UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES – URI CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PRO-REITORIA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO A PRESENÇA DA VISÃO DOS PCNS NA FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL EM AULA DEBORAH KARLA CALEGARI ALVES Frederico Westphalen, outubro de 2013. DEBORAH KARLA CALEGARI ALVES A PRESENÇA DA VISÃO DOS PCNS NA FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL EM AULA Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof. Drª Maria Teresa Cauduro Frederico Westphalen, outubro de 2013 IDENTIFICAÇÃO Instituição de Ensino/Unidade: URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Campus de Frederico Westphalen Rua Assis Brasil, 709 – Bairro Itapagé – 98400-000 – Frederico Westphalen - RS Direção do Campus: Diretor Geral: Prof. César Luiz Pinheiro Diretora Acadêmica: Prof.ª Silvia Regina Canan Diretor Administrativo: Prof. Nestor Henrique De Cesaro Departamento/Curso: Departamento de Ciências Humanas – chefe profª Drª Edite Maria Sudbrack Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado em Educação – coordenadora profª Drª Edite Maria Sudbrack Disciplina: Dissertação Orientadora: Profª Drª Maria Teresa Cauduro Orientanda: Deborah Karla Calegari Alves Temática: A presença da visão dos pcns na formação ética e moral em aula RESUMO Esta dissertação aborda as relações entre os textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sobre ética e a formação ética e moral em salas de aula de 1º a 5º ano do ensino fundamental de escolas municipais da zona urbana de Frederico Westphalen-RS. O objetivo é analisar se as visões de ética e moral contidas nos PCNs e suas recomendações para trabalhar os assuntos com os alunos estão presentes na formação ética e moral em sala de aula. Essa pesquisa apresenta como método de estudo um enfoque qualitativo de cunho descritivo interpretativo e tem como guia a linha hermenêutica. A parte empírica do trabalho foi realizada nas escolas através de observações em salas de aula e entrevistas semiestruturadas com os professores regentes. As observações, juntamente com as entrevistas com os professores e os textos dos PCNs de Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais e Apresentação dos Temas Transversais e Ética possibilitaram a elaboração de categorias de análise das visões de ética e moral, do conhecimento e utilização dos PCNs pelos professores e da formação e capacitação de professores. As análises indicaram que as visões de professores e dos textos dos PCNs se mostram semelhantes em diversos momentos, mas são mais próximas as relativas à moral do que à ética; que a grande maioria dos professores utiliza, ao menos em parte as ideias expressas nos PCNs sobre ética e moral; além de a formação dos professores não estar sendo desenvolvida com a participação ativa destes e distante das realidades locais de cada escola. Palavras-chave: PCNs. Ética. Moral. ABSTRACT This dissertation approaches the relations between the texts of the National Curriculum Parameters (NCPs) about ethics and the ethics and moral education in classrooms of 1st to 5th year of primary education in municipal schools in the urban area of Frederico Westphalen-RS. The objective is to analyze if the views of ethics and morality contained in the PCNs and their recommendations for working this subjects with students are present on ethics and moral education in the classroom. This research presents a method to study as a qualitative interpretative approach and descriptive research is guided by the hermeneutic line. The empirical part of the work was carried out in schools using classroom observations and semi-structured interviews with school teachers. The observations, the interviews with teachers and the texts of NCPs Introduction to National Curriculum Parameters and Presentation of Cross-Cutting Themes and Ethics enabled the creation of categories of analysis of ethics and moral visions, knowledge and use of NCPs by teachers and training of teachers. The analysis indicated that the views of teachers and NCPs texts showed their similarity at many times, but are closer those relating to morality than to ethics, that the vast majority of teachers use, at least in part, the ideas expressed in the NCPs about ethics and morality, as well as the training of teachers is not being developed with their active participation and are distant of the local realities of each school. Keywords: NCPs. Ethics. Moral. AGRADECIMENTOS A Deus por me trazer até aqui e me cercar de pessoas maravilhosas que me ajudaram e me apoiaram em minha caminhada de estudos. À minha mãe que sempre me apoiou em meus estudos e na vida e sempre acreditou em mim e em meus esforços. Obrigada mãezinha, te amo. À minha orientadora “Maitê” pela paciência, compromisso e respeito pelo meu processo de aprendizagem e caminho escolhido. Obrigada por todas as “luzes”. Ao meu amor Pedro, por acreditar em mim, me incentivar a ir cada vez mais adiante e fazer meus dias mais felizes e mais leves. Às minhas queridas tias Iracema e Ivani, por me apoiarem e acreditarem em mim. Amo vocês. À minha prima Deyse pelas transcrições e caronas, muito obrigada pelo seu tempo e dedicação. Também te amo. Aos colegas do mestrado pelas trocas de experiências (e de desesperos), incentivos e risadas, (algumas pelos textos do Edu, hahaha). Turma boa, sentirei saudades. Aos professores do mestrado pelas contribuições e ensinamentos. Obrigada a todos por compartilharem suas visões e concepções. Aos professores Arnaldo Nogaro e Rosane Molina por participarem da primeira banca e por suas valiosas contribuições. Aos professores Neusa Scheidt (?) e Gabriel Gabrowski, por gentilmente aceitarem participar da banca. Às diretoras, professores e alunos das escolas onde realizei o trabalho de campo. Em especial aos professores, que abriram as portas de suas salas de aula e aceitaram expor suas práticas e ideias para que eu pudesse realizar essa pesquisa. Muito obrigada. Enfim, a todos que de alguma forma ou outra colaboraram para que hoje eu chegasse até aqui, obrigada. SUMÁRIO LISTA DE QUADROS............................................................................................................. 8 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 2 SOBRE OS PCNs ................................................................................................................ 17 2.1 Introduzindo e situando a criação dos PCNs ............................................................. 17 2.2 Considerações sobre algumas temáticas abordadas .................................................. 21 2.3 Sobre Moral e Ética e sua visão nos PCNs ................................................................. 33 2.4 Algumas considerações sobre educação moral .......................................................... 37 2.5 A respeito dos valores e da moral social ..................................................................... 42 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 48 3.1 Contexto pesquisado ..................................................................................................... 48 3.2 Caracterização do estudo ............................................................................................. 49 3.3 Abordagem filosófica.................................................................................................... 50 3.4 Pesquisa de campo ........................................................................................................ 52 3.5 Instrumentos de coleta de dados ................................................................................. 53 3.5.1 Observação ............................................................................................................. 53 3.5.2 Entrevista ............................................................................................................... 54 3.5.3 Documentos ............................................................................................................ 55 3.6 Triangulação de dados ................................................................................................. 56 3.7 Análise dos dados .......................................................................................................... 57 3.8 Credibilidade, validez e fidedignidade ....................................................................... 57 3.8.1 Procedimentos éticos ............................................................................................. 58 4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................................................. 60 7 4.1Primeiro nível de análise ............................................................................................... 60 4.2 Segundo nível de análise .............................................................................................. 64 4.3 Terceiro nível de análise .............................................................................................. 65 4.3.1 ÉTICA E MORAL ................................................................................................ 65 4.3.1.1 Visão de ética ....................................................................................................... 65 4.3.1.2 Visão de Moral .................................................................................................... 72 4.3.2 PCNS – TEORIA E PRÁTICA ............................................................................ 78 4.3.2.1 Conhecimento e utilização ................................................................................. 78 4.3.2.2 Papel da escola e professor e como trabalhá-los .............................................. 82 4.3.2.3 PCNs x o que é importante e o que se trabalha ............................................... 90 4.3.3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES ..................................................................... 93 4.3.3.1 Formação Inicial e Continuada ......................................................................... 93 4.3.3.2 Capacitação para o trabalho com questões éticas e morais ............................ 95 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 103 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 109 7 APÊNDICES ...................................................................................................................... 115 7.1 APÊNDICE A: Roteiro da Entrevista ..................................................................... 116 7.2 APENDICE B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com professores do 1º a 5º ano do ensino fundamental das escolas municipais de Frederico Westphalen/RS ............................................................................................................................................ 118 7.3 APENDICE C: Termo de consentimento livre e esclarecido diretores (as) de escolas municipais de ensino fundamental de Frederico Westphalen/RS ................... 120 7.4 APENDICE D: Unidades de Significado .................................................................. 122 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Codificação das entrevistas com professores regentes de classe Quadro 2: Codificação das observações realizadas nas turmas de 1º a 5º ano Quadro 3: Classificação dos documentos dos PCNs consultados Quadro 4: Unidades de significado Quadro 5: Categorias e subcategorias de análise INTRODUÇÃO [...] a crise que confronta nossa sociedade é estrutural e generalizada. Perpassam por ela fatores culturais, econômicos, políticos, históricos, embora tenhamos que destacar a profunda crise moral que atravessa nosso tecido social. Apreciamos uma ausência, um vazio da dimensão axiológica tanto na educação como na vida cotidiana, nas instituições, na sociedade em geral. A injustiça, a violência, o terrorismo, as guerras, a corrupção, a impunidade e a destruição ambiental, para citarmos alguns problemas, se acentuam cotidianamente e evidenciam esta crise global. Daí surge o desafio dos processos educativos de contribuir para reverter tal situação, como fatores coadjuvantes não-oniscientes, mas inevitáveis, porque não se poderia gerar desenvolvimento somente com educação, tampouco sem ela. (GAUDIANO e KATRA, 2009, p. 54). Esse trabalho insere-se na área da Educação. Foi desenvolvido no Programa de PósGraduação em Educação da URI, seguindo a linha de pesquisa Formação de Professores e Práticas Educativas. O assunto escolhido para este estudo reside em algumas relações entre Ética e Educação e, mais especificamente, o tema deste trabalho é a formação ética e moral no ambiente escolar. Nessa pesquisa busco analisar se as visões de ética e moral contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (PCNs), bem como suas recomendações para trabalhar o assunto com os alunos, estão presentes em sala de aula para responder à questão central: a visão de ética e moral dos PCNs está presente na formação do ambiente ético e moral em sala de aula? Os PCNs foram elaborados pelo governo federal no final da década de 1990 para orientar os educadores em várias áreas do conhecimento. Além das áreas “tradicionais” como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História e Geografia, Artes e Educação Física, os PCNs instituíram os Temas Transversais que abordam questões sobre Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Saúde e Ética. As implicações desta última e suas relações no e com o ambiente escolar são focalizadas na pesquisa para este trabalho. Pude observar, ao pesquisar em bancos de teses e dissertações, que tem crescido o número de trabalhos que discutem o problema da formação ética e moral no ambiente escolar em números, mas raros ainda são os trabalhos que tratam das questões dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), especialmente relacionados à ética, implicados nesse espaço. Talvez por serem políticas ainda relativamente novas no campo. Os PCNs foram publicados há pouco mais de uma década e a pesquisa sobre seus textos é ainda pouco explorada. Esse estudo parece-me de fundamental importância especialmente pelo alcance nacional dos PCNs. A opção por trabalhar com um tema transversal, ao invés de escolher uma área específica, 11 envolve questões subjetivas como a relevância que considero possuir o tema, bem como a circulação (devido à sua transversalidade) desse tema entre todas as áreas específicas. Na primeira parte deste trabalho procurarei introduzir, contextualizar, justificar a escolha, e colocar as questões e objetivos da pesquisa, apresentando o tema escolhido. Posteriormente tratarei sobre os PCNs, situando o contexto sócio histórico de sua criação. Também farei algumas considerações sobre como são tratadas algumas temáticas relevantes dentro do tema transversal Ética nos PCNs. A seguir me dedicarei a discutir a visão de ética contida nos PCNs, trazendo algumas ideias e conceitos sobre moral e ética, educação moral, valores e moral social. No capítulo que irá tratar sobre a metodologia de trabalho caracterizarei o estudo, explicitarei a abordagem filosófica e estratégia escolhidas, apresentarei os instrumentos que serão utilizados para a coleta de dados, o modo como farei a triangulação e análise dos tais, além de apresentar os critérios de credibilidade, validez e fidedignidade da investigação, bem como o contexto que será pesquisado. O tema ética e educação vem sendo trabalhado nos últimos anos especialmente em eventos realizados em países de língua espanhola. Um dos mais recentes foi o 1º Congresso Internacional de Ética na Educação ocorrido em abril de 2012 nas Universidades Politécnicas de Texcoco e do Valle de Toluca em Texcoco, México. Também em maio desse ano ocorreu, na Universidade de Duquesne na Pensilvânia, Estados Unidos, a primeira conferência internacional da Associação Internacional de Ética em Educação (IAEE). Essa associação foi criada no ano anterior por iniciativa da UNESCO na tentativa de promover a educação em ética em escala global. O tema foi abordado também no Congresso Internacional de Educação Não Formal intitulado “Valores e Tempo Livre”, realizado na Universidad de Valencia, Espanha, em setembro de 2010. Em Buenos Aires, Argentina, ainda em setembro de 2010, a Associação Internacional de Universidades (IAU), a Organização Universitária Interamericana (OUI) e a Universidad del Salvador organizaram um Congresso Internacional sobre o Ensino Superior com o tema “Compromisso e Ética Social da Universidade”. Como parte do 34º Congresso da Federação de Sociedades Bioquímicas Europeias que ocorreu em Praga, República Tcheca, em julho de 2009, foram realizadas algumas sessões sobre o tema ética e educação. Em junho do mesmo ano a Universidade Alberto Hurtado localizada em Santiago, Chile, promoveu seu primeiro Congresso de Ética. O estado de Veracruz, México, em setembro também de 2009, sediou o X Congresso Nacional de 12 Investigação Educativa do país e uma de suas áreas, intitulada “educação e valores”, tratava especificamente do tema. Em San Luis, Argentina, em setembro de 2003, foi realizado o Congresso LatinoAmericano de Educação Superior no século XXI, onde foram tratados temas como a transversalidade e especificidade da ética cidadã. E em novembro de 2000, a Universidade Aberta da Espanha, em Madrid, teve como foco central de seu IV Congresso Internacional de Filosofia da Educação o tema “Educação, Ética e Cidadania”. Essas informações permitem verificar que as discussões sobre o tema, na esfera internacional, são ainda bastante recentes e concentradas nos países de língua espanhola. Permitem inferir também que o assunto vem ganhando espaço através, por exemplo, da realização de congressos específicos sobre o tema e da criação de associações para seu debate. Em âmbito nacional, com o objetivo de apresentar um quadro da produção acadêmica, focalizando estudos de mestrado e doutorado que trabalharam com a questão da formação ética no ambiente escolar, pesquisei produções disponíveis na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD, no Banco de Teses da CAPES e no Repositório Digital da UFRGS – LUME. A primeira observação (e talvez a que mais salte aos olhos) diz respeito ao número de trabalhos produzidos na área e a sua situação em relação às outras áreas. De acordo com o investigado pude concluir que a proporção média ao longo do período pesquisado é de 46 trabalhos na área de Ética e Educação para cada grupo de mil trabalhos nas demais áreas da Educação. Notei também que as produções discentes na área da Educação e Ética vêm crescendo, tanto nas dissertações de mestrado como nas teses de doutorado, guardando as proporções na média de 2,5 a 3 de produções nos cursos de mestrado para uma nos de doutorado. Outro fato que pude constatar é que vem crescendo continuamente o total geral de produções na área da Educação, isso contribui para que o percentual relativo às produções em educação que tratam do tema Ética e Educação permaneça estável durante a década. Após a separação das 1752 dissertações e teses publicadas entre 2001 e 2010 sobre o tema Ética e Educação encontradas, classifiquei-as sob os seguintes temas: Psicologia Escolar e Ética; Filosofia e Ética na Educação; Relações de Gênero e Sexualidade; Ética, Educação e Relações Raciais; Subjetividade, Autonomia Moral e Educação para a Cidadania; Ética na Alfabetização e o Fracasso Escolar; Valores; Ética na formação e saber pedagógico; Educação, Ética e Saúde; Educação, Ética e Arte; Ética, Educação e Mídia; Ética e Meio 13 Ambiente; Educação, Ética e Violência; Políticas para a Educação; Ética e Educação Especial; Inclusão e Educação Rural. Destacarei aqui os assuntos mais estudados. Ética na formação e saber pedagógico aparece como tema mais pesquisado. Dentro desse grupo estão inseridas produções que tratam da importância da ética na formação do professor e no fazer pedagógico. São contempladas tanto a formação inicial de professores em diversas áreas quanto a formação permanente do profissional. Quanto ao saber pedagógico grande parte dos estudos trata da proposição de alternativas para uma melhor atuação do educador tendo a ética como base. O segundo tema mais pesquisado é Educação, Ética e Saúde. Nesse espaço estão classificados os trabalhos que tratam de diversos temas, dentre eles a importância da ética na formação de profissionais que lidam com a saúde como enfermeiros e fisioterapeutas atuantes em espaços de educação. Pude observar também um grande número de estudos que enfatizam a relação entre a saúde familiar e o ambiente escolar. Em número ainda pequeno aparecem os estudos relativos à Saúde como Tema Transversal dentro dos PCNs. O tema Ética e Meio Ambiente é o terceiro mais recorrente. Inseridos nesse grupo estão as produções que abordam as questões relativas à educação ambiental nas escolas, bem como especificamente a formação ética dos educandos para que se constituam sujeitos munidos de responsabilidade socioambiental. Dentro dessa temática aparecem diversos estudos de caso de experiências inovadoras de escolas em educação ambiental. O Meio Ambiente como Tema Transversal nos PCNs é bastante novo, mas a grande quantidade de trabalhos produzidos envolvendo questões ambientais, ética e educação demonstra que esse é um tema há algum tempo e enfaticamente pesquisado. Pude concluir após a avaliação desses estudos que tem crescido o número de trabalhos que discutem o problema da formação ética e moral no ambiente escolar em números, mas raros ainda são os trabalhos que tratam das questões dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), especialmente relacionados à ética, implicados nesse espaço, talvez por serem políticas ainda relativamente novas no campo. Regionalmente, não existem muitos encontros e discussões a respeito do tema ética e educação, todavia a constituição estadual do Rio Grande do Sul considera como bases da educação a justiça social, a democracia e o respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e aos valores culturais, visando ao desenvolvimento do educando como pessoa e à sua qualificação para o trabalho e o exercício da cidadania. 14 A lei estadual nº 5.751/69, que regulamenta o sistema estadual de ensino do estado do Rio Grande do Sul, afirma que a educação, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim o desenvolvimento integral da personalidade humana e sua participação na obra do bem comum. Em consonância com a constituição estadual e com a lei do sistema estadual de ensino, o plano estadual de educação afirma em suas diretrizes que os temas transversais, previstos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, colaborarão para o desenvolvimento dos sujeitos, vistos como cidadãos de direitos, conscientes de seus papéis de atores sociais no desenvolvimento do estado. Essa prática, entretanto, afirma, só será possível na medida em que se avance nos programas de qualificação dos professores. Também considera que o comprometimento de todos os profissionais e gestores da educação, em todos os níveis, deve ser a base para a cidadania na busca de uma sociedade que respeite as diferenças e os direitos sociais como valores, além de explicitar a necessidade de valorização do aluno em sua totalidade, abrangendo as dimensões cognoscitivas, sociais, psicológicas, afetivas e regionais; privilegiando a aprendizagem e o desenvolvimento do educando através de um trabalho contínuo, integrado e contextualizado no processo de construção do conhecimento, de modo a se oferecer uma educação humanizadora. Como parte de seus objetivos e metas busca garantir, nos cursos de formação e nas propostas pedagógicas, paradigmas curriculares que contemplem a transdisciplinaridade, com o objetivo de se trabalharem as diferenças étnicoculturais, os temas transversais emanados das Diretrizes Curriculares Nacionais e os temas relevantes previstos no plano estadual de educação. A escolha desse problema de pesquisa se ancora na convicção de que a abordagem do tema é de fundamental valia se desejo colaborar enquanto educadora para a formação de uma sociedade mais justa e de indivíduos mais autônomos. Na formação do ambiente ético e moral da sala de aula são relevantes a postura, a afetividade do educador, seu comportamento, a maneira como lida com os educandos e como essas questões colaboram na formação ética e moral do aluno. A construção da subjetividade dos indivíduos e da pertença a um determinado grupo, esse fazer parte de uma sociedade, envolve questões como a formação da cidadania e da autonomia moral. Portanto a contribuição do educador para que seus alunos se desenvolvam enquanto seres autônomos, sua colaboração para a formação de sujeitos emancipados, é fundamental. Dentro dessa questão é imprescindível a análise do progresso do processo de construção da autonomia das crianças, através de ações que os direcionem à ética. 15 Todavia, e possível observar que em muitas ocasiões o professor parece não estar totalmente consciente de sua contribuição em sala para a formação do ambiente ético e moral. Essa questão envolve a compreensão dos professores sobre o papel da ação docente para a construção da moralidade, a relevância que consideram ter suas ações para o desenvolvimento moral dos alunos, bem como suas próprias ideias de moralidade e ética. A escolha do ambiente escolar para esse estudo deve-se ao fato de que as escolas ainda são, apesar de muitos retrocessos, locais privilegiados de circulação de ideias e ideais, ainda têm espaço e potencialidade para propagar atitudes democratizadoras através da busca do desenvolvimento nos alunos de atitudes solidárias e participativas. Além disso, com a crescente expansão da obrigatoriedade do ensino escolar, cada vez mais fica a cargo das instituições de ensino não somente o ensinamento dos conteúdos em si, mas também a função de sociabilizar as crianças e jovens. Portanto, se desejo viver em espaços democráticos, é imperativo formar sujeitos democráticos, verdadeiros cidadãos para compô-los. Aliás, esse cidadão autônomo que se constrói dentro de uma prática educativa democrática é discurso governamental presente na formulação dos PCNs, e essa é uma das razões para que a análise desses textos seja parte fundamental desse trabalho. Outra razão pela qual optei em trabalhar com os PCNs, e não com as Diretrizes Curriculares Nacionais, foi por obter nas visitas às escolas, através do contato com as direções, a informação de que os Parâmetros Curriculares Nacionais é que serviam de base para os seus Planos Políticos Pedagógicos. Ainda é importante ressalvar que decidi optar na pesquisa por estudar a formação do ambiente ético e moral de classes escolares também por outra razão de ordem pessoal que se refere à minha própria formação. Sendo licenciada em Pedagogia com habilitação em magistério para as séries iniciais do ensino fundamental, sempre estive muito ciente em meu trabalho do meu papel enquanto educadora não só de conteúdos, mas também como formadora de pressupostos morais e éticos de meus alunos e acredito na importância de trabalhar essas questões desde o princípio da educação das crianças. Algumas questões que considero de extrema relevância no ambiente escolar nortearam a escolha deste tema como: Que visões sobre ética e moral os professores possuem? Essas visões estão em concordância com os PCNs? Como os professores desenvolvem o trabalho com questões éticas, morais e valores com os alunos? A fim de obter algumas respostas para meus questionamentos o objetivo central deste trabalho, como já explicitado anteriormente, consiste em analisar se a visão de ética e moral 16 contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como suas recomendações para trabalhar os assuntos com os alunos, estão presentes na formação do ambiente ético e moral em sala de aula. Com a finalidade de construir essa análise os objetivos específicos desse estudo consistem em: investigar que visões de ética e moral possuem os professores e se essas visões estão de acordo com os PCNs; identificar relações dos professores com os PCNs no que tange ao conhecimento e utilização dos textos; investigar o papel dos professores no trabalho com questões éticas, morais e valores e como o desenvolvem; identificar relações entre a formação dos professores e o trabalho com esses temas. Todas essas observações e reflexões são necessárias (talvez outras mais apareçam ao longo da pesquisa) a fim de atingir o objetivo central de analisar se a ideia de ética dos PCNs e suas recomendações para trabalhar a questão estão presentes em sala de aula e, com isso responder ao problema da pesquisa qual seja: A visão de ética e moral dos PCNs está presente na formação do ambiente ético e moral em sala de aula? 2 SOBRE OS PCNs Nesse capítulo do trabalho tratarei sobre os PCNs, conceituando-os e situando o contexto sócio histórico e político de sua criação. Num segundo momento me dedicarei a fazer algumas considerações sobre como são tratadas questões como ética, cidadania, democracia, autonomia, entre outras, nos textos de Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais (vl. 1) e Apresentação dos Temas Transversais e Ética (vl. 8) componentes dos Parâmetros Curriculares Nacionais para 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental. Também procurarei trazer algumas referências sobre questões inerentes a esse trabalho como a abordagem de alguns conceitos e ideias sobre ética, moral, educação moral, valores e moral social. 2.1 Introduzindo e situando a criação dos PCNs Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino fundamental são uma série de documentos expedidos pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação que foram elaborados para atender tanto à Constituição Federal de 1988, quanto à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394/96) no que tange à necessidade da formulação de um documento oficial que possa orientar a educação em todo o território nacional. O texto apresenta os PCNs como um referencial de qualidade para a educação no ensino fundamental no país. E afirma: Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. (BRASIL, 1997, p. 13). Durante todo o capítulo é afirmado o caráter flexível e democrático das propostas. Essa flexibilidade apareceria, por exemplo, através das tomadas de decisões em âmbito regional e local sobre os currículos. A proposta se define como referencial para a organização do sistema educacional com a finalidade de garantir que a educação atue na construção da cidadania e tenha como meta a crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseada, segundo declara, nos princípios democráticos. Conforme Arce (2007): 18 Quando foi elaborado [o texto dos PCNs], seu objetivo era tornar-se uma nova referência para a renovação e reelaboração dos projetos curriculares das escolas, capaz de enfrentar os novos desafios impostos pelas transformações globais e as históricas deficiências e necessidades das diversas realidades nacionais que chegavam à sala de aula e exigiam novas formas de reflexão da realidade para seu adequado entendimento e encaminhamento, no sentido da melhoria de uma sociedade mais justa e democrática. Seu principal fundamento foi a Constituição de 1988 e seu alicerce na cidadania. Dessa maneira os Parâmetros buscaram um modelo de educação voltado para o desenvolvimento da cidadania e da democracia. (ARCE, 2007, p.14). Após a definição do que são os PCNs, o texto apresenta um breve histórico da construção desses parâmetros. O documento afirma que até dezembro de 1996 (data da criação da nova LDB) o ensino fundamental estava em consonância com a Lei Federal n. 5.692 de agosto de 1971 e que essa lei estabelecia tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino médio o objetivo geral de proporcionar aos educandos a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania. Afirma também que tal lei generalizou as disposições básicas sobre o currículo, mas manteve uma parte diversificada para contemplar as peculiaridades locais, assim ficou a cargo dos Estados a formulação de propostas de currículos que serviriam de base tanto para escolas estaduais, como municipais e particulares que se encontrassem em seu território. É importante ter claro que na época da criação da lei supracitada estavam se anunciando no Brasil os “anos de ouro”, o período do “milagre econômico brasileiro” e essa lei, como afirma Shiroma (2007), apresentava dois objetivos implícitos: assegurar a ampliação da oferta do ensino fundamental e criar as condições para a formação de mão de obra qualificada. Visto que o processo produtivo ainda era pouco exigente, a ampliação da oferta do ensino fundamental bastaria para inserir grandes contingentes das classes trabalhadoras nesse processo. Já a formação de mão de obra qualificada favoreceria o processo de importação tecnológica e de modernização pretendidos. Nesse momento já estava se formando o embrião da questão tão debatida atualmente da mercantilização do ensino. Professores e alunos já se transformavam em capital humano que, apenas recebendo investimento adequado, deveria produzir lucros individuais e sociais. Possivelmente devido a uma desarticulação momentânea dos defensores da escola pública, a lei atendeu plenamente aos interesses privados, assegurando espaço para o ensino religioso e ampliando o princípio privatizante através de amparo inclusive financeiro à iniciativa privada. Os PCNs também relatam a participação do país na Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien na Tailândia. Dessa participação originaram-se 19 posições pela luta da satisfação de necessidades básicas de aprendizagem para todos, capazes de universalizar a educação fundamental. É preciso, em primeiro lugar, enfatizar que esse encontro teve como financiadores organismos internacionais como a UNESCO, o UNICEF e o Banco Mundial e que, portanto, as diretrizes a serem seguidas viriam das “recomendações” dessas entidades. Esse projeto difundiu a ideia de que a educação deveria atender às necessidades básicas de aprendizagem, mas defendia que, sendo distintos os grupos humanos, suas necessidades básicas assim também seriam, o que sem dúvida reeditava a dualidade da educação brasileira pois ensejava que a estratos sociais diferentes deveriam corresponder ensinos diferentes. A Carta aprovada pelo encontro sugeria aos nove países com a maior taxa de analfabetismo do mundo, entre eles o Brasil, alguns procedimentos a serem adotados tais como: promoção de políticas de apoio, mobilização de recursos financeiros públicos, privados e voluntários e fortalecimento da solidariedade internacional. Nessas resoluções fica evidente a posição assumida pelo Estado de uma crescente desresponsabilização com o financiamento da educação. Outras organizações são chamadas a realizar essa tarefa. Investimentos financeiros do setor privado (que certamente irá definir o que se pesquisa nas universidades, por exemplo) e incentivo do voluntariado através da criação de programas como o “Amigos da Escola” estão em total sintonia com essa política de “descentralização” das funções que são do Estado. No intuito de traçar as metas locais a partir do acordo firmado em Jomtien, o Brasil lançou o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003). Esse documento consistia, segundo o texto dos PCNs, em: [...] um conjunto de diretrizes políticas, em contínuo processo de negociação, voltado para a recuperação da escola fundamental, a partir do compromisso com a equidade e com o incremento da qualidade, como também com a constante avaliação dos sistemas escolares, visando ao seu contínuo aprimoramento. (BRASIL, 1997, p. 14). Obviamente com a implantação desse plano o país deixava explícito seu consentimento à colonização imposta pelos organismos organizadores do encontro de Jomtien, uma vez que demonstrava que o projeto educacional por eles “recomendado” seria implementado. Os PCNs sustentam que a nova LDB (lei n. 9.394/96) consolida e amplia o dever do poder público para com a educação, em particular com o ensino fundamental, bem como reforça a necessidade de se propiciar a todos a formação básica comum alicerçada numa base nacional comum que corresponderia aos próprios PCNs. 20 O processo de elaboração dos PCNs iniciou, segundo o documento (BRASIL, 1997, p. 15), com o estudo de propostas curriculares de Estados e Municípios, com a análise dos currículos oficiais pela Fundação Carlos Chagas e com o contato com informações e experiências na área de outros países, embora não faça nenhuma referência concreta em relação a essas pesquisas, nem tampouco aos seus autores. Fazendo questão de deixar claro que a elaboração do material se desenvolveu de forma democrática e com o intuito de dar maior credibilidade ao texto, o documento afirma que a partir de uma proposta inicial abriu-se um processo de discussão em âmbito nacional nos anos de 1995 e 1996 que envolveu técnicos e educadores de diversas áreas. Desses, afirma, foram recebidos centenas de pareceres que serviram de base para a reelaboração do material. Porém, talvez seja bastante plausível considerar que o processo pode não ter se desenvolvido de forma tão democrática quanto afirmada. Direcionando a atenção para a história social e educacional do Brasil, é possível notar que na década de 1970 começaram a crescer movimentos reivindicantes de mudanças no sistema educacional. Associações científicas e sindicais da área passaram a levantar bandeiras de luta como a ideia de educação pública e gratuita como direito subjetivo e dever do estado através de partidos de oposição recém criados. Defendiam-se, nesses espaços, a melhoria da qualidade na educação, o que envolvia questões como a permanência e assistência ao aluno na escola; redução da distorção idadesérie; mudança de conteúdos dos livros didáticos; a valorização e qualificação dos educadores; a democratização da gestão; o financiamento das escolas públicas com verbas públicas; a ampliação da obrigatoriedade do ensino. Muitas dessas proposições da comunidade educacional estavam contempladas, como lembra Shiroma (2007), no acordo político proposto pelo Congresso Constituinte em 1987. No mesmo ano iniciavam-se as discussões em torno do projeto da nova LDB, mas o que foi aprovado em 1996 não agradou a muitos educadores/lutadores. Embora o texto dos PCNs insista em enfatizar a maneira “democrática” pela qual foram concebidos, o que se viu, conforme Shiroma (2007) foi um atropelo das negociações que estavam na Câmara dos Deputados pela apresentação de um texto do então senador Darcy Ribeiro no Senado. Após negociações com o governo FHC, o que “sobrou” das proposições foi uma lei repleta de ressignificações. Onde se lê “flexibilidade” leia-se “desresponsabilização do poder público”, onde se lê “participação da sociedade civil”, leia-se 21 “negociação com empresários”, onde se lê “formação do cidadão”, leia-se “atendimento ao cliente”. Com essa visão desregulamentadora e privatista, a nova lei nem impede nem obriga o Estado a concretizar mudanças de impacto na educação e sim, transforma a educação em mercadoria e o educando em consumidor onde o professor precisa mobilizar recursos até de ordem financeira, o que não faz (nem deveria fazer) parte do trabalho e da cultura do universo docente. Ainda gostaria de destacar que os textos afirmam que os PCNs: Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia dos professores e equipes pedagógicas. O conjunto das proposições aqui expressas responde à necessidade de referenciais a partir dos quais o sistema educacional do País se organize [...]. (BRASIL, 1997, P.13). Todavia os responsáveis por sua divulgação e consolidação nas unidades escolares, parecem trocar a palavra indicação por imposição, o que pode ser confirmado pelo enfoque de vários cursos oferecidos pelas Secretarias de Educação, Universidades e outras instituições educacionais com vistas à implementação dos PCNs nas escolas. Um exemplo foi o programa Parâmetros em Ação, desenvolvido pelo Ministério da Educação e implementado no início dos anos 2000 que tinha “como propósito apoiar e incentivar o desenvolvimento profissional de professores e especialistas em educação, de forma articulada com a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (...)” (grifo meu). Apenas para o primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental – na época da 1ª a 4ª série - eram previstos 12 módulos, totalizando 156 horas 1. Entendido, porque assim quis se fazer compreender, como modelo a ser seguido, apesar de sua negação exposta acima, o referencial se torna padrão, perdendo as características de flexibilidade tão alardeadas pelo próprio documento. 2.2 Considerações sobre algumas temáticas abordadas O volume de introdução aos PCNs (vl. 1) esclarece que as questões sociais deverão ser tratadas no ambiente escolar através dos Temas Transversais. E afirma que esses: 1 BRASIL. Disponível em <http://www.mec.gov.br/seb/arquivos >. Acesso em 29 jul. 2012. 22 [...] não constituem novas áreas, mas antes um conjunto de temas que aparecem transversalizados nas áreas definidas, isto é, permeando a concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada área, no decorrer de toda a escolaridade obrigatória. A transversalidade pressupõe um tratamento integrado das áreas e um compromisso das relações interpessoais e sociais escolares com as questões que estão envolvidas nos temas, a fim de que haja uma coerência entre os valores experimentados na vivência que a escola propicia aos alunos e o contato intelectual com tais valores. (BRASIL, 1997, p. 45). A respeito dessa relação entre educação e valores e defendendo uma forma de trabalhar com esses de forma não-compartimentada e baseada no cotidiano dos alunos, Gaudiano e Katra (2009, p.54) ressaltam: [...] os valores são elementos constitutivos de todo processo de educação, de mudança, de desenvolvimento social. [...] Na construção de melhores modos de pensar, de atuar, de ser, os valores constituem “qualidades estruturais” que se encarnam nas pessoas, nas instituições, nas sociedades, [...] tal formação não se poderia reduzir ao ensino disciplinarizado; antes requer estratégias que os trabalhem a partir da experiência pessoal e com o ambiente, por exemplo. Os textos seguem esclarecendo que a série de documentos que tratam dos temas transversais são compostos de duas partes. A primeira delas se destina à discussão tanto da sua necessidade para que as instituições de ensino cumpram sua função social, como dos valores mais gerais que carregam o posicionamento em relação às questões tratadas nos temas, da justificativa e da conceitualização do tratamento transversal que deve ser dado aos temas sociais. A segunda parte se constitui em um documento específico para cada tema: Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual e Ética. Para este trabalho o foco será centrado nesse último tema. O texto de apresentação dos temas transversais começa por afirmar como foi revolucionária a Constituição de 1988 pois, pela primeira vez, uma constituição iniciava com a explicitação dos fundamentos do Estado brasileiro elencando os direitos civis, políticos e sociais dos cidadãos. A seguir lista os fundamentos do Estado Democrático de Direito (entre eles a cidadania) e os objetivos fundamentais da República, afirmando que tais dizem respeito muito mais a metas do que à expressões da realidade e mesmo a definição de quem são os sujeitos de direito (quem pode ter direitos) é um processo social e histórico. Em seguida o texto apresenta algumas considerações sobre cidadania e democracia. A cidadania é entendida como “[...] produto de histórias vividas pelos grupos sociais, sendo, nesse processo, constituída por diferentes tipos de direitos e instituições.” (BRASIL, 1997, p. 19). Já o debate sobre ela é considerado como diretamente relacionado com a discussão sobre o significado e conteúdo da democracia. 23 Sobre democracia os PCNs citam dois entendimentos possíveis: um em sentido mais restrito onde a cidadania abrange exclusivamente direitos civis e políticos; outro mais amplo onde a democracia é vista como uma forma de sociabilidade que faz parte de todos os espaços sociais, nessa visão a cidadania ganha novas dimensões relacionadas, por exemplo, a direitos sociais, relações de trabalho, previdência social, saúde, educação e moradia. De acordo com essa última visão, o autor afirma: “É por meio da prática dos direitos de cidadania que o indivíduo se enxerga e compreende que está inserido e pertence a um grupo, a uma sociedade. [...] Ser cidadão significa ter consciência de que é sujeito de direitos civis, políticos e sociais.” (LIMA, et. al., 2010, p. 42). O texto pondera (BRASIL, 1997, p. 19) que nossa sociedade carrega uma marca autoritária e (reconhece) até hoje vivemos relações sociais hierarquizadas e repletas de privilégios onde se reproduzem a desigualdade, a injustiça e a exclusão social. A fim de transformar essas relações e garantir o cumprimento dos direitos dos cidadãos, os PCNs propõem princípios para orientação da educação escolar. Todavia, os princípios democráticos que, segundo os PCNs, devem orientar a educação escolar quais sejam: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação (cidadania ativa) e corresponsabilidade pela vida social, uma vez que valorizam a “democracia”, o liberalismo e a corresponsabilidade social, fantasiam assim uma igualdade de oportunidades e mascaram uma desresponsabilização do poder público com a educação, parecendo estar, de certo modo, alinhadas com uma visão de democracia liberal. Essa visão de democracia, segundo Silva (2010), objetiva a maximização do interesse pessoal, privilegia os interesses dominantes e funda a democracia burguesa moderna. De acordo com essa perspectiva comunidade e poder público deveriam se limitar a propor um currículo obrigatório mínimo que contemplasse apenas o básico para uma formação cidadã que garantisse o pluralismo liberal, assegurando assim a base ética para uma existência marcada pela livre concorrência e pela necessidade de tolerância, o que, talvez, possa ser uma finalidade dos PCNs. O tratamento dos temas transversais exige como eixo norteador uma reflexão ética pois que envolve posicionamentos e concepções sobre as dimensões histórica e política dos assuntos trabalhados. O texto dos PCNs ressalva que a ética é um tema bastante abordado no pensamento filosófico contemporâneo, mas que também se faz presente no cotidiano de todos nós. Alerta ainda que: A reflexão ética traz à luz a discussão sobre a liberdade de escolha. A ética interroga sobre a legitimidade de práticas e valores consagrados pela tradição e pelo costume. 24 Abrange tanto a crítica das relações entre os grupos, dos grupos nas instituições e perante elas, quanto a dimensão das ações pessoais. (BRASIL, 1997, p. 25). O documento descreve, em seguida, em aspectos mais gerais, os temas transversais a serem trabalhados. Sobre a questão ética afirma que trata de reflexões sobre as condutas humanas, o “como agir” em relação aos outros. Tem-se consciência nesse espaço de que a resposta a essa questão é complexa e envolve posicionamentos relacionados a valores: A questão central das preocupações éticas é a da justiça entendida como inspirada pelos valores da igualdade e equidade. Na escola, o tema Ética encontra-se, em primeiro lugar, nas próprias relações entre os agentes que constituem essa instituição: alunos, professores, funcionários e pais. (BRASIL, 1997, p. 26). Além de estar presente nessas relações o tema Ética também encontra-se, segundo o texto, nas disciplinas do currículo e também nos demais temas transversais. O texto também enfatiza que a reflexão sobre os mais variados aspectos da conduta humana precisa ser contemplado nos objetivos maiores de uma escola que se comprometa com a formação para a cidadania e que o tema em questão traz consigo a proposta de que a escola concretize um trabalho que vise ao desenvolvimento da autonomia moral, a qual é condição sine qua non para a reflexão ética. Nessa perspectiva Gaudiano e Katra (2009, p. 56) afirmam: “Educar em valores, eticamente, significa promover nos sujeitos a elaboração e o desenvolvimento de uma racionalidade moral substantiva, de modo autônomo e comprometido, para que tomem decisões pessoais, através do exercício de sua liberdade responsável.” Os PCNs defendem que, ao visar a formação para a cidadania e o desenvolvimento da autonomia moral, é necessário que saibamos da importância da informação para a formação e transformação de valores e atitudes que contribuam para esses fins, que busquemos a coerência entre o que se pretende ensinar aos alunos e o que se faz na escola, que tenhamos consciência enquanto educadores que os valores (que comportam uma dimensão social e outra pessoal) orientam ações e que, portanto, precisamos “[...] intervir de forma permanente e sistemática no desenvolvimento das atitudes.” (BRASIL, 1997, vl. 8, p. 34). Na parte dedicada explicitamente ao Tema Transversal Ética, o documento afirma que a questão central da Moral e da Ética poderia ser expressa na pergunta: “Como devo agir perante os outros?”, ainda: Moral e ética, às vezes, são palavras empregadas como sinônimos: conjunto de princípios ou padrões de conduta. Ética pode também significar Filosofia da Moral, portanto, um pensamento reflexivo sobre os valores e as normas que regem as condutas humanas. Em outro sentido, ética pode referir-se a um conjunto de princípios e normas que um grupo estabelece para seu exercício profissional [...]. Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma distinção entre princípios que dão 25 rumo ao pensar, sem, de antemão, prescrever formas precisas de conduta (ética) e regras precisas e fechadas (moral). (BRASIL, 1997, p. 49). Apesar de fazer essa diferenciação (um tanto evasiva, é verdade), em seguida o documento afirma que seu objetivo é “[...] propor atividades que levem o aluno a pensar sobre sua conduta e a dos outros a partir de princípios” (idem) e que nesse espaço serão assumidos como sinônimos as palavras ética e moral. Enfatiza-se que para a construção de um currículo escolar sobre ética é necessária uma reflexão sobre a sociedade na qual se insere a escola e que tenha como referência, no caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 (sob pena de inclusive impossibilitar o exercício da cidadania), o que pressupõe que questões como o respeito à dignidade humana e o pluralismo de ideias devam ser respeitadas também no ambiente escolar. Lima (et. al., 2010) pondera que: De um lado, fala-se em resgate dos valores da cidadania, não apenas como a possibilidade de votar e ser votado, mas de exigir a implementação de ditames constitucionais que, no caso do Brasil, aparecem esculpidos em diversas passagens da Constituição cidadã (1988). De outro lado, pede-se a esse mesmo cidadão respeito às normas (regras e princípios) em sua plenitude, como um modo de alcançar uma sociedade justa e igualitária. (LIMA, et. al., 2010, p. 47) Afirmam os PCNs que a ética trata de princípios e se constitui de um eterno pensar, refletir, ponderando que a escola deve então educar para que seus alunos participem nessa construção, sendo livres e autônomos para pensarem e julgarem. Reconhecem que a escola tem importante papel na formação moral dos alunos, bem como que professores, material didático e a própria organização da instituição transmitem valores e regras. Em vários momentos, como parte de sua postura de defesa da “educação moral” na escola, os textos buscam persuadir os docentes de que essa tarefa faz parte de seu trabalho, o que ocorre, segundo Gonçalves, (2007): [...] para dar ainda mais força ao argumento da necessidade de aprender e refletir sobre diversas questões sociais, os autores do texto perguntam a seus leitores se a formação moral dos alunos cabe à escola. Para conduzir a respostas afirmativas, são incorporados fragmentos de documentos legais [...] os quais ratificam o empenho da escola na formação moral de seus alunos. (GONÇALVES, 2007, p. 62). Explicita o texto que a fim de saber como educar moralmente é necessário considerar o que a Psicologia tem a dizer sobre os processos de legitimação que o sujeito constrói sobre valores e regras morais, e então faz algumas considerações sobre a afetividade e a racionalidade. Nesse espaço é plausível o que Arce (2007) traz: (...) há também a necessidade de ele [o educando] posicionar-se frente às discussões que envolvem a escolha de valores, bem como a aceitação ou o questionamento de normas e costumes. Tais atitudes e sua avaliação são tratadas segundo 26 procedimentos comportamentais derivados do campo da psicologia. Destarte, a Ética, como tema transversal, foi escolhida para permitir ao aluno uma reflexão, a partir de argumentos da psicologia, sobre sua conduta com os seus colegas e comunidade. Nesse cenário a filosofia foi excluída desse processo [...]. (ARCE, 2007, p.14). No texto dos PCNs a dimensão filosófica do trabalho de reflexão sobre valores e pressupostos morais parece de fato ficar, no mínimo, em segundo plano quando afirma que: Conhecer a filosofia é edificante, raciocinar sobre dilemas é atividade inteligente. Mas não é suficiente para tornar desejáveis as regras aprendidas e pensadas. Nem sempre excelentes argumentos racionais fazem vibrar a corda da sensibilidade afetiva. (BRASIL, 1997, p.62). A respeito da dimensão afetiva da legitimação de valores e regras morais esclarecem os PCNs que os alunos precisam identificá-los como coerentes com a realização de diversos projetos de vida e que ao absorvê-los como valores pessoais compreendam-os como necessários para cultivar o autorrespeito, o que pode ser desenvolvido dentro de um convívio escolar onde a solidariedade, a justiça e o respeito sejam vividos e compreendidos pelos educandos como aliados a um “bem viver”. A racionalidade mostram-na os textos como necessária no processo de legitimação de valores e regras morais, uma vez que, afirmam os PCNs, agir segundo critérios e regras morais requer que façamos uma escolha, escolha essa que implica a adoção de critérios, o que não é possível sem a racionalidade; consequentemente, afirmam, é imperativo que a escola seja um local onde os valores morais são pensados, o que envolve o desenvolvimento da arte do diálogo também entre os alunos. Em seguida são feitas algumas considerações sobre desenvolvimento moral e socialização no intuito de defender a ideia de que para que a criança passe de um estado de heteronomia moral, característico da infância, para um estado de autonomia moral é preciso que ela passe por experiências de vida que favoreçam e estimulem essa passagem, sendo a escola um ambiente que tem o dever de proporcionar essas vivências. Seguindo esse raciocínio exaltam os PCNs, ao apresentar algumas experiências de formação moral já tentadas no contexto escolar, a tendência da escola democrática (embora também apontem virtudes de outras tendências, possivelmente na tentativa de evitar que os leitores tenham a sensação de terem sido conduzidos a considerá-la como a mais adequada) e a forma transversal com a qual o tema ética deve ser tratado. A tendência democrática, afirmam os PCNs (BRASIL, 1997, p. 62), tem como foco a qualidade das relações entre os agentes da instituição escolar, democratizando essas relações ao dar oportunidade para que cada membro possa participar da elaboração de regras, 27 discussões e tomadas de decisão a respeito dos problemas concretamente vividos naquele espaço. Defende-se também que o tema ética deve ser tratado de forma transversal pois, segundo o documento, questões éticas permeiam todo o currículo, dizem respeito às relações humanas presentes dentro da escola e às relações dos membros da escola com a comunidade, não devendo, portanto, receber tratamento em paralelo, em horário específico. Além disso, ao viver socialmente a educação moral que se defende, evita-se o abismo entre o discurso e a prática. Antes de entrar especificamente nos conteúdos de ética que devem ser trabalhados no primeiro e segundo ciclos, o documento explicita os objetivos gerais de ética a serem alcançados no ensino fundamental tais como fazer com que os alunos possam: compreender o conceito de justiça baseado na equidade e sensibilizar-se pela necessidade de construir uma sociedade justa; tomar atitudes de respeito pelas diferenças, de solidariedade, cooperação, e repúdio às injustiças e discriminações; compreender a vida escolar como participação no espaço público utilizando conhecimentos na construção de uma sociedade democrática e solidária; valorizar e empregar o diálogo na resolução de conflitos e tomadas de decisões coletivas; construir uma imagem positiva de si baseada no respeito próprio; assumir posições segundo seu próprio juízo de valor considerando diferentes pontos de vista e aspectos da situação. Tais objetivos a serem alcançados no trabalho com o tema ética talvez reflitam novas exigências na sociedade: Hoje, nesse processo de transição entre a modernidade, a pós-modernidade e a contemporaneidade, assistimos a uma crise civilizatória que está a exigir um paradigma ancorado na ética do cuidado consigo, com os outros e como uma prática (atitude) social. (LIMA, et. al, 2010, p. 46). Tendo por princípio maior a dignidade do ser humano, por critérios a possibilidade de serem trabalhados na escola e sua relevância tanto para o ensino das diversas áreas e temas como para o convívio escolar, são apresentados os conteúdos de ética a serem trabalhados no primeiro e segundo ciclo escolares: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade, bem como os assuntos a serem desenvolvidos dentro de cada um deles. Conforme lembra Gonçalves, (2007): A escola, comprometida com a formação da cidadania, deve, então, propiciar reflexões sobre as diversas faces das condutas humanas e possibilitar o desenvolvimento da autonomia moral. Tais reflexões devem fazer parte dos objetivos maiores da escola e devem abranger o respeito mútuo, a justiça, o diálogo e a solidariedade – os quatro blocos de conteúdos eleitos como eixo de seu trabalho. (GONÇALVES, 2007, p. 59). 28 O respeito mútuo é tratado nos textos como pressuposto em relação à dignidade do ser humano, ao ideal democrático de convívio social e ao próprio exercício da cidadania. A fim de desenvolver esse conteúdo de ética e para que o aluno evolua em sua formação, segundo os textos dos PCNs, alguns temas devem ser trabalhados: as diferenças entre as pessoas; o respeito a todo ser humano; o respeito às manifestações culturais, étnicas e religiosas; o respeito mútuo como condição necessária para o convívio social democrático; o respeito ao dissenso; a coordenação das próprias ações com as dos outros através do trabalho em equipe; o respeito à privacidade; a identificação de situações em que a dignidade humana é ferida; o repúdio a toda forma de humilhação ou violência; as formas legais de lutar contra os preconceitos; a utilização das normas da escola como forma de luta contra o preconceito; a compreensão de lugar público como patrimônio de todos; o zelo pelo conservação das dependências da escola e a valorização do patrimônio cultural. A justiça é vista como conceito que vai além da esfera legal, envolvendo a dimensão ética na avaliação crítica de certas leis através de critérios como a igualdade e a equidade. Tratada como imprescindível na formação do cidadão e na vida política, se traduz no principal objetivo de uma sociedade democrática e, segundo os PCNs, deve tratar dos seguintes temas: o reconhecimento de situações em que a equidade represente justiça; o reconhecimento de situações em que a igualdade represente justiça; a identificação de situações injustas e seu repúdio; o conhecimento da importância e função da Constituição brasileira; a compreensão da necessidade das leis na definição de direitos e deveres; o conhecimento e compreensão da necessidade das normas escolares; o conhecimento dos próprios direitos e deveres enquanto aluno e a identificação de meios de ação quando seus direitos não forem respeitados; a atitude de justiça e respeito aos direitos de todos. Ao afirmar que um dos principais objetivos da educação é fazer com que os alunos consigam participar do universo da comunicação humana os PCNs valorizam o diálogo como um dos principais instrumentos de um sistema democrático que garante a expressão das diferentes ideias, que abre espaço tanto ao consenso como ao dissenso, que seja utilizado como forma de resolução de conflitos. Essa perspectiva de diálogo parece aproximar-se da visão de diálogo hermenêutico de Gadamer trazida por Hammes, (2005): Para Gadamer, o acordo ou consenso é uma consequência direta do diálogo, da capacidade de confrontar-se com o estranho e adverso. Dialogar consiste em encontrar os pontos de contato, as bases comuns sobre as quais se pode estabelecer uma troca de ideias e experiências: descobrir o que une para compreender o que separa [...]. O diálogo permite desenvolver o pensamento na medida em que possibilita objeções, aprovações, mal-entendidos, ou mesmo compreensão; mais 29 importante é que possibilita a singularidade a individualidade em direção a uma linguagem comum. (HAMMES, 2005, p.86). A escola é considerada nos textos como lugar privilegiado onde se pode ensinar o valor do diálogo através: do uso e valorização do diálogo como instrumento para esclarecimento de conflitos; da coordenação das ações entre os alunos através do trabalho em grupo; do ato de escutar o outro esforçando-se em compreender o sentido de sua fala; da formulação de perguntas que ajudem essa compreensão; da expressão clara e precisa de ideias a fim de ser corretamente compreendido; da disposição para ouvir ideias e rever pontos de vista se necessário. Gaudiano e Katra (2009, p. 59) ressaltam “[...] a importância de converter a aula em um espaço de diálogo problematizante. Educandos e educadores precisam interrogar, perguntar, problematizar, a fim de gerar razão autocrítica e crítica, sem a qual não se poderia aprender, tampouco melhorar.” Na concepção de diálogo trazida nos PCNs parece importar mais a busca da compreensão do que o consenso, assim como enfatiza o autor sobre o diálogo hermenêutico: O diálogo hermenêutico, como processo, não tem a pretensão de alcançar um acordo absoluto. O verdadeiro diálogo procura atender o outro, deixar valer seus pontos de vista, exercer um olhar imanente para entender o que ele quer dizer. Não existe domínio de um parceiro sobre o outro; toma-se uma postura de escuta, deixa-se o outro influenciar. [...] significa tomar o outro a sério, levar o outro em conta, reconhecer nele um legítimo interlocutor. (HAMMES, 2005, p. 88). Já ideia de solidariedade a ser desenvolvida no ambiente escolar, segundo os PCNs, deve estar muito próxima a de generosidade, doação, ajuda desinteressada. A participação no espaço público, na vida política, também são vistas como expressões de solidariedade posto que o exercício da cidadania não se traduz apenas pela defesa dos próprios interesses, mas passa necessariamente, afirmam os textos, pela solidariedade ao atuar contra injustiças sofridas por outros. Seguindo esse raciocínio, Gaudiano e Katra (2009) afirmam: [...] o cultivo de valores ambientais – respeito, responsabilidade, solidariedade, crítica, equidade, etc. – poderiam constituir um referente básico para uma exigência ética para os sistemas político-educativos, fator iniludível para fortalecer o desenvolvimento socioambiental. [...] Na medida em que se desenvolve um pensamento crítico-criador, de reflexão, de análise, fortalecem-se as atitudes e os comportamentos responsáveis, solidários, emancipatórios. (GAUDIANO E KATRA, 2009, p.58). A fim de desenvolver o valor solidariedade os PCNs indicam conteúdos a serem trabalhados: identificação de situações em que é necessária a solidariedade; formas de atuação solidária no cotidiano e em situações especiais; resolução de problemas da comunidade local por meio de ajuda mútua; providências corretas, como alguns procedimentos de primeiros 30 socorros; conhecimento da possibilidade de uso de serviços públicos como postos de saúde e polícia e formas de acesso a eles; sensibilidade e disposição para ajudar as pessoas. A seguir são colocados os critérios de avaliação que, segundo os textos, devem explicitar o essencial a ser aprendido pelo aluno e, ao mesmo tempo, servir de base para o trabalho do professor na criação de situações de aprendizagem que garantam aos educandos o desenvolvimento das capacidades necessárias à construção dos conhecimentos para que possam atuar pautados em princípios da “ética democrática”. Esses critérios deverão informar e orientar os alunos sobre seus avanços e dificuldades e não ser entendidos como “[...] índices de qualificação moral do aluno” (BRASIL, 1997, p.77). São eles: perceber e respeitar diferentes pontos de vista nas situações de convívio (incluindo também diferentes processos de aprendizagem); utilização do diálogo para comunicar-se na produção de ideias coletivas e na busca de soluções para problemas; buscar a justiça em situações conflituosas; atuar de forma colaborativa e sensibilizar-se por questões sociais que pedem solidariedade (em situações cotidianas ou que beneficiem outros mais distantes); conhecer os limites postos pela escola e participar da construção coletiva de regras que organizem essa vida em grupo (compreendendo as regras como instrumentos de organização da vida coletiva e asseguradoras da justiça e democracia); participar de atividades grupais de forma responsável e colaborativa; reconhecer diferentes modos de discriminação e injustiça. Ao final desse documento especificamente dedicado ao tema transversal Ética, são colocadas as orientações didáticas para o desenvolvimento dos quatro conteúdos anteriormente expostos a serem trabalhados no primeiro e segundo ciclos: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade. Sobre essas orientações Gonçalves (2007) pondera: O texto, agora, é destinado à instrução dos leitores, pois, após a defesa dos argumentos expostos até então, os professores foram convencidos da importância do tema e da legitimação dos princípios democráticos e certamente concordarão que cabe à escola educar moralmente os indivíduos [...]. Mais ainda, os docentes se identificarão como agentes transformadores da realidade escolar e social, entendendo que a escola se constitui um espaço propício para reflexão de questões éticas e desenvolvimento da arte de dialogar. (GONÇALVES, 2007, p.63). Sobre cada conteúdo são especificadas questões a serem desenvolvidas em dois grandes momentos de experiências escolares: o convívio escolar e a aprendizagem nas diversas áreas e temas. Irei me concentrar aqui nas diretrizes para o convívio escolar. A fim de desenvolver atitudes de respeito mútuo no convívio escolar é necessário que os educandos sejam tratados com respeito pelos professores e demais funcionários da escola, o que envolve, segundo os PCNs, tanto um tratamento respeitoso, quanto o empenho 31 para que eles aprendam os conteúdos das diversas matérias. Isso considerando que o ensino é uma ação ética, que, conforme salienta Casali (2007): [...] os conteúdos ensinados são supostamente pertinentes, relevantes e oportunos, de modo a munir aqueles educandos dos conhecimentos indispensáveis para seu pleno desenvolvimento cognitivo, emocional, estético, sensitivo-corporal, e na medida em que tais conteúdos tenham como última referência a perspectiva de produzir uma vida boa (correta e justa) para eles e para todos. (CASALI, 2007, p.81). Como a escola, em especial a pública, recebe um público bastante heterogêneo, configura-se esse espaço como um ambiente propício para que os alunos aprendam atitudes de valorização da dignidade humana e repúdio a qualquer tipo de discriminação. Para isso a intervenção do professor frente a atitudes de desrespeito às diferenças físicas, raciais, sexuais, e quaisquer outras, é fundamental. O educador, alerta o texto (BRASIL, 1997, p. 79), deve ter firmeza (transmitida fundamentalmente pela coerência entre seu discurso e prática) e não admitir tais atitudes fazendo com que os alunos percebam que a dignidade humana não é questão de opinião, mas sim princípio fundamental da ética e do convívio democrático. Lembrando que o próprio conceito de ser humano é bastante abstrato para ser assimilado pelos alunos dos dois primeiros ciclos, os PCNs advertem que é com exemplos concretos, especialmente com aqueles retirados de suas experiências de vida, que o aluno poderá, paulatinamente, formar a ideia de dignidade. São também ressaltados três objetivos específicos da escola: garantir a aprendizagem, o convívio em grandes grupos (o respeito pelo outro) e o zelo pelas dependências escolares (o respeito pelo que é de todos), fazendo com que os alunos compreendam as razões de ser das regras envolvidas nesses processos. Com a finalidade de atingir esses objetivos através do desenvolvimento do respeito mútuo é essencial que o professor incentive o trabalho cooperativo entre os alunos, posto que a capacidade de cooperar não é espontânea na criança, e deve ser desenvolvida gradativamente na escola. Para o desenvolvimento deste tema também são fornecidas algumas diretrizes para trabalhá-lo nas áreas de História, Geografia, Língua Portuguesa, Meio Ambiente, Orientação Sexual e Educação Física. Para o trabalho com o conteúdo justiça no convívio escolar os textos explicitam que é necessário que a escola seja uma sociedade justa onde os alunos, ao viver situações nas quais os critérios de justiça sejam aplicados, possam tomar consciência deles, assimilá-los e então internalizá-los. A fim de que a criança possa ampliar sua noção de justiça é preciso que sejam trazidas à reflexão situações em que a igualdade representa a justiça, mas também 32 situações em que as diferenças entre uns e outros determinam a equidade como representante da justiça. Salienta-se também no texto que as normas referentes ao comportamento e o que é exigido em termos de aprendizagem dos alunos devem ser claras e conhecidas por eles, não apenas com o professor expondo-as verbalmente, mas explicando-as e discutindo-as com eles, abordando não apenas seus deveres, mas também seus direitos. Mesma lógica deve seguir a avaliação, seus critérios e indicadores devem ser informados aos alunos, bem como sua razão de ser. A respeito das sanções, para seguirem o critério de justiça, segundo os textos, devem ser proporcionais e dar-se por reciprocidade ao “delito”. Ainda afirma-se que para legitimar o valor da justiça devemos considerar os aspectos da sensibilidade moral dos alunos não privilegiando qualquer deles, não desprezando suas competências e esforços e jamais considerando-os a priori (seja qual for seu histórico), como “desonestos e fingidos” (BRASIL, 1997, p. 85). Em seguida são fornecidas algumas orientações para trabalhar o tema nas áreas de História e Geografia. As diretrizes para o desenvolvimento do conteúdo diálogo apontam para a importância de, na relação professor-aluno, o primeiro se mostrar claro e objetivo e exigir de seus alunos a mesma clareza ao expressarem-se. Para a valorização deste conteúdo de ética, é preciso que a cada vez em que um conflito apareça se utilize o diálogo a fim de solucioná-lo, considerando que qualquer pessoa é digna de ouvir e ser ouvida (o que envolve o respeito mútuo) e procurando sempre uma resolução justa. Em seguida são colocadas algumas orientações para o trabalho do tema nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática. Finalmente, sobre o conteúdo solidariedade, os PCNs o admitem como intimamente relacionado com os valores de respeito mútuo, justiça e diálogo já abordados. Nessa perspectiva orientam que os alunos devem ser levados a praticá-la e a refletir sobre ela em conjunto com esses outros valores. O trabalho em sala de aula deve, portanto, não incentivar a competição entre os alunos, mas fazer com que se ajudem mutuamente a ter sucesso nas aprendizagens. Pensando em situações que demandem atitudes solidárias em que seja necessário saber como ajudar, o texto explicita a necessidade da escola instrumentalizar seus alunos para tal, além de sensibilizá-los também, aliando, afirmam, formação escolar e cidadania. 33 2.3 Sobre Moral e Ética e sua visão nos PCNs Gostaria de começar esse espaço dedicado a trabalhar alguns conceitos de moral e ética, trazendo brevemente a etimologia e o significado atribuído a essas palavras por algumas compilações. A palavra ética, segundo o dicionário oxford de filosofia (1997, p. 129), deriva do grego ethos (caráter) e refere-se ao “[...] estudo dos conceitos envolvidos no raciocínio prático: o bem, a ação correta [...]”. Entendendo-a também como uma ação reflexiva, o dicionário houaiss da língua portuguesa (2009, p. 847) a define como “[...] parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo esp. a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social." Já o vocábulo moral (idem, p. 1316) deriva do latim moraalis (relativo aos costumes) parece ser compreendida como relacionada a um conjunto de costumes sociais, ligada a sistemas que se baseiam em “[...] noções como o dever, a obrigação e princípios de conduta […]” (DICIONÁRIO OXFORD DE FILOSOFIA, 1997, p. 256) e também como “[...] cada um dos sistemas variáveis de leis e valores estudados pela ética, caracterizados por organizarem a vida das múltiplas comunidades humanas, diferenciando e definindo comportamentos proscritos, desaconselhados, permitidos ou ideais.” (DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2009, p. 1316). Dito isto, é possível depreender que ambas as palavras se encontram interligadas, embora não possuam o mesmo significado. Todavia os PCNs, como já referido anteriormente (BRASIL, 1997, p. 49), estabelecem que em seus textos moral e ética serão tratados como sinônimos, por isso é preciso distinguir esses conceitos. Vázquez (2008, p. 23) traz a seguinte definição: “A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.” Essa ideia de ética destaca seu caráter científico, fala da necessidade de uma abordagem científica dos problemas morais vividos em sociedade. Nessa abordagem a moral seria o objeto da ética, justamente porque, segundo o autor, a ética parte de fatos e atos humanos, na intenção de descobrir seus princípios gerais. A ética não dá origem à moral, mas sim depara-se com uma série de comportamentos e práticas morais que já estão em funcionamento num dado grupo e, partindo assim delas, procura determinar a essência daquela moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas que as envolvem, as fontes da avaliação moral, bem como a natureza, função e critérios de justificação dos juízos morais em vigor. 34 A moral, como já dito, é então o objeto da ética e diz respeito ao empírico, ao comportamento humano em si e suas regras adquiridas pelo hábito dentro de uma sociedade. Para o autor: A moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal. (VÁZQUEZ, 2008, p.84). Toda a moral, conforme Cortina e Martínez (2005) se enraíza em juízos morais: “isto é bom”, “aquele homem é honesto”. Sempre estou em ações morais julgando algo ou alguém, fazendo um juízo de coisas e pessoas conforme aprendi em dado grupo social. Os autores falam que há várias maneiras de se conceber a moral, e que a cada uma delas, corresponde, geralmente, uma teoria ética diferente que busca justificativas para a moral com a qual está interligada. Os diversos enfoques éticos proporcionaram algumas conclusões sobre a natureza da moralidade, de tal modo que podemos dizer que “a moral” foi e é entendida como um fenômeno que comporta algumas, várias ou todas essas características: a) A moralidade é o âmbito da realização da vida boa, da vida feliz [...] b) [...] é o ajustamento a normas especificamente humanas. c) [...] é a aptidão para a solução pacífica de conflitos [...] d) [...] é a assunção das virtudes próprias da comunidade a que se pertence [...] e) [...] é a assunção de alguns princípios universais que nos permitem avaliar criticamente as concepções morais dos outros e também da própria comunidade (CORTINA E MARTÍNEZ, 2005, p. 31) Embora a moral tenha esse caráter histórico e social, esses códigos determinantes não necessariamente levam o sujeito a refletir sobre o porque age ou deve agir assim, uma vez que a determinação dessas normas ocorre de forma externa ao indivíduo. Não existe, então, uma moral científica, ela é sim objeto da ciência. “A ética não é a moral e, portanto, não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode influir na própria moral.” (VÁZQUEZ, 2008, p. 24). Essa distinção entre ética e moral se assemelha às ideias de Prestes (2001) que afirma que toda e qualquer cultura e sociedade instituem uma moral que se constitui em valores referentes ao bem e ao mal, ao que é permitido ou proibido, e que essas normas e o julgamento moral se estabelecem dentro de um grupo independentemente de questões filosóficas. Sobre a ética a autora (idem, p. 15) considera que: Do ponto de vista filosófico, a ética interpreta, discute e problematiza valores morais e a fundamentação do agir moral. Ela nasce da reflexão dos costumes e se origina no espírito grego até chegar à tematização daquilo que chamamos bem viver ou bem agir. [...] De modo amplo, na tradição filosófica ocidental, a ética é a busca de uma compreensão racional dos princípios que orientam o agir humano. 35 Nessa perspectiva, a ética tem a função, segundo a autora, de indicar a ação humana a ser realizada de acordo com sua natureza racional e considerando-se o fim a que se destina qual seja a busca do bem viver e bem agir. A ética seria uma espécie de saber que serviria para indicar a melhor maneira de proceder, observando o que a filosofia julga como melhor critério: a razão. A razão aliás é concebida nos PCNs como fundamental para a apreensão da moral. Revela-se essa valorização da razão através da importância concedida ao raciocínio e à reflexão moral na resolução de dilemas apresentados aos alunos. Compartilhando de uma visão de outros autores já citados, Silveira (2000, p. 191) assinala que: “Ética é a reflexão sobre o ato moral, é a forma de fundamentar, legitimar as ações morais intersubjetivas. Reflete acerca do que se deve fazer em uma perspectiva coletiva e não puramente individual.” O autor analisa algumas relações entre ética e educação e compreende a ética como uma forma de validar os princípios normativos de uma sociedade dentro de um contexto educacional científico-tecnológico. Partindo das análises das relações supracitadas, o autor detecta uma ruptura entre ética e educação e afirma que isso acaba fazendo com que a ética seja interpretada como um conjunto de regras comportamentais, que orientariam o educando tanto no sentido de uma ética profissional (trabalhada na universidade) como de uma ética moralizadora (como a que possibilitaria o controle da indisciplina na escola). Essa ética moralizadora do ensinar a agir é bastante clara nos PCNs (BRASIL, 1997, p.49) quando afirmam que “[...] o objetivo deste trabalho é o de propor atividades que levem o aluno a pensar sobre sua conduta e a dos outros a partir de princípios [...]”. Esses princípios devem ser trabalhados em aula de forma que a criança guie todo seu agir em sociedade baseado naquelas ideias, através de uma “educação moral” ancorada na proposta de transversalidade e baseada na vivência social. Conforme Silveira (2000), a reflexão ética contemporânea visa: [...] ao estabelecimento de um mínimo comum para orientar a convivências nas sociedades plurais. Isto ressalta o papel primordial da educação no processo de formação dos indivíduos, pois pode oportunizar um local dialógico para possibilitar o estabelecimento da validade dos princípios que vão orientar esta mesma convivência em sociedade. (SILVEIRA, 2000, p.196). Parece ser justamente a isso que os textos dos PCNs relativos ao tema Ética se propõem, ou seja, estabelecer um mínimo comum de respeito, de justiça, de diálogo e de solidariedade que seja trabalhado em sala de aula para orientar as ações dos educandos em sociedades plurais. Embora os textos não declarem a adoção de nenhuma doutrina ética em específico, declarações como “[...] um currículo escolar sobre a ética pede uma reflexão sobre a 36 sociedade contemporânea na qual está inserida a escola; no caso, o Brasil do século XX” (BRASIL, 1997, p. 49) possibilitam depreender dessa preocupação central (já antes mencionada) com a cidadania, uma tendência neo-aristotélica em lidar com as questões éticas numa dimensão política. Segundo o autor: [...] a ética aristotélica é circunscrita ao horizonte da práxis, isto é, compreendida enquanto uma teoria [...], que tem seu desenvolvimento enquanto ética que estabelece a transição para a política, identificando seu princípio no homem enquanto agente da ação e que tem sua finalidade no próprio homem. (SILVEIRA, 2000, p.200). A respeito dessa ligação entre ética, política e educação Severino (2007) também faz algumas considerações. O autor afirma que na filosofia atualmente a ética tem lugar de destaque devido à dificuldade que os sujeitos ainda enfrentam para resolver os problemas de sua ação. Neste cenário a ética contemporânea tem buscado novos caminhos, tem tentado fundamentar o agir moralmente válido de maneiras diversas das apresentadas até então pela história da filosofia. Para tal considera o sujeito como histórico-social, determinado pelas condições objetivas de sua existência, mas, ao mesmo tempo, também atuando sobre elas por meio de sua práxis. Reiterando a fala acima dos PCNs em relação à necessidade de um currículo escolar sobre a ética exigir uma reflexão sobre a sociedade contemporânea na qual está inserida a escola, podemos inferir a existência de uma face política da ética: A ética adquire um dimensionamento político, uma vez que a ação do sujeito não pode mais ser vista e avaliada fora da relação social coletiva. Para julgar se uma determinada ação é boa ou má, não se pode mais deixar de avaliar se ela é justa ou não, ou seja, se ela contribui ou não para diminuir o coeficiente de poder dos homens entre si. É que nenhuma ação é mais puramente individual, todo agir é solidário no tecido histórico-social. Só é boa a ação que efetivamente contribuir para o aumento da igualdade entre os homens. Desse modo, na filosofia contemporânea, a ética se entrelaça, necessariamente, com a política, entendida esta como a área de avaliação dos valores que atravessam as relações sociais que interligam os indivíduos entre si. Mas a política, por sua vez, está intimamente vinculada à ética, pois ela não pode ater-se exclusivamente a critérios técnico-funcionais, caso em que se transformaria numa ética totalitária que sufocaria as pessoas, destruindo sua identidade e sua dignidade. (SEVERINO, 2007, p. 193). Compreendendo a ética então como fundamento do próprio existir humano, se pode vê-la como implicada na constituição social, portanto política, de uma comunidade, num âmbito não individual, mas público, que por sua vez refere-se ao que serve para todos, numa perspectiva de igualdade e justiça. 37 2.4 Algumas considerações sobre educação moral Neste trabalho a premissa é que a educação precisa se preocupar para além dos conteúdos, que é também seu papel formar indivíduos que sejam capazes de buscar e manejar por si próprios os conhecimentos que lhe sejam necessários. Todavia isso exige uma mudança de perspectivas do atual cenário educacional. Subirats (apud IMBERNÓN, 2000) lembra que a segunda metade do século XX trouxe uma aceleração nas mudanças técnicas com o desenvolvimento das indústrias e do trabalho assalariado que rompeu com a continuidade na herança das posições sociais e produziu seus efeitos também no campo educacional. Esse rompimento, onde os filhos já não ocupam mais o posto dos pais, deu lugar a um novo critério: o das titulações acadêmicas, o que fez com que o sistema educativo assumisse como função principal a expedição de títulos, criando hierarquias e selecionando a força de trabalho. O valor dos conhecimentos passou assim para um segundo plano, dando lugar ao valor de troca daquele conhecimento no mercado de trabalho. A ideia do que é preciso ensinar, o currículo, fica imerso num sistema educativo que se configura num verdadeiro campo de batalha entre grupos sociais que desejam cada qual maximizar suas oportunidades e vantagens. A mudança dos saberes tradicionais que embasavam o modo de produção, num primeiro momento, não acarretou a destruição de outros hábitos sociais, permanecendo o funcionamento da vida cotidiana atrelado à tradição herdada. O termo “moral”, nesse contexto, não deve ser tomado apenas no sentido dos valores, mas também dos hábitos. A aprendizagem das normas relativas à nutrição, à higiene, à saúde, às relações de todo o tipo, às formas de lazer, à participação política e cidadã fazem parte dos esquemas morais de uma sociedade. E esses esquemas são os que, durante muito tempo, continuaram mais ou menos vigentes, submetidos às rotinas, naturalizados. Aparentemente, faziam parte de algo dado pela natureza humana e, portanto, sua mudança era improvável. Sua aprendizagem tampouco necessitava de uma instância separada: a imitação familiar era suficiente. (SUBIRATS apud IMBERNÓN, 2000, p. 199) Todavia, o final do século XX configurou o momento atual onde as normas tradicionais caem em desuso pois já não dão conta da realidade criada, já não respondem todas as perguntas. Esse vazio alimentado pela falta de normas se abre para uma infinidade de respostas, das quais costuma-se aceitar mais as que chegam pelas vias científicas, borbulham respostas, mas que já não trazem a certeza e a legitimidade dantes vivida. Nesse cenário de ruptura com os modelos tradicionais, o que se vive é uma incerteza em relação às identidades, não há mais certeza das formas adequadas de ser e agir, e isso fatalmente impele a busca por 38 novos critérios morais e de socialização que não levem em conta apenas as necessidades mercadológicas. Aqui o sistema educativo tem lugar de destaque pois conforme Subirats (idem, p. 201), além de receber todas as críticas quando do comportamento violento da juventude, “[...] é o primeiro que deve defrontar-se com os comportamentos agressivos, a falta de motivação e a falta de projeto pessoal por parte das gerações mais jovens.” Ainda que a realidade social exija essa mudança de postura das escolas, ainda que os PCNs tragam toda uma proposta de trabalho com temas transversais como o meio ambiente, pluralidade cultural, ética; os discursos sobre valores, como lembra a autora, permanecem marginalizados nos programas de preparação dos docentes. Sobre esse tema voltarei mais tarde. Por hora quero lembrar que esse trabalho da escola sobre critérios de comportamento e normas sempre existiu, porém desenvolvia-se através do chamado “currículo oculto”, sem discutir que normas eram essas. Hoje se coloca a necessidade de um tratamento mais explícito sobre essas questões. Porém conforme lembra Subirats (apud IMBERNÓN, 2000), essa mudança de proposta exige uma transformação do sistema educacional baseada num debate social sobre uma nova moral não mais de conteúdos, mas de critérios; bem como na transformação da figura docente que precisa, segundo a autora, se desatrelar da função de “transmissor” de saberes, e ter um caráter intelectual mais próximo dos professores universitários no que tange à liberdade para a seleção de conteúdos e formas de trabalho. Dessa forma é possível dar maior espaço ao trabalho com valores, privilegiar a construção da autonomia dos educandos, onde eles possam reconhecer suas capacidades e se tornar sujeitos ativos e responsáveis na comunidade. Obviamente que esse percurso contará com obstáculos externos, de uma sociedade ainda baseada na competitividade e no economicismo, e também internos pois que essa transformação necessita de uma nova forma de ser professor, além de um deslocamento da ênfase nos aspectos curriculares, o que pode gerar insegurança em alguns profissionais. Porém essa mudança de postura é necessária uma vez que se entenda que a realidade atual grita por transformações que passam talvez por tirar da penumbra os saberes transversais e torná-los a estrela principal da peça. Quando falo em uma educação que trabalhe com valores, que privilegie a construção da autonomia moral dos educandos, estou falando de uma educação moral que se faz necessária pois que considero que a crise social atualmente vivida é também uma crise moral. Segundo Puig (et al., 2000, p. 16) a educação pode ser compreendida em duas linhas: como instrução e como formação. A educação é instrução “[...] na medida em que prepara os jovens para se adaptar e para melhorar o mundo dos saberes culturais, instrumentais e científicos” e é 39 formação “[...] na medida que prepara os jovens para se relacionar da melhor maneira com o mundo dos seres humanos”. Essa perspectiva de educação enquanto formação diz respeito à educação moral pois envolve aprendizagens complexas ligadas à capacidade de julgamento moral, valores e atitudes. Na visão do autor apenas pode-se falar em moralidade justamente por sermos seres indeterminados e termos a capacidade de orientar conscientemente nosso processo de aprendizagem: Dito de outra forma, a indeterminação refere-se, primeiro, ao não-acabamento ou não programação dos humanos e, segundo, à necessidade de que eles mesmos determinem como têm de concluir o processo de sua formação. Quer dizer, os seres humanos estão obrigados a decidir o que aprender, por que fazê-lo e, finalmente, que sentido darão àquilo que aprendem (PUIG, 1998, p. 26). Não é possível, portanto, conceber a educação moral como uma transmissão de valores ou virtudes. Segundo Goergen (2001): [...] a educação moral, no ambiente escolar, significa introduzir os educandos no contexto do debate ético com o objetivo de fomentar, por meio de um procedimento argumentativo/dialógico, a sensibilidade para questões morais e a formação de uma subjetividade como fórum de decisões práticas. (GOERGEN, 2001, p. 147). A ação pedagógica não vai de fato fazer com que ninguém se torne eticamente correto, mas seu papel é, através do diálogo e da reflexão, trabalhar moralmente as questões cotidianas que integram a comunidade. Sua função não é a internalização de normas corretas, segue Goergen, mas fazer com que os alunos compreendam que “[...] normas são necessárias como parâmetros de salvaguarda de princípios mínimos de convivência humana, como o respeito à vida, a dignidade do indivíduo, o respeito ao meio ambiente, e para aprender a lidar com esses princípios em circunstância concreta” (idem, p. 153). A educação moral deve proporcionar justamente essa liberdade de escolha do educando sobre o modo como deseja viver, ancorada num processo reflexivo que parta de suas relações interpessoais no sentido da construção de sua autonomia e consciência moral. O critério de moralidade é a vida, pois cada perspectiva moral forma-se diante da complexidade da própria vida, como uma entre outras possíveis. A moral é uma forma de aparência da vida e sua validade, ao contrário da pressuposição universal, depende de perspectivas (PRESTES, 2001, p. 77). Obviamente que, ao passo que a vida se dá em sociedade, não é possível “inventar” todas as regras do jogo, mas ser autônomo moralmente não se traduz nisso. A autonomia moral é construída na medida em que se constrói a compreensão dos reais conteúdos das regras morais, os porquês das atitudes sociais, nos momentos em que há a conscientização da importância de certas regras para o bem-estar coletivo. 40 Sobre a formação Araújo (2000, p. 96) considera que ela deve ter como objetivo “[...] o desenvolvimento de competências para lidar com a diversidade e o conflito de ideias, com as influências da cultura e com os sentimentos e emoções presentes nas relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo à sua volta”. Para esse desenvolvimento é essencial, portanto, que a educação moral não apenas transmita regras sociais para que sejam seguidas, mas também que questione e critique algumas normas estabelecidas propondo novas formas de agir e pensar. Para que se possa trabalhar em sala de aula esses questionamentos, admitindo que a escola é um ambiente moral, é preciso fazer com que as regras e normas saiam do chamado currículo oculto e sejam amplamente discutidas com os educandos, fazendo assim com que o ambiente democrático saia do discurso e possa ser vivenciado no cotidiano escolar, contribuindo para a formação da autonomia intelectual e moral dos alunos. Isso porque: Em primeiro lugar porque me parece inconcebível que instituições nas quais as crianças e os jovens passam anos e anos possam não se preocupar com dimensões da vida que vão além da aprendizagem de determinadas disciplinas. E, em segundo lugar, porque os próprios conhecimentos transmitidos na escola são portadores de sentido que transcendem a especificidade de cada matéria. A escola é uma verdadeira usina de sentidos, sentidos de vida (ética) e de convivência (moral), e não há outra instituição social de que se possa dizer o mesmo (LA TAILLE, 2009, p. 76). Assim é impossível que as escolas se abstenham de transmitir princípios e valores pois que estão impregnados nas regras e conteúdos, porém é preciso explicitá-los se o desejo é que os alunos vivam relações mais democráticas, o que certamente contribuirá para sua emancipação moral. Aqui é preciso esclarecer a distinção que La Taille (2006) faz entre regras e princípios. As regras são, em sua concepção, formulações que tratam do que fazer ou não; já os princípios são o espírito das regras, a origem da formulação das regras. Tendo como base esses princípios o autor faz uma crítica (2009) ao afirmar que a quantidade demasiada de regras a cumprir não leva ao desenvolvimento do sentimento de obrigatoriedade que é necessário ao dever moral. Isso é observável em algumas escolas quando o início da discussão sobre a formação moral dos alunos e a busca para concretizá-la leva as crianças para um ambiente de eterna formulação de regras onde pouco se discute com os alunos sobre os princípios que norteiam a escola e suas normas. Para que a escola possa realizar um trabalho de educação moral com seus alunos é preciso garantir espaço para uma prática moral através de vivências reais nas relações entre iguais, assim como é seu papel colocar em discussão as questões morais cotidianas pelas quais os educandos passam para que possam, em grupos, resolver por eles mesmos, através do 41 diálogo e da reflexão continuada, seus conflitos morais. A fim de colaborar com esses processos o professor deve carregar em sua organização e execução do trabalho pedagógico a marca da autonomia, encorajando o aluno a ser mais cooperativo e a autorregular seus comportamentos a partir de princípios construídos entre os pares. Tugendhat (2003, p. 272) fala da necessidade de uma motivação moral para o trabalho dessas questões com os alunos afirmando que “[...] é preciso partir de uma determinada hipótese sobre o bem-estar, que pareça plausível. Nesta perspectiva poderia ser perguntado, o que não é necessário, pelas condições sociais para este bem-estar (e assim para a formação da motivação moral).” O autor faz algumas considerações sobre moral vendo-a também como respeito ao outro, vendo a atitude moral como forma fundamental de assentimento, aceitação desse outro, processo que pode iniciar nas relações mais próximas e deve se estender a todas as que o educando venha a manter: Mesmo se uma criança inicialmente apenas é introduzida na atitude moral no contexto das pessoas de relações mais estreitas, e também quando neste contexto ela se vê primeiramente motivada para a aceitação da atitude moral pelo interesse na confiabilidade destas relações, o tipo de visão moral, conforme o seu sentido, é então contudo referido a todos. Cada pessoa está livre para delimitar como quiser o domínio da motivação moral, mas não o da atitude moral (idem, p. 279). Compartilhando de alguns pensamentos dos autores citados posso afirmar que é finalidade da educação moral auxiliar a pensar criticamente o mundo em que vivemos e refletir sobre as normas necessárias à convivência, no intuito de contribuir para a construção de formas mais justas e melhores para a vida em sociedade. A educação moral quer colaborar com os educandos para facilitar o desenvolvimento e a formação de todas aquelas capacidades que intervêm no juízo e na ação moral. [Desse modo] serão capazes de orientar-se de forma racional e autônoma naquelas situações em que lhes é apresentado um conflito de valor (PUIG, 1988, p. 18). Uma forma pensada para que a educação moral ocorresse de fato em todas as escolas, de forma transversal e não mais concentrada em uma disciplina, deu origem ao volume Ética dos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborado pelo Governo Federal e direcionado a todas as escolas brasileiras. Trabalhar a ética como tema transversal tende a colaborar para uma formação mais integral dos alunos pois, segundo La Taille (2009, p. 254), “[...] a transversalidade corresponde a uma proposta educacional inteligente, rica e generosa e que, no caso da educação moral, apresenta muitas vantagens.” 42 Apesar dessa inteligência da proposta educacional transversal, os PCNs são diretrizes e se não for concretizado um trabalho em contato direto com os problemas reais da comunidade na busca de soluções dentro da escola para eles, será muito difícil colaborar para uma mudança de postura e valores de professores e alunos, instigando a perpetuação de uma grande distância entre o que é proposto e o que realmente é feito nas escolas. 2.5 A respeito dos valores e da moral social Se estivesse eu aqui centrada em refletir sobre os problemas educacionais como um todo, inevitavelmente chegaria, hora ou outra, na questão dos valores; quanto mais se o foco deste trabalho é a formação ética e moral. Neste sentido Saviani (2007) afirma que a educação deve estar voltada para a promoção do homem: Uma vez que a experiência axiológica é uma experiência tipicamente humana, é a partir do conhecimento da realidade humana que podemos entender o problema dos valores. E como a educação se destina (senão de fato, pelo menos de direito) à promoção do homem, percebe-se já a condição básica para alguém ser educador: ser um profundo conhecedor do homem. (SAVIANI, 2007, p.44). O homem é um ser condicionado por fatores de duas ordens: naturais e culturais. É pois, como afirma o autor, um ser “situado”, tendo em vista que só pode sustentar-se e desenvolver-se a partir de um contexto determinado. Considerando os contextos nos quais ocorre esse desenvolvimento humano Saviani (2007) afirma que o valor pode ser entendido como sendo uma relação de não-indiferença estabelecida entre o homem e os elementos com os quais se defronta. Sendo o homem, situado, porém não determinado, tem autonomia e liberdade para agir no meio, e a cultura não é senão essa transformação operada e seus resultados. Para que haja essa operação sobre o meio a educação tem papel fundamental pois sua missão de promover o homem significa capacitá-lo para que cada vez mais conheça os elementos de sua situação a fim de que possa intervir nessa realidade transformando-a. Essa tarefa da educação permite, segundo o autor, perceber a função dos valores em nossa vida. Os valores indicam as expectativas, as aspirações que caracterizam o homem em seu esforço de transcender-se a si mesmo e à sua situação histórica; como tal, marcam aquilo que deve ser em contraposição àquilo que é. A valoração é o próprio esforço do homem em transformar o que é naquilo que deve ser. (SAVIANI, 2007, p. 46). Ao passo que os valores indicam aquilo que deve ser, colocam os homens diante do problema dos objetivos e, se considero, como o autor, que a educação visa a promoção do 43 homem, são justamente as necessidades humanas que deverão determinar os objetivos educacionais. Os valores são constituídos socialmente e falar em ética implica necessariamente falar em deliberação, escolha, capacidade de discernimento, os quais são desenvolvidos baseados nos valores. Aqui cabe uma lembrança de Tugendhat: “Somente aquele que tem uma boa medida de avaliação, que sabe julgar bem, sabe reconhecer num caso individual quando e como algo deve ser tratado generosamente” (TUGENDHAT, 2003, p. 230). Enquanto ser autônomo e livre, escolho, modifico, construo, estabeleço relações com o mundo, com as coisas, com as ideias, sou pessoa em relação com outras pessoas e com os objetos num mundo de valores criados. Mussak (2002) identifica quatro valores que guiam o pensamento humano: o belo (representado pelas artes, música, cuidados com o corpo), o verdadeiro (a busca da verdade em todas as áreas, o conhecimento), o bom (relacionado à construção da moral, da ética e da compaixão) e o útil (valor mais moderno e cada vez mais procurado, busca para tudo um propósito prático e imediato). Segundo o autor acima citado as sociedades historicamente vão mudando a relação entre esses valores e sua sequência ideal. Se na Grécia antiga a sequência perfeita era: o belo, o verdadeiro, o bom e o útil; “Hoje vivemos o império do útil, seguido do belo e do bom. Deixamos o verdadeiro para o final [...]. Parece que a regra vigente é esta: se for útil não precisa ser verdadeiro e se for belo não precisa ser bom.” (idem, p.30). O desequilíbrio vivido atualmente entre esses quatro pilares é que traria portanto a decadência de um grupo social. Os valores, podemos então entendê-los como algo atribuído a um objeto, a alguma coisa. Tugendhat (1996, p. 50) afirma também que “[...] quando se fala ‘bom’ estamos diante de uma escolha, e quase sempre que estamos diante de uma escolha, não se trata de uma resposta-sim-ou-não, mas sim de uma escala”. Dentro dessa escala o que considero “bom”, no caso da moral, deve ser, segundo o autor, o que está de acordo com a excelência, ou seja, deve carregar fundamentos objetivos para que possa preferi-lo. Considerar alguma coisa “boa” é dar a ela um valor e segundo Aranha e Martins (1998, p. 117): Valorar é uma experiência fundamentalmente humana que se encontra no centro de toda escolha de vida. Fazer um plano de ação nada mais é do que dar prioridade a certos valores, ou seja, escolher o que é melhor (seja do ponto de vista moral, utilitário, etc.) e evitar o que é prejudicial para atingir os fins propostos. A consequência de qualquer valoração é, sem dúvida, dar regras para a ação prática. Se o ar é um valor para o ser vivo, é preciso evitar a poluição que compromete a qualidade desse bem indispensável. Se a credibilidade é um valor, não podemos mentir o tempo todo, caso contrário as relações humanas ficam prejudicadas. Portanto, diante daquilo que é, a valoração orienta para o que deve ser. 44 A partir dessa perspectiva do dever ser construo normas e regras de conduta baseados (no caso da discussão ética) em juízos de valor moral, pois que aqui não se trata do que posso ou não fazer, mas sim do que devo fazer. Tendo presente que, como já referi anteriormente, sou ser autônomo e livre, construo e transformo minha realidade e história, Oliveira (1993) lembra da responsabilidade pelo que faço de mim e do mundo: Se o homem não é um ser fixado, mas à conquista de si mesmo, que se efetiva à medida mesma que constrói seus mundos históricos, que configuram as ‘relações’ fundamentais, que constituem seu ser, se suas potencialidades são chamadas à efetivação a fim de que ele mesmo seja, então é a responsabilidade originária do homem em relação a si mesmo que faz emergir a pergunta pelos critérios de sua ação no mundo. (OLIVEIRA, 1993, p.154). E lembra também Tugendhat (2003, p. 237) “[...] quem tem qualidades de caráter que o impedem de se comportar responsavelmente, também não está na condição de comportar-se responsavelmente diante de outrem.” Essa atitude de responsabilização pelo que faço de mim e do mundo é imperiosa em face da crise de valores vivida atualmente. Morin (2001) fala do distanciamento que as pessoas estão vivendo em virtude da mundialização. Esse processo faz com que eu transfira a atenção dada às pessoas para a atenção dada a uma sociedade globalizada. Com isso as pessoas acabam perdendo sua identidade e, em consequência, também seus valores. Alerta o autor: Devemos relacionar a ética da compreensão entre pessoas com a ética da era planetária, que pede a mundialização da compreensão. A única verdadeira mundialização que estaria a serviço do gênero humano é a da compreensão, da solidariedade intelectual e moral da humanidade. (MORIN, 2001, p. 102): Sobre essa crise de valores também fala Goergen (2001, p. 159) afirmando que o tema da ética tornou-se central na reflexão pedagógica atual e que essa preocupação é oriunda dos problemas ecológicos e comportamentais atuais. A origem desses problemas seria, conforme o autor, resultado de uma grande intervenção científico-tecnológica e da desestabilização dos valores tradicionais que orientavam a relação dos homens tanto com a natureza quanto com seus pares. Assim, é categórico ao afirmar (idem) que qualquer projeto de formação moral “[...] exige impreterivelmente o estabelecimento de princípios universais mínimos que sejam vinculantes para todos”. Endossando a visão dos autores acima e ressaltando o papel da educação na construção de valores morais que possam ajudar a transformar a realidade, Martinelli (1998) considera que a maior parte dos problemas sociais, políticos, econômicos e administrativos vividos nacionalmente originam-se no fato de os dirigentes terem sido educados num sistema 45 que almejava o sucesso econômico e profissional a qualquer custo, o que acabou por gerar individualismo, corrupção e violência tanto nas instituições quanto na população em geral. No entanto, os PCNs talvez estejam trazendo apenas uma nova proposta de trabalho, pois ao olhar para o contexto educacional é fácil perceber que o pensar a moralidade não é algo tão novo. A disciplina “Moral e Cívica”, nas décadas de 80 e 90 apresentava a declarada intenção de ensinar comportamentos morais na escola, se servia do espaço para inculcar nos alunos também alguns valores políticos. Semelhante trabalho era realizado nas disciplinas de religião (embora apenas dessem destaque para a religião católica) onde eram reforçados valores relacionados ao amor ao próximo e à solidariedade. Esse quadro inclusive colaborou para que se estabelecesse também na escola um estreito vínculo entre a religião e a moralidade. A criação dos PCNs, em 1997, com um capítulo inteiro dedicado ao tema Ética, comprova que ainda hoje é vívida no currículo escolar uma preocupação com a formação de valores. Esses textos destacam que tal preocupação deve se fazer presente em todas as disciplinas curriculares mediante um ensino transversal que contemple, concomitantemente aos conteúdos dessas disciplinas “[...] a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidade em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental” (BRASIL, 1997, p. 15). Para que possa realizar tal trabalho é necessário que a escola traga para ser trabalhada em sala de aula a vida, o cotidiano de seus alunos. Nessa proposta dos PCNs parece muito claro que, diferentemente das disciplinas de Religião e Moral e Cívica, não se propõe a pregação de valores religiosos ou ideologias políticas. É pois hoje atribuído à escola o papel de fazer a inserção do aluno num mundo de normas e regras que possam auxiliar os alunos a compreender como se deve viver, mas ao mesmo tempo, ao adentrar na tarefa de qualificar valores que lhes permitam escolher que vida desejam para si, trabalhar a expansão de seus horizontes através da transformação desses valores em critérios que orientem seu comportamento e auxiliem a tomar decisões e elaborar juízos de valor; na intenção de que eles possam também contribuir para a mudança da realidade vivida. Pois bem disse Puig (1998, p. 66) que a educação em valores pode ser resumida em “aprender a viver” consigo, com os outros, com o mundo. Todavia, se sou ser livre e autônomo, a tarefa de trabalhar valores pode ser árdua e, nesse sentido, Morin (2001, p. 40) questiona: “[...] como fundamentar uma ética com base nesta liberdade individual, quando os valores estão distribuídos de maneira absolutamente heterogênea, ou seja, quando uma mesma concepção do bem, da solidariedade e do mal não é compartilhada por todos?” Como tentativa de resposta o autor (idem, p.41) pondera que essa 46 ética precisa ser iluminada por uma fé “Esta fé não é necessariamente uma fé religiosa, no sentido tradicional. Pode-se falar da fé na fraternidade, da fé no amor, da fé na comunidade; elas são não o fundamento da ética, mas sua fonte de energia, aquilo que vai alimentá-la.” Isso envolve conceber que o trabalho com valores precisa abordar questões profundas e cotidianas que envolvem o amor e o espírito de comunidade na tentativa de que quando houverem conflitos e contradições éticas (que certamente ocorrerão) esses sentimentos possam guiar tomadas de decisões, o que implica numa necessidade de trabalho contínuo: Isto significa que é absolutamente necessário à auto-ética um trabalho constante de autoconhecimento, de auto-elucidação e, eu diria mesmo, de autocrítica. [...] A autoética não nos é dada. Precisamos construí-la, e eu penso que este problema de construção implica um problema de educação fundamental, talvez desde o início da escolaridade (MORIN, 2001, p. 44). Como relatado anteriormente, a disciplina de Religião, ao trabalhar valores como a solidariedade e o amor ao próximo, contribuiu para que a moral e a religião permanecessem em estreitos laços através da educação escolar até um período muito recente. Essa ligação é bastante antiga e provém de questões surgidas no período medieval a respeito do elo entre ética e religião. Essas questões acabaram por eclodir na Inglaterra do século XVIII a discussão sobre moral social. Sobre esse conceito Carvalho (1998, p. 77) esclarece que “[...] a moral social tem como base a cultura ou a objetivação de certos valores”. E completa diferenciando-a da moral individual “[...] não parece haver simetria perfeita entre ambas, ou melhor, entre a moral individual que obriga imperativamente a consciência e os princípios coletivamente construídos” (idem, p. 177). A partir então dessa discussão iniciada com os ingleses do séc. XVIII é que vai se tornar “[...] possível separar a moral individual da social, facultando a esta última fundamentação teórica de base racional e laica” (PAIM; PROTA; RODRIGUES, 1998, p. 42). A origem do problema está no fato de que a religião “engolia” a ética, afirmando que a felicidade apenas poderia ser encontrada na perspectiva de uma vida eterna ao lado de Deus, contrariando o pensamento grego expresso por Aristóteles de que a felicidade no aqui e agora é fruto de uma postura ética e política no mundo. Essa postergação da felicidade contribuía para uma maior aceitação da população em relação ao determinismo social que denotava a impossibilidade de mudanças neste mundo, decretando pois, que se nascia e morria exatamente na mesma condição e classe socioeconômica, e a felicidade era coisa para outro mundo. 47 É preciso tornar claro que apesar da dedicação na busca em construir bases que pudessem dar sustentação a uma moral social, o caminho traçado pelos ingleses da época permaneceu mantendo a moral individual estreitamente ligada à religião. E mesmo essa construção de uma moral social consensual foi bastante penosa: O projeto em causa foi sendo constituído progressivamente, partindo de alguns valores básicos, formadores da tessitura social, que facultaram os referenciais a partir dos quais foram sendo incorporados os novos costumes. Assim, o estabelecimento de moral social do tipo consensual não caiu do céu, representando uma conquista árdua. Na primeira metade do século XVIII, na medida em que se reduz na Inglaterra a intensidade da disputa religiosa, eliminada qualquer possibilidade da chegada de um rei católico e aberto o caminho à prática do sistema representativo, ocupa um lugar crescente no seio da opinião o interesse pela moralidade pública (PAIM; PROTA; RODRIGUES, 1989, p. 43). Essa conquista da moralidade consensual permitiu que os ingleses da época estabelecessem seu projeto de sociedade onde não mais seria aceita a imposição de uma moral pública de modo absoluto pela Igreja. O projeto trouxe à tona questões como o combate ao moralismo e à intolerância religiosa, além de exaltar a liberdade, inclusive de pensamento. Sobre essa construção Carvalho (1998) também ressalta percalços e sua importância: A dificuldade acima apresentada revela que, o reconhecimento amplo da liberdade do existente, ou melhor, o entendimento que o homem somente realiza o que é quando é capaz de escolher o seu caminho, foi muito importante para o estabelecimento de uma moral social consensual. O respeito à liberdade permitiu entender o homem como pessoa, isto é, realizador de um projeto pelo qual se torna merecedor de respeito. (CARVALHO, 1998, p.175). Dadas as considerações é possível pensar que a construção de uma moral social consensual pode ter funcionado muito bem na Inglaterra, que tem toda uma formação e tradição diferente da brasileira, mas que no Brasil esse projeto não seria passível de realização. Contudo tenho de ter em conta que para estabelecer mudanças sociais é preciso modificar a mentalidade cultural das pessoas e para tal a educação se configura como possibilidade na medida em que busque formar pessoas autônomas e livres, pessoas que tenham ferramentas para compreender a fundo sua estrutura social e além, que estejam instrumentalizadas a realizar mudanças. Talvez esse seja o maior desafio e a maior urgência, nesse sentido Carvalho (1998, p 101) afirma que para que haja avanços na busca de soluções para os problemas sociais atuais é preciso considerar “[...] a importância de constituir uma moral social consensual e laica, ampla o bastante para orientar a conduta do homem em grupo e propiciar o convívio pacífico entre os povos” e segue apontando que o cerne das dificuldades sociais contemporâneas reside na “[...] urgência de pensarmos a dignidade e os valores do homem.” 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Nesse espaço irei informar as características gerais do trabalho, a abordagem filosófica que segui em minhas interpretações, os meios que utilizei para realizar o estudo, os instrumentos necessários para a realização da coleta de dados, como foi feita a triangulação e análise desses dados, os procedimentos éticos envolvidos, além de apresentar o contexto pesquisado. 3.1 Contexto pesquisado Para traçar um panorama sobre o alcance da visão de ética e moral dos PCNs em sala de aula e sua influência na formação do ambiente ético e moral naquele espaço, observei as classes do 1º e 2º ciclos do ensino fundamental (1º a 5º anos) das escolas pertencentes à rede municipal da cidade de Frederico Westphalen/RS localizadas na zona urbana do município. As (os) professoras (es) escolhidas (os) para colaborar com a pesquisa foram as (os) responsáveis pelas turmas de 1º a 5º ano do ensino fundamental da rede mencionada durante o período de 2012 e 2013. Assegura-se que todos os atores tiveram ampla liberdade de não querer participar. Do total dos vinte e quatro professores que se encaixavam nos quesitos acima, cinco recusaram o convite de participação, portanto essa pesquisa foi realizada com dezenove professores. Saliento que os alunos não foram atores dessa pesquisa, que tem como colaboradores apenas os professores que trabalham com as referidas turmas, pois, como já afirmado anteriormente, interessava-me saber se a visão de ética e moral que apresentam os PCNs influenciam a formação do ambiente ético e moral da sala de aula a partir do trabalho dos docentes naquele espaço. A opção em situar a pesquisa nas escolas urbanas da rede municipal de ensino do município de Frederico Westphalen/RS foi realizada pois gostaria de ter como foco da investigação as escolas ligadas especificamente ao munícipio e privilegiei as localizadas na zona urbana pela facilidade do acesso no trabalho de campo. 49 3.2 Caracterização do estudo Para essa pesquisa escolhi como método de estudo um enfoque qualitativo. Segundo Flick (2004), hoje em dia, as metodologias qualitativas já não são vistas em contraposição aos métodos quantitativos, mas como enfoques diferentes e necessários no campo da pesquisa social empírica. Quando aludo a esse aspecto tenho por referência o que afirma Lampert (2000): [...] por qualitativo entendemos o que exprime ou determina qualidade, um atributo ou condição das coisas ou das pessoas, capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza. [...] Seu forte é ter o aspecto sensível, que não pode ser medido e apresentar uma categoria fundamental: o pensamento. (LAMPERT, 2000, p. 96). A pesquisa qualitativa, então, é fundamentalmente subjetiva e interage com as pessoas, suas subjetividades, suas relações com o meio e com outras pessoas. Utilizei a pesquisa qualitativa com a pretensão de analisar as situações dos contextos pesquisados apoiada em uma visão mais abrangente sobre as informações obtidas. Como afirma Cauduro (2004): Já a pesquisa qualitativa é aquela que procura explorar a fundo conceitos, atitudes, comportamentos, opiniões e atributos do universo pesquisado, avaliando aspectos emocionais e intencionais, implícitos nas opiniões dos sujeitos da pesquisa, utilizando entrevistas individuais, técnicas de discussão em grupo, observações e estudo documental. É fundamentalmente subjetiva. (CAUDURO, 2004, p.20). Para Taylor e Bogdan (1998) a abordagem qualitativa se caracteriza por produzir dados descritivos: as próprias palavras das pessoas participantes, bem como a sua conduta, são levadas em consideração na investigação. As pessoas, os cenários ou os grupos não são reduzidos a variáveis, são considerados como participantes, atuantes no contexto próprio. Essa abordagem busca, portanto, uma visão do todo ao analisar várias questões sobre o contexto que está sendo pesquisado, e, em face disto, acredito ter sido o caminho mais apropriado para realizar minha investigação. Afirmo isto pois, ao procurar saber se a concepção de ética e moral contida nos PCNs está sendo trabalhada em sala de aula, precisei levar em conta vários aspectos relacionados à subjetividade dos professores, sua formação, seus interesses, suas concepções do tema, suas condições de trabalho, etc. Essa pesquisa, além de seguir pelo viés qualitativo, apresenta também um cunho descritivo interpretativo. Conforme Cauduro (2004) ele envolve a descrição e interpretação dos fenômenos sociais ou educativos e procura pelos significados e intenções das ações humanas. 50 Além disso é interpretativa porque as intenções e as ações dos colaboradores são alvo de interpretações, e descritiva porque além de descrever as palavras das pessoas envolvidas, visei narrar os acontecimentos e explicar suas razões, pois, partindo dos fenômenos observados, procurei descrevê-los, classificá-los e interpretá-los. Conforme Rudio (2003): Estudando o fenômeno, a pesquisa descritiva deseja conhecer a sua natureza, sua composição, processos que o constituem ou nele se realizam. Para alcançar resultados válidos, a pesquisa necessita ser elaborada corretamente, submetendo-se às exigências do método [...]. (RUDIO,2003, p. 71). Em meu estudo escolhi trabalhar com a pesquisa descritiva pois a considero como a mais adequada tendo em vista que busquei investigar dentro de grupos específicos como são trabalhadas questões éticas e morais. Considerando também que tive de realizar observações, fazer alguns registros para poder analisar e interpretar os fatos ocorridos, além de nessas observações procurar sistematizar características e comportamentos desses grupos em relação ao tema ética, a pesquisa descritiva destaca-se como, de fato, mais apropriada. 3.3 Abordagem filosófica Como abordagem filosófica, dentro da pesquisa qualitativa, esse trabalho se guiou pela linha hermenêutica. A hermenêutica é a ciência que estabelece os princípios, leis e métodos de interpretação. As interpretações se voltam para as experiências e essas são continuamente refeitas e reinterpretadas e se constituem a base da hermenêutica. Domingues (2004, p. 345) afirma que a hermenêutica surgiu como uma “reflexão teórica-metodológica acerca da prática de interpretação dos textos sagrados, clássicos (literários) e jurídicos (leis)”. Atualmente, diz respeito a um vasto campo com diferentes objetivos, posições filosóficas e métodos de interpretação de textos. Segundo Weller (2007) a hermenêutica busca fazer da “compreensão” um método científico de construção do conhecimento, ou seja, transformar o conhecimento pré-reflexivo em conhecimento teórico. Segundo a autora, os objetos estudados devem compreender, além dos textos literários, as expressões ou interações estabelecidas no processo de comunicação diária, que durante a investigação são coletadas através de entrevistas narrativas e gravações em vídeo, por exemplo. É necessário que a hermenêutica, enquanto abordagem de pesquisa, busque reconstruir os processos interativos que fazem parte da construção social da realidade. 51 Esteban (2003) coloca que as discussões sobre as influências positivistas nas ciências humanas, bem como as críticas às categorias estabelecidas nas ciências exatas e, posteriormente, adotadas pelas ciências humanas, contribuíram para o reconhecimento da hermenêutica como aporte metodológico para a pesquisa de cunho qualitativo no campo educacional: Empezó a reconocerse la hermenéutica como una filosofia que permitía fundamentar y legitimar aproximaciones interpretativas a través de métodos de investigación que se centraban en la comprensión y el significado en contextos específicos. Ese reconocimiento fue la consecuencia da la polémica suscitada en la segunda mitad de nuestro siglo acerca de los límites del programa propuesto por el positivismo lógico y de la consecuente necesidad de fundamentos filosóficos y epistemológicos alternativos para la investigación educativa. (ESTEBAN, 2003, p. 61) O desenvolvimento da hermenêutica foi de fundamental importância para o surgimento de metodologias e métodos de análise qualitativa de dados empíricos a partir da segunda metade do século passado, mas ainda sua utilização nas pesquisas no campo educacional continua pouco explorada até agora. A hermenêutica procura captar o sentido do discurso, situa-se na existência da linguagem, é nela e por ela que se processam os significados. Conforme afirma Ghedin (2004): Mais do que tudo, a hermenêutica é este esforço humano de compreender a sua própria maneira em que compreende. Ela se processa na direção do sentido que significa a própria existência humana no mundo. Este horizonte, que não é imaginário, mas a busca de compreender como o ser humano significa a si próprio e a realidade que se coloca diante dele. O pensar da hermenêutica é uma busca da razão das significações do ser. (GHEDIN,2004, p. 2). O discurso é, para a hermenêutica, um modo de traduzir a imagem do real, não é a própria realidade, mas a fala dela. Seguindo uma abordagem hermenêutica poderíamos dizer que o texto é a mensagem, a fala, o discurso das pessoas; o contexto do texto passa a ser o contexto social-político-econômico-cultural-vital dos colaboradores que fazem a experiência do processo educativo, como uma formação crítica ou como alienação. Nessa perspectiva, afirma ainda Ghedin (idem), o pesquisador é o intérprete da realidade que se expõe diante dele. O próprio pesquisador está cheio de realidades, teorias e experiências que se defrontam com outras realidades, teorias e experiências que são constitutivas de uma determinada visão de mundo que implica o processo de investigação. O pesquisador possui uma espécie de pré-compreensão do real, mas só a relação que se estabelece entre os participantes possibilita uma outra compreensão. Para Gadamer (2005): [...] a atualidade do fenômeno hermenêutico repousa, [...], no fato de que é só pelo aprofundamento no fenômeno da compreensão que se poderá alcançar uma tal legitimação. [...] a compreensão se nos apresenta como uma experiência superior, 52 que nos permite distinguir facilmente o que há de aparente no método histórico próprio da investigação da história da filosofia.(GADAMER,2005, p.30). Gadamer (idem) também dispõe que a compreensão daquilo que alguém diz se dá através da linguagem, pois, é através dela que se darão os acordos entre o entrevistador e o entrevistado. Por mais que o pesquisador tente desvendar as verdades obscuras do diálogo, haverá casos em que não se poderá descobrir os aspectos do diálogo com profundidade. Neste caso caberá ao pesquisador tomar partido e dizer como compreende. [...] a linguagem é o medium universal em que realiza a própria compreensão. A forma de realização da compreensão é a interpretação.[...] Todo compreender é interpretar, e todo interpretar se desenvolve no médium de uma linguagem que pretende deixar falar o objeto, sendo, ao mesmo tempo, a própria linguagem do intérprete” (GADAMER, 2005, p. 503). Embasada nessa abordagem procurei interpretar tanto o que os textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) trazem sobre visões de ética e moral a serem desenvolvidas, quanto investigar que concepções estão presentes nas práticas dos docentes. Minhas interpretações sobre como estão sendo trabalhadas nas salas de aula as questões éticas e morais estiveram voltadas para as experiências vivenciadas por aqueles grupos nos seus contextos específicos. Intentei investigar o assunto consciente de que, como intérprete de dada realidade, também sou eu mesma composta por várias realidades e experiências, e que minha relação com esses outros possibilitará uma nova compreensão dessa realidade através de uma busca de significados não só dos textos, mas das interações na comunicação diária entre alunos e professores. 3.4 Pesquisa de campo Em relação aos meios, procedimentos técnicos ou à estratégia, essa pesquisa é classificada como pesquisa de campo, visto que se desenvolveu no espaço educacional real dos colaboradores desse estudo. Denzin e Lincoln(apud LAMPERT, 2000) apontam que a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa e naturalista de seu objeto de estudo. Isso significa que pesquisadores qualitativos estudam coisas em seu cenário natural, por isso utilizei como meio de investigação a pesquisa de campo. Esse tipo de investigação envolve a observação dos 53 fatos tal como eles acontecem espontaneamente e procura perceber e estudar as relações estabelecidas entre os participantes. Para esse estudo me dirigi às escolas selecionadas pois somente in loco poderia estar apta a analisar se naqueles locais a proposição de trabalho com o tema transversal Ética, proposto pelos PCNs, está influenciando a formação ética e moral dos envolvidos. Com o intuito de realizar essa investigação necessitei utilizar alguns instrumentos para coletar os dados, os quais estão descritos a seguir. 3.5 Instrumentos de coleta de dados Em relação aos instrumentos qualitativos para a coleta de informações utilizei: a observação direta das aulas a fim de acompanhar como ocorre o desenvolvimento do trabalho docente com os alunos no que está relacionado ao tema Ética; entrevistas individuais semiestruturadas com os (as) professores (as) com a finalidade de descobrir e analisar suas visões e ideias sobre ética e moral e seus conhecimentos sobre as visões de ética presentes nos PCNs; e estudo documental focalizado nos textos dos PCNs. 3.5.1 Observação A observação foi um importante instrumento para que eu conseguisse informações concisas e precisas e consiste em aplicar os sentidos para se obter uma determinada informação sobre algum aspecto. Além disso, ela permite a compreensão e o aprendizado do que é relevante e importante para se levar em consideração em cada situação (RUDIO, 2003). Assim, sobre observação o autor destaca: Na vida quotidiana, a observação é um dos meios mais frequentemente utilizado pelo ser humano para conhecer e compreender pessoas, coisas, acontecimentos e situações. Nas pessoas, podemos observar diretamente suas palavras, gestos e ações. Indiretamente, podemos também observar os seus pensamentos e sentimentos, desde que se manifestem na forma de palavras, gestos e ações. Da mesma forma indireta, podemos, ainda, observar as atitudes de alguém, isto é, o seu ponto de vista e predisposição para com determinadas coisas, pessoas, acontecimentos, etc. (RUDIO, 2003, p. 39). Tendo claro que a observação pode ser algo muito abrangente, foi importante delimitar e definir o que pretendia observar para que pudesse garantir uma maior produtividade à observação e, consequentemente, à pesquisa como um todo. A observação 54 consiste num dos principais métodos de investigação nas pesquisas qualitativas e garante ao investigador um contato direto com os colaboradores do estudo, o que contribui para uma melhor compreensão do caso ao propiciar a aproximação do pesquisador com a realidade e a perspectiva dos participantes. As abordagens quanto à classificação e tipos de observação são variadas. Em relação à ação do observador frente ao fenômeno estudado a observação pode ser participante/ativa ou não-participante/passiva. Quanto à estruturação as observações podem ser classificadas, em estruturadas, semiestruturadas e não estruturadas. Birk (apud CAUDURO, 2004) afirma: Se o tempo de estudo for longo, é possível iniciar as observações de forma nãoestruturada, ou seja, sem um roteiro específico do que será observado. Na medida em que o tempo vai passando, será importante a estruturação de um roteiro de observação, delimitando algumas pautas, mas não se fechando a outras ocorrências que possam surgir no decorrer do processo; neste caso, a estratégia a ser utilizada será de uma observação semiestruturada. E a observação estruturada é quando o pesquisador delimita as pautas e segue rigidamente este formato . (BIRK, apud CAUDURO, 2004, p. 76) Nessa pesquisa utilizei a observação semiestruturada, onde alguns roteiros de observação são delineados, mas sem um fechamento para outros acontecimentos que possam surgir no decorrer do trabalho. No que concerne ao papel desempenhado pelo pesquisador realizei as observações de modo não-participante, agindo como espectador, apenas observando e registrando os fatos de modo a não interferir no fenômeno estudado. 3.5.2 Entrevista A entrevista representa, segundo Lüdke e André (1986), um dos instrumentos básicos para a realização da coleta de dados e, muito mais que outros meios, cria uma atmosfera de influência recíproca entre entrevistador e entrevistado. Apresenta a vantagem de permitir a captação imediata de informação com qualquer tipo de informante sobre os mais variados assuntos, bem como correções, esclarecimentos e adaptações que a tornem mais eficaz. Em relação à apresentação as entrevistas podem ser: estruturadas ou padronizadas, não-estruturadas ou não padronizadas, ou semiestruturadas. [...] A entrevista não-estruturada ou não-padronizada tem uma liberdade de percurso, ou seja, ela não segue nenhum roteiro de perguntas pré-definido. Muito diferente da padronizada ou estruturada, que é muito próxima à aplicação de um questionário, onde segue-se um roteiro de perguntas feitas a todos os entrevistados, de maneira idêntica e na mesma ordem, visando à obtenção de resultados uniformes. A entrevista semiestruturada desenrola-se a partir de um esquema básico, mas não é aplicado rigidamente, permitindo adaptações realizadas inclusive no momento da efetivação da entrevista. (BIRK, apud CAUDURO, 2004, p. 79) 55 As entrevistas realizadas com os docentes foram semiestruturadas pois acredito que dessa forma o entrevistado participa, em certo nível, da elaboração do conteúdo da pesquisa, o que colabora para o estabelecimento de uma relação de interação e tende a deixar o colaborador mais à vontade naquele momento. Para fins de melhor aproveitamento, a entrevista foi realizada em local, data e horário definidos pelo participante a fim de evitar possíveis perturbações, e posteriormente transcritas, considerando-se inclusive todos os ahhh, nés, as pausas nas falas e inclusive os erros gramaticais. A fim de garantir a fidedignidade das informações e o respeito à pessoa, as entrevistas foram gravadas com autorização do colaborador após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Utilizei nomes fictícios para cada participante e a entrevista foi transcrita e, posteriormente, devolvida para que analisassem, validando e alterando o que julgassem necessário. Tanto os termos quanto a transcrição das entrevistas e suas gravações serão guardados por cinco anos quando então serão incinerados. 3.5.3 Documentos A pesquisa que se utiliza de documentos tem como base materiais que ainda não receberam tratamento analítico ou que ainda podem ser reelaborados. Birk (apud CAUDURO, 2004) afirma que os documentos se constituem numa fonte “natural” de informações e que deles podem ser retiradas evidências para balizar afirmações ou declarações do investigador dentro do contexto estudado. Cauduro (2004) divide os documentos em formais e informais: Os documentos formais são as doutrinas, as jurisprudências, as peças processuais, os apontamentos dos juízes, Portarias, regulamentos, Projetos de Lei, Constituição Federal, sites científicos, entre outros. Os documentos informais são os jornais, as revistas, as cartas, as fotos, os noticiários de TV, os documentários, os vídeos, os apontamentos de seminários, entre outros. (CAUDURO,2004, p, 87). Lüdke e André (1986) consideram documentos: leis, regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão, livros, estatísticas e arquivos escolares. Os autores dividem os documentos em três tipos: oficiais (como leis, decretos, pareceres, etc.), técnicos (relatórios, planejamentos) e pessoais (cartas, autobiografias, etc.). Afirmam também (idem, p. 40) que é o “[...] próprio propósito da análise documental de fazer inferência sobre os valores, os sentimentos, as intenções e a ideologia das fontes ou dos autores dos documentos.” 56 O estudo documental para esse trabalho se desenvolveu com base nos textos dos PCNs. Quando um pesquisador utiliza documentos objetivando extrair dele informações, ele o faz investigando, examinando, usando técnicas apropriadas para seu manuseio e análise; segue etapas e procedimentos; organiza informações a serem categorizadas e posteriormente analisadas; por fim, elabora sínteses (...).(SÁSILVA, et. all, 2009, p. 4). Para essa investigação os documentos utilizados foram os textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (ensino fundamental), em especial os que dizem respeito ao tema transversal Ética, documentos oficiais emitidos pelo Ministério da Educação, configurando-se então como materiais formais e oficiais. 3.6 Triangulação de dados A triangulação envolve um processo de análise e interpretação de dados onde se utilizam diferentes fontes. “A triangulação é como costurar a colcha de retalhos; é a criatividade da montagem da costura, metaforicamente referindo-se à análise e interpretação dos dados.” (CAUDURO, 2004, p. 89). Segundo a autora existem diversos tipos de triangulação, porém com a igual finalidade de interpretar e contrastar dados, teorias, métodos, etc., sendo elas: por fontes, interna, temporal, metodológica, espacial, teórica, reflexiva e de experts. Para este estudo escolhi fazer uso da triangulação por fontes, teórica, reflexiva e de experts, que passo a descrever: Triangulação por fontes: quando se utiliza, para a comprovação dos dados em análise, a informação de uma determinada fonte mediante outra fonte. A triangulação das fontes de informações leva a comparações de informações referentes a um mesmo fenômeno, porém obtidas de diferentes fases do trabalho de campo (observações, entrevistas, diários) [...]; Triangulação teórica: consideram-se teorias alternativas para interpretar dados coletados ou tornar visíveis diversos aspectos que se apresentem de forma contraditória. Por exemplo, contrastar com a psicologia, a sociologia, a pedagogia e a filosofia os conceitos apresentados ou visão dos atores envolvidos; Triangulação reflexiva: mesmo se utilizando de outras formas de triangulação, a reflexiva deve ocorrer em todos os momentos, pois ela é fundamental em todas as circunstâncias para o discernimento e compreensão dos fatos; Triangulação de experts: para que este tipo de triangulação ocorra, deve ser entregue – para a leitura do trabalho – diferentes doutores ou experts no tema, para sua avaliação crítica e considerações relevantes. (CAUDURO, 2004, p. 90 e 91) Esses tipos de triangulações permearam essa pesquisa pois considero que trabalham os mais essenciais aspectos de uma investigação, quais sejam: suas fontes, seu embasamento 57 teórico, a análise que o autor do trabalho realiza sobre os dados e o confrontamento de suas ideias a partir de considerações realizadas por investigadores profundamente familiarizados com o tema. 3.7 Análise dos dados Após a etapa de seleção e organização do material com as informações faz-se necessária a interpretação e análise dos dados coletados, uma vez que ao longo da pesquisa eles se encontram sem uma fundamentação precisa e organizada. A análise dos dados foi realizada dentro de uma perspectiva qualitativa no trabalho com todo o material obtido e utilizado para a pesquisa. Segundo Lüdke e André (1986), a tarefa de análise pode ser dividida em dois momentos: no primeiro organiza-se o material, dividindo-o em partes, relacionando-as entre si e buscando identificar nele tendências relevantes; no segundo momento essas tendências são reavaliadas, buscando-se relações num padrão de abstração mais elevado. Na etapa mais formal de análise, que ocorre após a coleta dos dados, é importante que tanto o conteúdo manifesto quanto o conteúdo latente do material sejam considerados. Conforme Lüdke e André (idem, p. 48): “É preciso que a análise não se restrinja ao que está explícito no material, mas procure ir mais a fundo, desvelando mensagens implícitas, dimensões contraditórias e temas sistematicamente silenciados”. Ao procurar esses implícitos, os não-ditos, tentando estabelecer conexões que possam propor novas interpretações, o pesquisador vai na direção de acrescentar algo novo à discussão do tema investigado. 3.8 Credibilidade, validez e fidedignidade Toda pesquisa necessita apresentar sua garantia de confiabilidade, buscando o máximo de precisão nos resultados, o que exige que conceitos e a utilização dos instrumentos estejam bem fundamentados. Esses critérios de qualidade compreendem a credibilidade e a transferibilidade (ALVES e GEWNDSNAJDER, apud POSSEBON, 2004); credibilidade essa alcançada em minha investigação ao retratar fielmente as informações recebidas dos participantes. 58 A fidelidade no tratamento das informações pode ocorrer de duas formas diversas: a interna e a externa. A fidelidade interna baseia-se no contraste realizado entre as interpretações do pesquisador e a fundamentação teórica coletada. No âmbito externo buscase a fidelidade ao proporcionar que outra pessoa possa ler a pesquisa a fim de perceber a coerência do estudo. A validez, conforme Cauduro (2004), pode ser compreendida por: validez descritiva, validez interpretativa e validez teórica. A validez descritiva foi obtida quando as (os) participantes do estudo devolveram as transcrições das entrevistas confirmando seus depoimentos. A validez interpretativa foi desenvolvida através da leitura de minhas interpretações sobre informações obtidas por pessoas alheias ao estudo (a fim de verificar a coerência da pesquisa) e pela orientadora. A validez teórica se desenvolveu com base na leitura e na interpretação da bibliografia de diferentes autores pertencentes a diferentes contextos e campos do conhecimento. Saliento que a primeira validez teórica ficou a cargo da orientadora no transcorrer do processo de investigação e análise dos dados a fim de garantir as possíveis generalizações internas e externas. Com o intuito de garantir a fidedignidade dos dados obtidos, as entrevistas foram gravadas, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e transcritas para que os colaboradores pudessem analisar e validar as informações através da assinatura de concordância, e/ou alterarem o que julgassem necessário. É importante também salientar que os nomes das (dos) professoras (es) não foram mencionados nesta pesquisa, apenas utilizei nomes fictícios com a intenção de identificar suas percepções, uma vez que é imperativo preservar a integridade dos colaboradores. Quanto aos dados obtidos pela entrevista e observação, bem como as autorizações encaminhadas às escolas e às (aos) professores envolvidos na pesquisa, ficarão em minha posse por até cinco anos e depois serão incineradas como forma de atender a meios legais. 3.8.1 Procedimentos éticos Nessa pesquisa respeitei os referenciais básicos da bioética que diz respeito, conforme Segre e Cohen (2002), à parte da ética que tem como foco as questões referentes à vida humana, é um “campo de ação e de interação de profissionais e estudiosos oriundos das mais diversificadas áreas do conhecimento humano” (idem, p. 29). Mori (1994) relata que 59 nascimento da bioética, como conhecida hoje, se deu nos Estados Unidos entre o final da década de 1960 e o início dos anos 1970, provocado por vários fatores histórico-culturais que chamaram a atenção para a ética aplicada especialmente na área da medicina. Mais recentemente a bioética espalhou sua influência por todas as áreas científicas ao se tornar, segundo o autor, uma espécie de “ética científica” que objetiva garantir a sobrevivência humana e a qualidade de vida. Lembra também (idem, p. 341) que “a bioética deve se referir a princípios porque, assim, se esclarece imediatamente o rumo tomado em direção às escolhas de fundo”. Segundo a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, os quatro referenciais básicos da bioética que devem ser seguidos para pesquisas que envolvem seres humanos são: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça. Esses princípios foram aplicados nesse estudo a todas as pessoas que pudessem vir a ter alguma relação com a pesquisa, fosse o colaborador da pesquisa, o pesquisador, o trabalhador das áreas onde a mesma se desenvolveu e, em última análise, a sociedade como um todo. Num primeiro momento estabeleci um contato com as escolas e levei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, explicando os objetivos do estudo e o problema de investigação para a realização da pesquisa. Com a anuência das escolas fiz o contato com os professores que desejava que fizessem parte deste estudo entregando também os Termos de Consentimento. Expliquei a eles como deveria ocorrer a investigação e todo o procedimento de coleta de dados, bem como a forma das entrevistas, ou seja, que estas seriam gravadas, transcritas e devolvidas a eles para validação. Todos os termos de consentimento, entrevistas e autorizações serão guardados por cinco anos e após esse período serão destruídos, como já mencionado anteriormente. Esclareço também que as escolas e os professores escolhidos não tiveram seus nomes especificados por motivos éticos e que a pesquisa não foi remunerada e não apresentou riscos de qualquer ordem para nenhum participante. O trabalho final será entregue às escolas em sinal de agradecimento pela colaboração, se assim desejarem. 4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS 4.1Primeiro nível de análise Neste primeiro momento de análise os dados coletados foram reunidos, agrupados segundo sua natureza e classificados por códigos. Realizei dezenove entrevistas com os dezenove professores regentes de classe que aceitaram participar do estudo em quatro diferentes escolas (Quadro 1): Quadro 1: Codificação das entrevistas com professores regentes de classe Entrevista Pseudônimo Data/Horário Validação Fita E1 Tulipa 09.11.12 – 10h10min. 25.02.13 1 E2 Margarida 09.11.12 – 08h20min. 25.02.13 1 E3 Girassol 05.11.12 – 16h15min. 04.03.13 3 E4 Bromélia 05.11.12 – 13h 04.03.13 3 E5 Azaleia 05.11.12 – 15h30min. 04.03.13 3 E6 Rosa 05.11.12 – 14h20min. 04.03.13 3 E7 Violeta 05.11.12 – 15h 04.03.13 3 E8 Orquídea 14.11.12 – 16h15min. 06.03.13 2 E9 Gérbera 14.11.12 – 15h30min. 06.03.13 1e2 E10 Crisântemo 14.11.12 – 13h 06.03.13 1 E11 Lírio 14.11.12 – 14h20min. 06.03.13 1 E12 Camélia 18.03.13 – 16h15min. 24.06.13 6 E13 Antúrio 11.03.13 – 15h30min. 24.06.13 4 E14 Acácia 11.03.13 – 14h20min. 24.06.13 4 E15 Gardênia 11.03.13 – 10h10min. 01.07.13 4 E16 Açucena 15.03.13 – 14h20min. 28.06.13 4 E17 Begônia 15.03.13 – 15h30min. 28.06.13 5 E18 Dália 08.04.13 – 08h15min. 28.06.13 6 E19 Cravo 26.04.13 – 14h20min. 28.06.13 6 Fonte: Elaborado pela autora 61 As observações foram realizadas nas turmas de classe regular do primeiro ao quinto ano dos dezenove professores participantes da pesquisa (Quadro 2). Duas observações foram realizadas em turmas diferentes, porém regidas pelo mesmo docente; em um caso em função de a primeira observação ter ocorrido em tempo muito escasso devido à necessidade do docente de se ausentar e no outro caso a convite do professor. Quadro 2: Codificação das observações realizadas nas turmas de 1º a 5º ano Observação Data/Horário Turma OB1 29.10.12 – 07h45min. – 09h50min. T1 OB2 29.10.12 – 10h10min. – 11h50min. T2 OB3 31.10.12 – 13h – 15h T3 OB4 31.10.12 – 15h30 – 17h T4 OB5 1º.11.12 – 07h30min. – 09h50min. T5 OB6 1º.11.12 – 13h – 15h T6 OB7 1º.11.12 – 15h30min. – 16h T7 OB8 06.11.12 – 07h45min.- 09h50min. T8 OB9 06.11.12 – 13h15min. – 15h T9 OB10 07.11.12 – 13h – 15h T10 OB11 08.11.12 – 13h15min. – 15h T11 OB12 08.11.12 – 15h30min. – 17h T12 OB13 09.11.12 – 13h15min. – 15h T13 OB14 25.02.13 – 13h15min. – 15h T14 OB15 26.02.13 – 13h15min. – 15h T15 OB16 26.02.13 – 15h30min. – 17h T16 OB17 27.02.13 – 13h15min. – 15h T17 OB18 27.02.13 – 15h30min. – 17h T18 OB19 06.03.13 – 13h15min. – 15h T19 OB20 06.03.13 – 15h30min. – 17h T20 OB21 08.03.13 – 07h30min – 09h50min. T21 Fonte: Elaborado pela autora 62 Além das entrevistas e observações utilizei como fonte de dados os documentos dos PCNs de Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais (vl.1) e Apresentação dos Temas Transversais e Ética (vl.8), ambos componentes dos Parâmetros Curriculares Nacionais para 1º e 2º ciclos dos Ensino Fundamental que foram classificados conforme segue (Quadro 3). Quadro 3: Classificação dos documentos dos PCNs consultados Código Documento Doc1 Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais Doc2 Apresentação dos Temas Transversais e Ética Fonte: Elaborado pela autora Ainda nessa etapa de trabalho selecionei, a partir das entrevistas com os dezenove docentes participantes do estudo, das observações realizadas e dos documentos dos PCNs selecionados para este estudo, unidades de significado relevantes para o tema estudado. Em uma primeira análise encontrei quatrocentas e doze unidades de significado (apêndice IV) e, após outra verificação, onde agrupei unidades com significados semelhantes e pertinentes a um mesmo tema, resultaram noventa e seis unidades. Quadro 4: Unidades de significado 1. Pedagogia 49. discernimento 2. pós-graduação 50. certo x errado 3. interdisciplinaridade 51. direitos e deveres 4. Gestão Escolar 52. aprender com colegas 5. cursos, seminários, palestras 53. conflitos de valores 6. SMEC 54. estrutura familiar 7. PCNs norteadores 55. trabalho em grupo, duplas, repartir 8. ética e moral ligadas 56. interação, respeito às diversidades 9. virtudes, valores 57. limitações do professor, dúvidas 10. construção da aprendizagem 58. desvalor do sentido de professor 11. conhecimento científico 59. Psicopedagogia 12. extensão da família 60. escola de periferia 13. realidade de cada escola 61. sala de aula como pequena sociedade 14. conversa, diálogo 62. URI 63 15. botar para a prática 63. formação na escola 16. respeito 64. moral da sociedade imposta 17. solidariedade 65. limites 18. liberdades minha e do outro 66. “palavrinhas mágicas” 19. grandes lacunas 67. dedicação da família à criança 20. conhecer história de cada aluno 68. professor, orientador e formador 21. metodologia, ludicidade 69. desvio de função da escola 22. professor exemplo, autocorreção 70. aplicabilidade dos PCNs 23. desmotivação, apoio, frustração, rumo 71. PCNs mudaram discurso de formação 24. renovação, atualização 72. abertura, aluno dizer o que pensa 25. sobrecarga escola e professores 73. teoria (dá suporte) x realidade 26. lixo, meio ambiente, natureza 74. Educação especial 27. temas transversais (obrigatoriedade) 75. jornadas transandinas 28. trabalho fora da escola, entorno, pais 76. tomada de consciência 29. barreiras 77. auto avaliação diária do professor 30. família 78. pré-julgamento das ações da escola 31. tempo curto 79.resgate valores - moral, cultura, família 32. condição financeira 80. desenvolvimento integral do cidadão 33. problemas de disciplina 81. exercício da cidadania 34. atingir cem por cento 82. hábitos, costumes 35. Magistério 83. moral como senso comum 36. Educação Infantil 84. negociação, diálogo 37. Séries Iniciais 85. ajuda mútua 38. exigências município, estado, escolas 86. formação pedagógica 39. abordagem temas soltos 87. Educação Inclusiva 40. postura 88. semanas acadêmicas 41. dificuldade de trabalhar, complicado 89. formação para trabalhar mais e melhor 42. princípios 90. ética como um todo, modificadora 43. não ter como fugir 91. reflexões atitudes e comportamentos 44. medo de falar certas coisas 92. aprendizagens significativas 64 45. perda inocência, madurar acelerado 93. choque horário cursos e trabalho 46. PCNs subsídio apoio projeto da escola 94. consciência, crítica e atuação 47. avanços tecnológicos 95. comunidade escolar 48. valores que regem a ação humana 96. autonomia moral e cidadania Fonte: Elaborado pela autora Essas são as fontes de informação resultantes da coleta de dados e de um primeiro nível de análise sobre as observações, entrevistas e textos dos PCNs utilizados para a pesquisa. Em seguida, em um segundo nível, abordarei o processo de criação das categorias de análise. 4.2 Segundo nível de análise Com base em uma nova análise e agrupamento das unidades de significado provenientes das respostas dos professores entrevistados, dos documentos dos PCNs analisados e das observações que realizei, criei três grandes categorias de análise e suas subcategorias que auxiliarão na compreensão deste estudo. (Quadro 5). Quadro 5: Categorias e subcategorias 1ª CATEGORIA: ÉTICA E MORAL Subcategorias: Visão de ética Visão de moral 2ª CATEGORIA: PCNs – TEORIA E PRÁTICA Conhecimento e utilização Papel da escola e professor e como trabalhá-los PCNs x o que é importante e o que se trabalha 3ª CATEGORIA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES Subcategorias: Subcategorias: Formação Inicial e Continuada Capacitação para o trabalho com questões éticas e morais Fonte: Elaborado pela autora 65 4.3 Terceiro nível de análise Neste nível de análise construirei a triangulação, o entrelaçamento entre as entrevistas, as observações, os dados dos textos dos PCNs utilizados e o referencial teórico no intuito de desenvolver um quadro interpretativo embasado nas categorias e subcategorias de análise supracitadas. 4.3.1 ÉTICA E MORAL Nesta categoria de análise serão abordadas as visões de ética e moral presentes nos discursos dos professores, nos textos dos PCNs escolhidos, nas observações e na teoria específica. Essa categoria foi dividida em duas subcategorias: visão de ética e visão de moral. 4.3.1.1 Visão de ética Os PCNs (Doc 1, p. 27) afirmam que a escola precisa assumir-se como um espaço social onde se constroem significados éticos que guiam todas as ações de cidadania. Também definem a capacidade ética como autonomia moral (idem, p 62) e como (ibidem, p. 47) “possibilidade de reger as próprias ações e tomadas de decisão por um sistema de princípios segundo o qual se analisam, nas diferentes situações de vida, os valores e opções que envolvem.” Os textos dos PCNs trazem na sua apresentação dos temas transversais a ética como a responsável por interrogar sobre a legitimidade de práticas e valores já consagrados pela tradição e costumes, abrangendo tanto a crítica das relações entre os grupos quanto as ações pessoais (Doc. 2, p. 25). Os temas transversais vêem a ética como “um pensamento reflexivo sobre valores e normas que regem as condutas humanas” (Doc 2 , p. 49), afirmam que ela trata de princípios e não de mandamentos e é “um eterno pensar, refletir e construir” (idem, p. 50). Os PCNs declaram também que o tema transversal Ética busca com que a escola “realize um trabalho que possibilite o desenvolvimento da autonomia moral, condição para a reflexão ética.” (ibidem, p. 26) e defendem a forma transversal com a qual deve ser tratado o tema pois que está relacionado a praticamente todos os outros trabalhados pela escola e se refere às 66 relações humanas na escola e da escola com a comunidade (idem, p. 64). Apesar de pouco abordar o tema Moral, assumem que nos documentos ética e moral serão tratadas como sinônimos (idem, p. 49), o que aparece na fala de alguns professores quando questionados nas entrevistas sobre sua definição para as duas questões: “[...] moral e ética eu acho meio, meio junto sabe, conjunto pra ser trabalhado meio junto. (E18, 08.04.2013).” “Eu não sei bem assim diferenciar ética e a moral, acho que pra mim assim elas são meio misturadas assim, moral e ética. (E16, 15.03.13)”. A respeito das definições dadas pelos professores sobre ética, e das observações realizadas, consegui visualizar quatro diferentes grupos. O primeiro deles apresentou uma visão de ética como coerência entre teoria e prática: Na minha concepção, e o que eu procuro conversar com os meus alunos, a ética e a moral elas tem que andar em, em, concomitante, as duas juntas, porque? Por que a minha, o meu fazer, ele tem que tá de acordo com o meu dizer. A minha ação vai ser uma, uma prática daquilo que eu sou. [...] Então o ser e o fazer, é aquilo que eu falo, aquilo que eu digo, eu sou responsável por tudo aquilo que eu disser e tudo aquilo que eu fazer (sic). (E1, 09.11.12). [...] Foram para a biblioteca, cada um escolheu um livro e subiram para a sala de aula sozinhos. A professora também escolheu um livro e leu em silêncio na aula. (OB 1, 29.10.12). Essa visão da professora e o relato da observação acima parecem estar em consonância com a ideia expressa pelos autores abaixo citados: Educar em valores, eticamente, significa promover nos sujeitos a elaboração e o desenvolvimento de uma racionalidade moral substantiva, de modo autônomo e comprometido, para que tomem decisões pessoais, através do exercício de sua liberdade responsável. (GAUDIANO e KATRA, 2009, p.56). Também ressaltando a importância da responsabilidade, Tugendhat (2003, p. 237) afirma: “[...] quem tem qualidades de caráter que o impedem de se comportar responsavelmente, também não está na condição de comportar-se responsavelmente diante de outrem.” Outra professora deu a seguinte declaração: E, e a ética vem, de acordo com as ações que você faz em cima dessa moral que você convive, viveu, ãh, foi trabalhado. [...] Eu vejo a formação do ser humano como um todo em cima dos valores e a reação que o ser humano tem, ou, ou, a ação que o ser humano tem no dia a dia dele, na sala de aula, na escola, na família é resultado da moralidade que ele teve, daquilo que ele construiu como, como valor. [...] Principalmente quando acontece alguma coisa desagradável na sala de aula, eu paro a aula e chamo as crianças pra responsabilidade. Não só as crianças, os adolescentes também. “Para aí, vamos conversar. O que é que está acontecendo e porque é que está acontecendo? É certo isso que está acontecendo? Não? Por que que não é? O que você, como gente, como ser humano, tem que fazer pra que isso seja diferente?” Eu sempre procuro conduzir assim de forma, um diálogo, sabe? (E3, 05.11.12). 67 A professora, ao explicar algumas questões matemáticas, disse que tanto para resolver as questões ali propostas, quanto para resolver os problemas do cotidiano era preciso que eles usassem o raciocínio lógico, e foi perguntando a eles como faziam para resolver alguns conflitos como ideias diferentes sobre um mesmo tema, por quais motivos pensavam de tal modo, como faziam para argumentar. (OB3, 31.10.12). Gaudiano e Katra (idem, p.59) endossam a relevância do diálogo e da reflexão, “[...] a importância de converter a aula em um espaço de diálogo problematizante. Educandos e educadores precisam interrogar, perguntar, problematizar, a fim de gerar razão autocrítica e crítica, sem a qual não se poderia aprender, tampouco melhorar.” Uma terceira professora mencionou a importância das atividades em aula para abrir espaços para reflexões: A escola tem o seu Projeto Político Pedagógico, tem uma filosofia a qual defende e dentro dessa filosofia a escola desenvolve projetos e esses projetos se concretizam nas atividades e conteúdos desenvolvidos em sala de aula, na prática pedagógica. [...] Em função das grandes transformações da sociedade em geral e principalmente na estrutura familiar, há uma necessidade de se desenvolver atividades, oportunizando reflexões sobre os temas. Quando se fala em educação, não é só ensinar conteúdos, mas apontar caminhos, é ter atitudes e comportamentos, preparar cidadãos que saibam participar e atuar e contribuir para uma sociedade melhor.(E9, 14.11.12). [...] A professora explicou o que eles deveriam fazer e entregou uma folha com questões matemáticas. Um aluno veio perguntar a resposta de uma questão, ela disse que não podia dar a resposta e solicitou que refletisse um pouco mais. Somente mais tarde fez a correção coletiva no quadro. (OB11, 08.11.12). Sobre a importância da reflexão Gaudiano e Katra (ibidem) afirmam: “Na medida em que se desenvolve um pensamento crítico-criador, de reflexão, de análise, fortalecem-se as atitudes e os comportamentos responsáveis, solidários, emancipatórios.” O segundo grupo de professores definiu ética como uma espécie de postura que deve ser assumida: [...] Ética pra mim é você ser autêntico, você ter uma postura e seguir aquela postura independente do que acontece, né? Não pode se corromper..., facilmente, né? Tem que ter uma postura dentro da sala de aula, fora, na tua vida particular também, né? Tem que ter uma postura, e seguir essa postura. [...] um celular por exemplo, esses dias a menina foi pedir lá na sala de aula, eles disseram que se eles tivessem achado não iam devolver pra guria, aí tu tem que trabalhar toda aquela questão como é que tu vai ficar com uma coisa que não é tua? Não é teu, tu não pode ficar [...]. (E15, 11.03.13). [...] Um dos meninos havia rasgado a tira do chinelo no recreio. A professora colocou o problema para o grupo perguntado como o menino faria para ir para casa sem 68 chinelo; os alunos expuseram várias ideias, a professora foi dialogando com eles e depois chegaram a um consenso que o melhor a fazer seria o menino ir na secretaria pedir um prego para consertar o chinelo, a professora então disse ao menino que descesse e pedisse o prego para arrumar o calçado. (OB 21, 08.03.13). Sobre a importância do diálogo Hammes (2005) afirma: O diálogo permite desenvolver o pensamento na medida em que possibilita objeções, aprovações, mal-entendidos, ou mesmo compreensão; mais importante é que possibilita a singularidade a individualidade em direção a uma linguagem comum. (HAMMES, 2005, p.86) Outra professora trouxe as seguintes ideias: [...] tua ética é tudo que tu, tu fala, tu, tu que nem diz, tu solta as palavras ao vento né, (risos) tu não sabe onde vai parar, né? Então a, é, eu acho a ética muito, uma coisa bem séria assim, porque é, é como é que eu vou te dizer, a pessoa que não tem ética acho que, né? Ai, eu saio por aí, falo de ti, falo do outro, falo, todo mundo me conta uma coisa eu vou lá falo pro outro, falo pro outro, né? Tu te, imagina o que que vira, né? [...] se uma pessoa tem respeito, sabe valorizar o outro, né? [...] a questão do lixo é um outro mal, outra coisa bem, bem complicada, eles dizem assim, separar o lixo, “Ah, mas a, o pai me disse que não precisa separar lixo!” Cortar árvore, né? “Profe, o pai cortou uma árvore que fazia a sombra lá em casa”, “Mas porque que teu pai?, “Mas nós falamo pra ele que não era pra cortar, que ia dá sombra”, “Ah, vamo corta fora!”, né? Então eu acho assim que a, a, as crianças de hoje ainda elas vão ter daqui uns, elas vão ter uma outra mentalidade, porque a gente tá conseguindo colocar alguma coisa na cabeça deles em questão de lixo, em questão de meio ambiente [...]. (E12, 18.03.13). [...] A professora, enquanto os alunos copiavam um texto do quadro, foi na mesa de um deles e perguntou em tom de voz baixo quando e porque ele havia mordido um dos colegas no dia anterior. O aluno explicou a situação e ela disse calmamente que isso não poderia mais acontecer. O aluno concordou com a cabeça e ela se retirou. (OB, 15, 26.02.13). Essas questões remetem à ideia de que: [...] normas são necessárias como parâmetros de salvaguarda de princípios mínimos de convivência humana, como o respeito à vida, a dignidade do indivíduo, o respeito ao meio ambiente, e para aprender a lidar com esses princípios em circunstância concreta” (GOERGEN, 2001, p. 153). Algumas professoras trouxeram o problema das diferentes noções de princípios e valores: [...] O que que é ética pra mim? É eu fazer cumprir aquilo que eu acho que é correto. E o que que eu acho que é, às vezes é correto pra mim e não é pra ti. O certo pra mim, não é pra ti, mas eu tenho que manter com a minha palavra. Se eu falo, eu tenho que assumir aquilo que eu falei, né? Não é falar agora uma coisa e amanhã, outra. (E11, 14.11.12). [...] A professora estava introduzindo um novo assunto na disciplina de matemática e alguns alunos pediram se podiam fazer os exercícios em grupo, então ela respondeu: “Vou 69 deixar vocês fazerem juntos, mas só depois de entenderem, hoje não.” E assim ocorreu. (OB13, 09.11.12). [...] Assim, pra mim ética é minha postura, meu jeito de ser, de trabalhar, de guardar sigilo nas informações, quanto aos alunos, quanto a... é o jeito correto de viver, ética pra mim [...] é difícil de trabalhar... a parte ética e a parte moral porque tu tem os teus princípios, a tua maneira de ser, o teu jeito de ser e, muitas vezes as crianças não têm esses valores, essa ética, essa moral, eles, então é, é difícil para ti ensinar a ética e a moral porque tu tem o teu jeito de ser, né? (E2, 09.11.12). [...] A professora havia passado um texto no quadro, depois da maioria ter copiado começou a tomar a leitura individual de todo o texto. Enquanto um deles estava lendo, alguns alunos começaram a correr em sala de aula, o que nitidamente desconcentrou outros colegas. A professora seguiu tomando a leitura. (OB2, 29.10.12). Sobre essas diferenças de valores Morin (2001, p. 40) questiona: “[...] como fundamentar uma ética com base nesta liberdade individual, quando os valores estão distribuídos de maneira absolutamente heterogênea, ou seja, quando uma mesma concepção do bem, da solidariedade e do mal não é compartilhada por todos?” E arrisca uma tentativa de resposta (idem, p.41) ao ponderar que essa ética precisa ser iluminada por uma fé “Esta fé não é necessariamente uma fé religiosa, no sentido tradicional. Pode-se falar da fé na fraternidade, da fé no amor, da fé na comunidade; elas são não o fundamento da ética, mas sua fonte de energia, aquilo que vai alimentá-la.”. Um terceiro grupo relacionou sua visão de ética com regras e normas sociais: [...] Sabe, desde o primeiro dia a gente já vai cobrando o que eles podem fazer “Eu posso ir ao banheiro?”, não é levantar e sair. Então, assim, eles têm que ter ordem, porque eles vivem em sociedade, né? A sala de aula é uma sociedade pequena. E depois mais, com toda a escola na comunidade, pra depois lá fora eles não sofrerem tanto. Eles têm que saber que tem regras, que tem normas, que tem coisas que eles precisam saber, que eles precisam respeitar. Porque senão, já é difícil hoje em dia, e sendo uma escola de periferia, pra eles vai ser mais difícil ainda se eles não levar um pouquinho mais dessas questões de dentro da escola, que oportuniza a eles e fornece pra eles crescerem como cidadãos. (E5, 05.11.12). [...] Quando precisavam colocar algo no lixo os alunos pediam permissão à professora para isso. [...] A professora saiu por uns minutos e uma menina me pediu para levantar e pegar um lápis emprestado com uma colega. (OB5, 1º. 11.12). O relato e as situações observadas acima se assemelham mais à questões morais do que éticas segundo Vázquez (2008, p. 24) que afirma: “A ética não é a moral e, portanto, não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode influir na própria moral.” Outra professora declarou que ética seria: 70 Um conjunto de normas que você estabelece entre a comunidade escolar que visa organizar o espaço integrante como forma de oportunizar os membros do grupo a ter igualdade de crescimento individual que possibilite o desenvolvimento da autonomia moral e da cidadania. (E8, 14.11.12). [...] Um aluno que havia terminado a atividade começou a brincar com outro que ainda estava realizando a tarefa, então a professora alertou: “Fulano, não adianta tu tirar 100 na nota, mas não saber se comportar em público, na sociedade.” E contou a eles uma história de uma turma que havia ido a um teatro e não se comportado adequadamente e o quanto perderam a oportunidade de aproveitar o passeio. (OB9, 06.11.12). Gonçalves (2007, p. 59) fala sobre o papel da escola no desenvolvimento da autonomia moral e cidadania de seus membros: “A escola, comprometida com a formação da cidadania, deve, então, propiciar reflexões sobre as diversas faces das condutas humanas e possibilitar o desenvolvimento da autonomia moral. Tais reflexões devem fazer parte dos objetivos maiores da escola [...]” Ressaltando a convivência social uma das professoras afirmou: [...] Eu acho assim que ser ético, é tu ser compreensível com alguns valores que a sociedade tem, que nós somos regidos por regras, e eu acho que a gente tem que passar sim pro aluno isso que, que é cada um na sua vez, que cada um tem que esperar, que cada um deve compartilhar, também, eu acho que a ética envolve todos esses, esses hábitos, na verdade, que a escola ela é assim ó, uma grande autora disso, eu vejo que a escola é responsável sim, não que ela seja, trabalhe sozinha, né, várias coisas vêm da família, que eles aprendem em casa, esses primeiros valores, essas atitudes, mas eu acho que a escola sim tem a provação de, de continuar revendo pra formar então cidadões (sic) que se, que realmente contribuam né, pra, pra melhor bem estar, pra uma sociedade mais urbanizada. [...] nós somos sim seres diferentes, cada um na sua individualidade, mas que os valores eles devem ser respeitados, né, que as regras, então não é somente pra aquele que é mais mimadinho ou, que eu acredito que sim, que é pra todos né, que essa ética ela deve ser igual pra todos, que todo mundo então saiba executar essas, essas atitudes, essas ações, então. (E14, 11.03.13). [...] Os alunos estavam confeccionando um livro e um deles perguntou à professora que cor era a folha de goiabeira. Ela perguntou ao grupo que cor eles achavam que era. Após as respostas de alguns ela disse ao menino que deveria fazer a folha do seu jeito, porque assim que seria legal. [...] Na volta do recreio os alunos contaram à professora que dois colegas haviam brigado. A professora perguntou o motivo e, após ouvir os dois, disse que eles não deveriam brigar e sim conversar e brincar e fez com que pedissem desculpas um ao outro. (OB14, 25.02.13). Indo ao encontro da fala e observação acima citadas, Silveira (2000) afirma que a reflexão ética contemporânea visa: [...] ao estabelecimento de um mínimo comum para orientar a convivências nas sociedades plurais. Isto ressalta o papel primordial da educação no processo de 71 formação dos indivíduos, pois pode oportunizar um local dialógico para possibilitar o estabelecimento da validade dos princípios que vão orientar esta mesma convivência em sociedade. (SILVEIRA, 2000, p.196). Outro colaborador deu a seguinte definição de ética: Ética, eu acho que é aquele conjunto de normas, de leis, de, de, de valores que são, digamos assim que não são impostos, que são necessários, pra que a gente tenha uma, um comportamento. Que a gente norteie assim a nossa vida, uma vida, uma vida em comunidade a gente tem que ter normas, tem que ter leis, [...]. Sempre que tiver um texto, que tiver uma atividade, que falar sobre o assunto, eu puxo pra nossa vida, pra vida deles, pra convivência em grupo, pra convivência no dia a dia deles, na, na, no, na comunidade, na família, com os amigos, e eu deixo em aberto, não falo o que é certo o que é errado, eu deixo no ar. (E19, 26.04.13). [...] Um aluno foi jogar uma borracha para um colega e acabou acertando outro colega. O professor foi até eles, pediu que o menino se levantasse, viesse até o colega, pedisse desculpas e explicasse a ele que havia sido um acidente, sem querer. O aluno, meio tímido, fez como o professor lhe pediu e foi sentar-se novamente. (OB17, 27.02.13). Sobre a relevância do trabalho escolar para além do estudo de certas disciplinas La Taille (2009) pondera: [...] me parece inconcebível que instituições nas quais as crianças e os jovens passam anos e anos possam não se preocupar com dimensões da vida que vão além da aprendizagem de determinadas disciplinas. E, em segundo lugar, porque os próprios conhecimentos transmitidos na escola são portadores de sentido que transcendem a especificidade de cada matéria. A escola é uma verdadeira usina de sentidos, sentidos de vida (ética) e de convivência (moral), e não há outra instituição social de que se possa dizer o mesmo. (LA TAILLE, 2009, p.80). Apenas uma professora identificou ética como expressão de liberdade e respeito: Eu, ética pra mim a lei, é você, os valores do homem livre, e que significa pra mim respeito, venerar a vida, ter livre arbítrio, é, por exemplo assim, vai formando esse cidadão no meio, no ambiente, aqui dentro da nossa sala, [...] primeiramente a gente tem que saber se respeitar, a gente respeitar a gente mesmo, que às vezes a gente não respeita, a gente usufrui até última gota, mas eu pensei em mim, se eu não penso em mim como eu vou pensar no outro, né? Então assim, em primeiro lugar assim, são criaturas que se julgam em dominar o outro, [...] eu acho assim, que hoje em dia só dizem que a ética é aquele que tá lá, que faz isso, que, que coloca a mão no dinheiro público, é público, mas a maior assim de todos porque eu não respeitar o cidadão [...]. (E17, 15.03.13). [...] Um grupo de alunos estava conversando e um deles falou em bater em alguém. A professora ouviu e perguntou quem estava sendo violento, os outros colegas apontaram quem havia falado e a professora perguntou se em casa ele era tratado dessa forma e ordenou que “tivesse modos” ao tratar os colegas. [...] Mais tarde a professora viu um aluno jogar um lápis em outro e apenas ignorou. (OB20, 06.03.13). 72 O que pude ver nesse momento da observação vai de encontro com as ideias sobre liberdade expressas por Oliveira (2002): [...] liberdade só se conquista por intermédio de solidariedade, de reconhecimento, o que significa dizer que a humanidade do homem, a humanização da vida humana, do ponto de vista ético, passa pela eliminação de qualquer tipo de opressão do outro e se efetiva enquanto reconhecimento recíproco de liberdade. (OLIVEIRA, 2002, p. 30). Nesse processo de análise da visão de ética dos professores colaboradores pude perceber, em algumas falas e observações, certas semelhanças com a visão de ética contida nos PCNs como quando falam na necessidade da escola ser um espaço de construção da cidadania, de desenvolvimento da autonomia moral, ou também quando definem ética como norteadora de comportamentos e ações segundo um conjunto de valores e princípios. Porém, uma das definições que os PCNs apresentam sobre ética é a de que esta seja um pensamento reflexivo sobre valores, normas, regras que regem nossas ações; essa ideia não foi mencionada nas entrevistas como definição de ética e pouco pude vê-la nas observações realizadas. A maior parte dos professores relacionou ética com uma postura profissional a ser seguida, ou mesmo com normas e regras sociais, o que se aproxima mais, segundo a revisão literária feita para este trabalho, com as visões dos autores não sobre ética, mas sobre moral. 4.3.1.2 Visão de Moral Os PCNs (Doc 1) não trazem uma definição muito clara de moral, falam mais da aprendizagem de valores, atitudes e comportamentos. Os textos ressaltam a importância de haver coerência entre os valores que o aluno experimenta em suas vivências escolares e o seu contato intelectual com esses valores, e de ele saber claramente o que se espera dele em termos de regras e normas de comportamento, segundo o projeto educativo da escola, o que inclui as intervenções do professor. O documento também afirma que trata dos conteúdos divididos em três categorias: conceituais, procedimentais e atitudinais, os quais abordam valores, normas e atitudes. Segundo os textos: Para a aprendizagem de atitudes é necessária uma prática constante, coerente e sistemática, em que valores e atitudes almejados sejam expressos no relacionamento entre as pessoas e na escolha dos assuntos a serem tratados. Além das questões de ordem emocional, tem relevância no aprendizado dos conteúdos atitudinais o fato de cada aluno pertencer a um grupo social, com seus próprios valores e atitudes. (BRASIL, 1997, p.53). 73 A aprendizagem de certos procedimentos e atitudes é, segundo os PCNs, instrumento para a construção da autonomia, e a escola deve criar situações que auxiliem o aluno a se tornar cada vez mais autônomo, e para isso contribuem aprendizagens tanto em tarefas individuais, como em trabalhos em grupo, pois que (BRASIL, 1997, p. 64): “Aprender a conviver em grupo supõe um domínio progressivo de procedimentos, valores, normas e atitudes.” Sobre o trabalho em grupo os textos afirmam que sua realização é dificultada, assim como o diálogo a e cooperação, quando na sala de aula as carteiras são fixas; também o processo de autonomia e preservação do bem coletivo são prejudicados quando encontramos salas de aula com os armários trancados. Sobre o que se espera dos alunos a partir do trabalho com os conteúdos atitudinais, algumas ideias (Doc 1, p. 69) são colocadas: que o aluno saiba ter uma posição crítica, responsável e construtiva em diferentes situações e use o diálogo para mediar conflitos e tomar decisões; que perceba-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente; que questione a realidade, formule-se problemas e resolva-os usando o pensamento lógico, a criatividade, a intuição e a capacidade de análise crítica. Os PCNs (Doc 2, p. 33) vêem as normas, regras e valores como orientadores das ações humanas, afirmam que a aprendizagem de valores e atitudes é pouco explorada pedagogicamente e que a informação é importante como fator de formação e transformação desses valores e atitudes, sendo necessário conhecer diferentes valores para eleger um sistema para si. Para tal é necessária a intervenção permanente e sistemática nas relações interpessoais para que o aluno consiga “colocar-se no lugar do outro”, desenvolvendo então atitudes de solidariedade e a capacidade de conviver com as diferenças. O trabalho pedagógico deve incluir: a possibilidade de discussão e questionamento e a não-ocultação de contradições, conflitos e confrontos. [...] oferecer informações, vivências e reflexão sobre as causas e as nuanças dos valores que orientam os comportamentos e tratá-los como produtos de relações sociais, que podem ser transformados. (BRASIL, 1997, p.35). “Como devo agir perante os outros?” Esta é, segundo os PCNs a questão central da Moral e da Ética, a moral refere-se (BRASIL, 1997, p. 49) a “regras precisas e fechadas”. Os textos falam da existência de um “núcleo” moral de uma sociedade, um consenso mínimo, composto por um conjunto central de valores indispensáveis ao convívio entre os membros, sendo negado nesse espaço qualquer perspectiva de relativismo moral (Doc 2, p 50). Também da formação desses valores a escola participa, pois que colabora para a formação moral de seus alunos através da transmissão de valores e normas pelos professores, livros 74 didáticos, organização institucional, etc. Porém, para que esses valores e normas sejam legitimados pelos alunos, alertam os textos, é preciso que os alunos os entendam como contribuidores de seu próprio bem-estar, de seu projeto de vida, para isso são importantes tanto a qualidade do ensino, como a organização do convívio escolar de modo que conceitos como justiça, respeito e solidariedade sejam vivenciados no cotidiano e compreendidos como aliados dessa busca. A participação dos alunos no processo de elaboração de normas e regras, além de auxiliar na legitimação delas, contribui para a construção da sua autonomia moral. Ainda dentro desse processo os PCNs (BRASIL, 1997, p. 79) destacam a importância do professor dar o exemplo, ser coerente, “firmeza se transmite também e sobretudo pela coerência entre o discurso do professor e suas atitudes no convívio escolar.” E mais uma vez ressaltam (idem, p. 85) a permanência e sistemática “Quanto ao desenvolvimento da atitude de valorização do diálogo para procurar esclarecer e, se possível, superar conflitos, é necessário que, cada vez que um conflito apareça, se empregue o diálogo para equacioná-lo e resolvê-lo.” No grupo de professores colaboradores deste estudo encontrei respostas bem variadas quando lhes perguntei qual era o seu entendimento de moral. Alguns associaram moral à formação familiar: Pra mim moral... moral vem muito, assim, daquilo da formação da gente como pessoa. [...] a moral vem de dentro da tua família. [...] O que e até onde eu posso ir, qual é o respeito que eu tenho que ter com o outro. Eu acho que a moral tem bem a ver assim com o que você pode, o que você não pode fazer. Os teus limites e o teu respeito com os outros. (E5, 05.11.12). [...] Um dos alunos mandou um colega sentar-se e fazer a atividade. A professora o repreendeu dizendo que ele não deveria mandar nos outros, que a conversa era com ela. [...] Em outro momento um dos alunos foi um tanto ríspido ao responder algo para uma colega, no que a professora repreendeu-lhe: “Shh, fulano, olha a educação!” (OB5, 1º.11.12). [...] a moral é uma formação, não é particular... é uma formação familiar. São os valores que você desenvolve, cultiva, dentro da casa, que vem lá da barriga da mãe, que vêm vindo, que é o amor, que é o carinho, que é o respeito, que é a responsabilidade. Tudo isso pra mim, faz parte da formação moral da criança, do jovem, do adolescente [...] a formação do ser humano como um todo em cima dos valores [...]. (E3, 05.11.12). [...] Um aluno foi fazer uma conta no quadro e ao errar o resultado, um dos colegas começou a gozar dele, nisso a professora virou para o aluno e disse: “Quando fores no quadro vou deixar que tirem sarro de você pra você ver o quanto dói!” (OB3, 31.10.12). 75 Alguns autores falam sobre uma formação familiar que não sofreu grandes mudanças mesmo com todo o cenário de desenvolvimento industrial vivido na segunda metade do século XX: O termo “moral”, nesse contexto, não deve ser tomado apenas no sentido dos valores, mas também dos hábitos. A aprendizagem das normas relativas à nutrição, à higiene, à saúde, às relações de todo o tipo, às formas de lazer, à participação política e cidadã fazem parte dos esquemas morais de uma sociedade. E esses esquemas são os que, durante muito tempo, continuaram mais ou menos vigentes, submetidos às rotinas, naturalizados. Aparentemente, faziam parte de algo dado pela natureza humana e, portanto, sua mudança era improvável. Sua aprendizagem tampouco necessitava de uma instância separada: a imitação familiar era suficiente. (SUBIRATS, apud IMBERNÓN, 2000, p.199) Outros colaboradores apresentaram uma visão de moral como valores, virtudes: Moral está relacionada aos princípios do bem e do mal, ou seja, são os valores que orientam as ações que possibilitam fazer um posicionamento crítico sobre um tema a ser analisado. (E8, 14.11.12). [...] Os alunos estavam produzindo um texto e a professora solicitou que ficassem em silêncio tanto para poderem organizar suas ideias e para respeitar o colega, para que ele também pudesse organizar as suas. (OB9, 06.11.12). Ah, pra mim a moral eu acho que é aquilo que você tem como virtude, sabe? Tem coisas que pra minha vida servem, e tem coisas que pra minha vida não servem, né? Eu acho que as minhas virtudes, os meus valores. [...] (E1, 09.11.12). [...] A professora, após contar a história “O Menino Maluquinho”, começou a fazer a interpretação oral com eles, entre as respostas ia colocando umas ideias: “Um pouco de travessura pode, mas muito atrapalha.”, “Sou responsável pelo que faço e falo”, “Quem fala coisas boas, recebe coisas boas e vice-versa”, alertando-os a terem cuidado com o que falavam para não entrarem em alguma confusão. (OB1, 29.10.12). A respeito dos valores, da experiência de dar valor, Aranha e Martins (1998) afirmam: Valorar é uma experiência fundamentalmente humana que se encontra no centro de toda escolha de vida. Fazer um plano de ação nada mais é do que dar prioridade a certos valores, ou seja, escolher o que é melhor (seja do ponto de vista moral, utilitário, etc.) e evitar o que é prejudicial para atingir os fins propostos. A consequência de qualquer valoração é, sem dúvida, dar regras para a ação prática. (ARANHA e MARTINS, 1998, p.117). Alguns professores fizeram a associação de moral com regras e normas sociais: E moral é o que eu, é assim os costumes, as regrinhas, essas coisas assim trabalhado. E a formação deles, porque moral e ética eu acho meio, meio junto sabe, conjunto pra se trabalhado meio junto. (E18, 08.04.13). 76 [...] Os alunos estavam lendo individualmente, cada um uma parte, do texto que estava sendo trabalhado. Quando um deles estava lendo, outro colega começou a conversar, nisso a professora interviu: “Eu acho que tu pode ficar em silêncio pra escutar quando o colega lê, é uma regrinha: quando um fala, os outros escutam.” O colega então fez silêncio e o outro prosseguiu com a leitura. (OB19, 06.03.13). [...] Mas assim, outra coisa bem interessante assim que, deixa só te responde pra tu vê o que eu fiz se tu concorda, conjunto de valor, de normas e de noções do que é certo ou errado proibido/ permitido dentro de uma determinada sociedade, e de uma cultura, [...] assim a moral tem a ver com os valores que regem a ação humana, como se lida na comunidade social, que você, tem caráter relativo a alguma coisa que norteia, a moral diz respeito, consciência coletiva, valores, e assim as convenções que são promulgadas por uma questão social, que vai dizer que são regras sancionadas por alguém, mas o que mais me chamou atenção assim, sempre ter em mente que a moral pode ter efeito da consciência coletiva. (E17, 15.03.13). [...] Uma das meninas derrubou lixo no chão, a professora viu e perguntou: “Tu faz assim na tua casa?” A menina respondeu: “Às vezes.” E a professora disse: “Então tu é bem mal ensinada.” Nisso a professora voltou a tomar a leitura do texto que estava no quadro e a menina também não juntou o lixo que havia derrubado no chão.” (OB20, 06.03.13). A associação de moral com normas sociais também parece estar presente nas ideias de Vázquez (2008) quando afirma que: A moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal. (VÁZQUEZ, 2008, p.84). Outros professores afirmaram a relação da moral com a prática, com dar o exemplo aos alunos: A moral eu acho esse caso mesmo ali que eu falei, que tu trabalha bastante assim, mais com os alunos que, que é aquilo que tu mostra, aquilo que tu é, pra ti te, te, exigir deles alguma coisa, tu tem que mostrar, né? Tem que, eles tem que ver o que tu, que tu faz, né? Até porque eles se espelham muito [...] (E12, 18.03.13). [...] Um dos alunos que, segundo a professora, não costumava copiar o que era passado no quadro, naquele dia estava copiando. Ela o elogiou e disse: “Vou te ajudar fulano, porque hoje tu tá copiando.” E copiou no caderno dele o que estava ainda faltando. (OB15, 26.02.13). [...] Moral acho que seria colocar em prática tudo que seria referente à ética, tentar passar pros alunos esse conhecimento dos dois juntos: o que é colocar na ação, não só no diálogo. (E4, 05.11.12). [...] A professora estava contando uma história de um livro. No momento em que mostrou a eles uma página em que estava o desenho de um personagem uma aluna disse que aquele personagem parecia uma dos colegas. A professora disse a ela: “Daqui a pouco nós 77 vamos te achar na historinha pra você parar de falar mal dos outros.” O colega que havia sido ofendido retrucou a menina e a professora ameaçou parar de contar a história e disse que a menina estava tentando “se aparecer” para mim. O menino retrucou a colega novamente e a professora lhe disse que parasse de chamar a atenção. Em seguida continuou com a história. (OB4, 31.10.12). Goergen (2007) fala da impossibilidade da escola não transmitir normas e valores aos alunos: Mesmo que defendêssemos o ponto de vista de que a educação não deveria ocuparse da formação moral dos seus alunos, seria impossível negar que, de uma forma ou de outra, no contexto escolar das relações professor/aluno, dos livros didáticos, das avaliações, estariam sendo transmitidos ideais e imagens de homem, de mundo, de relacionamento, de normas e valores. A influência moral sobre os alunos é impossível de ser evitada no ambiente escolar. (GOERGEN, 2007, p. 746). Alguns colaboradores apresentaram ainda outros entendimentos: Moral é muito relativo, né? O que é moral pra mim pode não ser pra outra pessoa, né? Mas moral acho que é eu ser verdadeiro, ser uma pessoa correta, né? Não, não julgar tão as outras pessoas, né,? Acho que é uma questão, não seguir só a moral que a sociedade nos impõe, porque a sociedade tem uma moral né, tu tem que seguir. Mas na minha vida, eu posso seguir ela mais light, né? (E15, 11.03.13). [...] Um menino havia pedido emprestado o material para outro colega, derrubou o lápis no chão e não juntou. O colega que havia emprestado o material contou o ocorrido para a professora que foi até o outro menino e perguntou: “E tu tinha o direito de jogar o material dos outros no chão?” O menino não respondeu. Ela continuou: “Tenho certeza que teus pais não te educaram pra isso, é sério isso. Mas eu vou falar com eles hoje (haveria uma reunião na escola a noite). Eu vou falar a verdade, o que eu vejo.” (OB21, 08.03.13). Sobre a diferenciação entre moral individual e coletiva Carvalho (1998, p. 177) afirma que “[...] não parece haver simetria perfeita entre ambas, ou melhor, entre a moral individual que obriga imperativamente a consciência e os princípios coletivamente construídos”. Na minha concepção de moral na escola é fazer o melhor que a gente pode para oferecer de bom para os alunos. Ajudar a apontar caminhos que acreditamos que sejam corretos para poder se integrar na sociedade que vivemos. Está relacionado com a concepção de educação que quero oportunizar aos alunos, valorizando seus saberes, proporcionando reflexões sobre atitudes e comportamentos e assim desenvolvendo uma aprendizagem significativa na vida dos alunos. (E9, 14.11.12). [...] A professora entregou aos alunos uma folha com algumas histórias matemáticas que deveriam recortar, colar e resolver no caderno. Um menino perguntou se deveria recortar tudo e depois colar ou se deveria ir recortando e colando, nisso a professora respondeu: “Você 78 quem sabe. Como você está fazendo? Está funcionando pra você?” Então o menino seguiu recortando. (OB11, 08.11.12). A resposta na entrevista e a observação que realizei parecem aproximar as ideias da professora com o relatado por Puig (1988) a respeito da educação moral: A educação moral quer colaborar com os educandos para facilitar o desenvolvimento e a formação de todas aquelas capacidades que intervêm no juízo e na ação moral. [Desse modo] serão capazes de orientar-se de forma racional e autônoma naquelas situações em que lhes é apresentado um conflito de valor. (PUIG, 1988, p.18). A partir dessa análise da visão de moral apresentada pelos professores percebi que ela em muito se assemelha com as ideias contidas nos PCNs sobre a aprendizagem de valores, normas e atitudes, como quando declaram que as normas e valores são os regentes das ações humanas, quando falam na necessidade do professor ser coerente em seu discurso e suas ações, da impossibilidade de o professor deixar de trabalhar a educação moral com os alunos, da importância de trabalhar a reflexão com os alunos sobre suas atitudes e comportamentos. Apenas a visão de moral como formação familiar, apresentada por alguns professores, não aparece nitidamente contemplada nos textos dos PCNs. 4.3.2 PCNS – TEORIA E PRÁTICA Nesta categoria de análise abordarei o processo de trabalho dos professores com os PCNS presentes nos discursos dos professores, nos textos dos PCNs escolhidos e nas observações realizadas. Essa categoria foi dividida em três subcategorias: conhecimento e utilização; papel da escola e professor e como trabalhá-los; PCNs x o que é importante e o que se trabalha. 4.3.2.1 Conhecimento e utilização Todos os professores entrevistados disseram conhecer os PCNs. Apenas uma professora declarou não utilizá-los: Eu inclusive tenho eles em casa, mas é uma coisa que eu não costumo utilizar. Eu manuseio de vez em quando, dou uma olhada, porque no meu dia a dia na sala de aula, não faz parte. Eu até busco alguma coisa lá, mas esporadicamente. (E10, 14.11.12). 79 [...] Os alunos estavam recortado um desenho para colar no caderno. Um dos meninos estava andando pela sala e a professora disse: “Eu não acredito que tu está passeando na sala e teus trabalhos todos aqui sem colar no caderno.” Disse então para ele recortar, mas em seguida recortou para ele e para mais alguns alunos. (OB12, 08.11.12). A atitude da professora parece mesmo ir de encontro às ideias expressas nos PCNs em relação ao trabalho individual dos alunos e à postura do professor na colaboração na construção do processo de autonomia dos educandos: O [trabalho] individual é potencializado pelas exigências feitas aos alunos para se responsabilizarem por suas ações, suas ideias, suas tarefas, pela organização pessoal e coletiva, pelo envolvimento com o objeto de estudo. [...] Para tanto, é necessário que as decisões assumidas pelo professor auxiliem os alunos a desenvolver essas atitudes e a aprender os procedimentos adequados a uma postura autônoma, que só será efetivamente alcançada mediante investimentos sistemáticos ao longo de toda a escolaridade. (BRASIL, 1997, p. 62). Todos os outros professores declararam utilizar os textos dos PCNs, porém de forma diferenciada. Alguns não falaram como os utilizam, apenas afirmaram que o faziam: E: E a professora conhece os PCNs? P: Sim. E: E costuma trabalhar com eles? P: Trabalhamos, trabalhamos. (E2, 09.11.12). [...] Os alunos estavam fazendo uma folha onde deveriam colocar as letras que estavam faltando para completar os nomes dos desenhos. Um deles perguntou qual letra deveria colocar para completar o nome e a professora disse a ele a letra. (OB2, 29.10.12). Embora a professora tenha declarado trabalhar com os PCNs, a situação observada e acima descrita não parece demonstrar consonância com os textos federais quando esses afirmam que: A disposição para a aprendizagem não depende exclusivamente do aluno, demanda que a prática didática garanta condições para que essa atitude favorável se manifeste e prevaleça. Primeiramente, a expectativa que o professor tem do tipo de aprendizagem de seus alunos fica definida no contrato didático estabelecido. Se o professor espera uma atitude curiosa e investigativa, deve propor prioritariamente atividades que exijam essa postura, e não a passividade. Deve valorizar o processo e a qualidade, e não apenas a rapidez na realização. (BRASIL, 1997, p. 65) Outros colaboradores declararam que já haviam estudado os PCNs, mas que atualmente não são textos trabalhados: Os PCNs. Aquela famosa coleção colorida. Ela está na biblioteca. Está ali, guardadinha mas há algum tempo isso foi trabalhado bastante a teoria dos PCNs. Se discutia, hoje em dia, não mais tanto. Não, apesar que ela está presente no nosso planejamento diário. (E9, 14.11.12). 80 [...] Uma menina, logo após a explicação da professora do que deveria ser feito em uma folha de atividades, disse que não havia entendido. A professora foi até ela, leu junto com a menina o enunciado da folha e questionou-a sobre o que deveria ser feito. A menina então respondeu corretamente o que o enunciado estava pedindo, a professora apenas concordou com a cabeça e se afastou. (OB11, 08.11.12). A observação feita acima parece corroborar a afirmação da professora de que a teoria dos PCNs está presente em seu planejamento diário pois os textos (BRASIL, 1997, p. 61) declaram que “Este é o sentido da autonomia como princípio didático geral proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais: uma opção metodológica que considera a atuação do aluno na construção de seus próprios conhecimentos [...].” Alguns professores enfatizaram a presença dos PCNs nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) das escolas e em seu plano de estudos: E: E professora, tu tens conhecimento dos PCNs? P: Tenho. A gente já fez trabalhos nas escolas, no estado, pra escolher temas, temas transversais, pra todo o projeto político pedagógico da escola, então a gente tem um conhecimento dos PCNs sim. E: E no dia a dia na sala de aula tu costumas trabalhar com eles? P: Como eu disse, como a gente já coloca esses temas transversais que vem dos PCNs dentro do projeto político pedagógico da escola, a gente sempre trabalha no dia a dia da escola com isso, não tem como não trabalhar. (E6. 05.11.12). [...] A professora produziu um texto coletivo com os alunos. Primeiro perguntou a eles qual deveria ser o título do texto. Depois que entraram em um consenso, escreveu. Ia perguntando aos alunos para escrever no quadro: “Fulano onde ela foi?” “Beltrano, o que ela fez lá? Cicrano, quem ela viu?” Conforme a resposta escrevia no quadro e todos nos cadernos. (OB6, 1º.11.12). A postura da professora parece de fato estar em consonância com os textos dos PCNs, o que foi especialmente observado no que tange à participação dos alunos: A participação é um princípio da democracia que necessita ser trabalhado: é algo que se aprende e se ensina. [...] O ensino e a aprendizagem da participação têm como suporte básico a realidade escolar para o uso efetivo dos procedimentos aprendidos, para a promoção de capacidades que se quer desenvolver. (BRASIL, 1997, p. 41). A necessidade de adequação das aulas foi destacada por alguns professores no trabalho com os PCNs: Na medida do possível sim. A gente tenta adequar as aulas, né? Utilizando eles, só que às vezes não é fácil manter essa postura dentro dos PCNs, mas eu procuro trabalhar. (E4, 05.11.12). [...] Um aluno se levantou para pedir material emprestado a um colega e a professora o repreendeu para que se sentasse. Logo em seguida uma aluna que não havia recebido uma 81 folha de atividades não comunicou isso à professora e ficou esperando sentada a professora lhe perguntar porque não estava com a folha. (OB4, 31.10.12). A repreensão do comportamento do menino por parte da professora pareceu deixar a aluna um tanto confusa sobre o que deveria fazer, o que pode ser fruto, segundo os PCNs, de uma não colocação clara de regras: O convívio escolar pretendido depende do estabelecimento de regras e normas de funcionamento e de comportamento que sejam coerentes com os objetivos definidos no projeto educativo. A comunicação clara dessas normas possibilita a compreensão pelos alunos das atitudes de disciplina demonstradas pelos professores dentro e fora de classe. (BRASIL, 1997, p. 64) A forma de trabalho e as situações em que abordam os conteúdos dos PCNs foi relatada por alguns colaboradores: Conheço, e a gente trabalha, trabalha sim. Não tivemos uma disciplina específica como antigamente a gente tinha no meu tempo a disciplina moral e cívica né, agora não é separado, agora a gente trabalha dentro dos conteúdos. Tanto tu vai trabalhar um texto de português, geralmente lá tá inserido a questão da ética, da moral, no textinho você trabalha, todos esses assuntos, também é impossível tu não trabalhar. Trabalha sim, todo dia. (E19, 26.04.13). [...] O professor havia passado no quadro algumas questões para a interpretação escrita de um texto dado quando ouviu um dos alunos puxando conversa com outro e disse: “Preciso falar? Preciso falar que tu tá atrapalhando teus colegas?” (OB17, 27.02.13). A atitude do professor parece bem ilustrar os textos dos PCNs quando afirmam que: Por exemplo, não falar ou falar baixo pode, em certas circunstâncias, ser conduta necessária para que os demais colegas possam concentrar-se, refletir, estudar. [...] Fazer silêncio não é, portanto, um imperativo absoluto, e os alunos podem perfeitamente compreender que assim respeitam as atividades dos outros e são respeitados nas suas. O erro didático seria o professor exigir silêncio “porque ele quer” ou “porque ele mandou”, como se sua vontade pessoal legitimasse tal exigência. Diz-se que é erro didático porque não revela ao aluno a razão de ser da regra [...].(BRASIL, 1997, p.80). Alguns colaboradores, ainda, mostraram uma relação de bastante proximidade com os PCNs: Bom, eu tenho os PCNs. Eu já estudei muito os PCNs dentro da proposta pedagógica do município, quando nós começamos a criar nossa proposta política municipal, nosso PPP, que a gente chama. [...] Então os PCNs me ajudaram muito, estou tentando acrescentar, inovar dentro do meu planejamento e trazendo os valores sempre presentes. Acho que os valores, a ética, só surgiu dentro da escola a partir dos PCNs. Porque quando surgiram os PCNs, mudou-se o discurso na formação dos professores. Foi assim, é assim que eu vejo. Então antes você não tinha nem o que discutir porque ninguém tinha um embasamento teórico para nada. E aí, a partir dos PCNs, que o governo disponibilizou gratuitamente para todos os professores, que todos devem ter em sua prateleira de casa, como eu tenho, eu acho que foi uma coisa que melhorou muito. Que sacudiu a educação em termos de, de responsabilidade profissional também. (E3, 05.11.12). 82 [...] O tema foi corrigido no quadro, individualmente os alunos eram chamados para resolverem uma das questões matemáticas dadas como lição de casa. A cada acerto a professora parabenizava-os. (OB3, 31.10.12). Acreditar na capacidade dos alunos e incentivá-los é um tema também abordado nos PCNs: Qualquer pessoa também se sente injustiçada se os outros não reconhecem sua competência, seu valor, seus esforços. Ora, o mesmo raciocínio vale para alunos de qualquer idade. Todos sofrem se sentem que os professores os desprezam, não apostam em sua capacidade de êxito, ignoram suas tentativas de aprender. (BRASIL, 1997, p. 84). Ao realizar o processo de triangulação nesse análise pude perceber que a maior parte dos professores colaboradores desse estudo conhece e utiliza, ao menos em parte, as ideias presentes nos PCNs em relação aos temas ética e moral pois que, ao questionarem seus alunos, estimularem sua criatividade e participação, tratarem o silêncio em aula como forma de respeito ao outro e incentivarem e parabenizarem os educandos por suas conquistas estão em plena consonância com o que os Parâmetros Curriculares Nacionais solicitam de sua postura enquanto profissionais da educação. 4.3.2.2 Papel da escola e professor e como trabalhá-los Todos os professores colaboradores deste estudo declararam trabalhar com os alunos questões éticas e morais, o que também foi constatado, em parte, nas observações. Porém, quando questionei-os se consideravam ser seu papel trabalhar esses temas obtive diferentes respostas. Alguns professores disseram não considerar ser seu papel tal trabalho, embora admitam fazê-lo: Eu não acho que é papel da escola, mas alguém tem que fazer esse papel. O papel da escola, eu sempre digo pros meus alunos, que a educação a gente traz de casa. E quando eu me refiro em educação estou falando ética e moral. Então como alguém falhou, nós temos que retomar aquilo que alguém deixou de fazer. Eu não acho que é papel da escola, mas eu faço e nós todos aqui na escola fazemos pelo simples fato de que: se não há moral e ética, não há aprendizagem. Se você não tem limite, não tem respeito, não tem..., você não domina algumas vontades que te sobressaem às vezes de dizer um palavrão, numa hora imprópria, você não aprende. [...] Então eu não acho que a escola tem, é obrigada, é obrigação da escola, mas a escola está fazendo em função de que os pais, a família, a sociedade deixou de fazer isso. Porque hoje não se tem mais ética na sociedade e isso reflete também nas crianças, na própria família onde os alunos vivem. (E3, 05.11.12). [...] Os alunos estavam fazendo no quadro as contas que haviam sido dadas de tema para correção. Um deles errou o resultado de uma conta e alguns colegas começaram a rir, 83 nisso a professora os repreendeu dizendo que tivessem respeito com o colega e que queria ver como seria quando fosse a vez deles estarem ali. (OB3, 31.10.12). Apesar da declaração da professora de que não é papel da escola trabalhar questões morais e éticas com os alunos, o que contraria os PCNs (BRASIL, 1997, p. 51) quando afirmam que: “É tarefa de toda a sociedade fazer com que esses valores [morais que subjazem a Constituição Federal] vivam e se desenvolvam. E decorrentemente, é também tarefa da escola.”, o que pude observar em sala de aula corroborou sua fala de que trabalha sim com os temas ética e moral pois que sua busca de que os alunos se respeitem parece estar em consonância com os PCNs (idem, p. 65) quando alertam: “Falta de respeito [...] se estabelecidas na classe, podem reforçar os sentimentos de incompetência de certos alunos e contribuir de forma efetiva para consolidar o seu fracasso.” Dentre os professores que declararam ser função da escola e deles próprios trabalharem questões éticas e morais com os alunos, alguns disseram que a escola deve funcionar como uma extensão do que os educandos já trazem de casa: Na minha concepção, a primeira coisa que eu penso de educação, em termos de escola, é que a, a, o professor ele tem que trabalhar a educação para o conhecimento. E dentro desse trabalhar a educação pelo, para o conhecimento, você tem que trabalhar a ética e a moral, porque são coisas que andam juntas dentro da construção da aprendizagem do aluno. [...] Porque dentro desse trabalhar para, para o conhecimento, para o aprender, para, para o crescer dentro do, do conhecimento científico, mas a gente fica quatro horas com as crianças aqui, a gente passa um tempo bem significativo com eles durante o ano todo, então tem que ser uma extensão do que vem de casa também, você precisa trabalhar isso. Muitas vezes as nossas crianças não tem isso em casa, não tem isso na comunidade em que eles vivem, eles acabam tendo, eles acabam se confrontando com esses valores a maioria das vezes, dependendo da realidade de cada escola, na escola. Porque em casa, no bairro, na comunidade, é diferente em alguns lugares. (E1, 09.11.12). [...] Enquanto os alunos terminavam de copiar um texto que a professora passou no quadro ela ia passando nas classes de alguns perguntando de algumas questões, alguns problemas que eles haviam contado para ela, se aquele problema já havia sido resolvido e, às vezes dando algumas sugestões. (OB1, 29.10.12). A declaração da professora e a situação observada acima vão ao encontro do que dizem os PCNs (BRASIL, 1997, p. 51) sobre seu projeto educacional exigir “uma ressignificação, em que a noção de conteúdo escolar se amplia para além de fatos e conceitos, passando a incluir procedimentos, valores, normas e atitudes.” E também que dessa forma “sem prejuízo da aprendizagem de conhecimentos que transcendem o dia-a-dia, a escola sensibilizará e instrumentalizará os alunos para o convívio do cotidiano. Estará, na prática, articulando formação escolar e cidadania.” (idem, p. 87). Quanto às peculiaridades do 84 trabalho educativo os PCNs (idem, p. 89) consideram: “A prática escolar distingue-se de outras práticas educativas, como as que acontecem na família, [...] por constituir-se uma ação intencional, sistemática, planejada e continuada para crianças e jovens durante um período contínuo e extenso de tempo.” Quanto à visão apresentada pela professora de que a escola deva trabalhar os temas ética e moral como uma extensão do que os alunos trazem de casa, os PCNs (BRASIL, 1997, p. 31) endossam a ideia ao afirmar que o trabalho com essas questões envolve: “um processo de aprendizagem que precisa de atenção durante toda a escolaridade e a contribuição da educação escolar é de natureza complementar à familiar: não se excluem nem se dispensam mutuamente.” Outros colaboradores disseram que o trabalho com as questões éticas e morais é seu papel e da escola, porém em função de que a família não tem mais trabalhado esses temas: Ah. Eu acho que é! Pela questão assim, quem deveria mais trabalhar é a família, as famílias. Eu acho que sim. Eu acho que sim, até por, pela deficiência que os alunos tão vindo de casa com esse, nesse sentido. Hoje em dia eles tão perdidos porque, como eu falei antes tem a, a ética e a, a moral é o complemento. O que que eles assistem em casa no nosso meio, é discursa uma coisa e pratica outra. [...] Então, o nosso papel enquanto educador neste meio que nossa escola está inserida, é sim trabalhar os valores éticas e os morais, até porque eles estão muito carentes desses assuntos. Eu me sinto muito feliz trabalhando, trabalho muito isso, pra dar a minha contribuição pra essas crianças, que elas se tornem adultos com mais responsabilidade, com, pelo menos eu tento passar uma questão de valores e de caráter, que as famílias não estão passando. Me sinto feliz trabalhando esses dois temas. Se eu não puder ensiná-los muito, pelo menos que o meu exemplo sirva pra vida deles.(E19, 26.04.13). [...] O professor pegou uma cadeira e ia sentando do lado de cada aluno para que fossem lendo para ele um livro que haviam escolhido. A alguns recomendou que precisavam ler mais e que pedissem para a mãe que fizesse com eles as leituras. (OB17, 27.02.13). Sobre o papel da escola na formação moral dos alunos os PCNs (BRASIL, 1997, p. 39) ponderam: [...] ela [a escola] não deve ser considerada onipotente, única instituição social capaz de educar moralmente as novas gerações. Também não se pode pensar que a escola garanta total sucesso em seu trabalho de formação. Na verdade, seu poder é limitado. Todavia, tal diagnóstico não justifica uma deserção. Mesmo com limitações, a escola participa da formação moral de seus alunos. A maior parcela dos educadores declarou sem ressalvas que é responsabilidade da escola trabalhar os temas ética e moral: Sempre. Acho que isso é muito importante [...] sempre trabalhei as questões de ética, de moral na sala de aula, os bons costumes, isso é certo, isso é errado, isso a gente pode fazer, isso não pode porque prejudica [...] e nós que trabalhamos com crianças pequenas, temos a obrigação de fazer isso desde cedo, porque a gente tem que colocar na cabeça da criança que ela pode fazer diferença ali fora. Então, se ela tiver 85 isso, desde pequenininha, que for colocado isso pra ela e for trabalhado, a nossa sociedade pode mudar, porque tem muita coisa errada, tem muita coisa vergonhosa que acontece e às vezes, a própria escola é culpada porque não trabalha essa parte. [...] às vezes, a mesma está deixando de lado isso, se preocupando com Matemática, com Português, não que não seja importante, é muito importante, mas está deixando de lado essa parte que também precisa ser lembrada. (E10, 14.11.12). [...] Em um momento de tomada de leitura a professora solicitou: “Gente, tem colegas que ainda não acabaram a leitura. Façam silêncio para quem fez silêncio para te ouvir”. Os alunos se acalmaram e prosseguiram lendo individualmente. (OB12, 08.11.12). A defesa da professora encontra-se em plena concordância com a afirmação categórica dos PCNs (BRASIL, 1997, p.51): “[...] cabe à escola empenhar-se na formação moral de seus alunos.” Os quais (idem, p. 27) também parecem concordar com a professora ao lembrarem que: “Essas exigências [impostas pelo mundo contemporâneo] apontam a relevância de discussões sobre a dignidade do ser humano, a igualdade de direitos, a recusa categórica de formas de discriminação, a importância da solidariedade e do respeito.” A respeito da visão dos professores sobre como trabalhar questões éticas e morais com os alunos obtive também diferentes respostas. Uma professora falou da importância de trabalhar os temas em função do que as crianças têm acesso através dos meios de comunicação: Eu acho que a gente pode trabalhar sim porque... Eles estão aí, né? No mundo globalizado, eles tão vendo televisão, eles tão ouvindo rádio, [...] eles tavam preocupadíssimos porque eles assistiram o Fantástico ontem e falava da, do aquecimento global e que no Rio de Janeiro se, né? São probabilidades que podem existir (referente a afirmação que cidades litorâneas poderiam ser submersas em função do aquecimento global), mas eles vieram me pedir: “Profe, qual é a altitude de Frederico em relação ao, ao Rio de Janeiro?” Daí eu disse, daí eu expliquei, né? “Que que eles falaram?” “Não, diz que se o nível (da água) subir setenta metros vai inundar, e aqui, quantos metros são?” Daí eu disse então: “Então vamos pesquisar.” E aí a gente foi pesquisar a altitude, porque não é “conteúdo” deles, né? Mas foi o que eles pediram. E eu disse: “Ó, tem 566 metros.” “Ah, então não vai afetar nós.” “Como que não vai afetar? De que forma que vai afetar?” Daí um dizendo: “Não, mas é claro que vai, porque a água vai tá lá e as pessoas vão começar a subir pra morar. Aqui vai ter superpopulação.” Daí tu: “Pois é, e o emprego?”, né? Então, a gente começou, acho que essas, todas essas questões a gente tem que colocar pra eles porque eles são pequenos, né? Relativamente pequenos, mas eles tão vendo, e eles, são coisas que a tv passa, que o jornal passa, que, sabe? Eu acho bem importante a gente trabalhar pra eles já ter, formando o caráter, a personalidade deles, ter uma visão assim “o que que é a solidariedade?”, “o que que é a justiça?”, né? Eu acho bem importante trabalhar isso. (E5, 05.11.12). A professora passou um texto no quadro sobre economia e política no Rio Grande do Sul na época do Império. Ao trabalhar a interpretação oral do texto perguntou a eles se já tinham visto na televisão algo sobre eleições e comparou a forma como os representantes 86 políticos são escolhidos atualmente em nosso país com a eleição para diretores nas escolas. (OB5, 1º.11.12). Esse trabalho realizado pela professora remete aos PCNs (BRASIL, 1997, p. 33) quando esses falam da necessidade da escola ser: [...] um espaço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e universais. Alguns professores declararam trabalhar ética e moral principalmente procurando ser exemplo para os alunos: Ah, acho que mais quase mais dando exemplos do que, e também nas atividades, né? Mas parece que, que eles, eles copiam muito a gente, eu já percebi. Até pelo, que nem eu a vez bati, bati, bato palmas ahm, pra fazer, fazer silêncio, e eu já notei que uns começaram a bater palma quando tem muita, tá tumultuada, então é um exemplo né, tem vários. [...] eu noto se, se eu falo alto eles também, eles vão alterando a voz, então eu tô tentando me, me corrigir também pra tentar falar baixo, tentar tratar eles com, com carinho, com, com respeito [...]. (E16, 15.03.13). [...] Alguns alunos levantaram e estavam correndo pela sala, a professora pediu, num tom de voz mais alto, que se sentassem. Eles se sentaram, mas em pouco tempo já estavam em pé novamente. [...] A professora iria passar algo no quadro e perguntou aos alunos: “Quem que é a minha ajudante mesmo?” Eles responderam e ela disse à menina que viesse até o quadro. [...] Na correção de uma folhinha, com os alunos agitados, ela apenas corrigiu as contas verbalmente, poucos alunos estavam acompanhando e um disse em tom baixo, como se estivesse falando consigo mesmo: “Não entendi nada, não sei pra que corrigir.” (OB18, 27.02.13). Essa responsabilidade do professor em ser modelo para os alunos também é aludida nos PCNs (BRASIL, 1997, p. 81) quando afirmam que: [...] as atitudes respeitosas devem partir do professor, pois serão vistas como modelos, sobretudo pelas crianças menores.” E também quando consideram (idem, p. 37) que ser modelo trata-se de “[...] oferecer aos alunos a perspectiva de que tais atitudes são viáveis, exequíveis, e, ao mesmo tempo, criar possibilidades concretas de experienciá-las.” Uma significativa parcela dos colaboradores relatou trabalhar questões éticas e morais utilizando textos: Que nem eu te falei, a gente vai trabalhando, tu pega um texto, né? Em cima do texto, de uma poesia, o que que fala, “O que que tá falando aí, tu achou certo essa atitude, tu achou errado?” Assim, geralmente a gente trabalha assim. Procurando, sempre pro lado lúdico, tirar alguma coisa “O que que você aprendeu?” Aí você consegue, a gente não pega assim uma aula “Vou trabalhar sobre solidariedade”, tal 87 tema, não, nem a religião. Sempre assim, sempre dentro dos textos, “Achou certo a atitude? Achou errado? Que que tu acha que podia melhorar?” [...]. (E2, 09.11.12). [...] A professora passou no quadro um texto e depois que os alunos copiaram pedia que lessem individualmente todo o texto. Não fez qualquer tipo de interpretação oral ou escrita e disse: “Quem já leu faz um desenho sobre o texto.” (OB2, 29.10.12). A situação observada acima pareceu não estar de acordo com as declarações dadas pela professora, tampouco com a ideia de transversalidade presente nos PCNs: A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender na realidade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade). (BRASIL, 1997, p. 31). Outro grupo de professores também relatou trabalhar com textos, mas enfatizou a importância de fazer ligações com a realidade dos alunos: Eu trabalho assim, muito no diálogo, eu converso muito com eles. Sempre que tiver um texto, que tiver uma atividade, que falar sobre o assunto, eu puxo pra nossa vida, pra vida deles, pra convivência em grupo, pra convivência no dia a dia deles, na, na, no, na comunidade, na família, com os amigos, e eu deixo em aberto, não falo o que é certo, o que é errado, eu deixo no ar. “O que que você acha se tem dois coleguinhas por exemplo brigando?” Eu deixo, já deixo no grupo. “Que que vocês acham sobre isso, é certo ou é errado? Eles mesmos sabem, e eles mesmos falam. E daí, eu, eu aí eu tento passar a mensagem: não é legal. É melhor a gente viver em paz, em união, do que em guerra. E outro ponto que eu tento passar é assim, é que a pessoa se coloque no lugar da outra, eu chego pra criança e digo: “Você acha certo o que você fez? E se alguém tivesse feito isso com você, você iria gostar? Não, certamente. Então a gente nunca faz pro outro aquilo que gente não gosta que faça pra gente”, e eles entendem a mensagem. (E19, 26.04.13). [...] O professor entregou aos alunos uma folha onde constavam os grupos de pessoas que constituíam a escola como: alunos, professores, serventes, etc., para que os alunos escrevessem as atividades que desempenhavam. Um dos alunos disse não saber o que era servente e o professor explicou quem eram as pessoas e perguntou aos alunos o que esse grupo fazia na escola. [...] Corrigiu no quadro perguntando aos alunos o que, por exemplo, os professores faziam, os alunos iam dizendo e o professor anotando e questionando-os. (OB17, 27.02.13). A respeito da importância do diálogo os PCNS (BRASIL, 1997, p. 85) afirmam que: “Quanto ao desenvolvimento da atitude de valorização do diálogo para procurar esclarecer e, se possível, superar conflitos, é necessário que, cada vez que um conflito apareça, se empregue o diálogo para equacioná-lo e resolvê-lo.” Também sobre a resolução de conflitos nas relações interpessoais consideram (idem, p. 34): “[...] o grande desafio é conseguir se colocar no lugar do outro, compreender seu ponto de vista e suas motivações ao interpretar 88 suas ações. Isso desenvolve a atitude de solidariedade e a capacidade de conviver com as diferenças.” A situação observada acima concorda com os textos dos PCNs quando declaram (BRASIL, 1997, p. 44): “Se escola pretende estar em consonância com as demandas atuais da sociedade, é necessário que trate de questões que interferem na vida dos alunos e com as quais se vêem confrontados no seu dia-a-dia.” Uma grande parte dos professores disse trabalhar questões éticas e morais partindo de situações concretas vividas pelos alunos: Eu acho que, então é, eu acredito eu que trabalhe assim, essa o respeito, seria assim ó: respeitar a sua vez, ter paciência, né? Se eu tô atendendo um aluno, o outro ter essa compreensão que eu tô aqui pra atender a todos, mas é um de cada vez. A justiça então, é o caso, eu vejo como a troca de empréstimo de material, [...] eu não obrigo ninguém a emprestar, mas sempre trabalhando assim que seria bom, um dia tu pode precisar um lápis de tal cor, outro dia o colega pode te retribuir com outra coisa, [...] E sobre solidariedade também é ser assim colega, amigo, eu repartir um lanchezinho que eu tenho, claro que nada de exploração, porque existe às vezes a pessoa só vai com aquele colega porque ele tem tal merenda, então isso também hum, assim eu tento conversar com eles, né, vamos assim ser amigo então sempre, não ser amigo só na hora que tem algo de bom pra dividir, né? Então eu acho que, que essa parte assim dentro da, do possível a gente vai no oral, vai conversando com eles, e que, né, vai desenvolvendo então esse valor que, que eu acho que é fundamental. (E14, 11.03.13). [...] Um aluno contou para a professora que dois colegas haviam brigado no dia anterior. A professora disse que pedissem desculpas um ao outro, os alunos pediram e ela disse que isso não deveria acontecer, que eles eram colegas e deveriam ser amigos. (OB14, 25.02.13). Sobre o trabalho com questões éticas e morais os PCNs (BRASIL, 1997, p. 34) afirmam o necessário envolvimento da escola: “A escola, por ser uma instituição social com propósito explicitamente educativo, tem o compromisso de intervir efetivamente para promover o desenvolvimento e a socialização de seus alunos.” Também a postura da professora em explicitar que comportamentos são esperados dos alunos está em consonância com os textos dos PCNs (idem, p. 53) quando afirmam que “Para a aprendizagem de atitudes é necessária uma prática constante, coerente e sistemática, em que valores e atitudes almejados sejam expressos no relacionamento entre as pessoas [...].” Outros professores também falaram do trabalho com situações reais pelas quais os alunos passam, porém enfatizando a reflexão: Bom, na sala de aula, eu procuro valorizar os diferentes conhecimentos que existem. Procuro desenvolver atividades em grupo, um aluno que tem mais dificuldade realiza trabalhos com um outro que já domina o conteúdo. Faço intervenção quando necessário. A ajuda mútua é importante. Situações reais que acontecem no dia a dia, trazidas na sala de aula pelos alunos, realizar reflexões. A sala de aula é um espaço 89 de aprendizagem. Esses valores fundamentais como o respeito, a ajuda, o diálogo, a solidariedade, ela deve acontecer não só na teoria, mas nas vivências da sala de aula, demonstradas nas atitudes e comportamentos dos alunos e do professor. (E9, 14.11.12). [...] Uma menina estava ajudando outra a realizar a atividade e a professora lhe disse: “Ajuda ela, mas sem dar a resposta, porque ela precisa entender.” A menina concordou e disse que sabia que deveria ajudar dessa forma. (OB11, 08.11.12). Assim como a declaração da professora a situação observada acima parece estar em consonância com os PCNs (BRASIL, 1997, p. 33) quanto ao papel do professor e da interação entre os alunos: A orientação proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais reconhece a importância da participação construtiva do aluno e, ao mesmo tempo, da intervenção do professor para a aprendizagem de conteúdos específicos que favoreçam o desenvolvimento das capacidades necessárias à formação do indivíduo. Completam ainda os PCNs (idem, p. 61) ao considerar que “Cada aluno é sujeito de seu processo de aprendizagem, enquanto o professor é o mediador na interação dos alunos com os objetos de conhecimento; o processo de aprendizagem compreende também a interação dos alunos entre si, essencial à socialização.” Pude constatar nesse processo de análise que todos os colaboradores do estudo trabalham principalmente questões morais com os alunos. O trabalho de reflexão ética também pude observar com alguns professores em certos momentos. Ainda que alguns professores tenham declarado não ser seu papel trabalhar esses temas com os alunos, a observação do cotidiano em sala de aula revelou o que alguns assumiram: que mesmo não considerando ser seu papel, ainda assim fazem esse trabalho. Também pude notar a importância que os professores concedem ao trabalho familiar com as questões éticas e morais envolvidas no processo de educação dos alunos e, em alguns casos, a dificuldade em trabalhar esses temas quando a família apresenta uma visão diferente da escola sobre o que considera que deva ser tratado com os alunos sobre esses aspectos. A respeito das formas de trabalho com questões éticas e morais desenvolvidas pelos professores, constatei que todas as formas citadas, quais sejam: o trabalho com meios de comunicação, a procura em ser exemplo para os alunos, a utilização de textos e o partir de situações reais vividas pelos alunos, todas elas são formas abordadas e corroboradas pelos textos dos PCNs. 90 4.3.2.3 PCNs x o que é importante e o que se trabalha Praticamente todos os colaboradores deste estudo destacaram o respeito como, se não o principal, um dos principais valores a serem trabalhados com os alunos. Alguns professores enfatizaram a importância de trabalhar o respeito e a solidariedade entre os alunos: Ah, eu acho que todos. Todos os valores, mas o respeito, a questão do, do respeitar o outro, de tu ser mais humano né, eu acho que é muito importante porque eles não sabem o que é respeito, eles não sabem o que é tu ahm, por exemplo, pedir pro colega emprestado, pedir com licença, eles não sabem esse tipo de coisa, eles é grito, “sai, sai da frente!”, como educar essa questão do respeitar o outro é muito importante, eu acredito que o respeito, principalmente o respeito. É muito importante. (E15, 11.03.13). [...] Um dos alunos disse para outro: “Sai da frente fulano!” A professora falou em tom calmo: “Não é sai da frente, é com licença.” O aluno então disse: “Com licença, fulano.” (OB21, 08.03.13). A declaração da professora e sua atitude observada parecem endossar os textos dos PCNs quando falam do convívio escolar: A qualidade do convívio escolar para a compreensão e valorização da dignidade, evidentemente vale para o respeito mútuo: o aluno deve sentir-se respeitado e também sentir que dele exigem respeito. O convívio respeitoso na escola é a melhor experiência moral que o aluno pode viver. (BRASIL, 1997, p. 80) É, eu penso o respeito, essa, esse de, de também ajudar, como quando o coleguinha terminou, tem uns adiantados que vão bem e tal, eu tenho, eu sempre peço: “Ó, ajuda, ajuda o coleguinha”. [...] eu peço pra aqueles que terminam ajudar o coleguinha, ajuda aqui, ajuda, os que sabem um pouco mais ajudam outro, daí eu acho que isso também é passar, eles tão se ajudando, eles aprendem com eles, entre eles também né, e né, esses valores assim, que de se ajudar, de se respeitar [...]. (E16, 15.03.13). [...] Um dos alunos pediu para a professora para fazer o trabalho com outro colega, a professora respondeu: “Não se juntem que é pior, só pra demorar, quem fez sozinho já acabou.” (OB18, 27.02.13). A observação da situação acima descrita parece estar em desacordo com as declarações da professora e também dos PCNs em várias passagens, como quando falam (BRASIL, 1997, p. 63) que “Relações de cooperação são relações entre iguais, baseadas e reforçadoras do respeito mútuo, condição necessária ao convívio democrático.”; também quando expõem os conteúdos a serem trabalhados dentro do tema solidariedade (idem, p. 75) tais como: “[...] as formas de atuação solidária em situações cotidianas [...], a sensibilidade e a disposição para ajudar as outras pessoas, [...].”; e, ainda quando afirmam: Em sala de aula, [...] é preferível fazer com que eles se ajudem mutuamente a ter sucesso nas suas aprendizagens: aquele que já sabe pode explicar àquele que ainda 91 não sabe, aquele que não sabe deve poder sentir-se à vontade para pedir ajuda, para perguntar, [...].(idem, p. 86). Alguns professores enfatizaram o trabalho com os valores relacionados à família: Eu acho uma coisa bem importante trabalhar com os alunos a questão do amor, do respeito e da família, sabe? Por mais que a gente trabalhe sempre com eles os moldes diferenciados de família, que, a gente nem trabalha “família”, a gente trabalha “com quem você mora?” O amor, o dizer pra pessoa que mora o quanto você a ama, o quanto gosta, o respeitar, o dar beijo, o ter carinho, nunca faltar com a educação. As pessoas mais velhas também acho bem importante trabalhar porque a maioria deles tem o vô e a vó perto, eu acho bem importante trabalhar esse tipo de coisa, amor e respeito principalmente. (E5, 05.11.12). [...] Alguns alunos chegaram atrasados. A professora os recebeu carinhosamente com abraços, alguns a beijaram no rosto e ela retribuiu. (OB5, 1º.11.12). As declarações da professora, referendadas pela forma como recebeu os alunos em aula parecem estar em consonância com a proposta da (LDB, 1996, apud PCNs, BRASIL, 1997, p. 15) de que na escola devem ser criadas condições de aprendizagem para “[...] o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.” Também consideram os PCNs: A mídia, a família, a igreja, os amigos, são também fontes de influência educativa que incidem sobre o processo de construção de significado desses conteúdos. Essas influências sociais normalmente somam-se ao processo de aprendizagem escolar, contribuindo para consolidá-lo; por isso é importante que a escola as considere e as integre ao trabalho. (Idem, p. 39). Outros professores trouxeram a importância de trabalhar o respeito às diferenças: O principal de todos é o respeito, respeitar o outro, respeitar as diferenças, saber que a minha liberdade ela vai até aonde começa a liberdade do outro. Eu posso expressar a minha opinião, mas eu tenho que respeitar a opinião do meu colega também, né? O respeito intelectual e o respeito físico também, que a gente enfrenta bastante dificuldade. (E1, 09.11.12). [...] Os alunos estavam lendo individualmente, cada qual um trecho, de um texto no quadro. Alguns apresentavam mais dificuldades, a professora por vezes auxiliava um pouco e os demais esperavam em silêncio os colegas terminarem. (OB1, 29. 10.12). A declaração da professora, bem como a situação observada acima, parecem ir ao encontro de várias ideias expressas nos textos dos PCNs, como: “Portanto, para além do que se chama de conjunto central de valores, deve valer a liberdade, a tolerância, a sabedoria de conviver com o diferente, com a diversidade [...]” (BRASIL, 1997, p. 50). Também os objetivos gerais de ética para o ensino fundamental (idem, p. 65) afirmam a necessidade de “[...] adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas, respeito esse necessário ao convívio numa sociedade democrática e pluralista; [...].” Ainda os PCNs declaram como 92 critério de avaliação (idem, p. 77) que o aluno perceba e respeite diferentes pontos de vista nas situações de convívio: “Espera-se que o aluno seja capaz de perceber e respeitar o fato de existirem, num grupo, diferentes opiniões, desejos e ideias; diferentes formas de expressão e participação e diferentes processos de aprendizagem, sendo o seu próprio um deles.”. Uma professora falou em especial da questão do meio ambiente: [...] Então eu acho assim que a, a, as crianças de hoje ainda elas vão ter, daqui uns, elas vão ter uma outra mentalidade, porque a gente tá conseguindo colocar alguma coisa na cabeça deles em questão de lixo, em questão de meio ambiente, [...] os alunos falam, principalmente lá no interior eles dizem, “pai”, “profe tu fala, fala mas a gente fala em casa e eles dizem que não, que tem que joga no rio”, então as crianças já tão tendo uma outra formação, uma outra, eles têm uma visão, né, alguma coisa assim. Mas é quem destruiu? Enfim, eu acho que essa geração aqui não vai destruir, eu tenho impressão que não vai destruir [...]. (E12, 18.03.13). [...] Alguns alunos apontaram o lápis em suas classes, recolheram o lixo e levantaram sozinhos para depositá-lo no cesto. (OB15, 26.02.12). Ao abordar a questão da transversalidade os textos dos PCNs (BRASIL, 1997, p. 63) entram em consonância com a declaração da professora ao alertar que “[...] temas como a preservação da natureza dizem respeito diretamente à vida humana, pois poluir rios causa problemas de doenças em quem depende de suas águas. Ou seja, desrespeitar a natureza significa desrespeitar as pessoas que dela dependem.” E também corroborando a situação observada declaram: Finalmente, há regras cuja finalidade é preservar as dependências escolares, como não jogar papel no chão, [...]. Mais uma vez, essas regras não devem ser vistas, pelos alunos, como imposições arbitrárias, mas sim como tradução do respeito mútuo: cuidar do que é de todos. Tal aprendizado ajudará a criança a construir o conceito de patrimônio público, coletivo, tão importante para o exercício da cidadania. O zelo pela conservação das dependências escolares é um dos primeiros passos a serem dados, já por crianças do primeiro ciclo. À medida que crescerem, o conceito de espaço “público” será generalizado a espaços mais amplos (como a cidade) e mais abstratos (como as instituições políticas). (idem, p. 80). Os textos dos PCNs relacionam quatro tópicos a serem trabalhados dentro do Tema Transversal Ética, quais sejam: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade. Nas declarações dos professores e nas situações observadas pude notar como principal preocupação o desenvolvimento de atitudes e comportamentos relativos ao respeito e à solidariedade; ao passo que a valorização do diálogo e da incrementação por parte dos alunos da noção de justiça estiveram praticamente ausentes tanto nas falas dos professores quanto nos momentos observados. 93 4.3.3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES Nesta categoria de análise abordarei o processo de formação dos professores presente em suas declarações, nos textos dos PCNs escolhidos e na teoria específica. Essa categoria foi dividida em duas subcategorias: formação inicial e continuada e presença da ética e moral e capacitação para trabalhar essas questões. 4.3.3.1 Formação Inicial e Continuada Dentre os dezenove professores colaboradores deste estudo, apenas um ainda não concluiu curso superior. Dos professores graduados apenas um ainda não possui curso de Especialização. A imensa maioria dos professores tem Graduação em Pedagogia e as áreas das Especializações variam entre: Interdisciplinaridade, Educação Especial, Gestão Escolar, Psicopedagogia, Matérias Pedagógicas do Ensino médio, Educação Inclusiva e História Regional. Todos os colaboradores declararam realizar cursos de formação continuada. Alguns fizeram referência aos locais onde buscam sua formação como: grupos de estudo dentro da escola, SMEC, URI, CRE e UNOPAR. Alguns professores falaram da obrigatoriedade e da relevância da formação continuada: A gente faz assim, todos os anos né, aquelas fornecidas pela Secretaria de Educação, e as outras que a gente busca assim, pra melhorar o nosso conhecimento, e até por uma questão de plano de carreira, de exigências legais, então a gente faz, ahm, na URI ou em, em alguma outra universidade, e as que são oferecidas pela SMEC, então que são obrigatórias, né? Mas são boas também. [...] é difícil um professor passar um ano sem fazer né, um curso, um, assistir uma palestra, ou fazer um simpósio assim na área, é, é essencial pra nossa profissão, né? Buscar novos conhecimentos e também entrar em contato com os colegas, e com que, que nem educação ela tá sempre inovando, não é uma coisa parada, estática, né? Surgem novos escritores, novos, novas propostas, a gente tem que tá atualizado, né? Que nem aqui, né? (E19, 26.04.13). Imbernón (2011, p. 50) vê como um dos eixos de atuação da formação permanente dos professores “A troca de experiências entre iguais para tornar possível a atualização em todos os campos de intervenção educativa e aumentar a comunicação entre os professores.” Sobre o papel da formação continuada para o aprimoramento do trabalho do professor os PCNs afirmam: Além de uma formação inicial consistente, é preciso considerar um investimento educativo contínuo e sistemático para que o professor se desenvolva como 94 profissional de educação. O conteúdo e a metodologia para essa formação precisam ser revistos para que haja possibilidade de melhoria do ensino. A formação não pode ser tratada como um acúmulo de cursos e técnicas, mas sim como um processo reflexivo e crítico sobre a prática educativa. Investir no desenvolvimento profissional dos professores é também intervir em suas reais condições de trabalho. (BRASIL, 1997, p. 25) Nessa mesma direção, porém se aprofundando mais na questão, Imbernón (2009) fala sobre necessidades de mudança na formação do professorado: [...] mais do que ter a intenção de “atualizá-los”, potencializar uma formação que seja capaz de estabelecer espaços de reflexão e participação para que “aprendam” (mais aprendizagem do que ensino na formação) com a reflexão e a análise das situações problemáticas dos centros e que partam das necessidades democráticas (sentidas) do coletivo para estabelecer um novo processo formativo que possibilite o estudo da vida na aula e no centro, os projetos de mudança, o trabalho colaborativo como desenvolvimento fundamental da instituição educativa e do professorado. (IMBRNÓN, 2009, p.39). Dificuldades em relação ao tempo de realização e a falta de professores também foram colocadas por alguns colaboradores: E daí a continuada a gente faz cursos, né? Que o município pede que a gente faça. Alguns o estado também exige porque eu trabalho 20 e 20 (horas no município e no estado). Assim, geralmente a gente faz mais o que as escolas exigem, porque eles já tão exigindo bastante e daí a gente, o tempo da gente é curto, né? Então geralmente a gente faz o que o município tá exigindo e o que o estado também tá exigindo que não é pouco. Então essas são as formações continuadas assim, algumas, raramente eu tenho feito assim, cursos fora do que a, a instituição tá exigindo. (E2, 09.11.12). Endossando a premissa de que quantidade não significa qualidade Imbernón (2009) afirma: Paradoxalmente, há muita formação e poucas mudanças. Talvez seja porque ainda predominem políticas e formadores que praticam com afinco e entusiasmo uma formação transmissora e uniforme, com um predomínio de uma teoria descontextualizada, válida para todos, estejam onde estiverem, distante dos problemas práticos reais, com base num professor médio que não existe. (IMBERNÓN, 2009, p.34). Sempre que posso participo de cursos oferecidos na esfera estadual e municipal, buscando a formação contínua através de cursos com menos tempo de duração sequente preferindo os cursos feito com etapas intercaladas. [...] A frequência nos cursos é baixa devido compartilhar horários da realização dos cursos com o trabalho de sala de aula, uma vez que não há professor substituto para atender os alunos enquanto se busca aperfeiçoamento, sendo assim, sempre participo dos cursos agendados previamente pela SMEC no calendário escolar. (E8, 14.11.12). Embora não trate do tempo exíguo para a realização da formação continuada, tampouco da falta de professores, os PCNs reconhecem algumas falhas afirmando a exigência atual de: [...] uma política educacional que contemple a formação inicial e continuada dos professores, uma decisiva revisão das condições salariais, além da organização de uma estrutura de apoio que favoreça o desenvolvimento do trabalho (acervo de livros e obras de referência, equipe técnica para supervisão, materiais didáticos, 95 instalações adequadas para a realização de trabalho de qualidade), aspectos que, sem dúvida, implicam a valorização da atividade do professor. (BRASIL, 1997, p. 30) A questão da falta de professores, agravada pelo funcionamento em células da instituição escolar, talvez possa ser amenizada pela proposta de Imbernón de desenvolvimento de um paradigma colaborativo entre os professores. O autor explicita que esse novo paradigma requer uma: Aposta em novos valores. Em vez da independência, propor a interdependência; em vez do corporativismo profissional, a abertura profissional; em vez do isolamento, a comunicação; em vez da privacidade do ato educativo, propor que ele seja público; em vez do individualismo, a colaboração; em vez da dependência, a autonomia; em vez da direção externa, a autorregulação e a crítica colaborativa. (IMBERNÓN, 2011, p. 86). Igualmente quando o tópico é formação inicial, como continuada, é interessante perceber que parece não haver escassez de oferta e de profissionais habilitados, uma vez que praticamente todos os professores participantes deste estudo possuem curso de Especialização e todos declararam participar de cursos de formação continuada. Alguns problemas a respeito da organização dos cursos de formação como tempo exíguo, choque de horário com o trabalho em sala de aula e falta de professores substitutos foram apontados por alguns professores, mas não são mencionados pelos PCNs. Todas essas questões convergem para as ideias apontadas por Imbernón, já citadas anteriormente, como a necessidade de criação de um paradigma colaborativo entre os professores e a urgência de desenvolvimento de um processo de formação contínua que tenha a escola e seus problemas reais e locais como foco. 4.3.3.2 Capacitação para o trabalho com questões éticas e morais A maioria dos colaboradores deste estudo declarou que em seu processo de formação inicial e/ou continuada foram/são trabalhadas questões referentes aos temas ética e moral. Eu vejo que, hoje o enfoque é sempre pra esse lado. Porque todas as, as formações e cursos que você faz, ninguém mais diz assim: “Você tem que dar o teu conteúdo e preparar o aluno pro vestibular, preparar o aluno pro ensino médio, ou pra universidade”, ninguém diz isso. Eu vejo assim, que o enfoque maior hoje é sempre pra formação do ser humano. Não que você tenha necessariamente que deixar de lado o conteúdo, eu comecei portanto, a fazer as duas coisas. Você assistiu a minha aula e deve ter percebido que, a partir do momento que eu sinto necessidade de parar, que eu consigo encaixar alguma coisa, eu chamo a atenção do aluno, e trago eles pra formação moral e ética, que é muito difícil para o aluno definir o que que é ética e o que é moral. Mas eu vejo que os cursos hoje são assim. E aí nós vivemos aquele, o drama, daquilo que você é cobrado como profissional, como professor, como orientador, como formador, e a sociedade. Porque a sociedade, todo mundo é um pouco professor, porque todo mundo fala do professor aquilo que quer, que acha que deve, independente de ter conhecimento de causa ou não e aí o que é que a sociedade mede? Mede o IDEB. Mede o quê? O índice de reprovação de uma 96 escola. Mede o quê? A evasão escolar. Por que evadiu? Porque o professor é um incompetente. Então vejo que a escola tem que fazer muitas coisas hoje. E talvez esse fazer muitas coisas esteja fazendo com que se faça menos aquilo que se deveria fazer. Para mim, escola tinha que ser mais conteúdo, mais conhecimento científico do que o moral, já que isso, no meu ponto de vista, compete à família. E aí, nós acabamos sempre fazendo um pouco de tudo. Mas eu acho que os cursos puxam muito pra ética, sim. A nossa pós-graduação foi sempre pautada em cima da formação do ser humano. Avaliando e analisando o todo, por isso que já é a interdisciplinaridade. (E3, 05.11.12). Como já referido anteriormente, em sala de aula observei a seguinte situação: [...] Os alunos estavam fazendo no quadro as contas que haviam sido dadas de tema para correção. Um deles errou o resultado de uma conta e alguns colegas começaram a rir, nisso a professora os repreendeu dizendo que tivessem respeito com o colega e que queria ver como seria quando fosse a vez deles estarem ali. (OB3, 31.10.12). A respeito do acúmulo de funções da escola Imbernón (2009) considera: [...] se entrarmos no campo do professorado, podemos observar uma falta clara de limites das funções do professorado, dos quais se exige resolver os problemas derivados do contexto social e que este já não soluciona, e o aumento de solicitações e competências no campo da educação com a consequente intensificação do trabalho educativo (o que faz com que se executem muitas coisas e muitas malfeitas), colocando a educação no topo das críticas sociais. E um longo et Cetera. (IMBERNON, 2009, p. 8). E completa afirmando que vivemos: Numa época, enfim, na qual as instituições educativas parecem desorientadas devido aos múltiplos deveres e informações recebidos, o excesso de responsabilidade que se deposita nelas e, como consequência, por causa da análise crítica de que são objeto pelos resultados obtidos. (idem, p. 100) Sim, sim é muito focado, até porque nós temos como obrigatoriedade trabalhar os temas transversais, que são, que trabalham bem o foco do, tem a parte do meio ambiente, a parte de saúde, a parte da ética, né, que eles tão, no caso seria obrigatório tu trabalhar essas, assim no último curso que eu tive muito assim a formação do cidadão né, que a lei maior nos fala que nos temo que formar cidadões (sic) né, tu tem que ensinar a ler, escrever e calcular, conhecimentos básicos, mas tem que ensinar eles a ser, exercer a sua cidadania né, a serem coerentes com aquilo que, que for bom, regras e comportamento. (E14, 11.03.13). [...] A professora estava contando uma história e fazendo a interpretação oral ao mesmo tempo. Os alunos começaram a ficar agitados, levantando-se e conversando entre eles. A professora parou de contar a história e explicou o que teriam ainda de atividades naquele dia. Depois disse: “Vou continuar a história e não quero conversa e caminhação na sala que nem antes, certo?” “Certo!”, responderam os alunos em coro. Ela seguiu com a história. (OB14, 25.02.13). 97 Embora a professora tenha apresentado como foco da formação cidadã as questões referentes a regras e comportamentos, esse processo vai muito além e deve estar presente na formação do educador, como assinala Lins (2003): O educador é aquele que vive o exercício da cidadania, pratica a ética e busca a construção dos valores sempre em relação ao outro, principalmente quando se entende que o educador existe porque existe um educando. Sua ação corresponde à ação do educando, o qual é o centro da ação educativa; portanto, a formação do educador deve ser organizada a partir do que se pretende em função deste educando. (LINS, 2003, p. 357). Sempre é trabalhado. Como eu tenho Pós-Graduação em Interdisciplinaridade, é importante porque, dentro da interdisciplinaridade, como nós trabalhamos tudo integrado, sempre é trabalhada a ética. E da moral também; porque às vezes falamos muito e colocamos pouco na prática. O que vale é a tua experiência, o dia a dia, o conhecimento que você vem adquirindo. Porque nem sempre aquilo que ouvimos lá é aquilo que podemos trabalhar em sala de aula. Temos que conhecer a realidade de cada aluno pra trabalhar. Temos que conhecer o entorno. Então você tem que trabalhar aquilo que você acha correto, dependendo da realidade de cada aluno, e da realidade nossa aqui. Então a nossa realidade aqui, não adianta você querer trabalhar aqui o que uma outra escola lá do interior vai trabalhar, te dita a realidade da nossa, dos nossos alunados aqui. Ou de outro município e ou estado. (E11, 14.11.12). [...] A professora estava introduzindo um conteúdo novo de matemática. Após explicações no quadro, passou alguns exercícios para os alunos. A maioria ia chamando-a e ela ia passando nas classes para esclarecer dúvidas. Então disse: “Quem não tá me chamando, ou tá entendendo tudo, ou não tá entendendo nada.” E foi na classe de uma menina, mesmo sem ela ter solicitado auxílio. (OB13, 09.11.12). Como forma de aproximar a formação da realidade vivida nas instituições Imbernón (2011, p. 91) defende a formação a partir da escola: “A formação centrada na escola baseia-se na reflexão deliberativa e na pesquisa-ação, mediante as quais os professores elaboram suas próprias soluções em relação com os problemas práticos com que se defrontam.” Por outro lado, alguns professores declararam que as temáticas ética e moral não costumam ser o foco das formações, além de outras observações: ... Essas formações assim ó, que a gente faz, a meu ver assim, são formações meio assim, como é que eu vou dizer, cada formação trabalha, trabalha um assunto assim muito, muito separado, então não se chega sempre assim, alguma que outra vez se trabalha ética e moral, muito pouco, muito pouco mesmo. (E2, 09.11.12). Como já referido anteriormente, observei a seguinte situação: [...] A professora havia passado um texto no quadro, depois da maioria ter copiado começou a tomar a leitura individual de todo o texto. Enquanto um deles estava lendo, alguns alunos começaram a correr em sala de aula, o que nitidamente desconcentrou outros colegas. A professora seguiu tomando a leitura. (OB2, 29.10.12). 98 Como alternativa para uma formação mais integrada Imbernón (2009, p. 39) propõe “partir dos projetos das escolas para que o professorado decida qual a formação de que necessita [...].”. A situação descrita acima pode ser reflexo de uma formação ética e moral docente pobre, o que vai de encontro ao que adverte Lins (2003, p. 354): “Se o professor responde pela formação ética e moral de seus alunos, subentende-se, por hipótese, que deve existir uma formação ética e moral deste professor.” Ah, depende o palestrante, né? Tem um, uns palestrantes às vezes que falam alguma coisa, mas assim é, tu sabe que esses cursos que a gente faz tá sempre muito dentro da autoestima, da, da, sabe? Sempre em cima da, “ah, escolhe um palestrante que, que bota a gente pra cima!”, na maioria dos lugares falam isso, mas a gente sabe que autoestima, eu não sei, autoestima depende de ti, não adianta curso, não adianta palestra. Eu acho isso muito, sabe, eu né, se tu não tá bem contigo, não adianta tu ir lá num curso, numa palestra, claro que vai te ajudar, mas não sei se vai te ajudar tanto, né? Então, ahm, não sei se falar, não, acho que não, eu não vejo tanto sobre ética e moral, não sei se, faz tempo, não lembro muito de ter assistido, assim, uma palestra que tenha falado, dado mais ênfase em cima disso, sabe? (E12, 18. 03.13). [...] Os alunos estavam em silêncio copiando um texto do quadro. Uma outra professora chegou à porta e a professora saiu à porta para conversar algo com ela. Nesse momento os alunos ficaram bem agitados, alguns levantaram-se e muitos conversaram entre si. Apenas acalmaram-se e voltaram à atividade quando a professora retornou para a sala de aula. (OB15, 26.02.13). A necessidade dos professores participarem mais ativamente de sua formação é defendida por Imbernón (2009, p. 77): “É o apoderamento da formação passando a ser parte intrínseca da profissão se o professorado quer ser protagonista de sua formação e desenvolvimento profissional.” Esse assenhoramento de sua formação pode inclusive contribuir para a construção do processo de autonomia de seus alunos pois que, conforme lembra o autor (2011, p. 28), o exercício da docência deve buscar com que: [...] o conhecimento específico do professor e da professora se ponha a serviço da mudança e da dignificação da pessoa. Ser um profissional da educação significará participar da emancipação das pessoas. O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. E a profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca. Quando questionados sobre se sentiam-se capacitados para trabalhar questões éticas e morais com os alunos apenas uma professora declarou claramente que não: Não, porque o professor deve buscar sempre subsídios para trabalhar com os alunos dentro de uma sociedade onde valores éticos e morais possuem visões diferenciadas no mundo globalizado. (E8, 14.11.12). 99 [...] A professora solicitou, após explicação, que fizessem um desenho para um concurso e disse: “Sejam criativos e acreditem, de repente eles podem escolher o de algum de vocês.” Durante a atividade todos se trocavam bastante os materiais, emprestando uns aos outros. [...] Alguns foram até a professora mostrando o trabalho e dizendo que não estava bom, então ela elogiava, tranquilizava-os quando algo não tinha funcionado e dava algumas ideias. (OB9, 06.11.12). Apesar da declaração da professora de que não se sente capacitada para o trabalho com questões éticas e morais, a situação observada acima indica que a professora desenvolve através de sua prática importantes temas com os alunos como a criatividade, a solidariedade e autonomia, o que não implica ser desnecessária uma consistente formação ética e moral, mas sim indica que se possa partir da prática profissional como afirma Veiga (2008): É na ação (práxis) que se explicitam os valores éticos. Por conseguinte, é na ação que devemos buscar inspiração para uma reflexão ética: como se vê, não se trata de buscar uma ética fundada em idealismo ou numa perspectiva metafísica, tendo em vista edificar a ética docente. A fundação desta deve contar com os próprios docentes para configurá-la, uma vez que eles estampariam as dimensões pelas quais seriam cobrados em seu exercício profissional. (VEIGA, 2008, p.47). A maioria dos professores colocou que não se sente totalmente preparado e acrescentou a necessidade de mais formação na área: Às vezes a gente tem dúvidas sim. E gostaria de saber, de ter maneiras diferentes de trabalhar. A gente não sabe se tá fazendo o certo. Às vezes tu quer fazer o melhor e de repente não é por aí. Então, quem sabe com mais formação, com mais cursos sobre isso, ajudando, seria melhor para a gente. Por que às vezes surgem dúvidas sim, como tratar certas questões. Pra não, não ficar melindrando ninguém. Então a gente sempre gostaria de ter mais formações, mas no dia a dia, depois de um certo tempo de serviço que a gente já tem, a gente vai pegando o jeito. Então, um pouco capacitada talvez, totalmente não. (E6, 05.11.12). [...] A professora disse que fariam uma bruxinha montada na vassoura para comemoração do dia das bruxas. Deu a eles uma folha onde cada um desenhou e pintou sua bruxa, recortando-a depois. Explicou como fariam a vassoura. Cada um escolheu a cor do pedaço de EVA que usaria para fazer a parte de baixo da vassoura e recortou-o para fazer as cerdas. A professora apenas usou a cola quente para unir as cerdas aos cabos e colocar a bruxa montada na vassoura. (OB6, 1º.11.12). Embora declare não sentir-se totalmente capacitada para lidar com questões éticas e morais com os alunos, a observação realizada e descrita acima indica a preocupação da professora com o desenvolvimento da criatividade e com o processo de construção da autonomia dos alunos. Segundo Veiga (2008): Embora a dimensão ética não seja, comumente, objeto de explicitações ou mesmo assumida conscientemente em tal processo de ensino e aprendizagem, indiretamente 100 os métodos e técnicas de ensino incidem em tal dimensão, posto que se trata sempre de cuidar do aluno em vista de sua formação, de sua autonomização, de sua cidadania, de sua qualificação, do desenvolvimento de sua personalidade. (VEIGA, 2008, p.46). A respeito de uma maior necessidade de capacitação para o trabalho com as temáticas ética e moral, Lins (2003, p. 361), endossa essa preocupação: “As reflexões e discussões sobre a formação do educador, levando-se em conta sua inserção social e sua influência sobre os alunos, enfatizam a necessidade de um eixo ético/moral.” Também foram colocadas a questão da formação pessoal e algumas dificuldades em âmbito maior: Bem, bem, bem não, eu acho que não, (risos), acho que a gente nunca tá preparada, acho que não, mas teria que ter, teria que ter mais, mais assim, mas eu, como vou dizer, mais ajuda de alguém, formar mais também, se preparar melhor, se forma, mas formar mais, se preparar melhor pra passar isso pros alunos. Hoje eu acho que a gente tem muito pouco, pouco assim de, daí então o que que a gente traz é um pouco de, de casa né, da gente, da formação pessoal mesmo, porque da profissional talvez não tenha tanto, talvez faltaria um, um pouco mais né, de, dessa parte, acho que talvez poderiam ser mais trabalhadas com a gente, até nas próprias reuniões de formação pedagógica que a gente tem, né? Mas daí como que nós vamos, como é que, como é que, se elas que fazem a reunião lá, a pauta lá, o tema, como é que nós vamos chegar, vamos dizer “ai, vamos trabalhar esse tema”, a gente não tem assim ó, talvez a gente poderia ter, mas a gente não tem essa abertura pra chegar e dizer “vamos trabalhar isso e isso.” (E16, 15.03.13). [...] Dois alunos começaram a discutir, falando xingamentos um ao outro. Depois de algum tempo a professora interviu, separando os dois dizendo: “Chega, chega!” [...] Com os alunos agitados a professora estava tentando explicar uma tarefa e disse: “Se vocês calassem a boca, eu ia explicar, assim não dá!” Virou-se para mim e disse: “Eu também não tenho o pulso muito firme.” Após um tempo conseguiu explicar rapidamente a atividade. (OB18, 27.02.13). Ressaltando a necessidade dos professores se apoderarem de seu processo de formação Imbernón (2009) explicita: E esse protagonismo é necessário e, inclusive, imprescindível para poder realizar inovações e mudanças na prática educativa e desenvolver-se no pessoal e no profissional. [...] O desenvolvimento profissional é um conjunto de fatores que possibilitam ou impedem que o professorado avance na identidade. A melhoria da formação e a autonomia para decidir contribuirão para esse desenvolvimento, [...]. (IMBERNÓN, 2009, p. 77). Sobre o paradoxo dos professores participarem do processo de formação dos alunos, mas não ativamente de seu próprio processo de formação permanente Veiga e Araújo (apud CANDAU, 2002) consideram: É estranho que os professores tenham a missão de formar pessoas e que reconheçamos que eles possuem as competências para tal, mas que, ao mesmo 101 tempo, não reconheçamos que possuem a competência para atuar em sua própria formação e para controlá-la, pelo menos em parte, isto é, ter o poder e o direito de determinar, com outros atores da educação, seus conteúdos e formas. (VEIGA e ARAÚJO, apud CANDAU, 2002, p. 124) Certos colaboradores declararam que sentem-se preparados para o trabalho com essas questões em função de sua formação: Eu acho que sim. Sim até por causa da formação. Em primeiro lugar assim a Pedagogia te abre muitos horizontes. Você tem que saber um pouquinho de tudo porque você trabalha com todos os alunos e, além de você trabalhar o conteúdo, eles aprendem a ler, eles aprendem a fazer as quatro operações, eles interpretar histórias matemáticas; além disso você, você fica com o aluno 200 dias. São quatro horas que você fica ali, você fica sabendo da vida inteira do aluno, das dificuldades dele. [...] Então acho assim que eu me sinto capacitada, me sinto mesmo e procuro fazer troca de diálogos aqui com os colegas, entre nós professores a gente conversa muito e, procura fazer cursos quando é oferecido, tem bastante coisa nesse sentido, e leitura também. Não vejo dificuldade nenhuma. (E5, 05.11.12). [...] A professora explicou aos alunos que iriam ver um filme na biblioteca, falou um pouco sobre o filme e recomendou que se comportassem. Para descer até a biblioteca pediu que formassem fila em ordem alfabética. [...] Durante o filme uma aluna começou a conversar com outra. A professora foi até ela e, em tom baixo, chamou-a para que fosse sentar com ela. A menina então viu o filme ao lado da professora. (OB10, 07.11.12). A respeito da estrutura da formação inicial Imbernón (2011) afirma que ela deve possibilitar uma análise global da situações educativas e segue: É preciso estabelecer um preparo que proporcione um conhecimento válido e gere uma atitude interativa e dialética que leve a valorizar a necessidade de uma atualização permanente em função das mudanças que se produzem; a criar estratégias e métodos de intervenção, cooperação, análise, reflexão; a construir um estilo rigoroso e investigativo. [...] Também será necessário promover a pesquisa de aspectos relacionados às características dos alunos, às de seu processo de aprendizagem em relação a algum âmbito, às do contexto etc., tanto de maneira individual como cooperando com seus colegas, de modo a lhes permitir vincular teoria e prática, exercer sua capacidade de manejar a informação, [...]. (IMBERNÓN, 2011, p.63). Alguns professores colocaram que sentem-se capacitados, porém mais em função da experiência profissional: Olha, eu diria assim que, até não pela questão da formação continuada, e pela minha formação, eu diria mais pela minha experiência, profissional de anos. Que hoje com essa, esse tempo de trabalho que eu tenho já vivi várias experiências e várias situações que me fizeram amadurecer e ter prática pra lidar com esses assuntos. Quando eu tava começando na minha carreira eu não tinha muita noção, tinha muita coisa que eu ia pensar muito depois que tivesse acontecido. Hoje não, hoje eu vejo as coisas acontecendo, imediatamente eu acho uma solução, eu acho um meio de trabalhar ahm, no momento. Então eu acho que pela minha experiência profissional, e não tanto pela minha formação ahm, continuada. (E19, 26.04.13). 102 [...] Os alunos estavam copiando um texto do quadro e o professor ia passando na mesa de cada um com um livro para tomar a leitura deles. Quando diziam que haviam terminado, o professor orientava a pegarem um livro para ler. Um dos alunos disse que não queria ler e o professor respondeu: “Fulano, vai pegar um livro e ler, tu já folheou três e não leu uma palavra. Tô te cuidando daqui.” Então o menino pegou um livro. Pouco depois o professor foi até sua classe para lhe tomar a leitura. (OB17, 27.02.13). A respeito da formação na prática, os autores defendem Veiga e Araújo (apud CANDAU, 2002): [...] se assumirmos o postulado de que os professores são atores competentes, sujeitos ativos, isso significa que a prática deles não é somente um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma prática. (VEIGA e ARAUJO, apud CANDAU, 2002, p. 119) Nessa mesma direção Imbernón (2011, p. 50) considera como um dos eixos de atuação da formação permanente do professorado: “A reflexão prático-teórica sobre a própria prática mediante a análise, a compreensão, a interpretação e a intervenção sobre a realidade. A capacidade do professor de gerar conhecimento pedagógico por meio da prática educativa.” Ainda que a maior parte dos professores tenha declarado que questões éticas e morais são trabalhadas em suas formações inicial e/ou continuada, alguns problemas referentes à forma e conteúdo dessas formações se mostraram bem nítidos, agravados também pelo acúmulo de funções vivido hoje pelas escolas. Parece lógico que se a escola exige que o professor atue na formação moral e ética de seus alunos, forneça a esse professor uma formação que trabalhe essas questões no mesmo sentido, mas o que foi trazido na fala dos professores e mesmo nas observações realizadas indica muito mais uma formação descontextualizada, genérica e imposta de cima para baixo. Como alternativa é preciso buscar uma formação contínua que tenha a escola como centro, que trabalhe a realidade e os problemas locais, que parta do PPP de cada instituição, onde os professores sejam protagonistas de sua própria formação e seu trabalho cotidiano em sala de aula seja visto e valorizado como espaço de produção de saberes. CONSIDERAÇÕES FINAIS É com muita alegria e satisfação que aqui chego, na etapa final deste estudo, após passar por um denso período de pesquisas, análises e leituras. Minha trajetória foi bastante intensa com muitas idas a campo, leituras, dúvidas e questionamentos, o que entendo fazer parte de nossa vida enquanto alunos, professores e investigadores. Escolhi o tema formação ética e moral em aula por acreditar ser extremamente relevante para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária e para a formação de indivíduos mais autônomos em suas decisões. A opção de trabalhar os textos dos PCNs referentes ao Tema Transversal Ética se deu em função dos textos trazerem um discurso governamental que exalta a democracia, a cidadania e a construção da autonomia e também com o intuito de investigar se o que é proposto em uma ponta (governo) está chegando em outra (salas de aula) e como se dá essa presença. Um dos objetivos específicos que me propus foi investigar que visões de ética e moral possuem os professores e se essas visões estão de acordo com os PCNs. Pude perceber, através do processo de triangulação, que para alguns professores a distinção entre moral e ética é um tanto confusa, o que atribuo a uma falta de trabalho explícito com essas questões tanto na formação inicial quanto continuada dos professores. Identifiquei quatro definições diferentes sobre ética apresentadas pelos professores: ética como coerência entre teoria e prática, como uma espécie de postura a ser assumida, como relacionada a regras e normas sociais e como expressão de liberdade e respeito. No interior dessas definições pude notar algumas semelhanças com a visão de ética proferida nos textos dos PCNs como a referência que alguns professores fizeram à necessidade da escola ser um espaço de construção da cidadania, de desenvolvimento da autonomia moral dos alunos, e também quando alguns colaboradores a definiram como norteadora de comportamentos e atitudes assumidos segundo um conjunto de valores e princípios. Embora os PCNs declarem em certa altura dos textos que assumirão a sinonímia entre ética e moral, em outro momento a definem como um pensamento reflexivo sobre valores, normas e regras que regem nossas ações e essa ideia de ética como pensamento reflexivo não foi abordada pelos professores nas entrevistas como definição de ética e pouco pude notar esse trabalho nos momentos de observação das aulas. Essa ausência nas respostas dos professores e a falta desse trabalho notada nas observações atribuo a uma falta de espaços de tempo dedicadas à reflexão ética tanto nas escolas com os alunos, quanto no trabalho de formação realizado com os professores. A maioria dos 104 professores identificou ética como uma postura a ser seguida profissionalmente, ou como relacionada a normas e regras sociais, o que parece se aproximar mais, como já referido anteriormente, e de acordo com a revisão literária que realizei para esse trabalho, com as visões dos autores não sobre ética, mas sobre moral. A respeito da visão de moral, embora os PCNs não tragam uma definição muito clara sobre o tema, falam bastante da aprendizagem de valores, atitudes e comportamentos e foi partindo dessas ideias que construí minha análise. Os colaboradores deste estudo trouxeram também diversas visões de moral: associando-a à formação familiar, com valores e virtudes, com normas e regras sociais e com o dar exemplo aos alunos, entre outras posições. Praticamente todas essas ideias em muito se assemelham com o que proferem os textos dos PCNs no que diz respeito à aprendizagem de valores, normas e atitudes, por exemplo, ao declararem normas e valores como regentes das ações humanas, ao explicitarem a necessidade do professor ser coerente em seus discursos e ações, ao afirmarem a impossibilidade do professor não trabalhar questões referentes à educação moral dos alunos e ao ressaltarem a importância de trabalhar em sala de aula a reflexão sobre atitudes e comportamentos, os educadores se encontram em plena consonância com os textos dos PCNs. Apenas a visão de moral como formação familiar, a qual foi apresentada por alguns professores, não é abordada nitidamente pelos textos dos PCNs elencados para essa pesquisa. Considero que o fato dos PCNs não abordarem essa visão indica uma tentativa de colocar essa responsabilidade como sendo apenas da escola, sobrecarregando dessa forma em especial os professores. Portanto, quanto a esse objetivo, avalio que a visão dos professores e PCNs entram em concordância em diversos momentos, porém se assemelham mais a respeito da visão de moral do que de ética, o que acontece devido a uma falta de atenção dada na formação do professor no trabalho com a reflexão ética, o que poderia, e deveria ocorrer, com base em sua prática pedagógica. Outro objetivo específico deste estudo foi identificar relações dos professores com os PCNs no que tange ao conhecimento e utilização dos textos. A totalidade dos educadores que participou desta pesquisa declarou conhecer os PCNs e a ampla maioria afirmou que os utiliza no trabalho pedagógico em sala de aula. Alguns colaboradores simplesmente afirmaram que utilizavam os PCNs, outros declararam que já os haviam estudado, embora não fossem textos muito trabalhados atualmente. Também alguns aspectos foram destacados como a presença dos PCNs nos PPPs das escolas, a necessidade de adequar as aulas para trabalhá-los, as formas de trabalho e as situações em que os utilizavam, e houve ainda professores que 105 mostraram uma relação bastante próxima com os textos. Embora com algumas contradições entre as falas dos professores e as situações observadas, o que também ocorreu em relação a outros temas, pude perceber que a grande maioria dos educadores se utiliza, ao menos em parte, das ideias contidas nos textos dos PCNs relativos aos temas ética e moral, pois situações observadas como: o questionamento dos alunos; a “devolução” das perguntas feitas por eles; a estimulação da criatividade, participação e autonomia; o tratar o silêncio em sala de aula, em certos momentos, como respeito à atividade mental dos colegas; o incentivar e parabenizar os alunos por suas conquistas e acertos, todas essas atitudes dos professores indicam uma grande consonância com o que os textos dos PCNs declaram como necessárias ao posicionamento profissional dos educadores. Considero que tanto o conhecimento dos professores dos textos dos PCNs, quanto sua utilização deve-se à uma imposição feita por parte do governo quando do lançamento desses programas, embora, como já demonstrado anteriormente, os PCNs defendessem que todo o seu processo de criação se deu de uma forma bastante democrática, o que aconteceu, novamente na educação, foi um processo de cima para baixo onde “cabeças pensantes”, que provavelmente nunca pisaram em uma sala de aula, ditam as regras do que os professores devem seguir; contribuindo assim para uma falta de protagonismo dos professores tanto em sua formação, como em sua prática pedagógica. Investigar o papel dos professores no trabalho com questões éticas, morais e valores e como o desenvolvem também foi um dos meus objetivos nessa pesquisa. Ainda que alguns professores tenham declarado não considerar ser seu papel o trabalho com questões éticas, morais e valores, todos admitem que fazem esse trabalho, o que também pude constatar nos momentos de observação, em especial no tocante às questões morais e o trabalho com valores. Alguns colaboradores enfatizaram que o trabalho com essas questões na escola deve ser uma extensão do que os alunos trazem de casa, ideia corroborada pelos PCNs, outros declararam que a escola tem essa função, porém em razão da família não estar mais trabalhando esses temas e outros ainda declararam sem ressalvas ser responsabilidade da escola, o que também entra em concordância com os pressupostos dos PCNs. Sobre a forma de trabalhar essas questões, todas as citadas encontram respaldo nos PCNs, como: o trabalho com os meios de comunicação; o procurar ser exemplo para os alunos; a utilização de textos; a busca em fazer a conexão destes com a realidade dos alunos; o partir de situações concretas vividas por eles; o trabalho reflexivo. Ficou bem evidente também a importância que os professores consideram ter o trabalho familiar com esses temas e as dificuldades enfrentadas quando as concepções de valores e princípios das famílias entram em choque com a visão da escola. O 106 fato de alguns professores não considerarem ser seu papel trabalhar esses temas, mas ainda assim realizarem esse trabalho, embora sem muita ênfase na reflexão ética, indica mais uma vez a sobrecarga que vivem atualmente a escola e os professores, sobrecarga essa apoiada e corroborada pelos textos dos PCNs. Nesse cenário a reflexão ética não aparecer com tanta ênfase indica o não trabalho destas questões com os próprios professores e cobra-se do professorado que trabalhem com os alunos o que os governantes nunca se propuseram a trabalhar com a classe docente. Dentre os quatro tópicos a serem trabalhados dentro do Tema Transversal Ética (Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade) segundo os textos dos PCNs, as declarações dos professores e as situações observadas indicaram como valores importantes a serem trabalhados com os alunos principalmente o desenvolvimento de atitudes e comportamentos relativos ao respeito e à solidariedade, também o trabalho com os valores relacionados à família e a valorização do meio ambiente foram abordados; ao passo que a valorização do diálogo e da incrementação por parte dos alunos da noção de justiça estiveram praticamente ausentes tanto nas falas dos professores quanto nos momentos observados. O trabalho com algumas questões em detrimento de outras considero que se deva ao escasso tempo que os professores possuem para tal, o que os leva a trabalharem temas que estão mais presentes e possuem maior relevância em seu cotidiano em sala de aula como a questão familiar e o respeito às diferenças e a solidariedade entre os alunos. Igualmente era meu objetivo nessa pesquisa identificar relações entre a formação dos professores e o trabalho com esses temas. Primeiramente pude verificar um bom nível na formação de professores, pois que dos dezenove professores que colaboraram com esse estudo dezoito já possuem formação superior e desses, dezessete já realizaram pelo menos um curso de Especialização. Além disso, foi interessante verificar que existe uma grande oferta (e também exigência) de cursos de formação continuada, o que não significa dizer que se esteja fazendo uma formação de qualidade, posto que, pela fala de alguns professores que mencionaram que a formação quase sempre é realizada a partir de palestras e a falta de liberdade sentida para propor temas e formas para sua formação, indica uma forma de se fazer formação em massa, descontextualizada da realidade das escolas, produzida de forma genérica e impositiva. Também alguns professores relataram problemas para participar dessas formações como a falta de tempo e de professores para substituí-los, problemas que não são sequer mencionados nos textos dos PCNs, quanto mais se apresenta neles alguma alternativa para essas realidades. Imbernón (2009) propõe, o que considero alternativas interessantes e 107 urgentes, que seja desenvolvido um paradigma colaborativo e de interdependência entre os professores, que o PPP da escola possa guiar o processo de formação continuada, e que essa formação tenha como centro a escola. Todas essas alternativas certamente são tentativas de dirimir a distância, inclusive citada por alguns professores, entre a formação que recebem e a realidade da escola e de seus alunos, o que reforça a ideia de que se faz hoje uma formação completamente massificante e alienada do cotidiano da educação. Embora os PCNs declarem a necessidade da formação não ser um acúmulo de cursos e técnicas, mas um processo que reflita sobre a prática educativa, como já citado anteriormente, novamente nada parece ser de fato proposto e o que chega aos professores não indica seguir essa linha. Alguns colaboradores abordaram o acúmulo de funções vivido atualmente pela escola em função das mudanças na estrutura familiar e na sociedade, e como são cobrados por essas instituições, quando o que deveria ocorrer seria um regime de intercolaboração, o que leva a educação sempre a ser o centro de críticas, como apontado por Imbernón (idem). Quero defender aqui a necessidade de extinguir o paradoxo vivido na formação docente que se configura na visão de que os professores devem participar da formação de seus alunos, mas não tem o direito de participar de sua própria formação, a saída do lugar reservado aos professores em seu processo de formação de meros ouvintes passivos sem nada a dizer ou propor, pois que, se o sentimento de capacitação provém, além da formação, também da experiência em sala de aula, como declarado por alguns professores, que essa experiência, essa prática, seja efetivamente vista como espaço de produção de saberes e norte para uma formação que busque, através do necessário apoderamento dessa formação, como defendida por Imbernón, servir de estímulo para a construção do processo de autonomia também dos educandos. Diante de todas essas considerações considero que a resposta ao meu problema de pesquisa de verificar se A visão de ética e moral dos PCNs está presente na formação do ambiente ético e moral em sala de aula, seja positiva, posto que, como visto anteriormente, existem diversas semelhanças entre a visão de ética e moral dos professores, o que pude perceber através das entrevistas e observações, com a visão apresentada pelos PCNs, embora essas semelhanças sejam maiores e mais nítidas em relação à visão de moral, o que atribuo à falta de trabalho com os professores em seu processo de formação inicial e continuada, à forma como a formação é desenvolvida e à falta de espaços de tempo para trabalhar essas questões com os alunos. Além disso, a moral, considerada aqui, de acordo com a revisão literária realizada para essa pesquisa, como relacionada aos costumes, regras e normas sociais, 108 conta também com a própria formação pessoal dos professores, como citada por alguns colaboradores, para embasar seu trabalho com essas questões. 109 REFERÊNCIAS ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Temas de filosofia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 1998. ARAÚJO, U. F. Escola, democracia e a construção de personalidades morais. Revista Educação e Pesquisa, Campinas/SP, v. 26, n. 2, p. 91-107, 2000. ARCE, E. V. A moral, a educação moral e cívica e a ética como temas transversais na educação brasileira. Revista de Educação (PUC – Campinas), Campinas, n.22, p. 7-15, 2007. BIRK, M. Do princípio da pesquisa qualitativa à coleta de dados: uma trajetória percorrida por todos os pesquisadores. In: CAUDURO, M.T. Investigação em educação física e esportes: um novo olhar pela pesquisa qualitativa. Novo Hamburgo: Feevale, 2004. BLACKBURN, S. 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Você gostaria de falar mais alguma coisa? 7.2 APENDICE B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com professores do 1º a 5º ano do ensino fundamental das escolas municipais de Frederico Westphalen/RS URI – UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CAMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL EM AULA: A VISÃO DOS PCNS ESTÁ PRESENTE? TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PROFESSORES DO 1º A 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL DAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE FREDERICO WESTPHALEN/RS Informações para o(a) participante voluntário(a): Você está convidado(a) a participar da coleta de dados da pesquisa A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL EM AULA: A VISÃO DOS PCNS ESTÁ PRESENTE?, sob responsabilidade da pesquisadora Prof. Maria Teresa Cauduro, que tem como objetivo analisar se a visão de ética dos PCNs influencia a formação do ambiente ético e moral em sala de aula. Caso você concorde em participar da pesquisa, leia com atenção os seguintes pontos: a) você é livre para, a qualquer momento, recusar-se a responder às perguntas que lhe ocasionem constrangimento de qualquer natureza; b) você pode deixar de participar da pesquisa e não precisa apresentar justificativas para isso; c) sua identidade será mantida em sigilo; d) caso você queira, poderá ser informado(a) de todos os resultados obtidos com a pesquisa, independentemente do fato de mudar seu consentimento em participar da pesquisa. Eu, Deborah Karla Calegari Alves, matriculada no curso de Mestrado em Educação da URI, venho através deste termo, solicitar a permissão para realizar observações e entrevista com o educador/ professor responsável por turmas de 1º a 5º anos do ensino fundamental de sua escola comprometendo-me a entregar a entrevista para validação e aceite, assim como, afirmar que estes dados serão utilizados somente para este estudo e serão sigilosos se, assim o desejarem. De acordo: _____________________________________ Pesquisadora: ___________________________________ Frederico Westphalen, ____ de __________________ de 201__. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Campus de Frederico Westphalen, RS – Av. Assis Brasil, 709, Itapagé, 98400-000 Fone: 55 3744 9200 Proª Orientadora: Dr.ª Maria Teresa Cauduro Fone para contato: ( 055) 8131-3440 120 7.3 APENDICE C: Termo de consentimento livre e esclarecido diretores (as) de escolas municipais de ensino fundamental de Frederico Westphalen/RS 121 URI – UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CAMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL EM AULA: A VISÃO DOS PCNS ESTÁ PRESENTE? TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DIRETORES (AS) DE ESCOLAS MUNICIPAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL DE FREDERICO WESTPHALEN/RS Informações para as direções: Os professores responsáveis pelas turmas de 1º a 5º ano do ensino fundamental das escolas municipais de Frederico Westphalen/RS estão sendo convidados(as) a participar da coleta de dados da pesquisa A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL EM AULA: A VISÃO DOS PCNS ESTÁ PRESENTE?, sob responsabilidade da pesquisadora Prof. Maria Teresa Cauduro, que tem como objetivo analisar se a visão de ética dos PCNs influencia a formação do ambiente ético e moral em sala de aula. Eu, Deborah Karla Calegari Alves, matriculada no curso de Mestrado em Educação da URI, venho através deste termo, solicitar a permissão para realizar observações em sala de aula e entrevistas com os (as) professores (as) responsáveis pelas turmas de 1º a 5º anos do ensino fundamental de sua escola comprometendome a entregar a entrevista para validação e aceite, assim como, afirmar que estes dados serão utilizados somente para este estudo e serão sigilosos se assim o desejarem. De acordo: _____________________________________ Pesquisadora: ___________________________________ Frederico Westphalen, ____ de __________________ de 201__. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Campus de Frederico Westphalen, RS – Av. Assis Brasil, 709, Itapagé, 98400-000 Fone: 55 3744 9200 Proª Orientadora: Dr.ª Maria Teresa Cauduro Fone para contato: ( 055) 8131-3440 122 7.4 APENDICE D: Unidades de Significado 123 UNIDADES DE SIGNIFICADO 1 – Pedagogia 207 – cantar o hino 2 – pós-graduação 208 – técnicas agrícolas e domésticas 3 – interdisciplinaridade 209 – OSPB, educação moral e cívica 4 – Gestão Escolar 210 – resgate de valores no aluno 5 – cursos (presenciais e à distância) 211 – campanha da fraternidade, federal 6 – SMEC 212 – oportunidade e tema vão surgindo 7 – CRE 213 – se disciplinar, mais orientação 8 – PCNs norteadores 214 – decepção, necessidade de ajuda 9 – ética e moral ligadas 215 – educação sexual 10 – exemplo, coerência entre fala e ação 216 – Literatura pura 11 – virtudes 217 – Psicologia 12 – valores 218 – motivação dos alunos 13 – educação para o conhecimento 219 – joguinhos, metodologia mais lúdica 14 – construção da aprendizagem 220 – lixo no chão na sala de aula 15 – conhecimento científico 221 – não correr, não se empurrar 16 – extensão do que vem de casa, da base 222 – alguém mostrar os PCNs aos profes 17 – realidade de cada escola 223 – aula pesada, variar metodologia 18 – debate 224 – menos alunos, história de cada um 19 – conversa 225 – mãezona 20 – análise consequências de ações 226 – culpa, problemas escola para casa 21 – botar para a prática 227 – aprendizagem e felicidade aluno 22 – respeito 228 – professor exemplo, autocorreção 23 – solidariedade 229 – estresse 24 – carinho 230 – trabalho em grupo, duplas, repartir 25 – amizade 231 – material concreto 26 – grandes lacunas 232 – união 27 – liberdades minha e do outro 233 – reunião de formação pedagógica 28 – expressar opinião 234 – abertura, propor pautas formação 29 – respeitar o outro ( físico e intelectual) 235 – divergências políticas 124 30 – dignidade 236 – direção x grupo de professores 31 – cursos dão pinceladas 237 – grupo de profes x grupo de profes 32 – temas transversais (obrigatoriedade) 238 – desmotivar, apoio, frustração, rumo 33 – trabalho fora da escola, entorno, pais 239 – estágio probatório 34 – barreiras 240 – renovação, atualização 35 – família 241 – cursos na linha de autoestima 36 – tempo curto 242 – sobrecarga escola e professores 37 – condição financeira 243 – mães que trabalham 38 – espaço 244 – apresentações, canto, desenho 39 – deixar a desejar 245 – valorização do outro 40 – problemas de disciplina 246 – colaboração, pessoa do bem 41 – atingir cem por cento 247 – lixo, meio ambiente, natureza 42 – Magistério 248 – educação, nova mentalidade 43 – Educação Infantil 249 – plano de carreira 44 – Séries Iniciais 250 – novos escritores, novas propostas 45 – exigências município, estado, escolas 251 – conteúdos 46 – abordagem temas soltos 252 – posicionar-se sobre a vida, conduta 47 – postura 253 – espelhamento do aluno no professor 48 – jeito de ser, agir, trabalhar 254 – adultos mais responsáveis, caráter 49 – guardar sigilo 255 – deixar no ar, passar a mensagem 50 – jeito correto de viver 256 – se colocar no lugar do outro 51 – ética do bem 257 – ser companheiro, prestativo, gentil 52 – dificuldade de trabalhar, complicado 258 – perda inocência, amad. acelerado 53 – princípios 259 – vida em comunidade, construção 54 – não ter como fugir 260 – Mais Educação 55 – fazer o bem 261 – PCNs subsídio 56 – medo de falar certas coisas 262 – alunos cobrar dos pais atitudes 57 – realidade difícil 263 – valores homem livre, livre arbítrio 58 – princípios da família 264 – venerar a vida 59 – cuidado com o que se diz 265 – luta, dominação do outro 125 60 – não ir fundo, deixar adormecido 266 – roubo dinheiro público 61 – crianças com problemas, nervosas 267 – avanços tecnológicos 62 – brigas 268 – mídia, televisão, internet 63 – doenças 269 – realidade potencial 64 – separações 270 – cotas de universidade 65 – parte psicológica 271 – falta de oportunidade 66 – conflitos pais e professores 272 – consciência coletiva 67 – textos 273 – ato falho da moral 68 – poesias 274 – valores que regem a ação humana 69 – lado lúdico 275 – educação religiosa, regras antigas 70 – certo x errado 276 – discernimento 71 – contexto da sala 277 – dar o conhecimento 72 – direitos e deveres 278 – tempo de ensinar, brincar, ouvir 73 – compromisso com a aprendizagem 279 – contornar, afeto, ternura 74 – aprender com colegas 280 – Matemática 75 – igualdade 281 – adequar aulas dentro dos PCNs 76 – melhorias (professores e ensino) 282 – reciprocidade, retribuir 77 – falta de perspectiva 283 – cuidar a vida do outro 78 – baixa autoestima 284 – visões diferentes de valores 79 – futuro melhor 285 – defasagem, trab. diferenciado 80 – sentir-se amarrado 286 – construção de teatros 81 – valores familiares x meus valores 287 – interação, respeito às diversidades 82 – mudar a cultura 288 – limitações do professor, dúvidas 83 – estrutura familiar 289 – aperfeiçoamento, encontros 84 – atitude, ação 290 – pais cobram e questionam 85 – conselho 291 – buscar o melhor comunidade 86 – depressão 292 –sentido dos valores - pais 87 – adaptação (de si, do conteúdo) 293 – formação obrigatória, títulos 88 – crianças difíceis 294 – Deus, tratar-se como irmãos 89 – vontade de estudar 295 – turma como segunda família 126 90 – ir levando 296 – professora como segunda mãe 91 – prefeitura 297 – professora um pouco de tudo 92 – URI 298 – maneiras diferentes, pegar o jeito 93 – formação na escola 299 – desvalor do sentido de professor 94 – terciarização da família 300 – Psicopedagogia 95 – autenticidade 301 – mudança de nível, de classe 96 – corromper-se 302 – globalização dos PCNs 97 – vida particular 303 – escola de periferia 98 – ser verdadeiro 304 – drogas, roubo, envolvimento sexual 99 – pessoa correta 305 – realidade deles 100 – julgar o outro 306 – formar em sala de aula, ordem, fila 101 – moral da sociedade imposta 307 – sala de aula pequena sociedade 102 – flexibilidade 308 – sociedade mais feliz e humana 103 – papel de ensinar 309 – cobrar, salientar, reforçar a educ. 104 – mudar conceitos enraizados 310 – “palavrinhas mágicas” 105 – passar coisas aos alunos 311 – mundo globalizado 106 – limites 312 – formação do caráter e personalidade 107 – ser pessoa melhor 313 – rejeição da criança pelos pais 108 – estabelecer coisas com eles 314 – violência, álcool 109 – ética e moral não muito usadas hoje 315 – carência, sentir-se amado 110 – desenv. auton. moral e cidadania 316 – dedicação da família, crianças soltas 111 – dar tua aula depois 317 – sensação de impotência 112 – posicionamento crítico 318 – assistência social 113 – diferenças 319 – famílias que criam barreiras 114 – trabalhar todo o dia 320 – aflição, preocupação 115 – preconceito 321 – trabalhar com o todo 116 – APAE 322 – Letras 117 – igualdade de crescimento individual 323 – professor, orientador e formador 118 – ser mais humano 324 – qualquer um fala do professor 119 – pedir emprestado 325 – IDEB 127 120 – coisas norteadoras de vida 326 – evasão escolar 121 – posso x não posso 327 – desvio de função da escola 122 – sociedade não releva 328 – organização do espaço 123 – sofrimento lá fora 329 – índice de reprovação 124 – dar suporte ao aluno 330 – aplicabilidade dos PCNs 125 – algo vai ficar 331 – técnicas metodológicas, dicas 126 – conversa em família mais escassa 332 – decoreba 127 – cidadão melhor 333 – valores na escola com PCNs 128 – preparação nunca pronta 334 – PCNs mudaram discurso formação 129 – resolver situações 335 – responsabilidade profissional 130 – comunidade escolar 336 – dominação de vontades 131 – teoria (dá suporte) x realidade 337 – silêncio como respeito ao outro 132 – explanações, oficinas 338 – abertura aluno dizer o que pensa 133 – saber conviver 339 – chamar para a responsabilidade 134 – improviso 340 – tomada de consciência 135 – intimidade 341 – assumir o compromisso 136 – palestras, seminários 342 – autorrespeito 137 – jogo de cintura 343 – inclusão 138 – filho dos outros 344 – discussão, ofensa, apelido 139 – perdida na situação 345 – auto avaliação diária do professor 140 – distorção da realidade 346 – ação e reação 141 – família cobra o que não faz 347 – buscar desafios, novidades 142 – amadurecimento alunos 348 – paixão pelo que se faz, entusiasmo 143 – diferentes papéis escola e família 349 – ser tradicional 144 – trabalho conforme possibilidade 350 – vínculo afetivo 145 – Curso Normal 351 – necessidade de aprender a cada dia 146 – Educação Especial 352 – missão nunca terminada 147 – jornadas transandinas 353 – pré-julgamento das ações da escola 148 – amigos do saber 354 – necessidade de repensar conceitos 149 – meio ambiente 355 – qualquer um opina na educação 128 150 – saúde 356 – Português 151 – formação integral do cidadão 357 – Inglês 152 – ler, escrever, calcular 358 – Literatura 153 – exercício da cidadania 359 – cursos dentro da minha área 154 – regras, comportamento (para todos) 360 – trabalho integrado 155 – coerência com o que é bom 361 – professor orientador 156 – ler, relembrar, estudar 362 – manter a palavra 157 – paciência, cada um na sua vez 363 – resgate valores 158 – valores da sociedade 364 – casamento em desuso 159 – compartilhar 365 – famílias sem tempo 160 – hábitos, costumes 366 – profissional da educação 161 – bem estar, sociedade urbanizada 367 – alertar sobre os perigos 162 – moral como senso comum 368 – domínio de grupo 163 – passar de uma geração para outra 369 – disciplina na sala de aula 164 – respeito maior, compreensão 370 – cativar o aluno e sua confiança 165 – negociação, diálogo 371 – harmonia familiar 166 – moral desestruturada, desordem 372 – manter a calma, ser amiga 167 – escola deve ser mais atuante 373 – receita pronta 168 – aluno deve entender a importância 374 – experiências que dão certo ou não 169 – individualidade 375 – matérias pedagógicas Ensino Médio 170 – vir de dentro 376 – Educação Inclusiva 171 – egoísmo 377 – semanas acadêmicas 172 – ajuda mútua 378 – choque horário cursos e trabalho 173 – formação pessoal na família 379 – pessoa digna 174 – consciência crítica, atuação 380 – ser transparente, igual em todo lugar 175 – calendário escolar 381 – andar no caminho certo 176 – formação pedagógica 382 – não mudar opinião com a situação 177 – PARFOR 383 – buscar com seu próprio esforço 178 – professor substituto 384 – não prejudicar os outros 179 – não denegrir (colega e aluno) 385 – fazer a diferança lá fora, mudança 129 180 – auxiliar o aluno, fazer seu papel 386 – respeito aos mais velhos 181 – obrigação escola dar formação 387 – honestidade, comprometimento 182 – palavras de incentivo 388 – vontade de mudar 183 – historinha, fábula, parlenda, filme 389 – perda da espiritualidade 184 – dramatizações, brincadeiras, música 390 – supervalorização do lado material 185 – atrair, conversar com o aluno 391 – acomodação 186 – bondade, não esquecer do outro 392 – fazer o que não deve 187 – cursos em etapas intercaladas 393 – indiferença mundana atual 188 – consumismo, dinheiro, glória, poder 394 – grupos de estudo 189 – trabalhar aos poucos 395 – troca de experiências 190 – transmitir e receber 396 – constante transformação social 191 – formação trabalhar mais e melhor 397 – planejamento escolar 192 – meio de comunicação sério 398 – prática fundamentada 193 – certificado 399 – trabalhar com a filosofia da escola 194 – planos de aula 400 – apontar caminhos 195 – estabelecer normas de convivência 401 – concepção de educação 196 – introdução 402 – valoriza o saber do aluno 197 – ética como um todo, modificadora 403 – reflexões atitudes, comportamentos 198 – trabalho moral 404 – aprendizagem significativa 199 – lado afetivo 405 – instruir, discutir, refletir 200 – ter ética no futuro, para a vida toda 406 – intervenções 201 – sociedade conduz, forma indivíduo 407 – currículo 202 – educação, formação 408 – vivências 203 – História Regional 409 – troca de saberes, cooperação 204 – Complementação Plena História 410 – ambiente e cotidiano escolar 205 – Lic. Curta Estudos Sociais 411 – estratégias e competências 206 – trabalhar junto ética e moral 412 – cursos novos, mais frequentes