que esta interdependência é meramente
econômica e não uma interdependência politicamente organizada, desejada e construída. Adler (apud
MARITAIN, 1966) citando uma sentença do Sr. Emery Reves, diz que:
Os processos técnicos que tornam o mundo menor, e mais interdependente em suas partes, podem ter duas
conseqüências: 1) uma aproximação política e econômica ou 2) lutas e dissídios mais devastadores do que
nunca, precisamente em virtude da proximidade em que os homens se encontram uns dos outros. Qual
dessas duas possibilidades virá ocorrer depende de causas essencialmente não técnicas. [...] Ambas
ocorrerão dentro da próxima grande época histórica, mas a segunda antes da primeira.
Talvez uma das saídas para, ao menos, minimizar esses dissídios devastadores possa ser o
investimento na educação moral, na qual valores caros para a cultura e consecução dos direitos humanos
possam ser trabalhados. Assim, a educação deve ser vista como "[…] um processo que se afirma na
microscopia de valores e desinculcação de desvalores. Somente assim é capaz de operar verdadeiras
revoluções. […] Um projeto em direitos humanos deve acima de tudo ser capaz de sensibilizar e humanizar
[…]" (BITTAR, 2007). Segato (2006) acrescenta dizendo que mais do que nos tribunais internacionais, é
pelo caminho da transformação da sensibilidade que os direitos humanos correm o mundo e apropriam-se de
uma época.
Segato (2006) traz o discurso filosófico de Emmanuel Lévinas, no qual este defende a idéia de ética
enquanto uma disponibilidade existencial para um outro, cumprindo, assim, um papel humanizador. Assim, o
outro se apresenta perante o sujeito ético como um rosto irredutivelmente outro, obrigando-o ao
desprendimento. Diz Lévinas (apud SEGATO, 2006):
Toda complacência destrói a lealdade do movimento ético. Ser eu significa, portanto, não poder subtrairse à responsabilidade, como se todo o edifício da criação repousasse sobre minhas costas [...] O eu ante o
outro é infinitamente responsável. O outro que provoca este movimento ético na consciência, que
desajusta a boa consciência da coincidência do mesmo consigo mesmo, implica uma aproximação
inadequada com a intencionalidade. Isto é o Desejo: arder de um fogo distinto da necessidade que a
saturação apaga, pensar além do que se pensa […]. O outro, justamente, é plenamente outro quando tem
por conseqüência fraturar o nós, não o deixar incólume. [...] O outro torna o sujeito mais humilde e o
infiltra com dúvidas: convida-o a desconhecer-se e a abandonar suas certezas, entre elas a sua
superioridade moral.
Talvez o que Lévinas expõe filosoficamente possa ser comparado com o processo de descentração
exposto por Piaget. Segundo este, as interações sociais eferecem oportunidades para que os sujeitos se
descentrem cognitivamente e sejam capazes de enxergar a realidade a partir dos pontos de vista de outras
pessoas. Talvez essa descentração seja a fratura no eu, estimulando o sujeito a pensar para além do que se
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pensa, infiltrando dúvidas em suas certezas, e chamando-o a ver a realidade a partir do outro.
É nesse sentido que as interações sociais[5] mostram-se essenciais para o desenvolvimento da
consciência moral autônoma, desde que seja respeitada a igualdade das partes envolvidas, que elas se
reconheçam como dignas de respeito e sintam comprometidas com o respeito às opiniões e valores dos
outros (PIAGET apud SAMPAIO, 2007). Por isso que: "o agir no mundo, segundo esta consciência do
educando formado para pensar em agir sem o outro, apesar do outro, sobre o outro, deve ser substituída por
uma consciência de que agir no mundo é sobretudo interagir com o outro, a partir da consideração do
outro" (BOUFLEUER, apud BITTAR, 2007).
Warat (2003) ver a educação como uma atenção à diferença, como um processo de produção da
diferença. Diz ele que a pergunta pela educação é uma pergunta pelo outro e que a transformação da
educação é uma alteração no modo de ver o outro.
Transformar a educação não é outra coisa senão uma alteração do modo como vejo o outro, não requer
outra coisa do que uma firme vontade de arriscar-se a pensar de outro modo minha relação com os
outros, que não deixa de ser uma forma de arriscar-se a pensar de outro modo a mesmidade.
Metamorfose? No fundo sim. Educar é ajudar ao outro em um permanente processo de metamorfose. [...]
A educação tradicional negou a natureza mutante da educação; hipocritamente e fiel aos desígnios da
bio-política apresentou a educação como um processo fixo de produção de verdades imutáveis.
Desvirtuou a essência da educação.
Em atenção a esse estar para e com o outro e ao mesmo tempo consigo, é que se torna pertinente
refletir sobre a educação moral. Esta reconhece a educação num processo contínuo de transformações, no
qual através da relação ego/alter, das incessantes e pertinentes interações sociais, é possível desenvolver
competentes habilidades sociais voltadas para otimização da convivência interpessoal, bem como desenvolver
a autonomia moral dos indivíduos.
Dentro do campo da psicologia, destacam-se os estudos de Piaget, Kohlberg e Hoffmam acerca do
desenvolvimento moral. Mesmo ocorrendo algumas divergências téoricas entre esses autores, cuja análise[6]
esse trabalho não se propõe a fazer, cabe destacar a grande contribuição que suas teorias trouxeram para a
análise e intervenção no campo do desenvolvimento sócio-moral e refletir a importância dessas descobertas
para a promoção da educação em/para os Direitos Humanos.
3. EDUCAÇÃO MORAL E A EMPATIA
Tanto para Kohlberg como para Piaget, o desenvolvimento da moralidade está relacionado ao
desenvolvimento cognitivo e afetivo e às interações sociais estabelecidas ao longo da vida dos sujeitos. Foi
assim que a partir de seus trabalhos e de pesquisas realizadas ao longo dos anos, Blatt e Kohlberg, em 1975,
elaboraram um programa de intervenção voltado para a promoção do desenvolvimento moral,
demonstrando, assim, a possibilidade dos sujeitos evoluírem um ou dois estágios morais[7] através da
promoção de debates coordenados cujos temas abordassem dilemas morais. Em linhas gerais, a proposta do
programa era organizar grupos formados por sujeitos de diferentes níveis de desenvolvimento e, estimulá-los
ao respeito entre os membros do grupo, promovendo confronto de argumentos, conflitos sociocognitivos e
oportunidade de tomadas de perspectivas.(SAMPAIO, 2007).
Percebe-se, desse modo, que esse tipo de proposta requer um espaço para diálogo dentro da
educação, sendo incapaz de ser efetivada através da tradicional transmissão de conteúdos curriculares
adotada por nosso sistema de ensino. A aplicabilidade da educação moral dependerá da promoção de
intervenções que busquem desenvolver habilidades sociais[8] e morais nos sujeitos, a fim de se construir uma
cultura de interações sociais competentes.
É sob esse enfoque que Sampaio (2007) nos esclarece que cada vez mais se tem discutido (Ruiz,
Vallejos, 1999; Araújo, 2000; Verducci, 2000) sobre a importância da educação moral, ressaltando que a
mesma deve ser guiada não apenas por parâmetros puramente racional/cognitivistas, mas sobretudo que se
paute na constituição de programas nos quais aspectos afetivos possam ser englobados às propostas de
intervenção. Segundo ele, "a educação moral tem muito a contribuir para a construção de uma sociedade
mais justa e solidária, na qual os sujeitos são moralmente autônomos e se respeitam mutuamente" (2007).
Sampaio (2007) ainda esclarece que nas três últimas décadas, as investigações psicológicas sobre a
moralidade e a afetividade evoluíram muito, produzindo um corpo de dados significativos para se
compreender os processos envolvidos na vida em sociedade. Assim, muitos países, a exemplo dos Estados
Unidos, têm investido bastante em programas de intervenção que buscam promover o desenvolvimento
sócio-moral e afetivo em contextos educacionais. Porém, no caso do Brasil, mesmo os PCNs propondo o
estímulo ao desenvolvimento moral e a formação da consciência cidadã nas escolas, não se tem notícia de
ações significativas para promover esse desenvolvimento.
É seguindo esse mesmo norte que Pavarino, Del Prette e Del Prette (2005) defendem que a
promoção das habilidades empáticas deve ser um objetivo pertinente à função social da escola para promover
o desenvolvimento integral da criança. No entanto, declaram que o que ainda se verifica são demandas
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freqüentes e notórias para comportamentos competitivos e agressivos. Revelam ainda que visando alterar
esse quadro, diversos países (Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, França, Bélgica, Espanha), há mais de uma
década, vêm introduzindo programas de “desenvolvimento socioemocional” nas escolas. Com relação à
realidade brasileira, comentam que os esforços ainda são incipientes nas instituições escolares, mas que
algumas clínicas-escolas vêm realizando programas de orientação a pais que incluem essa preocupação
preventiva, tal como defendida por Silvares (1993).
Por isso a pertinência de trazer essa temática não apenas para o âmbito da escola formal, mas,
sobretudo, para a intervenção na educação de forma mais ampla, incluindo nesse rol a atenção para a
educação em direitos humanos. Acreditamos que para educar em/para os direitos humanos não basta investir
em estratégias meramente racional/cognitivista, pois estas se mostram insuficientes para promover o
desenvolvimentos sócio-moral nos indivíduos, mas sobretudo, introduzir aspectos afetivos nas práticas de
intervenção. Por isto, nos propusermos a elencar a empatia para se trabalhar o desenvolvimento sócio-moral,
e conseqüentemente, mostra-se pertinente que sua discussão seja incorporada dentro temática da educação
em direitos humanos.
Sampaio (2007) esclarece que apesar de Piaget e Kohlberg considerarem o importante papel da
afetividade na construção da moralidade, eles não a estudaram em profundidade. Com base nessa lacuna
empírica-teórica, outros autores passaram a focar também a afetividade, sendo um deles Martin L. Hoffman.
Em sua teoria, Hoffman destaca o impacto que o desenvolvimento da empatia tem sobre o julgamento e
comportamento morais, passando, assim, a desenvolver várias pesquisas em torno dessa temática.
3.1. REFLETINDO O CONCEITO DE EMPATIA
O conceito de empatia teve uma história longa, apresentando, algumas vezes, definições
conflituosas em diferentes áreas de investigação tais como a estética, a sociologia e a psicologia. De acordo
com Goldstein e Michaels (apud PAVARINO, DEL PRETTE, DEL PRETTE, 2005), o termo que mais se
aproxima do significado de empatia, a palavra alemã einfühlung (“sentir-se dentro”), foi introduzido, em
1897, em trabalhos sobre percepção e apreciação estética. Alguns anos depois, a palavra empatia foi usada
com o significado técnico original de mímica motora (DEL PRETTE e DEL PRETTE apud PAVARINO,
DEL PRETTE, DEL PRETTE, 2005). Este significado é muito diferente de sua introdução original ao
inglês, do grego empátheia, “entrar no sentimento”. Este termo foi usado inicialmente por teóricos da
estética para designar a capacidade de perceber a experiência subjetiva de outra pessoa (PAVARINO, DEL
PRETTE, DEL PRETTE, 2005).
Numa perspectiva evolucionista, empatia seria a capacidade de captar sinais emocionais nos outros,
consistindo numa habilidade de base inata, que é necessária à sobrevivência das espécies, a fim de facilitar,
por exemplo, a reprodução e a fuga de predadores. Um comportamento comum entre animais que vivem em
bandos é justamente tomar uma atitude desfavorável para si para proteger os companheiros.(PLUTCHIK
apud FALCONE, 2006).
Mesmo a empatia não sendo uma característica exclusiva da espécie humana, ela é mais
desenvolvida em humanos do que em outros animais (BJORKLUND e PLUTCHIK apud FALCONE et al,
2006). Talvez isso se justifique pela demora dos bebês humanos em se tornarem independentes dos pais,
exigindo, assim, que os adultos desenvolvessem suas qualidades de comunicação e cooperação para garantir
o cuidado de que as crianças necessitam. Do mesmo modo, os bebês são predispostos a captar e a responder
a sinais socioemocionais. Tais comportamentos facilitam a vinculação afetiva com os adultos, despertando
atenção e cuidados (BJORKLUND apud FALCONE et al, 2006). Além disto, a aprendizagem e a
experiência social permitem o uso mais efetivo destas capacidades comunicativas inatas entre os humanos.
Desta forma, quanto melhor as condições de socialização, mais as crianças poderão desenvolver a empatia de
forma acurada. Assim, ambientes desfavoráveis, negligência e abuso podem resultar em déficits de empatia
(Del Prette & Del Prette, 2003 apud FALCONE et al, 2006).
De maneira mais completa, empatia pode ser definida como uma habilidade social constituída de três
componentes: o cognitivo, o afetivo e o comportamental. O componente cognitivo consiste na
capacidade de adotar a perspectiva dos demais e inferir seus pensamentos e sentimentos. O componente
afetivo é caracterizado por uma predisposição para experimentar compaixão e preocupação com o bemestar das outras pessoas. O componente comportamental traduz-se pela habilidade de expressar
compreensão e reconhecimento para com os sentimentos e pensamentos de outrem.
Cecconello e Koller (2000) revelam que a "empatia consiste em compartilhar uma emoção
percebida de outra pessoa, sentindo a mesma emoção que ela está sentindo". Hoffman (apud SAMPAIO,
2007) diferentemente de outros autores do campo da psicologia da personalidade, afirma que na empatia não
ocorre um encontro exato de emoções, porque as pessoas são incapazes de sentir exatamente o que os
outros sentem.
Desse modo, ele sugere que, mediante as representações mentais que as pessoas constroem umas
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das outras e das pistas situacionais relevantes que ocorrem durante as interações sociais, os seres humanos
são capazes de vivenciar, vicariamente, diferentes tipos de afetos empáticos, como o sentimento de injustiça,
ódio, simpatia, entre outros. Assim, para esse autor, "a empatia diz respeito a uma experiência vicária, na
qual um sujeito vivencia uma resposta afetiva que é mais adequada a uma outra pessoa do que a ela mesma"
(apud SAMPAIO, 2007). Diz ainda que comumente essa resposta se produz quando o sujeito percebe que a
outra pessoa vivencia sensações negativas ou de dor, ou quando se está em situação de perigo potencial,
despertando, assim, estados afetivos semelhantes no próprio observador.
É por acreditarmos que o desenvolvimento empático possa ser capaz de construir uma sociedade
mais solidária, pacífica, tolerante, sensível às diferenças que reconhecemos a pertinência da inclusão do
estudo sobre empatia em programas de intervenção voltados para educação em/para os direitos humanos.
3.2. IMPORTÂNCIA DA EMPATIA
Hoffman considera que tanto a empatia como fatores cognitivos são fundamentais para
desenvolvimento moral, e acrescenta que a medida que evoluem as capacidades de tomada de perspectiva e
de elaboração de representações mentais, os indivíduos passam a poder empatizar com "pessoas que estão
distantes espacialmente e/ou temporalmente, aplicando a elas os mesmos julgamentos morais aplicados a
pessoas que estão mais próximas" (apud SAMPAIO, 2007). Talvez seja por isso que Waal (2007) declare
que "a empatia é a única arma no repertório humano que pode nos livrar da maldição da xenofobia".
Se o desenvolvimento da empatia nos indivíduos pode alcançar tamanhos feitos, então, por si só se
justifica a necessidade de intervenções nessa área, a fim de fomentar uma cultura voltada para os direitos
humanos, tendo em vista que a xenofobia, a discriminação racial, a apatia social diante dos marginalizados e
excluídos, a economia neoliberal desumanamente exploratória, o crescimento da violência, da corrupção,
entre outros fatores, são grandes desafios postos pela contemporaneidade para a efetividade dos direitos
humanos. Não que a empatia venha ser a solução unívoca para todas essas problemáticas, mas ela pode ser
mais um instrumento de promoção de cidadania e solidariedade.
A Revolução Francesa, em sua Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, tornou
emblemática a defesa da liberdade, igualdade e fraternidade. Até hoje, esse emblema serve de referência para
muitas discussões em torno dos direitos humanos; porém, apenas a liberdade e a igualdade têm merecido a
devida atenção dos estudiosos. O tema da fraternidade ainda é muito incipiente, mesmo se mostrando
urgentemente necessário para a efetivação de uma cultura de paz entre os povos. É justamente nesse viés que
o tema da empatia tem muito a contribuir, pois ao empatizar com o outro, alarga-se a possibilidade de
manifestação da fraternidade.
Não é à toa que a empatia se revela como "uma habilidade de comunicação intrinsecamente ligada à
formação de vínculos afetivos e à qualidade dos relacionamentos interpessoais. [...] Os benefícios para a
qualidade das interações sociais aparecem refletidos em diversos estudos" (FALCONE, 1998; FREY,
HIRSCHSTEIN & GUZZO, 2000; STEPHAN & FINLAY, 1999 apud FALCONE ET ALL, 2006).
Por exemplo, um trabalho de treinamento da empatia desenvolvido e implementado por Falcone
(1998) em estudantes universitários, indicou que o aumento do nível de empatia dos participantes de sua
pesquisa se reflete na redução de conflitos interpessoais e na melhoria qualitativa dos relacionamentos. Em
contrapartida, deficiências nesta habilidade parecem prejudicar tanto o convívio social (gerando o
acirramento de preconceitos sociais e violações dos direitos de outras pessoas) como a saúde mental
(comportamentos anti-sociais e vários transtornos psicológicos) (BEYERS & LOEBER, 2003; BLAIR,
COLLEDGE, MURRAY & MITCHELL, 2001; FERNANDEZ & MARSHALL, 2003; HASTINGS,
ZAHN-WAXLER, ROBINSON, USHER & BRIDGES, 2000 apud FALCONE et all, 2006).
Hoffman (apud SAMPAIO, 2007) nos ensina que a empatia é importante para a internalização e
escolha de princípios morais em situações com possibilidades de cursos de ação diferentes e que dilemas
morais se estabelecem. Com base em Hoffman, Sampaio (2007) esclarece que:
Essa importância se revela na medida em que a associação entre um princípio moral e um afeto
empático/simpático cria uma representação mental afetivamente carregada, chamada de hot-cognition.
Essa representação é fundamental para a promoção do desenvolvimento moral, pois, em uma situação na
qual o sujeito tenha que escolher entre um ou mais princípios disponíveis, ou tenha que internalizar um
novo princípio, o processo passa a ser mediado por um componente afetivo, com características
claramente altruísticas. Além disso, as hot-cognitions teriam a capacidade de dirigir o comportamento
do sujeito em situações futuras, o que possibilita a aplicação imparcial de princípios morais a contextos
diferentes daqueles nos quais as hot-cognitions foram originalmente constituídas.
Diante do que foi exposto, ratifica-se a importância de trabalhos voltados para o desenvolvimento
empático, dentro de uma perspectiva de investimento na educação moral. Educar em valores e fomentar
sentimentos e comportamentos empáticos mostram-se viáveis para a efetivação de uma cultura de paz e de
respeito aos direitos humanos. Quanto maior o nível de empatia, maior a capacidade de tomada de
perspectivas pautadas no respeito ao outro, na solidariedade, na tolerância, na persecução da justiça. Talvez
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seja no desenvolvimento dessas competentes habilidades sociais que repouse a esperança da instauração de
uma cultura de igualdade, liberdade e fraternidade. Pois como bem revela Kohlberg (apud BITTAR, 2007)
“El objetivo de la educación social es desarrollar una persona con capacidad para realizar una sociedad
democrática con la habilidad y la motivación como para hacer una sociedad más justa y más comunitaria de
lo es ahora”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pior tentação que se depara humanidade nas épocas de noite escura e de crise
universal, é abandonar a Razão Moral. A razão não se deve jamais abdicar. A tarefa
da ética é uma tarefa humilde, mas também magnânima ao levar a aplicação mutável
dos princípios morais imutáveis até o próprio coração das agonias de um mundo
desgraçado, enquanto nele existir um lampejo de humanidade.
Jacques Maritain
Talvez estejamos transitando por épocas de noite escura, onde a violência, a intolerância, o
individualismo, a corrupção, a xenofobia, a exploração, o consumismo, o medo, a depressão, as injustiças, as
discriminações raciais, sociais e econômicas produzem um temebroso nevoeiro que nos impossibilita
enxergar para mais além onde habita a renovação ética. Talvez esse nevoeiro só possa ser dissipado se
valores outros forem chamados a compor essa paragem: solidariedade, tolerância, respeito às diferenças,
sede de justiça, responsabilidade social, autonomia moral. Enquanto existir um lampejo de humanidade,
iremos recobrar as esperanças de construção de um mundo mais fraterno e pacífico, e para isso, torna-se
imprescindível o investimento na educação moral dos indivíduos.
As propostas de educação em/para os direitos humanos apelam para a construção de uma cultura de
paz, de solidariedade entre os povos, de tolerância entre as nações, de respeito à liberdade, à igualdade, à
fraternidade, à diversidade, mas seus atuais mecanismos de intervenção mostram-se ainda em construção.
Tendo em vista isto, esse trabalho se propôs a refletir a importância da educação moral para a promoção de
uma cultura voltada para os direitos humanos, cuja intervenção busca superar as práticas educacionais
meramente racionais e tecnicistas, por outras que também englobem aspectos afetivos e sócio-morais. Para
tanto, destacou-se a importância da empatia como mais um mecanismo eficaz para a consecução dessa
finalidade.
Este trabalho, implicitamente, também ressalvou a importância da interdisciplinaridade, indo beber
em fontes outras para além do que comumente se discute dentro dos Direitos Humanos. O Direito,
especialmente, quem lida ou almeja lidar com a temática dos Direitos Humanos, necessita ampliar suas
concepções para além de uma abordagem meramente jurídica. Trabalhar interdisciplinarmente temas
complexos permite nos descentrarmos cognitivamente, ampliando nossos limitados pontos de vista.
Desse modo, refletindo sobre a importância da educação moral e da empatia para o
desenvolvimento de habilidades sociais competentes e para a otimização da convivência interpessoal,
sugerimos que essas temáticas sejam trabalhadas nas cinco áreas de socialização da cultura dos Direitos
Humanos propostas pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH): educação básica,
ensino superior, educação não-formal, educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança e
educação e mídia.
Que a formação em/para os Direitos Humanos seja capaz de sensibilizar e humanizar os sujeitos, a
fim de efetivamente formar para a cidadania, para a responsabilidade social e ambiental, para o respeito ao
outro, para a autonomia, para a liberdade, para a solidariedade. Talvez esse seja o prenúncio de uma nova
era com noites não mais escuras, mas enluaradas e estreladas, resplandecendo pela claridade do brilho ético.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Para Karl Marx (1982), a História Universal que estava se constituindo a partir da expansão da civilização da Europa sobre o
resto do mundo, e que Hegel havia idealizado como tendo como sujeito o Espírito do Mundo, é, de fato, a história da criação do
mercado mundial: Na história existente até o momento é certamente um fato empírico que os indivíduos singulares, com a
transformação da atividade em atividade histórico-mundial, torna-se cada vez mais submetidos a um poder que lhes é estranho(uma
opressão que representava como uma astúcia do assim chamado Espírito do Mundo – Weltgeist), um poder que se tornou mais maciço
e se revela, em última instância, como mercado mundial.
[2] Raimundo Panikkar (2004, p. 216) ao eleger estes três pressupostos, não pretende afirmar que estivessem nas mentes dos
formuladores da DUDH. Todavia, declara que há evidências de que tal declaração foi construída claramente em consonância com as
tendências históricas do mundo ocidental, durante os três últimos séculos, e em sintonia com determinada antropologia filosófica ou
humanismo individualista, o que contribuiu para justificá-los.
[3] Os Direitos Humanos constituem, se não propriamente um novo ethos mundial (KÜNG, 1992), certamente o grande progresso de
“auto consciência da humanidade” e pode se tornar o ponto de interseção e de consenso(um verdadeiro consensum gentium) entre
diferentes doutrinas filosóficas, crenças religiosas e costumes culturais (MARITAIN, 1966).
[4] Bittar (2007) destaca a importância de se diferenciar a educação enquanto treinamento (Ausbilgung) e educação enquanto
formação (Bildung), ao afirmar que "o esforço de compreensão de como a razão pôde conduzir aos eventos que marcaram Aushwitz,
é de fundamental importância, e o segundo mito a se desfazer é exatamente aquele que prega que a razão é sinônimo de cultura, de
progresso, de evolução. No entanto, um exame detido do tema faz perceber que a racionalidade está profundamente impregnada pelo
gérmen de sua própria contradição, de sua própria destruição. Quanto mais especialista, mais ignorante! Quanto mais racional, menos
sentimental! Formação e de-formação podem estar andando lado a lado! Estas forças contraditórias são capazes de produzir horroses
históricos, morais, políticos, ideológicos, o que motiva por si só que se repense que sentido possuem as práticas científicas, as
pedagogias educacionais e o que engendram a partir de si mesmas.
[5] "Kohlberg (1964 apud HOFFMAN, 1976, 1992) destaca que um fator primordial para a construção da noção de justiça - que é
central na sua teoria - seria as interações nas quais existem oportunidades de role-taking e durante as quais os sujeitos interagem e
tomam a perspectiva de outras pessoas, imaginando o que elas pensam ou sentem. A idéia por trás desse pressuposto baseia-se na
concepção piagetiana de que o desequilíbrio socio-cognitivo provocado por processos de tomada de perspectiva obriga os indivíduos
a vivenciarem conflitos capazes de motivá-los a buscar níveis mais elevados de desenvolvimento e estados de equilíbrio cada vez
mais estáveis. Nesse sentido, à medida que o sujeito confronta seu ponto de vista com o de outras pessoas, vê-se obrigado a refletir
sobre suas próprias idéias e a buscar o refinamento ou o melhoramento das mesmas, através da construção de argumentos mais
sólidos e complexos, o que transforma um processo cognitivo em uma atividade de ordem metacognitiva" (SAMPAIO, 2007).
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[6] Para conhecer de forma sucinta e esclarecedora, algumas divergências teóricas entre as idéias desses autores, vide o artigo "A
psicologia e a educação moral", de Sampaio (2007), disponível no site www.scielo.com.br.
[7] "Utilizando-se de um instrumento denominado Moral Judgment Interview (MJI), que se constitui de uma série de dilemas morais
hipotéticos, Kohlberg construiu uma tipologia na qual se organizam três grandes níveis, compostos, cada um, por dois estágios. O
primeiro nível seria o pré-convencional (estágios 1 e 2), durante o qual predominam noções hedonistas e egoístas, nas quais se busca
assegurar apenas os interesses pessoais; o segundo nível é o convencional (estágios 3 e 4), em que as noções morais se vinculam ao
cumprimento das convenções sociais, para que o sujeito seja aceito e bem-visto pelos outros; por fim, o terceiro nível é o pósconvencional (estágios 5 e 6), no qual prevalece o respeito pelas instituições sociais e pelos direitos humanos. Segundo os dados
obtidos por Kohlberg e seus colaboradores, ao longo dos anos, uma parcela muito pequena da população estadunidense chega a
atingir o 5º estágio de desenvolvimento moral, e apenas algumas figuras históricas, como Gandhi, Madre Tereza e Luther King, teriam
alcançado o 6º estágio" ( SAMPAIO, 2007).
[8] "Pode-se definir habilidades sociais, enquanto construto descritivo, como o conjunto dos desempenhos apresentados pelo
indivíduo diante de demandas interpessoais, que contribuem para interações socialmente competentes" (PAVARINO, DEL PRETTE,
DEL PRETTE, 2005).
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educação moral e empatia: contribuições para a promoção de uma