PARASHÁ VAYETSÊ Shabat de 21 de Novembro de 2015 (9 de Kislev de 5776) POR ONDE ENTRA A LUZ Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra - Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks) Por que Jacob? Essa é a pergunta que fazemos repetidamente à medida que lemos as narrativas de Gênesis. Jacob não é o que foi Noé: justo, perfeito em sua geração, aquele que andou com D-s. Ele não fez como Abraão, saiu de sua terra, o lugar onde nasceu e da casa de seu pai em resposta a um chamado Divino. Ele não se ofereceu como sacrifício, como fez Isaac. Ele também não tem o sentido fervoroso de justiça e a vontade de intervir que vemos nas cenas do início da vida de Moisés. Ainda assim, nós somos definidos todo o tempo como os descendentes de Jacob, os filhos de Israel. Daí a força da pergunta: Por que Jacob? Parece-me que a resposta é insinuada no início da parashá desta semana. Jacob estava no meio de uma viagem, indo de um perigo para outro. Ele tinha saído de casa porque Esaú havia jurado matá-lo quando Isaac morresse. Estava prestes a entrar na casa de seu tio Labão, o que iria, em si, apresentar outros perigos. Longe de casa, sozinho, ele estava em um ponto máximo de vulnerabilidade. O sol se põe. A noite cai. Jacob se deitou para dormir, e então viu essa visão majestosa: Ele sonhou e veja... havia uma escada posta na terra, cujo topo atingia o céu; e veja... anjos de D-s subiam e desciam por ela. E veja, eis que o SENHOR estava ao lado dele e disse: “Eu sou o Senhor, o D-s de Abraão teu pai, e o D-s de Isaac; a terra em que estás deitado, Eu a darei a ti e à tua descendência; e a tua descendência será como o pó da terra, e você se espalhará para o oeste e para o leste, para o norte e para o sul; e todas as famílias da terra serão abençoadas por seu intermédio e através de sua prole. E veja, eu estou com você e irei mantê-lo onde quer que você vá, e lhe trarei de volta a essa terra; pois eu não te deixarei até que tenha cumprido o que te prometi”. Então Jacob acordou de seu sono e disse: “Certamente o SENHOR está neste lugar, e eu não sabia disso!” E, com temor e reverência, ele disse: “Como é fascinante este lugar! Este lugar não é outro senão a casa de D-s, e esta é a porta dos céus” (Gen. 28:12-17). Observe a repetição quadrupla da expressão “e veja”, em hebraico ve-hinê, uma expressão de surpresa. Nada preparou Jacob para esse encontro, um ponto enfatizado em suas próprias palavras quando ele diz: “o Senhor está neste lugar - e eu não sabia”. O próprio verbo usado no início da passagem: “Ele se deparou com um lugar”, em hebraico vayifga ba-makom, também significa um encontro inesperado. Mais tarde, em hebraico rabínico, a palavra ha-Makom , “o Lugar" passou a significar “D-s”. Por isso, de uma forma poética, a frase vayifga ba-makom poderia ser lida como “Jacob teve um encontro inesperado com D-s”. Acrescente a isso a noite de embate de Jacob com o anjo, na parashá da próxima semana, e temos uma resposta à nossa pergunta. Jacob é o homem que tem as suas mais profundas experiências espirituais sozinho, à noite, em face do perigo e longe de casa. Ele é o homem que se encontra com D-s quando ele menos espera, quando sua mente está em outras coisas, quando ele está amedrontado e, possivelmente, à beira do desespero. Jacob é o homem que, no meio da viagem, descobre que “Certamente o Senhor está neste lugar, e eu não sabia disso!” Jacob tornou-se assim o pai do povo que teve seu encontro mais próximo com D-s no que Moisés mais tarde descreveu como “o uivo do deserto inabitado” (Deut. 32:10). Excepcionalmente, os judeus sobreviveram a toda uma série de exílios, e embora no início eles tivessem dito: “Como podemos cantar a canção do Senhor em terra estranha?”, eles descobriram que a Shechiná, a presença Divina, ainda estava com eles. Abraão deu aos judeus a coragem de desafiar os ídolos da época. Isaac deu-lhes a capacidade de auto sacrifício. Moisés ensinou-lhes a ser combatentes apaixonados pela justiça. Mas Jacob deu-lhes o conhecimento de que, precisamente quando você se sente mais sozinho, D-s ainda está com você, dando-lhe a coragem de manter esperança e força para sonhar. O homem que deu a mais profunda expressão poética a isso foi, sem dúvida, David no livro de Salmos. A todo momento ele chama D-s do coração das trevas, aflito, sozinho, sofrido, amedrontado: Salva-me, ó D-s, Pois as águas chegaram até o pescoço. Mais e mais profundamente eu afundo na lama; Não consigo encontrar um ponto de apoio. Estou em águas profundas, E as inundações me oprimem (Salmo 69:2-3). Das profundezas, ó Senhor, Eu chamo pela vossa ajuda (Salmo 130:1). Às vezes, nossas experiências espirituais mais profundas vêm quando menos esperamos, quando estamos mais próximos do desespero. É então que as máscaras que usamos são arrancadas. Estamos no ponto máximo de vulnerabilidade - e é quando estamos totalmente abertos a D-s, e D-s está mais totalmente aberto para nós. “O Senhor está perto daqueles que estão abatidos e salva os que estão de espírito esmagado” (Salmo 34:18). “Meu sacrifício, ó D-s, é um espírito quebrado; um coração abatido e contrito, Você, ó D-s, não desprezarás” (Salmo 51:17). D-s “cura os corações alquebrados e cicatriza as suas feridas” (Sal 147:3). Rav Nahman de Breslav costumava dizer: “A pessoa precisa chorar ao seu Pai no céu com uma voz poderosa das profundezas do seu coração. Então, D-s vai ouvir a sua voz e se voltar para o seu clamor. E pode ser que a partir desse ato, em si, todas as dúvidas e obstáculos que estão impedindo-o de voltar ao verdadeiro serviço a D-s, o deixarão e serão completamente anulados” (1) (LM2 46). Nós encontramos D-s não apenas em lugares santos ou familiares, mas também no meio de uma viagem, sozinhos à noite. “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum porque Tu estás comigo”. A mais profunda de todas as experiências espirituais, a base de todas as outras, é o conhecimento de que não estamos sozinhos. D-s está nos segurando pela mão, protegendo-nos, nos levantando quando caímos, nos perdoando quando falhamos, curando as feridas em nossa alma através do poder do Seu amor. Meu falecido pai, de abençoada memória, não era um erudito judeu. Ele não teve a chance de se tornar um. Ele veio para a Grã-Bretanha quando criança e como refugiado. Ele teve que deixar a escola ainda muito jovem e, além disso, as possibilidades de educação judaica naquela época eram limitadas. A maior parte do tempo da família era usado apenas para sobrevivência. Mas eu o vi andar de cabeça erguida como um judeu, sem medo, até mesmo com ar de desafio às vezes, porque quando ele orava ou lia os Salmos ele sentia intensamente que D-s estava com ele. Essa fé simples deu-lhe imensa dignidade e força de espírito. Essa foi a sua herança de Jacob, assim como é a nossa. Embora outros possam cair, nós caímos nos braços de D-s. Embora outros possam perder a fé em nós, e embora possamos perder a fé em nós mesmos, D-s nunca perde a fé em nós. E embora possamos nos sentir completamente sós, nós não estamos sozinhos. D-s está ali, ao nosso lado, dentro de nós, exortando-nos a levantar e seguir em frente, pois há uma tarefa para ser cumprida, que ainda não foi, e para a qual fomos criados para cumprir. Uma cantora do nosso tempo, escreveu: “Há uma rachadura em tudo. É por ali que a luz entra”. O coração alquebrado deixa entrar a luz de D-s, e se torna a porta dos céus. NOTA: (1) Likutei Maharan 2:26. Texto original: “HOW THE LIGHT GETS IN” por Rabino Jonathan Sacks. Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra - Ipanema