FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA MORAL E DA EDUCAÇÃO MORAL ENQUANTO
CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES - APROXIMAÇÕES
PRELIMINARES
CARNEIRO, Lidiane Fátima Grützmann – mestranda em Educação - PUC-PR
[email protected]
Resumo
Neste texto pretendemos discorrer sobre a relação existente entre a educação, a moral e a formação
de professores. Estes conceitos podem ser percebidos isoladamente como categorias componentes
de um todo sócio-educacional em funcionamento, mas se percebidos concatenados e inseridos
desde uma práxis educativa (reflexo e desdobramento de uma práxis social), se mostram portadores
de uma configuração peculiar em cujo bojo reside um projeto comum de construção de mundo e de
sociedade, nem sempre explícito para seus agentes. Abordaremos a forma como uma moral social
se estrutura e se consolida histórica e socialmente através da utilização dos instrumentos da
educação formal e seus sujeitos – alunos e professores. Teceremos algumas considerações no
sentido de denunciar alguns aspectos sociais problemáticos da contemporaneidade: reflexos claros
de uma enfermidade moral, cujos sintomas estão presentes em todas as derivações sociais, inclusive
na educação. O pensamento de Wilhelm Friedrich Nietzsche – filósofo alemão que discutiu a moral
de forma radical – será subsídio de compreensão sobre como a moral pode se tornar algo nocivo aos
homens. Ainda com base nas suas reflexões, pretendemos sobremaneira salientar a forma como o
projeto pedagógico moderno utiliza uma idéia de moral insuficientemente pensada e elaborada,
levando-nos a conclusão de que a idéia de “moral nociva” é perpetuada pelas práticas pedagógicas
modernas, principalmente no que diz respeito à formação dos professores. Estes, enquanto sujeitos
“formadores”, necessitam de uma “formação” (moral) que dê conta não apenas do conhecimento
acerca dos conceitos fundamentais da moral, da ética e dos valores, mas que os atenda enquanto
seres humanos que criarão, por conseqüência, condições para que outros seres humanos possam da
mesma forma, se entenderem enquanto homens portadores de mundo – princípio para qualquer tipo
de educação, inclusive moral.
Palavras-chave: Educação, Moral, Formação de Professores
1703
1. Conceitos importantes à guisa de introdução
a) Educação
A forma que a humanidade, ao longo da história, encontrou para repassar de uma geração à
outra suas experiências cotidianas que se traduzem em conhecimentos acumulados e também em
conhecimentos científicos em cujos conteúdos práticas acham-se implícitos, entre outros, valores
morais, chamamos educação. É através de um processo educacional difuso ou claramente
intencional, que os indivíduos são entendidos por meio daquilo que consideramos civilização. Mais
do que qualquer outro fator, o desenvolvimento moral do homem é condição essencial neste
processo, seja ele realizado de modo assistemático ou sistemático, pois todo processo de
socialização, requer a expressão de comportamentos em que as ações que o expressem sejam
decorrentes de reflexão, de julgamento para posterior decisão. Neste sentido, a idéia de moral se
refere a uma ação refletida levando em conta sua conseqüência e seus efeitos.
b). Moral e educação moral
Desse modo, entendemos como moral, um conjunto de costumes e juízos construídos a
partir de um indivíduo ou de uma sociedade, com fundamento sempre em uma concepção de
homem e de mundo, tendo a função de orientar a ação humana e organizar as relações dos
indivíduos na sociedade. A moral apresenta variações no tempo e no espaço. Cada sociedade em
sua época possui uma forma peculiar de entender o homem e o mundo. Com base nessas
compreensões, estabelecem, para organizar esta vida em sociedade, um pacto através de regras e
normas de conduta explicitas ou não. Este jogo de regras faz apenas sentido se estiver ligado a um
estar-com. Portanto, é na socialização que a moral se justifica, e por assim dizer, encontra sentido.
A moral é sempre construída socialmente, por isso apresenta diferentes naturezas em
diferentes espaços e em diferentes tempos. Muitas vezes é confundida com a ética, por estar com ela
estritamente vinculada. Esta confusão acontece pois é notória a variedade de termos expressões que
são utilizadas para formular o universo daquilo que é moral. Vamos utilizar aqui as duas
expressões: “ética” e “moral” como sinônimos1, tal como recomenda VIDAL (1983):
1
Um aprofundamento etimológico se faz necessário mesmo quando consideramos idênticos os significados de ética e
de moral, uma vez que a história etimológica dos termos pode nos proporcionar riquíssimas lições a este respeito,
inclusive elucidar possíveis distinções. Para tanto, recorreremos à obra importantíssima de Marciano Vidal: Moral de
Atitudes, na qual esta etimologia é possível através de um adentramento na cultura e idioma grego e latino. Também a
1704
“Acreditamos que os dois grupos de termos devam ser utilizados com idêntico conteúdo
semântico. A diversa etimologia de ética e moral, grega e latina respectivamente, não é
causa de diversidade semântica, mas de riqueza de significância. (...) Os dois grupos de
termos de ética e moral servem para introduzir a questão sobre o bom.” 2
Os preceitos morais acompanham historicamente os avanços e recuos da humanidade, e
estão sempre em pauta quando são postas em questão as atitudes boas ou más, certas ou erradas sob
os quais os grupos sociais norteiam suas vivências. Por isso, o problema da moral tem de ser visto
levando-se em consideração os condicionamentos próprios de cada época.
É importante ressaltar que as sociedades não possuem apenas um conjunto de regras.
Especialmente no momento em que vivemos, onde as diversidades se mostram cada vez maiores e a
necessidade de se estabelecer uma relação de respeito e de convivência entre elas é cada vez mais
necessária. A escola se mostra potencialmente como um lugar de encontro destas diversidades. Por
isso ela não pode se isentar da reflexão sobre o homem e a moral. De forma intencional ou não, ela
também influencia o indivíduo na medida em que valores e regras são transmitidos pelos materiais
didáticos, pela organização do trabalho escolar, pelas formas de avaliação, pelos comportamentos
dos alunos, e principalmente, pelas atitudes dos professores. Dessa forma, questões morais fazem
parte da rotina de qualquer escola. Vale assinalar ainda o fato de que a educação moral está
articulada a um ideal de homem e conseqüentemente de sociedade a ser construído através da
educação. A questão moral está, portanto, vinculada à educação, e por isso intrínseca à prática
social.
Observando as teorias educacionais presentes na história da educação, nota-se que houve
preocupação com a formação moral do homem. É possível afirmar também que no interior de
grande parte das teorias educacionais, existiu, de forma explícita ou implícita, um direcionamento
para a participação da escola na formação moral do educando3. Entretanto, é preciso considerar que,
muitas vezes, a escola contribuiu para disseminar uma moralidade que era utilizada apenas para
formar um tipo de homem que seria conveniente aos interesses políticos dominantes: hora da igreja,
obra de W. Jaeger Paidéia (1986) servirá de base para tal estudo. Por ser um estudo que demandará tempo e dedicação,
optamos por não incluir esta discussão neste texto.
2
VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes. Vol I – Moral Fundamental, 22-23.
3
Podemos apontar, a título de exemplo, os Jesuítas, que através da educação disseminaram a moral cristã e a doutrina
católica. Outro exemplo pode ser o tecnicismo, que enquanto tendência pedagógica pensa que a educação moral deve
estar voltada para a justificativa de que o homem de valor é aquele que produz eficaz e eficientemente. Não
pretendemos aprofundar o tipo de moral presente em cada teoria da Educação, apenas ilustrar que cada uma delas
possui um conceito de homem e mundo que servem de base para a elaboração de um conjunto de regras e condutas
humanas que contribuem para a formação deste homem, ou seja, cada teoria da educação possui uma moral que lhe é
própria.
1705
hora de classe economicamente privilegiada. Podemos assim perceber que a educação moral esteve
inserida sempre em contextos de uma educação com suas próprias concepções de homem e de
mundo, de sociedade e de política que lhes estão subjacentes. Procurar investigar estas concepções
de homem e mundo subjacentes às intenções históricas de Educação Moral, é dar-lhe, ou não,
legitimidade.
c) Educação Moral na relação com a formação de professores –
Quando se fala no papel da escola na formação moral do aluno, pensa-se imediatamente na
figura do professor. Todos os educadores são sempre educadores morais. Mesmo que muitos deles
não estejam atentos para o fato de que, em suas atividades diárias, influenciam na educação moral
de seus alunos, eles estão, continuamente, contribuindo para a constituição de sua sociabilidade, de
sua educação moral.
Em função disso, de modo explicito ou não, certamente há por parte do educador um projeto
moral de formação em relação a seus alunos. E é a partir dele que concebe e organiza o trabalho
pedagógico, expressão de um aspecto fundamental que é o currículo escolar.
Nesse sentido, a educação moral deve ser tratada de forma concreta dentro do processo de
escolarização por todo e qualquer educador. Por esta razão é que há a necessidade de um repensar
constante sobre a moral, concomitantemente à formação de professores. Repensá-la aliada à
formação de professores adquire significado se compreendida histórica e filosoficamente.
Por isso, para que este artigo se configure como uma contribuição positiva para a formação
de professores, no sentido de entender a moral nos moldes em que ela se apresenta em nossa
sociedade contemporânea, bem como os conceitos de homem e mundo que lhe são subjacentes, é
necessário um aprofundamento no solo onde se encontram suas raízes. Para tanto é necessário um
resgate histórico a fim de que possamos compreender a maneira como se desenvolveu o processo de
elaboração das regras que possuímos hoje. Do ponto de vista filosófico, torna-se importante
situarmos os fundamentos teóricos subjacentes a moral estabelecida. Estas delimitações históricofilosóficas contribuirão efetivamente para um repensar a prática pedagógica do professor
contemporâneo, bem como contribuirão para um repensar o papel do professor perante o quadro
valorativo social instaurado, enquanto profissional da educação e principalmente, enquanto ser
humano.
1706
2. Necessidade histórico-social de retorno a princípios e valores humanos em crise
Sabemos que a contemporaneidade, (especificamente o mundo ocidental) apresenta uma
terrível enfermidade no campo moral. Essa enfermidade não quer dizer o fim do primado da moral,
mas quer indicar urgência em repensá-la.
Não conseguiremos neste momento, descrever de forma simplificada os problemas da
sociedade atual, pois variados são os aspectos sócio-culturais que configuram a vida da
humanidade. Mas faremos algumas aproximações de acordo com o pensamento de VIDAL (1986,
p. 40). Segundo ele, não há dúvida que a nossa sociedade está inserida e se expande cada vez mais
dentro de uma civilização dominada pela lei do consumo. Aparentemente resistente ao
questionamento moral, nela nos encontramos inseridos e devemos realizar o projeto de nossa
existência. Podemos acrescentar ainda que nesta sociedade a educação escolar se apresenta e possui
essencialmente um contributo: o de propiciar a reflexão e, conseqüentemente agir moral que possam
levar ao sucesso da realização de um projeto existencial individual e social, sobremaneira diferente
do que temos hoje.
Entendemos esta possibilidade de contribuição como, no mínimo, árdua, uma vez que a
sociedade de consumo provoca um certo grau de “amoralidade”. VIDAL alerta para os mecanismos
pelos quais essa sociedade executa sua função amoralizadora. Podemos destacar inicialmente a
desintegração das relações humanas, e pensar os efeitos deste mecanismo principalmente na escola.
O aluno se torna um número e o professor não se preocupa mais com a educação, ou não consegue
se preocupar, pois precisa manter uma carga horária tão grande para sobreviver, que não consegue
mais nem pensar em si mesmo. O fator criatividade desaparece, tanto no vocabulário do professor
quanto do aluno, e este ciclo vicioso na educação, gera um novo tipo de homem, cujo conceito é
ideal para a manutenção da saúde da sociedade do consumo: o homem-massa. Podemos ainda
apontar para a degradação do amor e da sexualidade, da violência exacerbada, e, finalmente mas,
não menos importante: o empobrecimento do espírito humano.
Quando contemplamos todos estes problemas, ou poderíamos dizer todos os sintomas que
denunciam a enfermidade moral de nossa sociedade, entendemos a grande responsabilidade que a
educação escolar possui na formação de um homem que possa ir contra o homem-massa da
sociedade de consumo. Este novo homem precisa ser capaz de pensar na possibilidade de uma nova
sociedade. Por isso, julgamos imprescindível um recuperar, no tempo e no espaço, os fundamentos
que substanciam a moral e repensá-la.
1707
3. A moral do ponto de vista histórico-filosófico
Tomamos por base o pensamento de Wilhelm Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, que
realiza uma desconstrução da educação através de uma dura crítica à moralidade e ao
conhecimento. É uma das críticas mais profundas da idéia de ética universal, base para o projeto
pedagógico moderno. Como profundo conhecedor do homem, Nietzsche em seu tempo, vai
procurar elucidar a realidade, para que se veja o quanto há de crueldade por trás de ideais como
moralidade, civilidade e por extensão, no projeto educacional moderno.
O pensamento de Nietzsche é uma provocação para a educação, por investigar de forma a
investigar os fundamentos da pedagogia. O fim do primado moral e a transvaloração dos valores,
deixa a tradição pedagógica sem chão. O “fazer-se” individual é extremado e não mais conduzido
pela idéia de aperfeiçoamento moral. Há uma autonomia inevitável em que cada sujeito luta pela
sua afirmação. Como ninguém deu ao homem sua essência, cabe a ele fazer seu destino, ele é
responsável pelo seu vir-a-ser.
A desconstrução da moral inicia com uma genealogia da moral realizada por Nietzsche
através de seu método filológico, demonstrando como certos valores da civilização ocidental foram
subvertidos pelo cristianismo em função de um erro de interpretação das palavras “bem” e “mal”.
Segundo ele, este erro fez com que o homem se tornasse escravo de uma idéia que surge da
impotência para a vida e seu movimento, em vez de intensificar a potência da vida. Ele vê o
ocidente como repressor dos instintos propriamente humanos, em favor de um conceitualismo que
abstrai o fenômeno optando pela essência.
O filósofo alemão opta por defender uma moral
naturalista, fisiologicamente embasada. Nietzsche apresenta, portanto, dois tipos de homens: os
fracos e os fortes, bem como uma moral que é própria a cada um deles: a moral dos nobres (fortes)
e a moral de escravos (fracos). Em Para Além de Bem e Mal4 (1885-86), Nietzsche diferencia essas
duas morais, afirmando a superioridade de uma sobre a outra. O que se prega na moral dos fortes é
tido pelos fracos como “indigno”, “cruel”, segundo o que se vê nas palavras do próprio Nietzsche.
A moral dos fortes visa a conservação da vida no seu estado presente, inclusive em seu caráter de
luta permanente, e afirma os seus instintos mais fundamentais. É uma moral positiva baseada no
SIM à vida, configurando-se sob o signo da plenitude, do acréscimo, da capacidade de criação, da
afirmação da potência dos homens que por ela se guiam. O homem forte é aquele que não nega sua
4
A obra de Nietzsche apresenta um caráter predominantemente assistemático. Suas idéias sobre a moral podem ser
encontradas nas suas mais variadas obras. Aqui citamos apenas Para Além de Bem e Mal, mas a lista das demais obras
consultadas para a construção deste artigo está nas referências.
1708
vida, não submete seus instintos em favor de uma outra realidade, transcendente (porque não
precisa dela, visto que aceita a transitoriedade e o caráter de jogo da vida). Ele aceita sua vida e a
ama, sem precisar, portanto, de um fundamento exterior a si que falsifique o movimento de vida.
Nietzsche via inserido, não só em sua cultura mas em ‘toda a humanidade’, um outro tipo de
homem, o qual não pode viver afastado de valores morais, de conjuntos fixos de regras que
pressupõem uma verdade como fundamento estável; um homem que não consegue viver senão
reprimindo constantemente seus instintos. O homem-fera, o animal homem, é transformado por
esta moral em um animal doméstico, em um homem “fraco”, em um escravo. À moral que então
rege os pensamentos desse homem, Nietzsche denomina de “moral de fracos” ou “moral de
escravos”. Ela nega os valores vitais do homem e se mostra na passividade, na procura da paz e do
repouso. Efetivamente, enfraquece e diminui o indivíduo em sua potência. É um modo de
compreensão da vida atravessado desde a origem por uma impotência paralisante. O homem não
duvida, não ‘pensa’, apenas aceita as circunstâncias e vive à deriva, nutrido pela ilusão de
recompensas não circunstanciais, mas absolutas em “outro” mundo.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Pensar pedagogicamente a moral, ou pensá-la enquanto projeto social formador é um
desafio que se coloca para os educadores. Se se pretende alcançar a realização do ser humano pela
educação, então é preciso pensar, por exemplo, a formação de professores, no sentido de propiciar
condições nas quais eles sejam capazes de conduzir a sua prática pedagógica, tanto em função da
sua realização individual, quanto da necessidade do sistema social como um todo. O professor, na
sua formação, deve ter oportunidade de avaliar os princípios morais de sua prática pedagógica, bem
como conhecer as concepções de homem e de mundo a eles inerentes, para então ser capaz de
desenvolver uma “práxis” fiel a tais princípios. Mas que tipo de formação irá propiciar essa
“práxis”? Quaisquer que sejam os modelos que expressem concepções de formação do educador, há
competências e saberes que são imprescindíveis e devem ser desenvolvidos nessa formação.
Precisamos entender inicialmente o que desde sempre somos, o que temos enquanto
horizonte de possibilidades e o que podemos fazer com este horizonte, uma vez que possuímos
também liberdade. O caminho pelo campo dos filósofos nos abre a dimensão deste repensar. Martin
1709
Heidegger nos apresenta5, através de seu método fenomenológico, um homem, ou uma existência
enquanto pura possibilidade.
Enquanto pessoas, enquanto cidadãos, ou mesmo enquanto “puras possibilidades”, temos
efetivamente liberdade para usufruirmos tudo o que a liberdade nos oferece? Somos livres e ao
mesmo tempo devemos obedecer a certos limites para exercermos tal liberdade. Talvez esta seja
uma questão que contemporaneamente precisemos repensar. Provavelmente já tenhamos
identificado que o homem contemporâneo, em especial o homem brasileiro em grande medida
precisa se repensado em termos de conduta moral. E essa é uma questão educativa, formativa por
excelência.
Se somos pura possibilidade, as condições objetivas podem nos impedir de tomarmos as
decisões necessárias para a nossa realização enquanto pessoas? Ou nossas frustrações pessoais são
fruto apenas da falta de consciência de nossas possibilidades infinitas? Fazendo uma genealogia da
moral, Nietzsche identificará as bases sobre as quais as prisões do homem foram erigidas. Somos
essencialmente livres, nos dirá Nietzsche. Livres para optarmos por nós mesmos. O homem que se
submete às condições objetivas que o conduzem ao aniquilamento de si, a exploração, a negação da
vida e tudo o que a potencializa, precisa inicialmente, conscientizar-se de sua liberdade e abandonar
sua condição de rebanho. Isso é possível, pois o homem possui também outro atributo: a vontade,
ou a vontade de poder. Não poder que domina ou que submete, mas poder de decidir sobre suas
próprias possibilidades.
Sendo a educação capaz de contribuir para tal feito, porque percebemos cada vez mais
aumentado o rebanho? Há séculos a educação institucionalizada vem acontecendo pelo mundo todo.
Hoje, as crianças são obrigadas a freqüentar uma escola, passam lá seus dias, e mesmo assim o que
vemos é uma grande crise instaurada, crise social, cultural, política, econômica e, principalmente
moral. O problema está na educação? Não podemos pensar na educação como “redentora da
humanidade” e tampouco podemos isentá-la da responsabilidade de ajudar na construção de um
homem capaz de superar estas crises, capaz de pensar e transformar o mundo em que vive.
Podemos afirmar que as teorias da educação se construíram historicamente pensando na
sociedade de sua época, a educação muito pensou o homem, ou o seu aluno, a partir de suas
condições objetivas. Pouco se pensou no homem como um todo ou enquanto possibilidade. Hora se
5
Fizemos uma leitura ampla da obra de Martin Heidegger. Sua grande contribuição está no campo da analítica
existencial, onde, apesar da referência não ser direta, apresenta uma estrutura de compreensão fenomenológica de
homem que serve de princípio para qualquer área de conhecimento. A relação das obras analisadas segue nas
referências.
1710
privilegia um aspecto, hora outro. Temos teorias que se preocupam com o homem técnico, outras
que se preocupam com o homem religioso, outras somente com a razão, outras acreditam que o
homem é somente fruto de seu meio. Todas limitadas, no sentido de perceberem apenas uma forma
de ser, uma possibilidade deste ser no mundo. Estas formas não são formas distintas, não se
separam. São todas formas de um mesmo ser, por isso indistinguíveis. Assim o homem tem sido
visto fragmentadamente. Entretanto, a preocupação de educar integralmente também tem sido uma
preocupação principalmente no séc. XX.
Vale lembrar que aqueles que exercem a “ação educativa” são professores e alunos. Para
que esta ação seja válida, é preciso que o professor seja apto para executar seu papel de “formador”
e que o aluno esteja receptivo ao processo de “formação”. Também devemos levar em consideração
o fato de que o professor, que é o responsável por tal tarefa, é também integrante desta sociedade
que passa por transformações. Em função destas informações, e com o auxílio de nossos pensadores
e críticos do sistema moral tradicional, poderemos perceber a nocividade de uma educação moral
que não contemple o homem no seu ser-todo, ou no seu ser-possível. Podemos então pensar como a
formação de professores pode contribuir positivamente para revisão e até para a proposição de um
projeto novo de homem e de mundo, partindo do homem para o homem.
1711
REFERÊNCIAS
JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego. Tradução Arthur M. Pereira. 4a. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
HEIDEGGER, Martin. Conferências e Escritos Filosóficos. Tradução de Ernildo Stein. 2a. ed.São
Paulo: Abril Cultural, 1983.
. Sein und Zeit. Achtzehnte Auflage. Max Niemeyer Verlag GmbH: Tübingen, 2001.
. Ser e Tempo. Parte I e parte II. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante.8a. ed.
Petrópolis: Vozes, 1999.
NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral: um escrito polêmico. São Paulo: Brasiliense, 1987.
_________. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução, notas e posfácio
de Paulo César de Souza. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
_________. Also Sprach Zarathustra. Ein Buch für Alle und Keinen. Nördlingen: Deutscher
Taschenbuch Verlag de Gruyter, 1988.
. Obras incompletas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. [Os Pensadores]
__________. O Anticristo. Anátema sobre o Cristianismo. Tradução de Arthur Mourão. Lisboa:
Edições 70, 1999.
__________. O Nascimento da Tragédia. Tradução de J. Guinsburg. 2a. edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
__________. Vontade de Potência. Tradução de Mário D. Ferreira Santos. Ediouro S.A., 1999.
VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes. Vol. I – Moral Fundamental. 2a. ed. São Paulo: Editora
Santuário, 1983.
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