ID: 58471820
21-03-2015 | Fugas
Tiragem: 34477
Pág: 20
País: Portugal
Cores: Preto e Branco
Period.: Semanal
Área: 25,70 x 31,00 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
Gastronomia
Rota das Estrelas
Na cozinha viva das estrelas Michelin
também há peixe grelhado na praia
Puseram os foodies a entrar numa cozinha de hotel ou a comer peixe na praia apanhado
na hora. O festival gastronómico Rota das Estrelas reúne chefs de várias nacionalidades,
começou a 13 de Março, no Funchal, e dura até Novembro. Joana Gorjão Henriques
ID: 58471820
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País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 25,70 x 31,00 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 3
DR
N
um restaurante tradicional um prato vai
da cozinha à mesa e os clientes nem
vêem as entranhas da máquina que
lhes dá de comer. Num festival de
gastronomia, ela torna-se viva,
puxa os foodies para dentro dela,
“engole” quem passa. Ou pelo menos, neste festival.
Nada mais natural a João Rodrigues do que estar na cozinha, mas
hoje não só está na cozinha como é
lá que oferece o seu prato aos clientes que decidiram experimentar o
jantar volante do primeiro dia da
Rota das Estrelas, no Hotel Cliff Bay,
no Funchal.
Já passámos várias mesas com
filas nas outras salas onde os chefs servem as 350 pessoas, alguns
convidados, muitos clientes do
hotel, curiosos madeirenses e de
fora. Circulamos por um corredor
a meia-luz até chegarmos às cavalas
de João Rodrigues, que estão empratadas num balcão de cozinha.
O chef do restaurante Feitoria, no
lisboeta Altis Belém (estrela Michelin), passa-nos o seu prato em
forma de concha que se come de
uma garfada. Nesta montra de alta
cozinha as doses são para degustar.
Difícil é ter espaço para tudo num
festival em que o anfitrião Benoît
Sinthon (Il Gallo d’Oro – Cliff Bay)
convidou uma dezena de chefs a
juntarem-se para comporem esta
“cozinha viva” (metade são estrelas
Michelin) e darem a provar desde
cordeiro (de Ljubomir Stanisic, 100
Maneiras, Lisboa), a lavagante (de
Joachim Koerper, Eleven, Lisboa)
ou cavala (de João Rodrigues).
De trás do “balcão”, enquanto
flameja a cavala e explica o prato
em inglês a um turista, João Rodrigues conta-nos que “a ideia
era fazer algo que representasse
a Madeira”. Tinha a memória do
sabor de um estufado de gaiado,
atomatado, servido com uma papa
de milho, um contraste entre fumado e doce, e quis recriar esse prato
tradicional, usando batata-doce em
vez do milho, ou a cavala em vez do
gaiado, por exemplo.
Chega ao “balcão” mais um turista, João Rodrigues volta a explicar
a sua criação. Ele, que é um estreante neste tipo de “festa da cozinha”, irá repetir o gesto dezenas
de vezes durante a noite porque a
ideia do festival é circular — provar,
provar, provar. Este contacto “dá
a possibilidade de explicar o prato e induzir o cliente para aquilo
que pensámos”, considera o chef,
que irá receber no Feitoria a Rota
das Estrelas (a 15 e 16 de Maio). “Se
forem estrangeiros não vão perceber que é a recriação de um prato
tradicional, e essas nuances são
importantes quando é algo culturalmente nosso.”
E as mulheres?
Saímos agora do admirável mundo dos frigoríficos da cozinha de
hotel para a sala alcatifada e com
lustres onde centenas de pessoas
querem experimentar, por exemplo, aquele ravioli que parece um
ovo estrelado ao lado do lavagante
num prato de sabor tropical que
tem ainda côco, manga, amendoim,
criado por Joachim Koerper. Os pratos rectangulares, transparentes,
saem rapidamente à medida que
estão prontos — mesmo assim, a
popularidade obriga a formar fila.
“Lavagante é o melhor de Portugal,
manga é fruta fresca, amendoim
para o crocante, juntei óleo de coco
e um pouco de vinagre balsâmico”,
explica Koerper, que gosta das cores do seu prato. “Acho que tem a
ver com este ambiente. É a cara
das pessoas, do Funchal, do mar
em frente”, completa, enquanto
uma banda toca música. Koerper
, que recebe a rota em Setembro,
gosta de falar e explicar às pessoas
o que cozinhou — “antes era tímido,
agora não”.
Mais à frente, quase ao lado, está
Ljubomir Stanisic (100 Maneiras)
a mexer nas entranhas de cabrito:
testículos, mioleira, fígado, rins,
pulmões, tripas e coração, fricassé
na base e molho de iogurte e trufas.
Por cima, está o cabrito feito em
mil folhas espalmado, acompanhado de espargos selvagens e trufas
brancas. “Achei que era um prato
que marcava a diferença — estamos
numa rota de estrelas de cozinha de
técnica e eu gosto muito da cozinha
de sabor.” O molho é feito com vinho da Madeira, o resto tem a ver
com Ljubomir, um chef que gosta
de sair da cozinha e ir às mesas falar
com os clientes quando está no seu
restaurante porque é fundamental, “é a maneira de transmitirmos
quem somos”, e “porque cozinhar
não deve passar pelo anonimato”.
Já na 6.ª edição, a Rota das Estrelas começou na sexta-feira, 13
de Março, no Cliff Bay, com este
kitchen alive. São vários eventos até
Novembro, estendendo-se a Espa-
Chega ao “balcão”
mais um turista,
João Rodrigues
volta a explicar
a sua criação. Irá
repetir o gesto
dezenas de vezes
porque a ideia do
festival é provar,
provar, provar
nha com o restaurante As Garzas
(na Corunha): L’And (Montemoro-Novo), Feitoria, Eleven, The
Yeatman e Pedro Lemos (Porto) e
Fortaleza do Guincho (Lisboa) são
também restaurantes portugueses
participantes.
No festival, a ideia é usar produtos locais: na Madeira é a cavala, peixe-carneiro, pargo, atum;
queijos portugueses, azeite por
um produtor nacional, frutos exóticos, vinagre madeirense, mel de
cana, bolo de mel, cabrito, vinhos
regionais… Se o chef é internacional
pode trazer o gosto de um produto
do seu país, como aconteceu com
o caviar no prato do francês Davy
Tissot, de modo a fazer-se “uma
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Gastronomia
Rota das Estrelas
viagem”, explica Benoît Sinthon.
A rota cria também jantares em
que um anfitrião convida chefs internacionais, dois deles estrela Michelin, para, entre todos, criarem
um menu de degustação: Benoît
Sinthon convidou o chef Thomas
Bühner (o único presente que é três
estrelas Michelin), Michel Van der
Kroft, Jordi Esteve e a única mulher
chef do evento, Jacqueline Pfeiffer
(Áustria). As mulheres “têm grande
talento”, estão na alta cozinha e estão nesta rota, mas na retaguarda.
“Tenho a certeza que Jacqueline
Pfeiffer vai ser a primeira mas também que vai haver mais mulheres
nos próximos anos. As mulheres
também têm grande sensibilidade
na cozinha, muita emoção, e a gente
nota que cada vez mais estão lá e
conseguem brilhar tanto como um
homem.” Por exemplo: a portuguesa Marlene Vieira é uma delas, diz.
A verdade é que não há muitas mulheres chefs, nem em Portugal, nem
na Europa, admite.
Esta é uma oportunidade de abrir
FOTOS DR
Esta é uma oportunidade
para os chefs de abrirem a
cozinha, de ouvir o que as
pessoas têm para dizer sobre
aquilo que experimentam. Em
baixo, o ravioli preparado por
Joachim Koerper
a cozinha, de ouvir o que as pessoas têm para dizer sobre aquilo que
experimentam, diz Benoît Sinthon.
E para o cliente é uma forma de ver
como o chef trabalha. “Temos um
feedback imediato do cliente, isso
é muito bom!”, explica. Quanto ao
grupo dos chefs que participa no kitchen alive, todos são “uma equipa
até ao cliente entrar”, comenta. “Se
um está atrasado vamos ajudar”,
descreve, falando do ambiente descontraído entre todos.
O mar dentro do prato
Mas para chegar à descontracção
total é preciso, porém, entrar no
pré-almoço da tour que a Rota das
Estrelas preparou este ano. No sábado, mais de 50 pessoas, turistas
sobretudo, puseram-se à estrada
em jipes para um safari de comida,
mas em vez de selva tropical foram
parar à Prainha, perto da Ponta de
São Lourenço. Com os chapéus de
palha e ténis, lá vai o grupo de turistas maioritariamente seniores.
Ainda não é uma hora e Ljubomir
Stanisic e Benoît Sinthon põem na
grelha peixe acabado de pescar,
salteiam lapas apanhadas na hora,
abrem ouriços-do-mar que vêm do
mar em frente. Depois dos talheres
de prata e guardanapos de pano
passamos ao pão torrado molhado
na frigideira, aos legumes grelhados
“caçados” com palito e ao polvo
que Ljubomir diz ter inventado ali
a partir de uma base de mel. Chega
à areia a banda Artistas Funchalenses a animar o ambiente. “Isto é um
paraíso para descansar”, explica Benoît Sinthon, que vive na Madeira.
“As pessoas dos hotéis também têm
que entender que a Madeira é isto:
selvagem, rústica. É para mostrar
que Madeira é muito natureza”, diz,
agora com o som do mar por trás.
A banda, entretanto, volta a tocar, e Jordi Esteve, chef do restaurante Nectari, em Barcelona, está
perto das lapas que estão a ferver
na frigideira. “Há muitas cozinhas
diferentes em Portugal e com muitas
técnicas”, comenta, agora ao som
da música da banda, entusiasmado
com o programa. “Estar aqui em
frente ao mar faz a comida saber diferente”, conclui. Ter o mar dentro
do prato aqui não é uma metáfora.
A Fugas viajou a convite do PortoBay Hotels
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Na cozinha viva das estrelas Michelin também há peixe grelhado na