“CONTRABANDO LEGISLATIVO” E VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO Senador Pedro Taques 01. O Estado Democrático de Direito tem como pressuposto básico que as leis sejam elaboradas a partir de um processo correto e regular. Esse devido processo legislativo é uma garantia do cidadão contra as arbitrariedades e também uma garantia para que o parlamentar possa exercer suas atribuições de maneira plena, exercendo seu papel constitucional de legislar e fiscalizar. 02. Por essa razão, o processo legislativo estabelecido na Constituição deve ser obedecido rigorosamente, sob pena de afronta ao que há de mais importante em uma República: a exigência de que as leis sejam emanadas da vontade do povo e não fruto exclusivo dos desejos dos governantes. 03. O art. 59, IV, da CF/88 afirma que o processo legislativo necessita ser observado na elaboração das 1 medidas provisórias. Como se sabe, elas são atos normativos com força de lei, as quais podem ser editadas pelo Presidente da República em caso de relevância e urgência. 04. Em razão de suas particularidades, as medidas provisórias possuem um rito legislativo especial: devem ser convertidas em lei pelo Congresso no período de 60 dias, que são prorrogáveis uma vez pelo mesmo período; sua votação deve ser feita por cada uma das Casas do Congresso Nacional; e antes da votação em cada uma das Casas, deve ser constituída comissão mista de Deputados e de Senadores para a emissão de parecer prévio antes da apreciação do Projeto de Conversão em Lei. 06. Caso não sejam apreciadas em até 45 dias, elas entram em regime de urgência, dando ensejo ao sobrestamento das deliberações na Casa em que estiver tramitando. 07. Ora, esse procedimento legislativo especial foi previsto constitucionalmente apenas para analisar o objeto disciplinado originariamente no texto da MP editado pelo 2 Presidente da República, ou seja, aqueles temas que, na origem, foram reputados como de relevância e urgência. 08. Mais do que isso: o rito especial da MP que se estende ao projeto de lei de conversão seria aplicável apenas às emendas parlamentares que guardassem pertinência temática com a medida provisória. É preciso, então, que o objeto do projeto de lei de conversão tenha seu objeto delimitado no âmbito da MP. 09. No entanto, não é isso que tem acontecido no Brasil. São inúmeros exemplos de Medidas Provisórias que recebem emendas sem nenhuma pertinência temática com seu objeto inicial, QUE PEGAM CARONA NO RITO ESPECIAL DA MP NA FORMA DE “CONTRABANDO LEGISLATIVO”, gerando leis que parecem verdadeiros FRANKENSTEINS, o que é absolutamente inconstitucional. 10. Vejamos o caso do Projeto de Lei de Conversão nº 13/2012. 01. Ele é oriundo da Medida Provisória (MP) no 559, que editada para a seguinte finalidade: “Autoriza a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRAS a adquirir participação na Celg Distribuição S.A. - CELG D e dá outras 3 providências”. Em seu texto fica claro que a MP foi editada com abrangência limitada, já que se voltava estritamente à aquisição e à venda de participação acionária de empresas relacionadas ao seu objeto social. 11. Todavia, em seu trâmite na Câmara dos Deputados, a MP nº 559/2012 recebeu emendas, transformando-se no Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 13/2012, que adicionou ao singelo e monotemático texto original temas de toda sorte e natureza, com por exemplo: i) a instituição de programa de assistência a entidades de ensino superior, PROIES, que objetiva assegurar condições para a continuidade das atividades das mantenedoras de Instituições de Ensino Superior (artigos 3º a 25), ii) a criação de regras relativas a planos privados de saúde (artigo 26), iii) a autorização para doação de bens federais a países estrangeiros (at. 27), 4 iv) a extensão de regime facilitado de contratação ao Programa de Aceleração de Crescimento – PAC (art. 28), v) a fixação de contribuições previdenciárias de servidores públicos (art. 29), vi) a concessão de incentivos ficais a portos e empresas de dragagem (art. 30), vii) a modificação de regime tributário especial para empresas de construção e exportadoras (arts. 31 e 32) e, viii) o pagamento e parcelamento de tributos federais (arts. 33 e 34). 12. Com todos esses contrabandos legislativos, o PLV nº 13, foi incluído na pauta do Plenário, ato que viola o direito subjetivo dos parlamentares ao devido processo legislativo. Isso porque, o projeto de lei de conversão nº 13/2012, chega ao Senado com o prazo de sobrestamento já esgotado (45 dias), impossibilitando a apresentação de 5 emendas pelos Senadores da República e “trancando” a pauta da casa da federação para deliberações. 13. Assim, esta Casa tem que apreciá-lo em regime de urgência, sem que haja admissão constitucional que institua esse rito em relação às emendas sem nenhuma pertinência temática incorporadas à MP. 14. Burla-se o devido processo legislativo em relação às emendas contendo assuntos sem pertinência temática que “pegam carona” na medida provisória. 15. viola, também, o art. 62, CF e o art. 4°, §4°, da Resolução n. 01/2002 do Congresso Nacional, que prevê um processo legislativo especial e célere apenas para a apreciação de temas regulamentados no texto original da medida provisória editada pelo Presidente da República ou das emendas consideradas pertinentes à temática da MP (emendas aditivas, supressivas, modificativas). Do mesmo modo, essa situação afronta os arts. 65 e 66 da CF/88, que determinam as regras gerais do processo de inovação na ordem jurídica; 6 16. Por fim, o PLV nº 13/2012 afronta o princípio constitucional da legalidade em suas mais diversas manifestações constitucionais (art. 5º, II e art. 37, ambos da CF/88), pilar da segurança jurídica no Estado Democrático de Direito, uma vez que macula a clareza e concisão do texto legislativo e confunde os destinatários da norma jurídica. 17. Como sabemos, o princípio da legalidade é elemento essencial do Estado Democrático de Direito. Ele limita o poder do Estado, garante a cidadania e a liberdade perante a lei, dá suporte à independência e vincula a Administração Pública. É, portanto, princípio central para a salvaguarda da segurança jurídica. 18. Em razão de sua importância, não apenas o devido processo legislativo se reveste de garantia constitucional, como também os textos legais devem atender aos critérios de objetividade e clareza, para que, uma vez publicizadas, o cidadão saiba quais condutas tomar. O juiz compreenda os parâmetros normativos para julgar. E o 7 administrador possa bem delimitar as balizas legais que vinculam sua atuação. 19. Uma lei que carece de objetividade e clareza não é compatível com o Estado de Direito. 20. Sendo assim, a única conclusão cabível é que o PLV nº 13/2012 não apenas viola o devido processo legislativo, mas também o princípio da legalidade. Ele inclui na ordem jurídica um instrumento normativo confuso, dotado de normas incongruentes entre si, ferindo de morte a clareza e objetividade. 21. Por esses motivos, impetrei o Mandado de Segurança nº 31.444 perante o supremo tribunal federal. 21. A ação foi recebida, mas a Ministra-relatora Rosa Weber entendeu, em juízo provisório e de urgência, que não era o caso de concessão de decisão liminar. 22. Discordando de tal posicionamento, tenho que outro destino será dado ao PLV nº 13/2012 quanto apreciado pelo Plenário da Suprema Corte. 23. ENQUANTO ISSO, ESTA CASA TEM QUE FAZER SUA PARTE. DO MODO COMO ESTÁ O PLV Nº 13/2012 NÃO 8 PODE SER MANTIDO NA ORDEM DO DIA E VOTADO. SE O PARLAMENTO NÃO EXERCER SEU PAPEL CONSTITUCIONAL IMPEDINDO A TRAMITAÇÃO DO PLV SERÁ DIFÍCIL ARGUMENTARMOS CONTRA OS CLICHÊS QUE COLOCAM NÓS, POLÍTICOS, NO AMBITO DA DESCRENÇA E INEFICIÊNCIA. 24. POR ESTA RAZÃO, ROGO AO PRESIDENTE DESTA CASA QUE, FAZENDO USO DA COMPETÊNCIA PREVISTA NO INCISO XI DO ART. 48 DO REGIMENTO INTERNO, REJEITE O PLV Nº 13/2012, RETIRANDO-O DE PAUTA. 9