Educação moral e cívica: carência profissional e nacional
Elias Farah
Conselhereiro do IASP. Conselhereiro Nato do ACSP. Membro do
Conselho Diretor do CESA.
SUMARIO: 1. Moralidade: tema renovado - 2. Decretação da moralidade - 3. Abrangência do
decreto - 4. Renovação do decreto - 5. Propósito engrandecedor - 6. Contribuição pública - 7.
Educação cívica e analfabetismo - 8. Obrigatoriedade do ensino - 9. Os ideais do ensino - 10.
Criada educação – 11. Ausência de professores – 12. Regulamento do DL – 13. Agonia do sonho
– 14. Velório das esperanças – 15. Reavaliação da educação - 16. Compromisso com a
comunidade -17. Educa melhor quem foi educado - 18. Ensino básico fundamental - 19. Moral:
estado pré-falimentar - 20. Educação: processo vital - 21. Faces da educação - 22. Familiaridade
com os princípios - 23. Todos pela educação - 24. Pedagogia social - 25. Omissão da cátedra 26. Efeito na advocacia - 27. Fator mais importante - 28. A advocacia envolvida - 29. Moralização:
caminho mais curto - 30. Importância da primeira lição - 31. Sentimento de civismo - 32.
Educação imposta - 33. Indignação popular - 34. Renovação do projeto - 35. Decálogo cívico.
1. Moralidade: tema renovado
Manifestação nacional de indignação repudia a crise moral que envolve hoje plêiades de homens
públicos, acomodados em cargos e vantagens financeiras. Quando idealizada, há décadas, a
obrigatoriedade do ensino da moral e do civismo, a administração pública e a moralidade
profissional já padeciam de convulsões éticas. A expectativa era a de que, hoje, já adultos
aqueles jovens, que então receberiam os ensinamentos da moral e do civismo, viessem a compor
uma geração de homens de bem. O projeto, porém, fracassou por insuficiência cultural dos seus
executores. O ideal era a fusão dos princípios da legalidade com os da moralidade e do civismo,
para preservar a segurança jurídica do cidadão, fortalecer a defesa da dignidade humana e
realizar uma sociedade justa e solidária.
2. Decretação da moralidade
O ex-Presidente da República, Jânio Quadros, ostentava a vassoura como símbolo do seu
propósito moralizante. Pregava, nas excursões político-eleitorais, a decência dos costumes,
particulares e públicos. Ao assumir a Presidência da República, logo baixou o Dec. 50.505, de
26.04.1961, cujo art. 1.° dispunha que "é obrigatória a prática de atividades extra-escolares, de
natureza moral e cívica, nos estabelecimentos de qualquer ramo ou grau de ensino, públicos ou
particulares, sob a jurisdição do Ministério da Educação e Cultura". O Ministério deveria editar e
distribuir um "Calendário Cívico" e respectivo programa de comemorações, além de providenciar
a organização e divulgação de material didático destinado ao cumprimento do decreto.
3. Abrangência do decreto
O Dec. 50.505/61 ressaltou as atividades de natureza moral e cívica que deveriam ser
desenvolvidas como, (I) o hasteamento, no início da semana, do Pavilhão Nacional, com a
presença do corpo discente e antes dos trabalhos escolares; (II) freqüentes execuções do Hino
Nacional, do Hino à Bandeira e de outros que sejam expressões coletivas das tradições do país;
(III) comemoração das datas cívicas; (IV) estudo e divulgação da biografia e da importância
histórica de personalidades do país; (VI) divulgação e debate sobre a realidade econômica e
social do país, incluindo estudo da sua posição internacional; (IX) divulgação dos princípios
fundamentais da Constituição Federal, dos valores que a informam e dos direitos e garantias
individuais.
4. Renovação do decreto
Com a renúncia de Jânio Quadros e o reboliço político-partidário, que se seguiu, veio a
Revolução Militar de 1964, com Castelo Branco na Presidência da República. Conhecido como
patriota, o Presidente baixou o Dec. 58.023, de 21.03.1966, que dispunha sobre a educação
moral e cívica em todo o país. O Departamento Nacional de Educação, órgão do MEC, ficou
encarregado de estimular a educação cívica, "usando de processos capazes de incentivar a
consciência cívica de cada comunidade." A formação cívica deveria processar-se
"obrigatoriamente na escola, como prática educativa", "em todos os graus de ensino e ser
preocupação dos professores em geral". Nascia, então, a esperança de que a próxima geração,
que despontava, criaria uma nação mais civilizada e respeitada pela imagem de idoneidade do
seu povo, dos seus homens públicos e dos seus líderes.
5. Propósito engrandecedor
O decreto dispunha no art. 2.°, na conceituação dos princípios, que "a educação cívica visa a
formar nos educandos e no povo em geral o sentimento de apreço à Pátria, de respeito às
instituições, de fortalecimento da família, de obediência à lei, de fidelidade no trabalho e de
integração na comunidade, de tal modo que todos se tornem, em clima de liberdade e
responsabilidade, de cooperação e solidariedade humanas, cidadãos sinceros, convictos e
fiéis no cumprimento dos seus deveres". Embora tais disposições nos transmitissem um projeto
idealista, elas foram inspiradas num momento crítico em que o país estava mergulhado num
clima de desordem político-partidária, com as instituições profundamente abaladas, sobretudo
na segurança jurídica do cidadão.
6. Contribuição pública
O decreto teve o propósito de ver utilizados, para a divulgação dos princípios cívicos, "todos os
veículos de difusão cultural, como os jornais e as revistas, o cinema e o teatro, o rádio e a
televisão, os clubes de esportes e de recreação, e quaisquer acontecimentos que, em contato com
a opinião pública, possam despertar os idéias e os hábitos preconizados". O DNE ficou, por sua vez,
encaregado de promover "nas capitais dos Estados e Territórios, bem como no Distrito Federal,
seminários destinados a despertar, no professorado local e na opinião pública, interesse pela
educação cívica e pelos problemas pedagógicos dessa prática educativa". Estava, pois, lançado
um movimento promissor, que deveria atingir a consciência cívica de todos os cidadãos.
7. Educação cívica e analfabetismo
O governo revolucionário militar quis ampliar o movimento, e baixou o Dec. 61.314, de 08.09.1967,
com o objetivo de estimular as organizações sindicais, de todos os graus, de empregados ou de
empregadores, a desenvolverem suas atividades educativas, especialmente no que se
relacionassem com a educação moral e cívica, a qualificação da mão-de-obra e da educação
sanitária, em conjunto com instalação de cursos para a alfabetização funcional. O decreto
conclamava todas as autoridades, especialmente da administração escolar, federais,
estaduais, municipais e territoriais, para que colaborassem no movimento, que receberia a
assistência do Departamento Nacional de Educação.
8. Obrigatoriedade do ensino
Em 12.09.1969, quando o país era governado pela Junta Militar dos três Ministros da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica, foi baixado o Dec.-lei 869, pelo qual foi "instituída, em caráter
obrigatório, como disciplina e, também, como prática educativa, a Educação Moral e Cívica, nas
escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino do país." E o Dec.-lei
exemplificava as finalidades que deveriam ser alcançadas, com o apoio nas tradições nacionais,
como defesa dos princípios democráticos, da dignidade da pessoa humana, do amor à liberdade
com responsabilidade, preservação dos valores espirituais e éticos da nacionalidade, preparo do
cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fundamento na moral, no patriotismo e na
ação construtiva, visando ao bem comum e o culto de obediência à lei.
9. Os ideais do ensino
O Dec.-lei 869 alimentava o sonho de preparar a nova geração mediante o aprimoramento do
caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade, com o fim mais abrangente
de estimular a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da
organização sócio-político-eco-nômica do país. Pretendeu-se motivar o magistério, público ou
privado, a voltar-se à formação cívica do aluno. Inspirada nesses princípios, o governo nutria a
esperança de que a primeira nova geração, formada nessa educação, que despontasse na
nação, haveria de dedicar à pátria um sentimento de idoneidade político-administrativa. Não
tinham e nem podiam ter pressa. O Terceiro Milênio haveria de chegar com a pátria entregue como era no sonho — a cidadãos patriotas ilibados. O sonho, porém, não se realizou.
10. Criação da CNMC
Este bem intencionado projeto, de âmbito nacional, fora entregue a uma recém-criada Comissão
Nacional de Moral e Civismo (CNMC), dentro do MEC. A Comissão deveria articular-se com as
demais autoridades para a manifestação chamada de Doutrina de Educação Moral e Cívica, para
elaborar currículos e programas, envolver as organizações sindicais de todos os graus, convocar a
cooperação das instituições e formadores da opinião pública de toda espécie, falada e escrita. A
Comissão, na forma de assessoria, deveria contribuir, com o Ministro de Estado, para a
aprovação dos livros didáticos, sob o ponto de vista da moral e do civismo. O projeto, todavia,
não se atentou para o fato de que a implantação da promissora doutrina não dispunha de quem
a executasse, porque o magistério, sempre mal remunerado, não possuía suficiente preparo
intelectual para a missão.
11. Ausência de professores
O desenvolvimento de um projeto de tamanha envergadura, e com objetivos de reconhecida
complexidade, como o da "Educação Moral e Cívica", exigia a disponibilidade de um exército da
orientadores. A apuração da suficiência do magistério revelou a inabilitacão generalizada para a
nova matéria. Este impasse teve a agravante de que a nova função não tinha compensação
financeira e deveria ser exercida cumulativamente às funções regulares. O legislador pressentiu a
insuficiência do magistério no assunto, mas, determinou que "até que o estabelecimento do
ensino disponha de professor ou orientador, regulavelmente formado ou habilitado em exame
de suficiência, o seu diretor avocará o ensino da Educação Moral e Cívica, a qual, sob nenhum
pretexto, poderá deixar de ser ministrada na forma prevista".
12. Regulamento do DL
O Dec.-lei 869 foi regulamentado pelo Dec. 68.065, de 14.01.1971, que acrescentou que a Educação
Moral e Cívica, em face da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, deveria somar-se ou
articular-se com o ensino da Organização Social e Política Brasileira. Dispôs mais, que a
Educação Moral e Cívica no ensino superior, inclusive na pós-graduação, deveria ser ministrada
sob o enfoque de "estudos de problemas brasileiros". O decreto, para isso, buscou estimular a
criação de Centros Cívicos ou instituições extra-classes, de qualquer espécie, com condições
hábeis para desenvolver, de alguma forma, a educação moral e cívica e cooperar na formação ou
aperfeiçoamento do caráter do educando. Cada escola deveria ter um orientador de Educação
Moral e Cívica, assessorando o centro cívico.
13. Agonia do sonho
Após a regulamentação do Dec.-lei 869, sem que nada relevante tivesse acontecido, veio o Dec.
87.801/82, para dispor que as normas gerais de funcionamento da Comissão Nacional de Moral
e Civismo deveriam ser fixadas em Regimento Interno. Seguiu-o o Dec. 92.300, de 16.01.1986, que
dispôs que a referida Comissão deveria ser integrada por 11 membros, com mandato de 6 anos,
cujas funções seriam consideradas de relevante interesse nacional e seu exercício teria prioridade
sobre o de qualquer cargo público de que este fosse titular ou conselheiro. Finalmente, veio o
cumprimento da falência prenunciada: a Lei 8.663, de 14.06.1993, revogou o Dec.-lei 869/69, que
havia estabelecido o ensino obrigatório da Educação Moral e Cívica.
14. Velório das esperanças
A referida Lei 8.663, por outro lado, dispõe que "a carga horária destinada às disciplinas de
Educação Moral e Cívica, de Organização Social e Política do Brasil e dos Estudos dos Problemas
Brasileiros, nos currículos do ensino fundamental, médio e superior, bem como seu objetivo
formador de cidadania e de conhecimento da realidade brasileira, deverão ser incorporados sob
critério das instituições de ensino e do sistema de ensino respectivo às disciplinas da área de
Ciências Humanas Sociais" (art. 2.°). A revogação de uma lei que pregava o ensino da moral e do
civismo foi uma preocupante revelação pública de insensibilidade política e cultural, e sintomática de
que a nação corre o grave risco de não mais encontrar profissionais ou homens públicos
merecedores de credibilidade.
15. Reavaliação da educação
O então Ministério de Educação e Cultura (MEC) tinha um órgão, denominado Comissão Nacional
de Moral e Civismo (CNMC), com competência para implantar e manter uma doutrina oficial,
consubstanciada em princípios legalmente instituídos. Urge, hoje, uma reavaliação da política
de qualidade da educação. Nesta iniciativa incluir-se-ia a reavaliação do livro didático,
incorporando-lhe uma visão mais direta para a formação do discente, em todas as áreas,
como cidadão integrado na sociedade, com seus deveres e obrigações cívicas e morais. É
público e notório que a queda de qualidade do ensino, do primário ao superior, explorado
como mero investimento financeiro de capitalistas, é um dos principais responsáveis pela
vertiginosa queda do padrão de muitos profissionais, em quase todas as áreas do
conhecimento.
16. Compromisso com a comunidade
A Educação Moral e Cívica está dentro da concepção da Pedagogia Social, designativa de
uma educação, que enxerga o indivíduo como um ser mais comprometido com a comunidade
e se dedica à formação de uma mentalidade ajustada ao convívio social. Equivale ao que
pregam: uma educação permanente; para desenvolvimento da comunidade educacional, em
que se incluem o combate ao analfabetismo; a educação do imigrante e a convivência
globalizada. Nesta iniciativa podem, e devem, se envolver, além do Estado, as instituições
particulares. A urbanização acelerada e a nova tecnologia das comunicações e das
informações tornaram a pedagogia social uma preocupação em permanente reavaliação.
17. Educa melhor quem foi educado
A crise na educação, revelada incapaz de dar cumprimento ao projeto da educação moral e
cívica, agravou-se com a constatação de que havia incapacidade intelectual dos professores
em assumir, de forma pedagógica, legalmente recomendável, a incumbência do ensino da
matéria. "Faltam 710 mil professores no país", foi o título de artigo no jornal Folha de
S.Paulo, de 12.09.2006. Com tal limitação operacional, o propósito do legislador se converteu
num mero ideal irrealizado. Na educação há o fenômeno dos vasos comunicantes: a
preocupação com a educação está no mesmo nível da capacidade intelectual dos
legisladores. Só valoriza a educação e incentiva o seu desenvolvimento competitivo quem foi
educado e se capacitou intelectualmente para conhecer-lhe a importância e os benefícios.
18. Ensino básico fundamental
O Brasil, considerado país emergente vem patinando, na corrida para o desenvolvimento e o
progresso. Está evidenciado, nesta competição, que os vencedores são aquelas nações que
mais souberam investir no aprimoramento da sua política educacional. A estratégia deste
investimento indica a prioridade na erradicação do analfabetismo, e elevação da qualidade do
ensino da pré-escola à pós-graduação. E regra consagrada que a educação torna mais célere e
eletivo o progresso de qualquer país. Não basta preocupar-se com o fator quantitativo sem o
equivalente qualitativo. Comprovadamente, as insuficiências do ensino básico haverão de
repercutir na formação profissional. Repitamos a verdade escancarada de que a atenção
dispensada pelo Poder Público à educação do povo reflete a qualidade ou o grau de cultura dos
governantes responsáveis.
19. Moral: estado pré-falimentar
A educação moral e cívica nas escolas teve, desde o início, o obstáculo da insuficiência
pedagógica dos responsáveis pelo cumprimento do projeto legal. Exigiu-se dos professores que
ensinassem o que eles pouco conheciam ou não saberiam ensinar. A moralidade administrativa,
além do fator pedagógico - escrevemos no livro Cidadania - tem elevado peso jurídico, que dá
legitimidade à ordem legal instituída. A história adverte que os ciclos de pobreza dos povos soem
ser seqüelas dos desvios abusivos do poder público. Muito desestabiliza as instituições, ou a
confiança popular nelas, o desrespeito à lei pela própria autoridade, ou a impunidade em que
se abriga, nos seus excessos. É quando o povo sofre uma traumática humilhação moral.
20. Educação: processo vital
A educação, do latim educere, significa extrair, tirar, desenvolver. É um processo vital porque
é uma atividade criadora. Ela permite ao ser humano realizar suas potencialidades físicas,
intelectuais, morais e espirituais, abrangendo-o no corpo e na alma. Como fase sistemática
e especial, é dirigida à infância, à adolescência e à juventude, identificando a família e o Estado
como promotores do bem comum. A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional contribuiu
para suprir as deficiências da formação natural do ambiente familiar. Quer dizer, buscou contribuir
para que seja harmoniosa ou coerente a formação do caráter e da personalidade do cidadão.
Nesta almejada educação convém incluir, com redobrado empenho, a Educação Moral e Cívica
da nossa pregação.
21. Faces da educação
Os educadores insistem para que à Educação Moral e Cívica se agregue: - a Educação da
Inteligência, para expurgo das idéias falsas e deformadoras; a Educação Sexual para que a
sexualidade seja avaliada com equilíbrio e segurança; a Educação Física e da Saúde, voltada
para a higiene corporal e mental; a Educação para a Cidadania, para fortalecimento do senso de
responsabilidade; o espírito de solidariedade como preocupação para o bem comum; a Educação
Vocacional e Profissional para melhor aprimoramento do indivíduo, por sua capacidade, na melhor
atividade. A educação é um dos direitos fundamentais do homem, como disposto no art. 26 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. O art. 205 da CF/88 dispõe que a "educação,
direito de todos e dever do listado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
22. Familiaridade com os princípios
As convicções dos princípios morais e cívicos adquirem relevância ante a rapidez da
evolução tecnológica. Os jovens profissionais se vêem submetidos a uma complexa
interdisciplinariedade, levando-os à perplexidade ante os sistemas de ensino. As novas
tecnologias de informação e comunicações instigam à priorização de vantagens materiais.
Buscam-nas numa sociedade cada dia mais participativa, sem a conveniente observância de
princípios éticos ou morais. A escassa convivência do estudante com as regras morais e
cívicas vem acarretando danosas implicações na idoneidade desejada de profissionais, de
políticos e administradores da coisa pública. O conhecimento é o mais valioso patrimônio de
um povo. Partilhá-lo é a mais eficaz fórmula de incentivar vocações científicas. O ambiente
escolar e acadêmico tem a virtude de fomentar ou despertar curiosidades culturais,
descobrir talentos e alargar as pesquisas.
23. Todos pela educação
A Copa do futebol é o nosso único momento de mobilização e entusiasmo cívicos. Em junho
de 2006, 250 líderes latinos se reuniram em debate e concluíram as discussões com a
certeza de que a educação é, hoje, no mundo, a mais importante política pública, em
qualquer país. O "compromisso" firmado se intitula "compromisso: todos pela educação"
foi lançado em São Paulo, em 06.07.2006, em ato público, no Museu do Ipiranga. A missão
assumida é para "efetivar o direito à educação de qualidade para que, em 2022, no
bicentenário da independência do Brasil, todas as crianças e jovens tenham acesso a um
ensino básico que os prepare para os desafios do século 21". Parece repetir-se o sonho do
Dec.-lei, de 1969, que criou a obrigatoriedade do ensino da moral e do civismo em todas as
escolas do país.
24. Pedagogia social
A expressão pedagogia social designa uma educação que, diferenciada da forma
padronizada da alfabetização tradicional, pura e simples: aula e livro - procura aprimorar a
personalidade da pessoa, inspirada na vivência social, para integração do cidadão na
comunidade, profissional e politicamente, de forma idônea, construtiva, permitindo-lhe
contribuir para a formação de cidadão adulto produtivo. Após a II Guerra Mundial, a
humanidade acordou para a necessidade de o cidadão tomar consciência de que ele tinha
compromissos inarredáveis e intransferíveis com a sua comunidade, política e culturalmente.
A Fundação MOBRAL, em 1976, foi um valioso passo na alfabetização, que arrancou da
escuridão intelectual milhões de analfabetos.
25. Omissão da cátedra
Urge fazer da cátedra também uma fonte de inspiração moral, ética e cívica. A vida acadêmica é o
momento em que são acalentados os sonhos profissionais. Mas, também é o ensejo em que as
vocações, ao serem forjadas, devem ser temperadas na ética e no civismo. Os embates forenses
ou as atribulações da atividade política têm, por naturais ingredientes, angústias, temores e
anseios. O enfretamento de tais condições conflituosas exige do advogado a conveniente
consciência dos valores humanos, éticos, morais e cívicos, na justa distinção entre o bem e o
mal. O direito é concebido a partir do justo, da moral e do eqüitativo. O advogado tem, por
vocação histórica, consagradamente, de ser o confiável guardião entre a lei e a moral.
26. Efeito na advocacia
A primeira pregação sobre a conscientização da integridade moral do advogado ele a recebe no
lar e na escola. O crescente número de infringências éticas e morais constatáveis na advocacia,
tem raízes na precariedade ou nos equívocos dos discursos sobre princípios morais e cívicos.
Disse, Rui Barbosa, num rumoroso debate forense: "Eu sei, senhores juizes, que uma das
primeiras necessidades de qualquer causa é a integridade moral do seu patrono, o prestígio da
sua sinceridade. Devo, pois reivindicar altamente a minha, e hei de reivindicá-la". Defendia o
mestre, na defesa da sua sinceridade, "que toda a jurisdição imensurável da consciência...",
"do dever...", "a atividade...", "a personalidade", "constituem a região e a jurisdição dela".
27. Fator mais importante
A advocacia é um serviço em permanente inquietação, à qual se impõe o dever de sempre ajustarse à dinâmica das realidades sociais e políticas. Nessas injunções profissionais faz-se
relevante a necessidade de manter-lhe a vitalidade moral e ética. É preocupante a vulnerabilidade
moral de muitos advogados, em razão da carência pedagógica das escolas. Estas podem, sem
saber, transmudar os advogados, ao contrário do seu destino, em instrumento ou personagens de
altercações sociais e da insegurança jurídica. O advogado é contratado sob a presunção de
um profissional com inabaláveis princípios de probidade, lealdade e veracidade. No
desenvolvimento técnico, científico e humanístico, constitui fator catalisador dos valores humanos
propiciar-lhe na escola uma formação moral e cívica. Nos fatos ou atos há sempre a aliança da
ética e da moral com o jurídico.
28. A advocacia envolvida
O ensino obrigatório da moral e do civismo há de repercutir na formação do advogado. A
advocacia comete deslizes que mostra ressentir-se da falta de uma educação moral e cívica. As
infringências éticas e morais, muito reincidentes na advocacia, são sintomáticas. O Tribunal de
Ética e Disciplina da OAB testemunha a exacerbação das transgressões às normas éticas e
disciplinares.
Propugnamos, com êxito, naquele Tribunal, pela obrigatoriedade do ensino da Ética nas Escolas
de Direito, e inclusão da matéria nos Exames de Ordem. Idealizamos na OAB um Seminário anual
de Ética profissional, hoje institucionalizado. O ensino da moral pessoal, do civismo e da ética
profissional exige, dos seus patronos, uma longa e exaustiva jornada, perseguida com tenacidade
e espírito público.
29. Moralização: caminho mais curto
No prefácio da 2a edição, do livro de Robison Baroni Cartilha de Ética Profissional do Advogado,
dissemos que "a grande redenção da humanidade está na preparação moral do cidadão, como
fator de diminuição da injustiça e, por conseqüência, da pobreza e da infelicidade. A final,
formação ética e moral significa a capacidade de auto disciplinar, liberto de agressões exteriores;
o justo enquadramento do que seja o bem e o mal; a grandeza de praticar a justiça oportuna e ver
na solidariedade entre os homens o caminho mais curto entre a vida e o bem-estar". Plínio
Barreto, símbolo de jurista, dizia, sobre o advogado: "nenhuma civilização real caminha sem nós,
somos guias obrigatórios de quem quer que procure orientação no sentido da paz, da justiça e da
felicidade".
30. Importância da primeira lição
O reverenciado Pitágoras já ensinava, séculos antes de Cristo, que "se educarmos a criança não
precisamos preocupar-nos com o adulto." Quer dizer, a priorização da educação significa que o
resto - progresso, cultura e desenvolvimento - vêm naturalmente. "Talvez o resultado mais precioso
de toda educação seja a habilidade de fazer com que a gente faça o que deve fazer, quando deve
ser feito, quer goste quer não de fazê-lo; é a primeira lição que deveria ser aprendida; e por mais
cedo que o treinamento do homem comece, será provavelmente a última lição que aprenderá a
fundo" (Thomas Henry Huxley). Prevalece no ensino o critério tradicional de abarrotar a memória
de idéias inservíveis, deixando na vacuidade a compreensão e a consciência das coisas e dos
princípios, que são afinal os marcos que nos guiam.
31. Sentimento de civismo
O sentimento de civismo melhor se aprimora na infância e na juventude. Espírito cívico, na
sociedade política e democrática, é aquele vigilante dos interesses do seu país, mediante o
cumprimento espontâneo e permanente das obrigações sociais, legais, na defesa da ordem
pública. Caracteriza-o a natural predisposição de contribuir para com as atividades, que, de algum
modo, fortaleçam a solidariedade humana e difundam as virtudes sociais, enquanto inspiradas e
resultantes de valores morais. Os ideologismos encharcados de voracidade pelo poder, o
sectarismo cego pelas incoerências com a realidade ou os egoísmos desenfreados de
vantagens gratuitas nunca serão integrados por cidadãos que tiveram raízes na educação moral e
cívica.
32. Educação imposta
O equilíbrio e a convivência pacífica e ordeira dos membros de uma sociedade é e deve ser o
ideal por todos abraçado e estimulado. Este ideal tem por componente básico estar o indivíduo
adequadamente escolarizado, assim como moral e civicamente instruído. O Estado deve ter o
dever, de alguma forma, de obrigar o indivíduo a receber tal educação. Há exigências sociais
inarredáveis, como os deveres do respeito à lei; a higienização do indivíduo como necessidade
urbana; a previdência social como proteção à doença e à velhice. Educar-se, então, passa a ser
uma obrigação social de todos os indivíduos. A sociedade tem interesse em que os que a
integram estejam, para tanto, credenciados pela educação moral e cívica. A educação é dever do
Estado, mas, educar-se é uma obrigação exigível e irrecusável do cidadão.
33. Indignação popular
O tema da educação moral e cívica nas escolas foi suscitado pela indignação de que foi tomada a
sociedade brasileira, em face, recentemente, dos clamorosos desmandos político-administrativos
divulgados, em todas as esferas. Quando foi baixado o Decreto-lei que tornou obrigatório o ensino
da moral e do civismo, sabíamos que os efeitos haveriam de advir ao longo de décadas.
Confortava-nos o sentimento de que, no final do milênio, surgiria uma geração de homens dignos
e patriotas, aptos para liderar a nação. Não foi o que aconteceu, e a nação se viu afogada num
turbilhão de peculatos, falcatruas, improbidades administrativas, enlaçada numa política espúria e
egoística. Voltou, pois, a ser a hora de renovar o empenho de levar para as escolas, primárias ou
superiores, um brado de alerta, para concitar o cidadão à conscientização dos princípios éticos
profissionais, da moralidade individual e do respeito às instituições em que se assenta a nação.
34. Renovação do projeto
Este escrito quer exortar o retorno do ensino obrigatório da moral e civismo nas escolas, da
primária à superior. A escola é o único reduto, além do ambiente familiar, onde se há de forjar a
personalidade do cidadão, ou sua formação moral e cívica. Não há, nesta missão educacional,
muitas alternativas. A educação, sob todos os ângulos, fases e condições é a fonte de
prosperidade de uma nação. Esta é a verdade que a história, com eloqüência, nos
demonstra. Dentre os investimentos públicos do Estado, nenhum é mais rentável e de retorno
mais seguro do que educar o povo e criar-lhe condições para elevação do seu nível cultural. E
este será tanto mais promissor quanto mais consolidado em princípios moralizantes e
cívicos.
35. Decálogo cívico
1. Amarás o Brasil, tua Pátria, com um amor inteligente e forte. Inteligente, para conhecer
seus problemas e grandezas; forte, para empenhar-te em prol de seu desenvolvimento e na
defesa de sua semelhança.
2. Amarás os teus irmãos brasileiros, reconhecendo em todos a igual dignidade de pessoas
humanas, sem discriminações de raça, origem, condição social, situação econômica, opiniões
doutrinais, ideológicas ou religiosas.
3. Não excluirás de teu amor e respeito os filhos de outras terras que vieram colaborar
lealmente para a grandeza da pátria comum.
4. Prezarás os teus valores humanos, espirituais e físicos, procurando, através de todos os
recursos do ensino e da educação, levá-los a uma plenitude ordenada e harmoniosa.
5. Amarás entranhadamente o bem, a virtude e a verdade, detestando o mal, a mentira e a
iniqüidade.
6. Amarás com predileção a tua família, a cuja promoção te dedicarás pelo trabalho
competente e honesto, no exercício de uma profissão.
7. Procurarás conhecer sempre melhor teus deveres e direitos de cidadão, para observálos com maior fidelidade, esforçando-te por participar da vida de tua cidade, de teu
município, de teu Estado e da Federação.
8. Lembrar-te-ás que um bom cidadão não pode ignorar os elementos fundamentais da
organização jurídica e administrativa de sua Pátria.
9. Deverás também te esforçar por conhecer sempre melhor os elementos da organização
econômica e dos processos sociais do Brasil, bem como os sistemas propostos para
resolver os seus problemas, a fim de formar, a respeito de todos, uma opinião clara e
segura.
10. Não deverás nunca esquecer que o Brasil faz parte de uma Cultura e de uma
Comunidade Internacional, para com as quais tem também direitos inalienáveis e deveres
urgentes, de cujo respeito depende o advento de uma paz justa e definitiva.
Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n. 18,
julho/dezembro 2006, pp. 290-301.
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Educação moral e cívica: carência profissional e