A DISCIPLINA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA NAS ESCOLAS BRASILEIRAS Gabriel Rodrigues Miguel1, Fabiene Campos2, Maria Tereza Dejuste de Paula3. 1 Univap/História, São José dos Campos, e-mail Univap/História, São José dos Campos, e-mail 3 Univap/História, São José dos Campos, [email protected] 2 Resumo- As funções da educação na sociedade são influenciadas pelo contexto histórico, político e social em que as escolas se inserem. O presente estudo tem como objetivo discutir, a partir da literatura,a introdução da disciplina Educação Moral e cívica nas escolas brasileiras durante o regime militar de 64. Os resultados mostraram que para a maioria dos autores encontrados a disciplina exerceu a função de disseminar e legitimar a ideologia dominante do regime e sua implantação se fez impondo um currículo e a direcionando a prática pedagógica dos professores e os materiais didáticos para o ideário dominante. Palavras-chave: Educação Moral e Cívica, ensino, ensino de História. Área do Conhecimento: Ciências Humanas Introdução Metodologia A educação brasileira foi objeto de mudanças profundas no período do golpe de 1964. Tais mudanças eram dirigidas para o objetivo de adaptar o sistema educacional aos objetivos políticos e ideológicos do regime que se instalou no país. Segundo Cerezer (2009, p. 2) as mudanças implementadas relacionavam-se ao objetivo de mudar o sistema por ser este considerado como ultrapassado e pouco produtivo, bem como favorável à formação de “mentes subversivas “ . Historicamente o Estado tem se inserido na escola, como afirmam (MELO E TOLEDO, 2005) visando usar essas instituições como instrumento de uma cultura cívica de caráter nacionalista para implementar um projeto de sociedade determinada e que atenda aos objetivos dos seus dirigentes. Em 1969, através do Decreto n.869 do mesmo ano a disciplina Educação Moral e Cívica foi tornada obrigatória no currículo escolar e incluída como prática educativa, significando que, como afirmam Melo e Toledo (2005) todas as atividades escolares deveriam se orientar pela matriz ideológica da referida disciplina.O mesmo decreto estabeleceu que no nível de pósgraduação essa disciplina deveria ser ensinada sob a forma de Problemas Brasileiros. O regime militar retirou das disciplinas de História e Geografia a responsabilidade pela formação política do estudante. O objetivo do estudo é analisar a partir da literatura a introdução da disciplina Educação Moral e Cívica e suas implicações para a educação e prática dos professores. O estudo foi realizado através de uma pesquisa bibliográfica usando as palavras-chave: disciplina Educação Moral e Cívica, educação no regime militar, golpe de 1964 em bases de dados Google Acadêmico e Scielo Resultados e discussão Segundo (Almeida, 2009) houve uma primeira tentativa de introdução da Educação Moral e cívica nas práticas educativas pelo decreto 117 de 30 de abril de 1964. O objetivo era estimular no país a educação cívica. Para Almeida (2009, p. 9) o período de introdução da disciplina de Educação Moral e Cívica situou-se no momento do antagonismo entre os EUA e a Rússia no qual o ocidente se sentia ameaçado “pelo imperialismo ideológico da civilização materialista”. No Brasil consubstanciouse como um nacionalismo de vontade coletiva, senso de reponsabilidade de elevar a nação, salvaguardando os objetivos nacionais a qualquer preço” (ALMEIDA, 2009, p.9). Vaidergon (apud FILGUEIRAS, 2006) tentou identificar as raízes da disciplina de Educação Moral e Cívica e as doutrinas que a sustentavam, encontrando como resposta o liberalismo, conservadorismo, romantismo, catolicismo, positivismo e a doutrina da segurança nacional. Na visão de Filgueiras (2006) a disciplina de Educação Moral e cívica foi criada para combater idéias subversivas como o comunismo e fomentar uma moral religiosa. XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de PósGraduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba 1 Para Oliveira (apud FILGUEIRAS, 2009) os fundamentos ideológicos da disciplina Educação Moral e cívica expressavam ideais dos civis e militares já que para a autora o movimento de 64 teve a participação de militares e civis. Para Oliveira ( apud FILGUEIRAS, 2009, p. 5 “ a implantação da disciplina foi parte de um movimento social conduzido por grupos sociais que se sentiam ameaçados com as mobilizações sociais das décadas de 1950 e 1960, em meio ao contexto da Guerra Fria, e agitação de movimentos estudantis pelo mundo”. Para Cerezer (2009) havia o objetivo de levar a educação brasileira a desenvolver-se de acordo com os interesses do capitalismo internacional e de uma política interna de desenvolvimento econômico com segurança. Para implantar as mudanças na educação houve desmobilização estudantil e perseguição aos intelectuais relacionados à área de educação, bem como controle da educação pelos acordos MECUSAID. As mudanças se efetivaram através de interferências nas escolas de nível médio que viram seus grêmios estudantis transformados em centros cívicos coordenados pelos professores de Educação Moral e Cívica que, segundo Cerezer (2009) eram escolhidos entre os que tinham simpatia pelo regime. Segundo Cerezer (2009) no ensino superior houve a desmobilização de organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a atuação dos Diretórios Acadêmicos foi restringida a cada faculdade. Em termos da concepção de educação, era entendido que aos estudantes deveria ser atribuído apenas o papel de estudar, deixando de lado a formação crítica que poderia provocar reivindicações e protestos relacionados ao regime vigente. Segundo Cerezer (2009, p. 3) “os estudantes deveriam “estudar”, os trabalhadores deveriam “trabalhar” e os professores “ensinar”.” Outra face das mudanças apontada por Cerezer foi o aumento da privatização do ensino, importância atribuída ao ensino profissionalizante e à corrente pedagógica tecnicista, considerados como importantes para colocar o país no contexto do capitalismo internacional. Era importante formar alunos com competência para atender às necessidades do mercado. Ainda segundo Cerezer (2009) o governo militar via a educação da época como distorcendo a formação do ser humano, proliferando ideias estranhas e prejudiciais à formação do cidadão do país. As reformas teriam o objetivo de evitar a propagação dessas ideias e concepções de educação que prejudicavam o Brasil. Nesse contexto, foi então dada importância às disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira, bem como para a disciplina de História, às quais foi dado o papel de ser um mecanismo de controle e dominação social. A prática do professor de Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira e História passou, assim, a ser ligada ao objetivo de formação de uma consciência como afirma Cerezer (2009) cívica, disciplinar e patriótica no sentido concebido pelo regime vigente. Era uma função controladora, ajustadora dos padrões de comportamento político e social dos estudantes em formação. O currículo passou a ser um importante instrumento de imposição e de reprodução da ideologia da classe dominante como definia o marxismo. O currículo tornou-se então o instrumento a partir do qual os interesses, conhecimento e cultura das classes dominantes passaram a ser o ideal e os da classe subalterna são desvalorizados. As estratégias utilizadas para a implantação dessa função curricular na escola brasileira do período podem ser vistas a partir da interferência do governo sobre o desenvolvimento do trabalho pedagógico, relações entre professores e alunos e como afirma Cerezer (2009, p. 13) na “construção da subjetividade profissional de cada professor, assim como na construção da subjetividade dos alunos”. A introdução da disciplina afetou a prática pedagógica dos professores. Em relato de uma professora de História do período, o estudo de Cerezer (2009) mostra que no desenvolvimento das aulas de História e Educação Moral e Cívica não havia “ possibilidade de um aprofundamento maior de questionamento da realidade política, porque sabíamos que era uma coisa “meio proibida” “. Outro relato de um professor, no mesmo estudo, mostra que não havia autonomia do professor pois “era aquilo que estava no livro didático, e de repente, era uma questão de sobrevivência, a gente trabalhava porque estava precisando [ ...].muitas vezes tentei ser coerente e vi que não dava” (CEREZER, 2009, p.15). A implantação das mudanças envolveu também a formação dos professores e a produção de material didático. Em relação à formação dos professores é relatado no estudo de Cerezer (2009) o depoimento de uma professora que afirma ter sido imposta a disciplina, pelo governo, sem ser realizada a preparação dos professores para a mesma o que colocava grande dificuldade de se trabalhar com os conteúdos. Em relação aos materiais didáticos havia a Comissão Nacional de Moral e Cívica (CNMC) que era encarregada da aprovação dos livros didáticos XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de PósGraduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba 2 de Educação Moral e Cvica. Os livros tinham que passar pela análise dessa Comissão e serem homologados para só então serem publicados. O principal critério de avaliação dos livros era relativo ao conteúdo que deveria se adequar às diretrizes da disciplina de Educação Moral e Cívica. Era um mecanismo de controle. Filgueiras relata, por exemplo, o caso de um livro que teve retirada do seu texto a afirmação da Umbanda como religião para só então poder ser publicado. Conclusão A escola já foi analisada como um aparelho ideológico do Estado, a serviço da difusão da ideologia dominante. A introdução da Educação Moral e Cívica pode ser vista como um exemplo claro da imposição da ideologia dominante no período do golpe de 64, através da disciplina. Fazse importante analisar a trajetória da educação brasileira e sua relação com o contexto histórico para que se compreenda, cada vez mais, as relações que se estabelecem entre a escola e a sociedade e se possa desvelar quando a educação é ideológica e usada pelo Estado para manter o seu próprio poder. Referências ALMEIDA, Djair L. Educação Moral e Cívica na ditadura militar: um estudo de manuais didáticos. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos, 2009. CEREZER. Osvaldo M. Educação e dominação social: o ensino de História no regime militar brasileiro.Revista de História e Estudos Culturais, v.6, ano VI, n. 3, jul/ag/set 2009, 21p. CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e nação na publicidade do milagre econômico – Brasil: 19691973. Tese (Doutorado em Educação) – Unicamp. Campinas (SP), 2000, p.55. FILGUEIRAS, Juliana M. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática: 1969-1993. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. MELO, Francisco E., TOLEDO, Edilene T. O ensino de estudos sociais, EMC e OSPB e a resignificação da cultura cívica nacional nas práticas escolares em escolas de Fortaleza durante o regime militar. Londrina: ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2005. XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de PósGraduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba 3