Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 A escrita da história das missões católicas no Oriente Patricia Souza de Faria 1 A análise da produção historiográfica sobre a história da Companhia de Jesus revela como a atividade missionária jesuítica no Oriente, nos Tempos Modernos, consiste em um campo que merece mais estudos. Apesar da história das missões católicas no Oriente ainda ser um campo de investigação que pode ser explorado com mais intensidade, os jesuítas foram os missionários mais contemplados pela historiografia das missões na Ásia, conforme a afirmação de uma das mais notórias especialistas contemporâneas desta temática, Inêz Županov (2005). Uma das razões para que exista o predomínio de estudos sobre os jesuítas no Oriente – além da própria atividade efetiva da Companhia de Jesus, cujo primeiro missionário, Francisco Xavier, aportou na Índia em 1542 – consiste na profusão de fontes produzidas pelos próprios inacianos. A produção de fontes sobre a ação jesuítica no Oriente e sua sistematização foi uma iniciativa coetânea, acompanhou as primeiras investidas jesuíticas na Ásia. A prática regular de produzir escritos sobre a atividade jesuítica favoreceu a construção de uma memória singular sobre a Companhia de Jesus no Oriente, ao projetar os inacianos como os mais ativos e dinâmicos missionários dos Tempos Modernos. O objetivo deste artigo é apresentar os escritos jesuíticos produzidos nos séculos XVI e XVII que trataram da história da Companhia de Jesus na Índia ou os textos que registraram uma apropriação peculiar dos jesuítas a respeito dos costumes e das crenças dos povos indianos que buscavam converter ao catolicismo. Mencionaremos apenas as crônicas jesuíticas e os tratados sobre costumes e crenças que se referiram à atuação dos jesuítas no Decão e na Costa do Malabar, em regiões localizadas na costa ocidental da Índia. As missões jesuíticas no Oriente e a historiografia contemporânea Além das crônicas jesuíticas e dos tratados produzidos por jesuítas nos séculos XVI e XVII, a historiografia recente que contempla a atividade missionária jesuítica no 1 Universidade Federal de Viçosa. Doutora em História (UFF). 1 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 Oriente foi favorecida pela intensa compilação de fontes, de impressão de manuscritos jesuíticos ocorrida no século XX. Na passagem do século XIX para a primeira metade do século XX, os esforços de compilação de documentos, publicados em coleções monumentais, tornaram-se uma prática recorrente em ambientes eruditos laicos e religiosos. Cita-se como exemplo, o esforço da Companhia de Jesus por ter investido maciçamente na impressão de documentos sobre as missões no Oriente, mediante o esforço do padre Joseph Wicki, o qual compilou os dezoito volumes da Documenta Indica (1948-1988), composta por documentos jesuíticos do século XVI. A atividade do padre Wicki assemelha-se ao empenho de Serafim Leite (1938-1950), jesuíta dedicado à história dos jesuítas no Brasil. Cabe destacar os volumes de História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal de Francisco Rodrigues (1931-1950). Porém, a disponibilidade no século XX de fontes sobre a história da Companhia de Jesus nos espaços missionários extra-europeus não serviu apenas para fins apologéticos, pois historiadores vinculados à Companhia de Jesus e historiadores leigos, acadêmicos, propiciaram o surgimento de estudos inovadores sobre os jesuítas na Ásia. Faz-se necessário destacar as considerações gerais, mais inspiradoras, de Charles Boxer, em obra sobre o império português (1977), onde mencionou a confluência de motivações espirituais e materiais na expansão portuguesa, ainda que mereça ser ponderada a sua afirmação sobre a associação “estreita” e “indissolúvel” entre o poder eclesiástico e o civil, da Cruz e a Coroa. Boxer reiterou a sua assertiva a partir da afirmação do jesuíta Antônio Vieira: Se não houvesse mercadores que fossem procurar os tesouros da Terra no Oriente e nas Índias Ocidentais, quem transportaria para lá os pregadores que levam os tesouros celestes? Os pregadores levam o Evangelho e os mercadores levam os pregadores.2 Boxer (1989) fez referências às missões jesuíticas no Oriente em A Igreja e a expansão ibérica, onde apresentou um levantamento sobre os catecismos escritos em línguas nativas, os tratados sobre costumes locais produzidos pelos jesuítas. 2 Apud C. R. Boxer. O Império Colonial Português. Lisboa: Edições 70, 1977, p.87. 2 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 Dauril Alden (1996) revela a importância de Boxer, Wicki, Serafim Leite em seu trabalho, como é perceptível na dedicatória de sua obra, The Making of An Enterprise. The Society of Jesus in Portugal, its Empire and beyond, 1540-1750. Alden demonstrou a preocupação com a organização da Assistência Portuguesa, um amplo complexo de unidades administrativas que geriam a atividade da Companhia de Jesus em Portugal e em domínios coloniais, assim como atentou para aspectos econômicos associados à atividade jesuítica – como os inacianos tiveram a sua atividade missionária financiada, por exemplo. Alden perscrutou a relação entre jesuítas e governantes, entre a Coroa portuguesa e a Companhia de Jesus, o que evidencia como a historiografia recente esquiva-se de uma postura apologética acerca da Companhia de Jesus, ainda que o uso de fontes jesuíticas seja marcante. Todavia, o desafio da historiografia é não incorporar, igualmente, uma visão anti-jesuítica ou reproduzir outro “mito historiográfico” que tratava os jesuítas como conspiradores, concorrentes dos poderes estatais e coniventes com as agruras cometidas pelos tribunais inquisitoriais – noção que se cristalizou nos tempos da Ilustração. (FRANCO & TAVARES, 2007). No século seguinte, Antero de Quental – o mais ilustre pensador da geração de 1870 – considerava que o genuíno substrato da tradição portuguesa havia se esgotado no século XVI e, após esse período, a Península registrou apenas decadência em virtude da expansão colonial (onde os jesuítas obtiveram notoriedade) e das transformações da religiosidade posterior ao Concílio de Trento – que associou à postura rígida dos inacianos e da Inquisição. Porém, o enfoque deste artigo não consiste nos escritos anti-jesuíticos – que exigiriam estudos à parte – mas nos trabalhos sobre as missões cristãs no Oriente, mas cabe a menção ao estudo de Célia Cristina da Silva Tavares (2004) que contribui com a historiografia das missões jesuíticas no Oriente ao mesmo tempo em que matiza a visão a respeito da completa identificação de interesses entre Inquisição e jesuítas, ao estudar a pluralidade de posições adotadas pelos membros da Companhia de Jesus que atuavam em Goa. Ângela Barreto Xavier (2003) analisou a ação missionária jesuítica como parte de um processo mais amplo de conversão dos habitantes de Goa. Maria de Deus Bentes Manso investigou a atividade dos inacianos em regiões como Cochim e Maduré. Destaca-se a produção historiográfica de jesuítas nascidos no Oriente, como a vasta 3 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 obra de Teotônio de Souza (1982) e os trabalhos disponíveis na edição do colóquio intitulado A Companhia de Jesus e a Missionação no Oriente (2000). Estudos recentes têm demonstrado a presença jesuítica em diversas regiões do Oriente, os quais evidenciaram as estratégias de penetração dos inacianos em sociedades tão peculiares, como a China Ming quinhentista, onde o jesuíta italiano, Matteo Ricci, utilizou suas habilidades mnemônicas e ofertou presentes a fim de adquirir a simpatia das elites chinesas e propagar o Evangelho, como aparece na narrativa de Jonathan Spence (1986). Na corte do imperador mogol, Akbar, jesuítas submeteram-se a diálogos que cotejaram o imaginário cristão com as crenças islâmicas e forneceram imagens européias de Nossa Senhora e de Jesus Cristo que foram copiadas por artesões do norte da Índia ao gosto da arte mogol, como atestou Gauvin Bailey (1999). Inês Županov (1999) tratou das controvérsias a respeito dos métodos missionários adotados pelo jesuíta Roberto de Nobili, que se trajava como um sacerdote indiano no sul da Índia e escrevia diálogos na língua nativa para convencer os indianos sobre as verdades da fé cristã. Não pretendemos apresentar um levantamento exaustivo da produção historiográfica recente sobre os jesuítas na Ásia, mas apontar a fecundidade dos estudos contemporâneos sobre a temática. Os jesuítas na Índia nos séculos XVI e XVII: história e memória Apresentaremos uma síntese das crônicas jesuíticas que narraram a atividade da Companhia de Jesus nas missões católicas no Oriente ocorridas na Era Moderna, que proporcionou experiências históricas singulares, estimuladas pelos encontros e confrontos entre os evangelizadores oriundos do Velho Mundo e os povos que habitavam as terras asiáticas. Os esforços de tradução das culturas locais para o leitor europeu e as primeiras tentativas de divulgação dos feitos perpetrados pelos missionários no Oriente ocorreram desde as décadas iniciais da presença das ordens religiosas na Ásia no contexto da expansão européia – e, sobretudo, ibérica – na região. Os dois séculos iniciais da presença jesuítica no Oriente foram bastante profícuos no que tange à escrita da história das missões jesuíticas e à elaboração de tratados sobre as crenças e os costumes dos povos nativos. 4 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 A produção de escritos sobre a própria Companhia de Jesus teria sido estimulada desde os primórdios da existência da instituição. Inácio de Loyola e seus companheiros reconheceram que a comunicação dos ideais e das metas da Companhia de Jesus não ocorreria automaticamente, pois deveria seria ser amparada em uma base consistente e contínua: estimulava-se a escrita dos reitores ao provincial e dos provinciais ao Geral da Companhia de Jesus, até uma vez por semana; o Geral deveria responder pelo menos uma vez ao mês aos provinciais, os quais se comunicariam por escrito com os reitores com a mesma freqüência mencionada. Era estabelecido um ideal de comunicação regular e freqüente, que propiciou a criação de uma massa documental considerável sobre a ação jesuítica (O’MALLEY, 2004). Marina Massimi (2002) analisou um corpo documental específico, a correspondência epistolar jesuítica chamada Indipetae – que significa um pedido para o envio às Índias, compreendida genericamente como todos os espaços das missões ultramarinas. Estas cartas revelam um incendido “desejo das Índias”, foram redigidas por religiosos que solicitavam ao padre geral da Companhia de Jesus o envio às terras de missões e formam um conjunto de mais de quatorze mil cartas, escritas entre os séculos XVI e XVII. Alcir Pécora (1999) considera que as Indipetae seguem os modelos clássicos de redação de epístolas, que remontam tanto a ars dictaminis medieval quanto aos moldes renascentistas de escrita, com nuances de inspiração ciceroniana – de acordo com as normas da oratio de Cícero. Estas correspondências são estruturadas, do ponto de vista formal, em cinco partes: a salutatio (expressão de sentimento em relação ao destinatário, que poderia ser a reverência, o respeito); a benevolentiae captatio (ordenação das palavras para influir no sentido da recepção do conteúdo do texto); a narratio (o tema da carta); a petitio (o pedido em questão) e a conclusio (com resumo dos argumentos e o reforço da súplica). Além da obrigatoriedade institucional de escrever cartas, estas eram reguladas através de prescrições rígidas de acordo com o conteúdo ou os destinatários. Desde 1541, Inácio de Loyola instituiu a segunda carta, a hijuela, de circulação restrita, onde os membros da Companhia de Jesus forneceriam informações administrativas e institucionais, que seriam anexadas à carta principal. Existiam as cartas edificantes (relações ou cartas ânuas), que ao contrário das hijuelas destinadas a assuntos internos, prestavam-se à leitura pública nas sedes e casas jesuíticas e poderiam ser impressa. 5 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 Diogo Ramada Curto (1998) apresentou uma síntese da produção de escritos sobre as missões cristãs no Oriente. Destacou como os circuitos de comunicação e de propaganda realizada pelos jesuítas estavam pautados na compilação de cartas e de sua difusão através de cópias manuscritas e impressas, as quais davam origem a histórias da Companhia de Jesus ou obras de cunho hagiográfico. Em 1589, foi publicada Le storie delle Indie Orientali de autoria do jesuíta Giovanni Pietro Maffei – um ano após a edição em latim. As várias iniciativas editoriais dos jesuítas – com obras dos portugueses João de Lucena, Manuel da Costa, Manuel Teixeira e dos italianos Alessandro Valignano e Orazio Torsellini – favoreceram a mobilização dos processos que conduziram à canonização do jesuíta São Francisco Xavier (o “Apóstolo das Índias”) em 1622. Em espanhol, foram publicados em Alcalá, em 1601, os dois volumes de Historia de las Missiones que han hecho los religiosos de la Compañia de Jesus [...] em la India Oriental, y em los Reynos de la China y Japon, de autoria de Luis de Guzmán. Esta produção foi continuada em português por Fernão Guerreiro, que compilou as relações anuais produzidas pelos jesuítas e teve cinco volumes impressos entre 1603 e 1611. A História dos religiosos da Companhia de Jesus, escrita por Sebastião Gonçalves, tipifica a escrita da história das missões jesuíticas combinada com a narrativa de cunho hagiográfico. Constata-se o caráter apologético, pois os cinco primeiros capítulos de sua obra trataram da vida de São Francisco Xavier, o que a insere no âmbito dos esforços de redação de biografias para promover a sua canonização. Esta primeira geração de “historiadores” jesuítas narraram de forma otimista e confiante os progressos da cristianização na Índia, destacaram as conquistas em detrimento dos fracassos, além de conferir à Companhia de Jesus a hegemonia nas missões asiáticas. As histórias narradas pelos jesuítas combinaram informação geográfica e etnográfica, citações das “fontes” (cartas, bulas papais, documentos régios), apresentação de dados cronológicos e biográficos relativos a cada missionário enviado à Índia (Županov, 1995). Sebastião Gonçalves, um jesuíta português, escreveu para dois públicos leitores: portugueses e romanos. São Francisco Xavier adquiriu poderes miraculosos na escrita de Sebastião Gonçalves, o que agradava ao seu público romano, pois os seus superiores de Roma convocavam o trabalho de historiadores na promoção do culto e da canonização de Francisco Xavier. Como Sebastião Gonçalves poderia trazer 6 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 contentamento ao público leitor português ao exaltar um missionário espanhol durante a primeira metade do século XVII, isto é, após a anexação do reino de Portugal pela Espanha? O jesuíta convergiu os interesses dos leitores de Portugal e de Roma ao apresentar Francisco Xavier como responsável pela concretização dos projetos portugueses na Ásia. Os poderes atribuídos a São Francisco Xavier – milagres, clarividência, vaticínios – seriam utilizados para consolidar as aspirações espirituais e políticas dos portugueses no Estado da Índia (ŽUPANOV, 1995). A coleção de memórias biográficas favoreceu a produção social da santidade de Francisco Xavier, iniciada no último quartel do século XVI, estimulada pelas orientações tridentinas, que reiterou o culto a santos e relíquias (GUIMARÃES, 2007), valorizou um modelo específico de “santo” da Contra-Reforma (HSIA, 1998). Após a morte de Ignácio de Loyola (1556), o secretário da Companhia de Jesus, organizou comemorações para celebrar a memória de Loyola. Em 1572, o Geral dos jesuítas, Bórgia, encomendou a primeira biografia de Loyola, escrita pelo jesuíta Pedro de Ribadeneyra. A propaganda em favor da canonização de Loyola e de Francisco Xavier foi onerosa, gastou-se com impressão de biografias, pinturas, gravuras, mas em 12 de março de 1622 os dois jesuítas foram canonizados. Na obra sobre Francisco Xavier escrita pelo padre João de Lucena, o ano de nascimento de Xavier coincide (de forma arranjada e equivocada) com a partida da armada de Vasco da Gama em direção à Índia, com a associação do jesuíta de Navarra ao empreendimento expansionista português, como se Deus tivesse o “predestinado para levar o Evangelho, & semear a fé naquelas vastíssimas região” (apud GUIMARÃES, 2007). No século XVII, relatórios e tratados de missionários foram produzidos a fim de transportar a imaginação européia para o culturalmente “rústico”, esteticamente “medonho” e “moralmente deficiente” mundo dos indianos (na concepção dos missionários), em nome dos interesses científicos, da informação verdadeira e da comparação etnográfica. Nesse período foram profusas as publicações de textos, às vezes acompanhados de gravuras, sobre as crenças indianas. O jesuíta Manuel Barradas escreveu o Tratado dos deuses gentílicos de todo o Oriente e dos ritos e cerimônias que usam os Malabares (1618) que é uma adaptação do Livro da seita dos índios orientais (1608) escrita por Jácome Fenício, incluindo também partes da História do Malavar de Diogo Gonçalves, que dedicou três capítulos à descrição das crenças e práticas 7 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 religiosas indianas (ŽUPANOV, 2005). O Tratado sobre o hinduísmo (1616) de Gonçalo Fernandes Trancoso foi redigido no contexto missionário controverso em que outro jesuíta, Roberto de Nobili, optava pela conversão inicial das castas mais valorizadas e autorizava o uso dos sinais indicativos da casta. Em linhas gerais, as crônicas escritas pelos jesuítas favoreciam a divulgação dos feitos da Companhia de Jesus no Oriente, os supostos êxitos da evangelização de povos afastados da verdadeira fé. Apesar de se tratar de um outro gênero de escrita, os tratados sobre as crenças e costumes dos povos indianos também favoreceram uma construção peculiar da imagem da Companhia de Jesus, que tende a permanecer mesmo na historiografia recente: a idéia de que os jesuítas foram os missionários mais dinâmicos, mas inovadores e mais dedicados ao conhecimento da cultura dos povos asiáticos (STRATHERN, 2004). Deste modo, a análise atenta destas fontes jesuíticas do século XVI e XVII precisa ser feita, a fim de evitar que a imagem produzida pelos inacianos sobre o desempenho da Companhia de Jesus não seja reproduzida, sem cautela, nos estudos coetâneos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALDEN, Dauril. The Making of An Enterprise. The Society of Jesus in Portugal, its Empire and beyond, 1540-1750, Stanford: Stanford University Press, 1996. BAILEY, Gauvin Alexander. Art on the Jesuit Missions in Asia and Latin America: 1542-1773. Toronto: University of Toronto Press, 1999. CURTO, Diogo Ramada. “Questionamento das identidades”, Francisco e CHAUDURI, Kurti (dir.) História da Expansão Portuguesa. Navarra: Círculo de Leitores, 1998, v.2, pp. 458-531. BOXER, C. R. A Igreja e a expansão Ibérica (1440-1770). Lisboa: Edições 70, 1989. ___________. O Império Colonial Português. Lisboa: Edições 70, 1977. GONÇALVES, Nuno da Silva (Coord.). A Companhia de Jesus e a missionação no Oriente. Actas do Colóquio Internacional promovido pela Revista Brotéria. Lisboa, 2000, pp. 203-224. GUIMARÃES, Jorge Gonçalves. “Entre a hagiografia e a crônica: a história da vida dp pe. Francisco Xavier de João de Lucena” In BORGES, Charles J. & PEARSON, M. N. 8 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 Pearson. Metahistória: História questionando História. Homenagem ao prof. Doutor Teotônio R. de Souza. Lisboa: Nova Veja, 2007. HSIA, R. Po-Chia. The world of Catholic Renewal. 1540-1770. Cambridge: Cambridge University Press, 1998 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. 10 tomos, Lisboa: Liv. Portugália, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Liv. Civilização Brasileira, 1938-1950. MANSO, Maria de Deus Beites. A Companhia de Jesus na Índia: 1542-1622. Évora, 1999. Tese (doutorado em História). Universidade de Évora. O’MALLEY, J. Os primeiros jesuítas. Bauru: Edusc, 2002. PÉCORA, A. “Cartas à Segunda Escolástica” In NOVAES, A. (Org.). A outra margem do Ocidente.São Paulo: Funarte-Companhia das Letras, 1999, p.373-416. GONÇALVES, Nuno da Silva (Coord.). A Companhia de Jesus e a missionação no Oriente. Actas do Colóquio Internacional promovido pela Revista Brotéria. Lisboa, 2000, pp. 203-224. GONÇALVES, Sebastião. Primeira parte da história dos religiosos da Companhia de Jesus e do que fizeram com a divina...Coimbra: Atlântida Livraria Editora: 1957, v. 3. GUERREIRO, Fernão. Relação anual das coisas que fizeram os Padres da Companhia de Jesus nas suas missões no Japão, China, Cataio, Tidore, Ternate, Ambóina, Malaca, Pegu, Bengala, Bisnagá, Maduré, Costa de Pescaria, Manar, Ceilão, Travancor, Malabar, Sodomala, Goa, Salcete, Lahor, Diu, Etiópia, a alta ou Preste João, Monompotama, Angola, Guiné, Serra Leoa, Cabo Verde e Brasil nos anos 1600-1609. E do processo de conversão e cristandade daquelas partes: tirada das cartas que os missionários de lá escreveram. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1930, tomo I. GUSMÁN, Luiz de. Historia de las Missiones que han hecho los religiosos de la Compañia de Jesus [...]em la India Oriental, y en los Reynos de la China y Japon, Alcalá, 1601. RODRIGUES, Francisco, História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, Porto, Liv. A.I., 1931-1950, 7v. SOUZA, Teotonio R.; BORGES, Charles J. Jesuits in India: in Historical Perspective.. Macau : Instituto Cultural de Macau, 1992. 9 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6 SPENCE, J. D. O Palácio da memória de Matteo Ricci: a história de uma viagem: da Europa da Contra- Reforma à China da Dinastia Ming. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. STRATHERN, Alan. “Os Piedosos and the Mission in Índia and Sri Lanka in the 1540s” In D. João III e o império: Actas do Congresso Internacional comemorativo do seu nascimento. Centro de História de Além-Mar. Lisboa, 2004, p. 855- 864. TAVARES, Célia da Silva. Jesuítas e inquisidores em Goa. Lisboa: Roma Editora, 2004. ________. & FRANCO, José Eduardo. Jesuítas e Inquisição: cumplicidades e confrontações. 1. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. TRANCOSO, Gonçalo Fernandes. Tratado sobre Hinduísmo. (Madura, 1616) , edição crítica de José Wicki S. J., Lisboa, 1973. XAVIER, Ângela Barreto. A invenção de Goa: Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. Florença, 2003,Tese (doutorado em História). Instituto Universitário Europeu. ŽUPANOV, Ines. “The prophetic and the miraculous in Portuguese Asia: a hagiographical view of colonial culture”. Santa Barbara Portuguese studies. Santa Bárbara. University of California, Vol. 2, 1995, pp. 137-161. ______. Missionary Tropics, Jesuit Frontier in India (16th-17th century). Ann Arbor: University of Michigan Press , 2005. ______. Disputed Mission: jesuit experiments in brahmanical knowledge in seventeenth century India. New Delhi: Oxford University Press, 1999. WICKI, Joseph S. J., Documenta Indica, Roma, M. H. Societatis Iesu, 1948-1988, 18v. 10