Dezembro | 2012
Mercado de Crédito: juros mais baixos não impedem a desaceleração
Nos últimos meses vimos a expansão do crédito desacelerando, a despeito do esforço do governo em reanimá-lo com discursos pró redução de
spreads, com alguma influência expansionista nos bancos públicos e a liberalização de regras de recolhimento de compulsório. Entretanto, até aqui, tudo isso
não pareceu suficiente. Embora o spread de fato tenha sofrido redução substancial (quase 6,5 pontos percentuais de fevereiro a outubro deste ano nas
operações de crédito referenciais para taxa de juros) as concessões não parecem ter decolado da maneira desejada. O resultado seria ainda pior se bancos
públicos não tivessem aumentado consideravelmente suas participações no sistema bancário. Neste comentário procuramos argumentar que a não
retomada do crédito vem, em parte, de condições da demanda e que a pressão pela redução dos spreads, que em tese ajudaria a contornar esse problema,
pode ter piorado as condições de oferta.
Embora o estoque de crédito ainda cresça em ritmo alto, pouco abaixo de 11% em termos reais em relação ao mesmo período do ano passado,
observamos que há alguma desaceleração quando constatamos que, no final de 2010, esse crescimento superava os 14%. Quando olhamos as concessões,
que medem o fluxo do crédito e, portanto, dão uma ideia melhor do que está acontecendo na margem com empréstimos, vemos que, no período de 2004 a
2007, elas cresciam em média 0,8% ao mês (em termos reais e com ajuste sazonal). Já neste ano, esse crescimento médio passou a ser negativo em 0,3%.
Isso é verdade tanto para as concessões de crédito para pessoas jurídicas quanto para pessoas físicas.
A queda nas concessões de crédito pode ser vista como resultado do comportamento da oferta e da demanda nesse mercado. Primeiramente, pelo
lado da demanda, há indícios de moderação. Isso seria de se esperar, uma vez que o comprometimento da renda e o endividamento das famílias aumentaram
bastante ao longo dos últimos anos. Em janeiro de 2005, o comprometimento da renda com o pagamento do serviço da dívida era pouco maior que 15%. Hoje
esse valor está em de 22%. Assim, é natural que a propensão das famílias a contrair empréstimos seja hoje menor, ainda que estejam recebendo estímulos,
como a possibilidade de juros mais baixos. Há alguma discussão sobre se os níveis de comprometimento da renda e de endividamento das famílias no Brasil
são de fato elevados. Entretanto, julgando pelo patamar persistentemente elevado da inadimplência, em um cenário de baixo desemprego e massa salarial
elevada, essa é uma hipótese que não deveria ser descartada. Desde setembro do ano passado, a inadimplência da pessoa física tem estado acima da média
histórica (excluindo o ano de 2009, quando a crise atingiu mais fortemente a economia brasileira).
Ainda pelo lado da demanda, também há indícios de moderação do apetite das empresas por mais crédito. No indicador do Serasa Experian vemos
que o índice de demanda por crédito cresceu para os setores da indústria, comércio e serviços desde o final de 2009 até o final de 2010. Nesse ponto, a
demanda por crédito das empresas ligadas ao comércio perde o fôlego e interrompe seu crescimento acentuado, o que acontece também para a indústria e
os serviços no terceiro e quarto trimestres de 2011, respectivamente. A partir do primeiro trimestre de 2012, a moderação na demanda por crédito se
transforma em queda importante para a indústria e o comércio e em queda um pouco mais suave para serviços. Com um misto de desaceleração econômica e
incertezas tanto internas quando no resto do mundo, as empresas também se tornaram menos propensas ao endividamento, assim como ocorreu com as
famílias.
As outras forças que atuam para moderar a expansão do crédito estão do lado da oferta. Por esse lado, primeiramente é importante notar a
divergência de estratégias de bancos públicos e privados nos últimos meses. Enquanto o estoque de crédito em termos nominais dos bancos públicos
(excluindo BNDES) acelerou de 17% de crescimento anual no final de 2010 para 42% em outubro deste ano, o dos bancos privados nacionais, em caminho
oposto, desacelerou de 23% para 6% no mesmo período. Isso fez a participação dos bancos públicos (excluindo BNDES) no crédito total crescer de 21% para
27%, enquanto a participação dos bancos privados nacionais caiu de 41% para 37% no mesmo período. Ainda assim, mesmo com a aceleração
impressionante dos bancos públicos, o resultado consolidado do sistema mostra desaceleração de 21% em dezembro de 2010 para 17% na evolução do
estoque de crédito em termos nominais nos últimos dados disponíveis.
Dezembro | 2012
De um lado, o crescimento mais fraco dos bancos privados pode apenas refletir a demanda mais modesta por seus empréstimos, uma vez que a
redução juros cobrados pelos bancos públicos foi mais substancial. Por outro lado, é possível que apertar os critérios de concessão de crédito tenha sido uma
estratégia dos bancos privados diante das pressões para redução do spread. O mercado de crédito possui algumas peculiaridades, pois um dado preço (no
caso os juros) pode selecionar diferentes consumidores, seja por seu perfil de pagamento ou pelo risco de seu projeto a ser financiado. Podemos imaginar que
os bancos cobravam taxas de juros que maximizavam seus lucros para um dado perfil de clientes, distribuídos em relação às suas probabilidades de ficarem
inadimplentes. Uma vez iniciada a campanha do governo para que os juros cobrados caíssem mais do que o custo de captação dos bancos (ou seja, que se
praticasse queda nos spreads) é possível que o perfil de clientes com que os bancos se deparavam tenha deixado de ser compatível com a maximização dos
lucros, dada uma taxa de juros mais baixa cobrada. Se isso for verdade para o mercado brasileiro nos dias de hoje, pode ser o caso de que diante das pressões
para se cortar o spread, em um primeiro momento isso esteja sendo feito concomitantemente à redução da oferta de crédito, pois clientes cujo risco de
inadimplência é percebido como mais alto deixaram de ser viáveis.
Além disso, não se pode desconsiderar que grande parte do crescimento do crédito nos últimos anos foi em função de mudanças institucionais, como
a ampliação da utilização da alienação fiduciária no crédito imobiliário e o crescimento do crédito consignado, que deram mais segurança às instituições ao
conceder empréstimos, estimulando-as nesse sentido. É provável que o efeito dessas mudanças já esteja esgotado e isso não contribua adicionalmente para
aceleração da expansão do crédito.
Estamos, portanto, em um cenário em que o crédito desacelera, a despeito dos esforços do governo. Por um lado, o aumento da participação dos
bancos públicos serviu para suavizar essa desaceleração. Sem entrar no mérito de essa ser ou não uma estratégia lucrativa para as entidades ou desejável
para a sociedade como um todo, se a trajetória do crescimento do estoque de crédito dos bancos públicos acompanhasse a dos bancos privados a partir de
julho do ano passado, quando o crédito era 46% do PIB, hoje esse valor estaria em 48% e não em 52%, como observado. Por outro lado, a campanha para
redução dos spreads em bancos privados, onde o governo não tem controle sobre o montante ofertado, não parece ter surtido efeito em termos de volume de
crédito no sistema. Na verdade, a redução do spread praticada mais por pressão do que por forças de mercado pode ter feito com que bancos privados tenham
retraído sua oferta, indo em caminho contrário ao desejado pelos formuladores da política econômica.
Livia Gouvêa
Economista do Opportunity e Mestre em Economia pela PUC-Rio.
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