CONCEPÇÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO COM AS PROFESSORAS DE EDUCAÇAO INFANTIL DE CORUPÁ* SILVA, Aline Yohana – UNIVALI [email protected] CORDEIRO, Maria Helena - UNIVALI [email protected] RESUMO Este estudo faz parte de um projeto que tem como objetivo conhecer a representação social sobre infância das professoras de Educação Infantil do município de Corupá e que utiliza como ferramenta teórico-metodológica a teoria das representações sociais (MOSCOVICI, 1978; 2003) e a teoria ecológica do desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER, 1989; 1996). Um dos elementos constituintes da representação social é a informação que os sujeitos dispõem sobre o objeto da representação. Nesse sentido, as idéias dos sujeitos sobre o desenvolvimento infantil são componentes fundamentais da representação social de infância. Desta forma, este estudo tem como objetivo conhecer quais as concepções das professoras sobre desenvolvimento infantil. Os participantes da pesquisa foram 36 professoras de Educação Infantil de Corupá. Foi utilizado como instrumento de coleta um formulário contendo duas questões com vários ditos populares para serem comentados pelas professoras em dupla. O estudo mostrou que as professoras compartilham idéias interacionistas no que se refere à natureza do desenvolvimento, destacando a importância do ambiente para oportunizar experiências de aprendizagem que promovam o desabrochar das potencialidades das crianças. Vêem o desenvolvimento como resultado da tensão entre as qualidades “positivas” que fazem parte da natureza humana e o ambiente social, que é predominantemente pernicioso, sobretudo no plano moral. Destacam a infância como um período sensível e defendem o respeito às diferenças individuais, atribuindoas, sobretudo a fatores sociais. Essa concepção parece dar sentido às práticas das professoras, valorizando seu papel enquanto promotoras do desenvolvimento infantil. Palavras-chave: Desenvolvimento Infantil; Representação De Infância; Concepções Das Professoras Introdução Este artigo é um recorte de um estudo maior, que teve como objetivo conhecer a representação social sobre infância das professoras de Educação Infantil do município de Corupá (DEMATHÉ, 2007). financiamento: PIPG - UNIVALI 3297 De acordo com Moscovici (1978), nas representações sociais podem ser definidas três dimensões: “campo da representação” ou “imagem”, que se refere “ao conteúdo concreto e limitado das proposições atinentes a um aspecto preciso do objeto da representação”(p. 69); “atitude”, que implica em juízos de valor, já que se refere à “orientação global em relação ao objeto da representação social” (p. 70) e “informação”, que se refere à “organização dos conhecimentos que um grupo possui acerca de um objeto social” (p. 67). No estudo acima referido, foi verificado que o núcleo central da representação social sobre infância das professoras de Educação Infantil do município de Corupá contém elementos que identificam a infância com o ser criança, ou seja, que se referem às necessidades e características da criança em desenvolvimento. A infância é objetivada em uma imagem idealizada de crianças livres, felizes, brincando com outras crianças e/ou adultos em cenários naturais. Por outro lado, no sistema periférico circulam significados que revelam uma imagem de criança poderosa, capaz de transformar o ambiente por seu engajamento em brincadeiras que são autênticas construções coletivas. Essas imagens, que mostram, ao mesmo tempo, as crianças como indivíduos frágeis e como grupos poderosos, incorpora, além de outros conteúdos, as diversas informações que as professoras receberam acerca do desenvolvimento humano e, mais especificamente, da criança de zero a seis anos, e que foram assimiladas por elas, tornando-se parte do sistema representacional que dá sentido a suas ações no cotidiano das instituições da educação infantil. Assim sendo, o contexto social não é apenas uma tela de fundo, ele gera as representações sociais, as quais incluem as informações que circulam nesse contexto acerca do objeto da representação (MOSCOVICI, 2003). Assim, para compreender como as representações das professoras impregnam suas práticas diárias e suas interações com as criancas, é necessário conhecer suas concepções sobre o desenvolvimento infantil, tanto no que se refere às características predominantes em cada momento, como, sobretudo, à sua compreensão sobre os fatores que interferem no curso do desenvolvimento, provocando estabilidade ou mudança nas características da pessoa. Como afirma Kramer (2002, p.129), “a educação da criança de 0 a 6 anos tem o papel de valorizar os conhecimentos que as crianças possuem e garantir a aquisição de novos conhecimentos, mas, para tanto, requer um profissional que reconheça as características da infância”. Por isso, no estudo relatado neste artigo, procurou-se responder ao seguinte problema: quais as concepções das professoras da educação infantil de Corupá sobre desenvolvimento infantil? 3298 Este artigo se refere apenas à primeira parte do referido estudo, na qual foram analisadas as concepções das professoras sobre desenvolvimento infantil. Nesse sentido, procurou-se conhecer as suas idéias sobre a natureza do desenvolvimento e, consequentemente, sobre qual o principal processo que guia o desenvolvimento, sobre a origem das diferenças individuais e sobre a existência, ou não, de períodos sensíveis. Essas são questões são centrais para a Psicologia do Desenvolvimento, cuja história tem sido marcada pelo debate sobre qual é o principal determinante do desenvolvimento: as forças da natureza (biológicas) ou os fatores ambientais. As respostas dadas a essa questão definem as diferentes perspectivas teóricas. As perspectivas que defendem que os fatores biológicos desempenham um papel determinante assumem uma posição inatista, ou seja, acreditam que a criança já nasce programada por fatores genéticos herdados. Esses genes podem representar limitações ao desenvolvimento. Por exemplo, ao se tratar do desenvolvimento da linguagem, defendem que as crianças já nascem com certos princípios operadores. Com relação ao desenvolvimento da percepção, pressupõem a existência de regras inatas através das quais os bebês observam. Portanto, o desenvolvimento é resultado de experiências filtradas pelas inclinações iniciais, que de certa forma limitam o número de possibilidades desenvolvimentais. Além disso, “a natureza pode moldar processos após o nascimento também de outras maneiras, mais claramente através da programação genética, que determina seqüências inteiras do desenvolvimento posterior” (BEE, 1996, p.18). Já para as perspectivas que defendem uma posição ambientalista, ao nascer a criança é uma “tabula rasa”, como papel em branco, que vai se desenvolvendo de acordo com o ambiente a que é exposta e as experiências que vivencia ao longo de sua vida. Os fatores biológicos podem colocar um limite ao desenvolvimento, mas a forma que este toma é moldada por fatores ambientais. Hoje há certo consenso sobre a influência conjunta dos fatores biológicos e ambientais, de modo que dificilmente alguém assume posições extremas para qualquer dos lados. Admite-se que a criança não se desenvolve nem somente em conseqüência dos fatores ambientais, nem somente de acordo com a genética, embora não se tenha resolvido a tensão, já que sempre se pode defender a predominância de um ou de outro conjunto de fatores. Quando se pensa no desenvolvimento como o resultado conjunto de fatores biológicos e ambientais, ainda é necessário explicar como esses fatores se relacionam, já que não se trata de uma fórmula matemática em que duas forças são adicionadas. As diversas concepções interacionistas defendem que, embora possam existir padrões maturacionais que não sofrem 3299 efeitos significativos do meio ambiente, este é necessário para desencadear e/ou sustentar uma habilidade ou comportamento de origem genética, já que determinados comportamentos se desenvolvem em virtude de determinadas experiências; além disso, alguns comportamentos são desenvolvidos somente através de experiências específicas. Portanto, é o ambiente que vai definir “os caminhos” do desenvolvimento. Uma questão importante, nas abordagens interacionistas, é que elas não se referem apenas à influência conjunta do ambiente e dos fatores biológicos, mas assumem que o ser humano é um ser ativo, que não se limita a receber passivamente os efeitos do ambiente, mas interfere ativamente nele, modificando-o. Portanto, a ação humana determina o ambiente em que as pessoas vão viver e que vai direcionando o seu desenvolvimento. Dessa forma, quanto mais rico é o ambiente, em termos de diversidade das experiências que proporciona, mais “caminhos” se abrem para o sujeito em desenvolvimento, ou seja, mais amplo e diversificado é o leque de possibilidades de que ele dispõe para agir sobre o ambiente (físico e social), potencializando seu desenvolvimento. Esperava-se que as professoras, de alguma forma, tivessem incorporado alguns dos argumentos que têm sido sustentados pelas diferentes perspectivas nesse debate, construindo suas próprias idéias a respeito. Encaminhamentos Metodológicos Sujeitos Foram convidadas a participar da pesquisa todas as 42 professoras de Educação Infantil de Corupá, tendo participado efetivamente 36 professoras. Dessas, 24 atendem crianças de 0 a 3 anos, nos CEIs (Centros de Educação Infantil) e 12 atendem crianças de 4 a 6 anos, em turmas de Educação Infantil de escolas municipais. Instrumentos e procedimentos de coleta de dados Para se investigar as concepções sobre desenvolvimento, foi apresentado às professoras um formulário para ser respondido por elas em dupla, sem o auxílio da pesquisadora. Considerando que as questões contidas no formulário exigiam discussão e a escrita de um texto, foi decidido que cada dupla responderia a apenas duas questões, para não ocupar muito tempo dos sujeitos. Assim, foram criados dois tipos de formulários distribuídos equitativamente entre as duplas. Em todas as questões era solicitado que as professoras interpretassem e comentassem alguns ditados populares que eram apresentados em um quadro. 3300 A primeira questão era a mesma para ambos os tipos de formulário. Nela, os ditados tinham implícitas, concepções sobre a natureza do desenvolvimento: Pau que nasce torto nunca se endireita. Filho de peixe, peixinho é. Passarinho que anda com morcego acaba dormindo de ponta cabeça. Nas pedras nascem flores. A Natureza não vai aos saltos. O segundo quadro (apresentado à metade dos sujeitos), continha ditados que traziam implícitas, idéias sobre os processos subjacentes ao desenvolvimento: É de pequenino que se torce o pepino Pode-se levar o burro à água, mas ele só bebe se quiser. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura Santo de casa não faz milagre Ovo gabado, ovo gorado Já o terceiro quadro (apresentado à outra metade dos sujeitos) continha, implicitamente, idéias sobre processos de socialização e práticas educativas. Era sugerido às professoras que os comentassem pensando na dinâmica das relações em ambientes de educação infantil: Quem não arrisca não petisca. Vivendo é que se aprende. Uma andorinha só, não faz verão. Ninguém sabe tanto que não possa aprender e nem tão pouco que não possa ensinar. É conversando que a gente se entende. Procedimentos de análise dos dados As respostas às questões referentes aos ditos populares foram analisadas qualitativamente, procurando-se apreender tanto os elementos que contribuem para a homogeneização dos significados (consenso) como aqueles que revelam dissonância, buscando compreender de que forma os conhecimentos sobre desenvolvimento contribuem para a dinâmica da representação das professoras sobre infância. 3301 Concepções sobre Desenvolvimento A natureza do desenvolvimento Esperava-se que os comentários dos ditos populares, sobretudo os que eram apresentados na primeira questão, revelariam o posicionamento das professoras em relação a este tópico. Com efeito, eles mostraram que as professoras parecem acreditar que as suas crianças são “potencialmente boas”, no sentido de que se elas não forem bem sucedidas, foi porque a sociedade as corrompeu, ou não houve oportunidades suficientes para seu desenvolvimento saudável. “Toda a criança se sentindo segura no ambiente em que convive e recebendo atenção e amor, dará flores” (suj. 11). Essa idéia parte dos pressupostos de Rousseau, (apud CERISARA, 1990) que afirmava que o homem é um ser naturalmente bom, e o que eles são atualmente se deve principalmente ao desenvolvimento das relações sociais. O autor defende que, além da índole da infância, é preciso considerar as particularidades de cada criança: se, de um lado, todas nascem potencialmente iguais, simbolizando a natureza humana em sua generalidade, cada uma possui características e traços de caráter que lhe são inerentes. Além da desigualdade de cunho social e político, há também a desigualdade natural e biológica. Reconhece que o estado natural é o bom, mas no desenvolvimento do homem este estado se degenera, e como a educação é fruto da ação humana, para Rousseau, o homem é responsável pelo que ele é no mundo. Este nada a fazer revela ambigüidade, justamente pelo fato de o homem social estar à mercê da coerção da sociedade é que é essencial que o educador interfira, com a intenção de aproximá-lo do estado de natureza e salvaguardá-lo do estado social. A criança deve ser respeitada desde o seu nascimento, pois ela é naturalmente boa e faz-se necessário submeter-se aos preceitos da natureza, que são a simplicidade e a liberdade. A tarefa da educação seria, portanto, preservar a natureza boa das crianças, inclusive no que diz respeito às modificações que são produzidas pelo estado social, direcionando, convertendo o homem natural em homem social (CERISARA, 1990). “[...] desde a concepção já trazemos conosco algo geneticamente herdado de nossos pais, porém o contato com o mundo nos possibilitará, através das experiências, construir e reconstruir conceitos. (...) A escola, então, assume um grande papel: ser responsável em oferecer o maior número de experiências possíveis, pois é o primeiro meio social a que a criança tem acesso” (suj. 5). 3302 Desta forma, a importância do ambiente enquanto fator de desenvolvimento é mencionado pelas professoras de duas maneiras: por um lado, o ambiente social mais amplo, que pode exercer influências perniciosas, em termos de desenvolvimento, desviando a criança de sua natureza; por outro lado, o ambiente mais próximo da criança, nos CEIs e nas escolas, no qual a interação com elas (professoras) tem o poder de promover mudanças positivas, corrigindo eventuais dificuldades ou desvios. “Se em meio a pedras eu plantar uma flor e lhe der os devidos cuidados ela irá florescer sim, talvez não com tanto perfume, mas com seu lugar garantido no meio social em que vive” (suj. 17). Esta idéia parece ser coerente com a representação das professoras sobre a infância e o papel delas mesmas enquanto professoras de educação infantil. Como foi mostrado no trabalho de Demathé (2007), as professoras se vêem como “salvadoras da infância”: em uma sociedade em que os espaços e tempos das crianças não são mais respeitados, cabe às instituições de Educação Infantil proporcionar, por meio de experiências diversificadas, sobretudo de brincadeiras, as oportunidades para que a criança possa se expressar livremente, desenvolvendo a criatividade e a autonomia. Neste sentido, destacaram, como principal responsabilidade das professoras, a promoção de atividades que proporcionem interações às crianças: “[...] a Educação Infantil deve proporcionar oportunidades e experiências para o desenvolvimento da criança...” (suj. 8). O processo que guia o desenvolvimento Para as professoras, parece claro que as mudanças individuais se dão nas interações com o outro no cotidiano da criança, sejam essas interações criança-criança, ou criançaprofessora. Este posicionamento foi mais ressaltado pelas professoras que responderam ao questionário no qual os provérbios incluídos na segunda questão sugeriam a importância de atividades em grupo. A análise dos textos mostra que, para elas, a idéia de interação se refere, sobretudo, a trocas de conhecimentos, portanto está mais relacionado com a aprendizagem (no sentido de transmissão de informações) do que propriamente com o desenvolvimento e se aplica tanto à aprendizagem das crianças como a delas mesmas. “Professores e alunos precisam ter um relacionamento de respeito, confiança, afeto, para que haja uma troca de valores e experiências, e assim ampliando e aprimorando a aprendizagem de ambos” (suj 4). “É preciso [..] trocar e compartilhar, pois não há espaço para eu e sim para a equipe. Precisamos buscar isto sempre” (suj.3). 3303 A ênfase das professoras na interação como trocas de conhecimentos, proporcionando aprendizagens, foi encontrada também nos estudos de Cordeiro (no prelo) e Pacheco (2006), nestes casos quando se referiam à própria aprendizagem. Os recursos que as professoras utilizam como principais fontes para aprender a exercer seu trabalho são a experiência e a prática profissional, seguida da formação acadêmica e dos cursos de atualização com técnicos ou especialistas. Esses resultados não diferem de acordo com o vínculo ou a função da professora. Desta maneira, pode-se observar que as educadoras valorizam o conhecimento empírico, compartilhado em trocas informais e dão menos valor à leitura de livros e revistas da área, ou seja, não privilegiam o embasamento teórico (CORDEIRO, no prelo). O aprender refere-se tanto aos alunos quanto à professora, sendo colocado como uma condição do “ser professor” [...] ressaltando a importância do aperfeiçoamento e profissionalização que requerem conhecimentos. Estes são adquiridos, sobretudo pela socialização com os colegas, por meio de trocas. Portanto, o aprender, apareceu no discurso das entrevistadas mais relacionado com o conhecimento da coletividade, com as trocas cotidianas, com a profissionalização, referindo-se ao como fazer (PACHECO, 2005, p. 83). A importância dada às atividades e interações (trocas) mostra que as professoras consideram a aprendizagem como o principal processo que guia o desenvolvimento, destacando as oportunidades que são oferecidas às crianças ao longo da vida, tanto pelas próprias professoras, quanto pela sociedade em geral, sobretudo a família. “Às vezes o que faltam são oportunidades” (suj. 1). Esse aspecto foi mais destacado pelas professoras que responderam ao questionário no qual eram apresentados ditados referentes a crenças sobre a ação educativa. Apesar da ênfase nas oportunidades para viabilizar a realização dos potenciais das crianças, a idéia de “fazer por merecer”, “saber aproveitar as oportunidades” também está presente nas falas das professoras. “Às vezes, temos valiosos diamantes em nossas mãos e os perdemos por medo de mostrar ser melhor, lembrando que tudo que acontece em nossa vida é feito por merecer” (suj. 1). Isso sugere que a crença em fatores internos como os principais motores da mudança individual, convive com a crença no poder das interações sociais. Diferenças individuais As professoras afirmam enfaticamente sua rejeição à rotulação das crianças em virtude de suas características individuais ou familiares. Em seus discursos, as práticas de rotulação são comuns em algumas famílias, o que faz com que elas considerem que devem assumir um papel quase terapêutico para amenizar e até reverter os efeitos perniciosos dessa rotulação. Admitem que essa prática também ocorre em instituições educativas, mas ela é sempre atribuída a outrem: “Há educadores que julgam seus alunos [...] E assim, não consegue ver 3304 as possibilidades de progresso e desenvolvimento na aprendizagem” (suj. 4). Este discurso em relação à rotulação, transferindo para “o outro” a responsabilidade de uma prática social que parece ser bastante comum, revela que as crenças que sustentam essa prática são deliberadamente silenciadas por serem consideradas reprováveis nos meios educacionais que, cada vez mais, apregoam o respeito às diferenças, na defesa da educação inclusiva. Assim, admite-se que o sujeito possui características positivas inatas que o levam a ser bem sucedido e bem ajustado na sociedade; porém, não se admite que ele tenha características negativas que o conduzam ao fracasso ou ao desajustamento, ou melhor, que se fale destas características como sendo “do sujeito”, inatas. Estas são consideradas, sobretudo, uma conseqüência de fatores externos. Contraditoriamente, no entanto, o merecimento parece depender unicamente da vontade do sujeito (fazer por merecer) o que, em última análise, levaria a culpabilização do sujeito pelo seu próprio fracasso. Nesse sentido, poderíamos sugerir que o discurso sobre o merecimento é a parte aceitável das crenças que levam à rotulação, parte essa que é autorizada a se manifestar no discurso das professoras. As professoras consideram que necessitam respeitar as diferenças entre as crianças, para que possam lidar com cada criança e atender a suas necessidades. Uma professora colocou como diferença o fator tempo de amadurecimento. “[...] uns avançam antes e outros depois cada qual com seu tempo de amadurecimento” (suj. 2). “Cada um é um ser diferente, mas na interação entre os diversos seres é preciso que haja respeito entre as diferenças para que todos possam viver em harmonia” (suj. 9). Períodos sensíveis Uma discussão que gera discordâncias entre as diferentes abordagens refere-se à existência, ou não, de períodos sensíveis no desenvolvimento. “Um período sensível é um intervalo de meses ou anos durante o qual uma criança pode ser particularmente responsiva a formas específicas de experiência, ou particularmente influenciada por sua ausência” (BEE, 1996, p. 22). Três professoras enfatizaram a importância das experiências e aprendizagens que a pessoa tem quando criança, pois estas ficarão para a vida toda. “A persistência é a chave do sucesso, e deve-se iniciar desde cedo, ou seja, quando são crianças é mais fácil de educá-las” (suj. 18). 3305 “A criança encontra-se em uma fase de desenvolvimento que é bastante marcante para ela, onde o contexto no qual ela está inserida é um dos fatores mais significativos ao seu desenvolvimento” (suj. 14). Portanto, para as professoras, o conhecimento de que a idade das crianças que elas atendem constitui-se em um período sensível para uma variedade de aprendizagens fundamentais para o desenvolvimento da criança, contribui para a valorização de seu papel como professoras. Esse foi um dos significados mais evidenciados pelas professoras nos grupos focais realizados para o estudo de Demathé (2007). Portanto, podemos considerar que este conhecimento é um dos componentes importantes da representação das professoras sobre infância. Considerações Finais Podemos constatar que as concepções que as professoras elaboram sobre o desenvolvimento infantil não resultam apenas das informações que elas assimilaram das diferentes teorias, mas incorporam também a sua visão de sociedade, assim como “regras” de conduta e princípios éticos defendidos pelos grupos sociais a que elas pertencem, os quais determinam o que deve e o que não deve ser feito em suas práticas diárias. Tal característica foi evidenciada nos comentários sobre os ditados populares, os quais traduziam o que elas tinham aprendido como sendo atitudes e comportamentos corretos ou incorretos socialmente “[...] não devemos usar tais expressões” (suj. 2). O estudo mostrou que as professoras destacam a infância como um período sensível e defendem o respeito às diferenças individuais, atribuindo-as, sobretudo a fatores sociais. Elas compartilham idéias interacionistas no que se refere à natureza do desenvolvimento, destacando a importância do ambiente para oportunizar experiências de aprendizagem que promovam o desabrochar das potencialidades das crianças. De acordo com o seu ponto de vista, o desenvolvimento é visto como resultado da tensão entre as qualidades “positivas” que fazem parte da natureza humana e, portanto, são inatas, e o ambiente social, que é predominantemente pernicioso, sobretudo no plano moral. Essa concepção é muito póxima à defendida nas obras de Rousseau e parece dar sentido às práticas das professoras, valorizando seu papel enquanto promotoras do desenvolvimento infantil – responsáveis por garantir o desabrochar das potencialidades positivas das crianças e por protegê-las contra a perversidade da sociedade. A sociedade aparece como uma idéia abstrata, indefinida, colocada como algo ao qual as professoras (e, por extensão, os CEIs) não pertencem. Assim, o que não é parte do CEI (ou 3306 da escola) é imaginariamente inserido na categoria “os outros”. Isso pode ser observado em vários momentos, nos quais as professoras expressavam suas opiniões de forma impessoal, se colocando deliberadamente “de fora” do grupo a que se referiam, por exemplo: “Muitas professoras julgam os alunos pelo comportamento que tiveram ou vêm tendo [...] Em contrapartida existem professores que acreditam e trabalham[..].” (suj. 7). Essa ruptura protege as professoras de conflitos ou “culpa”, pois não se consideram responsáveis por práticas institucionais que elas denunciam como sendo inadequadas. Aliás, na maioria das vezes, “o outro” é identificado como a família ou a comunidade, o que cria oposições que, em muitos casos, podem gerar conflitos entre os CEIs e as famílias das crianças. Mas esse já é um tema para novas investigações[....] REFERÊNCIAS BEE, Helen. A criança em Desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, 7ªed. BRONFENBRENNER, U. Ecological systems theory. Annals of Child Development, v. 6, p.p. 187-249, 1989. BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. CERISARA, Ana Beatriz. Rousseau: a educação na infância. São Paulo: Scipione, 1990. CORDEIRO. Maria Helena. Percepções das professoras da educação infantil do município de Itajaí sobre o trabalho que realizam nos CEIs. In BEHRENS, Marilda Aparecida; ENS, Romilda Teodora; VOSGERAU, Dilmeire (Organizadoras). Discutindo a Educação na dimensão da práxis. Curitiba: Editora Champagnat. (no prelo). DEMATHÉ, T. Representação social das professoras de Educação Infantil de Corupá sobre infância. Dissertação de Mestrado, 2007, Itajaí/SC- UNIVALI. KRAMER, Sônia. Formação de professores de educação infantil: questões e tensões. In: MACHADO, Maria de Lucia de A. (org.) Encontros e desencontros em educação infantil. São Paulo: Cortez, 2002. MOSCOVICI, S. A Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1978. PACHECO, A. A representação social de brincar e de aprender de acadêmicas do curso de pedagogia. Dissertação de Mestrado, 2005, Itajaí/SC - UNIVALI.