ISSN 1413-3555
Vol.
8 No.
2004 Vol. 8, No. 3 (2004), 267-272
Rev.
bras.3,fisioter.
©Revista Brasileira de Fisioterapia
Qualidade de Vida e Doença de Parkinson
267
O IMPACTO DA DOENÇA DE PARKINSON NA QUALIDADE
DE VIDA: UMA REVISÃO DE LITERATURA
Camargos, A. C. R.,1 Cópio, F. C. Q.,1 Sousa, T. R. R.1 e Goulart, F.2
1
Fisioterapeutas, Especialistas em Fisioterapia Neurológica, Departamento de Fisioterapia,
Universidade Federal de Minas Gerais
2
Ph.D, Professora Adjunta do Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais
Correspondência para: Fátima R. de Paula Goulart, Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de
Fisioterapia, Unidade Administrativa II, 3o andar, Av. Antonio Carlos, 6627, CEP 31270-901, Campus Universitário,
Pampulha, Belo Horizonte, MG, e-mail: [email protected]
Recebido em: 3/5/2004 – Aceito em: 9/6/2004
RESUMO
A doença de Parkinson (DP) é uma enfermidade crônica de caráter progressivo que acomete um em cada mil indivíduos e apresenta
características que afetam a qualidade de vida (QV) dessas pessoas. O objetivo desta revisão é descrever e discutir fatores encontrados
na literatura que influenciam a QV dos portadores de tal patologia. Tem sido destacado que o foco de tratamento de indivíduos
com DP deve ser a manutenção da QV e, para isso, a avaliação sistemática do paciente é imprescindível. Tal avaliação tem sido
realizada por meio de instrumentos de medida genéricos, específicos ou por uma combinação de ambos. A DP apresenta sinais e
sintomas que afetam a QV do indivíduo nos aspectos físico, mental/emocional, social e econômico. Os sinais e sintomas mais
encontrados na literatura e que apresentam maior relevância são: bradicinesia, tremor, rigidez, instabilidade postural, distúrbios
da marcha, dor, fadiga, depressão, distúrbios cognitivos e sexuais. Além disso, a limitação social e a sobrecarga econômica são
fatores que também afetam diretamente a QV desses indivíduos. É importante destacar a relação entre todos os aspectos citados,
embora as dimensões física e mental/emocional pareçam ser as mais relevantes, uma vez que podem ser as responsáveis pelo
desenvolvimento de outras limitações. Sendo assim, qualquer programa de tratamento para indivíduos portadores da DP deve buscar
minimizar as limitações decorrentes da progressão da doença e procurar contribuir para a melhora da QV dos portadores de tal
enfermidade.
Palavras-chave: doença de Parkinson, qualidade de vida, instrumentos de medida, fisioterapia.
ABSTRACT
Parkinson’s disease (PD) is a chronic progressive disorder which affects 1 out of 1000 individuals and whose features interfere
in these patients’ quality of life (QL). This review aims at describing and discussing the factors reported in the literature which
influence the QL of these individuals. It has been emphasized that the main focus of the PD patients’ treatment should be the
maintenance of the QL. In order to achieve that, a systematic evaluation of the patients’ QL is essential and has been carried out
by the means of different kinds of generic and specific measurement instruments, or a combination of both. The PD patients present
signs and symptoms which affect their QL, concerning the physical, mental/emotional, social and economic aspects. The most common
and relevant signs and symptoms of the PD found in literature are: bradykinesia, tremor, rigidity, postural disturbance, gait disorder,
pain, fatigue, depression and cognitive and sexual disorders. Furthermore, the social limitation and economic burden also affect,
straightforward, these patients’ QL. It is important to highlight the close relationship of all the factors mentioned above, though
the physical and mental/emotional aspects seem to be the most relevant, since they may be responsible for the development of other
limitations and may contribute to improve the patients’ QL. Therefore, any treatment program has to minimize the PD limitations
originated from the progression of the disease and contribute to improve the patients’ QL.
Key words: Parkinson’s disease, quality of life, measure instruments, physical therapy.
268
Camargos, A. C. R. et al.
INTRODUÇÃO
A doença de Parkinson (DP) é definida como uma
enfermidade crônica de caráter progressivo que acomete um
em cada mil indivíduos da população em geral. Sua
prevalência aumenta com a idade e geralmente acomete
indivíduos acima dos 50 anos.1-4 Tal enfermidade apresenta
sinais e sintomas clássicos resultantes da depleção de dopamina na substância negra, como tremor em repouso, rigidez
muscular, bradicinesia, hipocinesia e alterações na postura
e no equilíbrio.1,5
Com a evolução da doença, complicações secundárias
decorrentes dos sinais e sintomas fisicos6 determinam o comprometimento mental/emocional, social e econômico, o que se
revela extremamente incapacitante para o indivíduo,7-9 além
de contribuir para a piora da qualidade de vida (QV) dos
mesmos.8,10
Dessa forma, as medidas de qualidade de vida relacionadas à saúde (QVRS) tornaram-se fundamentais nas três
últimas décadas.11,12 Informações a esse respeito são
importantes para o planejamento de estratégias e de custo–
efetividade de tratamento, além de promoverem o bem-estar
de pacientes crônicos, como os portadores de DP.7,13-15
Findley16 ressaltou que os estudos não têm investigado
detalhes a respeito da QV na DP e, portanto, pouco se conhece
sobre o real impacto da doença na vida do paciente e de sua
família. Recentemente, alguns autores têm se preocupado
em investigar os aspectos mais importantes relacionados à
QV na DP para melhorar o planejamento das intervenções
terapêuticas direcionadas a esses pacientes.
O objetivo desta revisão foi descrever e discutir os
fatores encontrados na literatura que influenciam a QV de
indivíduos com DP. Para isso, foram revisados também os
conceitos de QV e os instrumentos de medidas para avaliar
QVRS.
A pesquisa bibliográfica foi realizada na base de dados
Medline/Pubmed, Bireme e Lilacs, restringindo-se aos 10
últimos anos e às línguas inglesa e portuguesa. As palavraschave utilizadas foram: doença de Parkinson, Parkinson’s
disease and quality of life, Parkinson’s disease and definition
e quality of life and definition. Foram encontrados 34 artigos
em português, os quais abordavam etiologia, sinais e sintomas
e tratamentos cirúrgico e medicamentoso da doença. Destes,
dois foram selecionados para a presente revisão. Entretanto,
quando as palavras-chave doença de Parkinson x qualidade
de vida foram utilizadas, nenhum artigo foi encontrado no
idioma nacional. Entre os trabalhos em inglês foram excluídos
aqueles que abordavam medicamentos e cirurgias. Assim,
foram selecionados 35 artigos no total, sendo um estudo
experimental, um estudo quase-experimental, uma revisão
sistemática, um desenvolvimento de questionário, 21 estudos
observacionais, nove revisões de literatura e uma publicação
de resumo em anais.
Rev. bras. fisioter.
Definição de Qualidade de Vida
Segundo a Organização Mundial de Saúde, saúde é
definida como “estado de completo bem-estar físico, mental
e social e não somente pela ausência de doença ou enfermidade”. Recentemente, o conceito tornou-se mais abrangente
e passou a ser denominado QVRS.17
O conceito de QV é bastante complexo e, em geral,
saúde é aceita como parte essencial da QV,10 que engloba
um conceito multidimensional que reflete a avaliação subjetiva
de satisfação pessoal em relação ao bem-estar físico, funcional, emocional e social.16,18 Segundo Meyers et al.,19 QV
refere-se à capacidade de obter satisfação física, social,
psicológica e comportamental. Baatile et al.13 e Keränen et
al.15 descreveram ainda a relação entre custo e gravidade
da doença, ressaltando a importância do aspecto econômico
na QV.
O principal foco do tratamento em indivíduos com
doenças crônicas, como a DP, deve ser a manutenção da QV,16
o que enfatiza a importância de conhecer as dimensões que
abrangem esse conceito e os instrumentos de medida que
avaliam o impacto da DP na QV.
Instrumentos para Medição de Qualidade de Vida
Relacionada à Saúde
Os instrumentos de medida de QVRS apresentam finalidades de nível populacional e de nível individual.20 No nível
populacional, as escalas têm por objetivos controlar as tendências populacionais, espaciais e temporais na saúde da
população, avaliar os efeitos sociais e das políticas de saúde,
além de ceder recursos de acordo com as necessidades específicas da população. Individualmente, os instrumentos visam
a diagnosticar a natureza e o estágio de comprometimento
da doença, avaliar os efeitos do tratamento e verificar os fatores
etiológicos envolvidos.20 A grande variedade de finalidades
das medidas de QV dificulta a elaboração de uma escala que
satisfaça a todos os objetivos,20 o que justifica a existência
de inúmeros questionários. Instrumentos genéricos e específicos
podem ser utilizados para avaliar o auto-relato de QVRS.
Os instrumentos genéricos são importantes para avaliar
e comparar diferentes doenças e intervenções terapêuticas,
mas apresentam desvantagens na medida em que não podem
dar devida atenção às características específicas da doença
em questão.21,22 Esses instrumentos, freqüentemente, abrangem domínios relacionados aos aspectos físico, independência, bem-estar mental/emocional e efeitos da doença nas
atividades sociais e de trabalho.11 O instrumento genérico
mais citado na literatura para pacientes com DP é o Medical
Outcomes Study 36-item Short Form (SF-36).11 Esse questionário contém 36 itens, que englobam oito dimensões:
função física, função social, limitações dos papéis sociais
em decorrência de problemas físicos e emocionais, saúde
mental, vitalidade, dor e percepção geral de saúde. Quanto
maior o escore total, melhor a QV do indivíduo.23 Outro
Vol. 8 No. 3, 2004
Qualidade de Vida e Doença de Parkinson
instrumento genérico muito utilizado é o Perfil de Saúde de
Nottingham (PSN),4,24 que contém 38 itens. Esses itens estão
dentro dos domínios: nível de energia, dor, reações
emocionais, sono, interação social e habilidades físicas. Nesse
questionário, quanto maior o escore total, pior a percepção
do indivíduo em relação a sua QV.
Os instrumentos específicos podem ser mais sensíveis
para detectar alterações no estado de saúde do paciente, pois
focalizam os sintomas que representam maior impacto da
doença.19,21,22,25 Tais instrumentos, geralmente, contêm os
mesmos domínios dos questionários genéricos, mas seus itens
são elaborados enfocando características individuais da patologia e podem incluir também itens para avaliar os efeitos
do tratamento.
Alguns instrumentos específicos para a QV na DP
tornaram-se disponíveis nos últimos anos. Os mais citados
na literatura são Parkinson’s Disease Questionnaire-39 (PDQ39)9,12,23,26 e Parkinson’s Disease Quality of Life Questionnaire
(PDQL).24,25 O PDQ-39 compreende 39 itens distribuídos em
oito subescalas: mobilidade, atividades de vida diária (AVDs),
bem-estar emocional, estigma, suporte social, cognição,
comunicação e desconforto físico, sendo que altos escores
indicam pobre QV.9,12,26 Em muitas situações, o PDQ-39 tem
sido indicado como o instrumento mais apropriado na avaliação
da QV do paciente com DP, porém, falha em alguns itens
relacionados à imagem corporal, distúrbios do sono, atividade
sexual e transferências.12,24 O PDQL é composto por 37 itens
e avalia os sintomas parkinsonianos, sintomas sistêmicos, função
social e aspectos emocionais da doença. Nesse questionário,
altos escores refletem melhor percepção do indivíduo em relação
a sua QV.24,25
Segundo Meyers et al.,19 é importante combinar a
utilização de instrumentos específicos e genéricos para obter
o relato de pessoas com a doença ou em condição de interesse
e comparar suas experiências com a população em geral,
entretanto, a seleção do instrumento depende da meta do
estudo.
Diferentes Aspectos Que Interferem na Qualidade de Vida
dos Portadores da Doença de Parkinson
Diversos autores enfatizam o impacto negativo da DP
na QV.4,7-11,14-16,21,23,25,27-30 Como os sinais e sintomas clássicos
da doença são efetivamente motores, acreditava-se que a
dimensão física fosse a mais acometida pela patologia.
Contudo, com a evolução da doença, ocorre o surgimento
de novas alterações, o que certamente leva ao comprometimento de outras dimensões relacionadas à QV.9
Aspectos físicos
A redução da QV relacionada ao comprometimento da
função física é comum tanto em idosos hígidos como em
idosos que apresentam DP.11 Entretanto, o estudo de Gage
et al.11 indicou que a dimensão física apresenta maior impacto
269
na QV de portadores da DP quando comparados a idosos
sem a doença.
Os sintomas principais da DP, como rigidez, bradicinesia
e tremor, podem acarretar limitação das AVDs já na fase inicial
da patologia. Com a progressão da doença, a ocorrência de
alterações na postura e na marcha contribui para elevado risco
de quedas.6 Todas essas alterações acarretam redução no nível
de atividade, o que gera, conseqüentemente, mais imobilidade.
A atividade do indivíduo também é dificultada pelos episódios
de freezing, que, juntamente à hipocinesia, acarretam perda
de independência funcional.6 Os marcantes comprometimentos
motores, a limitação física progressiva e a deficiência no
desempenho funcional fazem dos aspectos físicos um dos
grandes responsáveis pela piora da QV dos indivíduos
portadores da DP.8,10
Diversos estudos foram realizados com objetivo de
avaliar a repercussão dos sinais e sintomas físicos na QV
do indivíduo com DP. No estudo de Whetten-Goldstein et
al.,30 o pobre relato de saúde apresentou maior associação
com a bradicinesia, sugerindo que esse seja o sintoma mais
debilitante da doença. No estudo de Chrischilles et al.,21 a
instabilidade postural, os distúrbios de marcha e a bradicinesia
apresentaram forte associação com a escala física do SF-36.
Por outro lado, o tremor obteve maior associação com a escala
mental do que com a escala física do mesmo instrumento,
sendo um resultado inesperado segundo os autores. Tal sintoma também apresentou maior associação com a percepção
geral de saúde do que com outros sintomas físicos, indicando
que a presença de tremor afeta negativamente a percepção
do individuo em relação à sua saúde. Além disso, a rigidez
apresentou maior associação com a função social e menor
associação com a satisfação de saúde do que os outros sintomas.21 Para Schrag et al.,9 indivíduos com instabilidade
postural, história de quedas e dificuldade de marcha
apresentaram escores significativamente piores no PDQ-39
quando comparados a indivíduos sem essas características.
A dor e a fadiga também são considerados sintomas
comuns e debilitantes nesses indivíduos, apesar de não serem
reconhecidos como os mais importantes na DP.30 No estudo
longitudinal realizado por Schenkman et al.,8 mais de 40%
da amostra relatou fadiga e mais de 30% dos indivíduos
apresentavam dor, sendo que aproximadamente 20% relacionavam a dor à DP.
Os autores ressaltaram que a dor e a fadiga foram os
sintomas mais freqüentes em indivíduos com pobre relato
de saúde. Herlofson & Larsen27 observaram que indivíduos
em estágios mais avançados da patologia e que apresentavam
fadiga tinham comprometimento nos itens de bem-estar
emocional e mobilidade do PDQ-39 e na dimensão vitalidade
do SF-36. Por outro lado, para outros autores, a dor e a fadiga
exercem grande influência sobre o bem-estar mental e social
dos pacientes e de suas famílias, mesmo em estágios iniciais
da doença.6,30
270
Camargos, A. C. R. et al.
Aspectos emocionais/mentais
A depressão é descrita como o sintoma de maior impacto
na QVRS em indivíduos com DP.10,29 Entretanto, suas causas
ainda permanecem obscuras. Não se sabe se a depressão é
resultante de desequilíbrio de neurotransmissores associados
à DP ou se está relacionada à perda funcional decorrente
da progressão da patologia.13
No estudo de Tandberg et al.,31 5,1% dos indivíduos
com DP avaliados apresentavam depressão moderada a severa
e 45,5% dos indivíduos relatavam sintomas depressivos leves.
Entre os pacientes com comprometimento cognitivo, a maioria
apresentava depressão. Apesar do número significativo de
indivíduos portadores da DP com sintomas depressivos leves,
o autor encontrou menor incidência desse tipo de depressão
do que a descrita em estudos prévios.
Sabe-se que a piora do estado clínico geral, o tempo
de curso da patologia e o aumento da idade associam-se
com a piora da depressão e da cognição.10,23 Além disso,
há relatos de que, quanto maior a gravidade da depressão,
maior a labilidade emocional e pior a percepção da QV,8,25
visto que indivíduos com depressão apresentam maior
incapacidade e dependência.30 A relação entre depressão
e atividade cognitiva é ainda relatada no estudo de Schrag
et al.,9 no qual indivíduos com altos níveis de depressão
e comprometimento cognitivo apresentavam escores significativamente piores no PDQ-39 quando comparados a indivíduos
sem essas características. Os aspectos emocionais/mentais
foram, então, considerados o principal fator relacionado
à pobre percepção de QV.9
Apesar da alta prevalência da depressão na DP, esse
sintoma raramente é identificado e pode não ser reconhecido
pelos próprios pacientes. Somente 1% dos indivíduos relata
depressão, comparados a 50% dos que foram considerados
depressivos quando avaliados por uma escala específica.29
Embora a depressão esteja associada a piores escores de
QVRS em indivíduos com DP, os resultados não demonstram
que essa relação é causal.29 Investigações futuras são
necessárias para estabelecer se a identificação e o tratamento
da depressão promoverão melhora da QV desses pacientes.
A maioria dos estudos pesquisados indicava a presença
de depressão em indivíduos com DP, entretanto, Shulman
et al.32 apontaram falhas dos neurologistas no reconhecimento
dos sintomas. Em decorrência do grande impacto na saúde
mental, a identificação, a monitorização e o tratamento
psicoterápico desse sintoma podem ser essenciais para
melhorar a QV do indivíduo.
Aspectos sociais
Bem-estar social inclui manutenção de atividades de
lazer, sexualidade, vivência familiar, além da autopercepção
do suporte social.18 A perda da função social do indivíduo
com DP está relacionada a fatores como idade, estágios da
doença e comprometimento cognitivo.10 Morimoto et al.33
Rev. bras. fisioter.
apontaram que função social e vitalidade são os fatores que
mais se associam a relatos positivos de QV.
A característica progressiva da DP resulta em comprometimento de aspectos físicos, mentais e emocionais, que
podem contribuir para o isolamento social do indivíduo.4,10
Gaudet6 acrescenta ainda que a alteração da mímica facial
ou “face em máscara” pode ser mais um componente a restringir a vida social dos pacientes.
Em um estudo longitudinal, Karlsen et al.7 verificaram
que, além dos domínios de mobilidade física, reações emocionais e dor, o isolamento social foi fator de alto valor
preditivo sobre escores de QV. Em outro estudo, Hobson
et al.25 descobriram, por meio do PDQL, que o comprometimento das relações sociais foi um dos fatores
contribuintes para uma pior QV em indivíduos com DP na
idade mais avançada.
Outro fator comum nos indivíduos com DP é o distúrbio
da função sexual, embora tal aspecto normalmente não seja
avaliado nos instrumentos especificos de QV.34 No estudo
de Moore et al.28 foi ressaltada a importância de uma vida
sexual ativa para a satisfação dos pacientes com a vida em
geral. Por meio de um questionário de QV sexual, foi
encontrado que essa função diminui com a idade e com a
progressão da doença. Os autores sugeriram que a adição
desse questionário como a nona dimensão do PDQ-39 pode
melhorar a confiabilidade para avaliar QV na DP.28
Em conseqüência de todas essas alterações nos hábitos
de vida do indivíduo com DP, o relacionamento familiar fica
comprometido. Com a progressão da doença, a QV de toda
a família é alterada, tanto pela sobrecarga financeira quanto
em relação aos cuidados necessários com o indivíduo
acometido pela doença. Muitas vezes, ocorrem alterações
nos papéis sociais e nas atividades da família.30
Aspectos econômicos
Apenas recentemente, as considerações financeiras em
relação à DP têm recebido atenção dos pesquisadores. Poucos
estudos enfocam essa questão no âmbito da QV do indivíduo
com DP.
Sabe-se que a DP gera custos diretos e indiretos, com
impacto econômico para toda a sociedade.15 Os custos diretos
referem-se aos gastos com hospitalização, medicamentos
e reabilitação. Os custos indiretos referem-se aos gastos com
cuidados domiciliares informais, perda da produtividade,
redução da renda familiar e a aposentadoria precoce do
indivíduo.8,15,35 Segundo Keränen et al.,15 os custos indiretos
são os principais responsáveis pela sobrecarga econômica
causada pela DP e a aposentadoria precoce parece ser o
principal determinante desse aumento de custos. Além disso,
há uma significativa associação entre gravidade da DP e custo
anual.15 Em estágios iniciais da doença, os pacientes são
independentes e capazes de realizar autocuidados. Entretanto, com o passar do tempo e a progressão da doença, há
Vol. 8 No. 3, 2004
Qualidade de Vida e Doença de Parkinson
aumento gradativo da necessidade de assistência, em
conseqüência da intensificação dos sintomas,8 o que aumenta
a sobrecarga econômica para o paciente e seus familiares.
Além disso, foi verificado crescente aumento dos custos da
doença após uma análise longitudinal de indivíduos com DP.
Portanto, há uma relação direta entre QV, custo e gravidade
da DP.8
DISCUSSÃO
Este estudo realizou uma revisão dos fatores que representam maior impacto na QV de pacientes com DP. Observouse que a metodologia da maior parte dos estudos que avaliam
as dimensões abordadas foi observacional e os resultados foram
obtidos por meio da aplicação de questionários de QVRS. Além
disso, esses estudos descreveram apenas fatores relacionados
à DP que afetam a QV e não a causa dessas associações. A
compreensão das causas de cada um dos fatores limitantes
da QV do individuo é essencial para uma melhor abordagem
terapêutica, visto que qualquer intervenção deve ser direcionada
a todos os aspectos que envolvem a DP.
Verificou-se que a QV do portador de DP está comprometida em várias dimensões, entre elas, física, mental/emocional, social e econômica. Vários fatores podem influenciar
a QV desses indivíduos, sendo que os sinais e sintomas mais
encontrados na literatura e que apresentam maior relevância
para a DP são: bradicinesia,30 tremor, rigidez,21 instabilidade
postural, distúrbios da marcha,9,21 dor, fadiga,6,8,27,30 depressão,
distúrbios cognitivos9,10,29,31 e sexuais.28 Além disso, a limitação
sociall7,33 e a sobrecarga econômica8,15 são fatores que também
afetam diretamente a QV desses pacientes.
Embora as dimensões que afetam a QV na DP tenham
sido descritas separadamente, há uma estreita associação entre
elas, como destacado em diversos estudos. No estudo de
Chrischilles et al.,21 sintomas físicos como tremor e rigidez
apresentaram maior associação com a dimensão mental e
social, respectivamente. Em outro estudo, sintomas como
dor e fadiga influenciaram tanto a mobilidade e a vitalidade
quanto o bem-estar emocional e social do indivíduo com DP.27
Os aspectos físicos podem ser considerados um dos
grandes responsáveis pela piora da QV dos indivíduos com
DP,10 pois agem como precursores de limitações em outras
dimensões. As limitações físicas certamente afetam emocionalmente o indivíduo, uma vez que este não consegue realizar
suas atividades ocupacionais e AVDs e, conseqüentemente,
perde sua independência.31 Dessa forma, o indivíduo com
DP começa a apresentar tendência ao isolamento e deixa de
fazer as atividades que lhe proporcionam prazer, afastandose da sociedade. Ocorre uma inversão dos papéis sociais na
família, além de uma grande sobrecarga econômica, já que
o indivíduo com DP encontra-se, freqüentemente, impossibilitado de trabalhar.7,15
271
Para alguns autores, como Karlsen et al.,7 Schrag et al.,9
Kuopio et al.,10 Chrischilles et al.21 e Hobson et al.,25 a
depressão é o fator que representa maior impacto na QV de
indivíduos com DP, exercendo maior influência do que os
sintomas físicos. Além disso, a depressão é freqüentemente
associada ao comprometimento cognitivo, o que, certamente,
pode contribuir para a limitação social desses indivíduos.
Com esta revisão, verificou-se a presença de estreita
relação entre os diversos aspectos que estão comprometidos
em indivíduos com DP. Entretanto, concluiu-se que, apesar
dessa relação, as dimensões física e mental/emocional parecem
ser as mais relevantes no comprometimento da QV da DP,
uma vez que podem ser as responsáveis pelo desenvolvimento
das outras limitações.
Finalmente, é de grande importância o conhecimento
de todas as dimensões afetadas pela DP, assim como de suas
causas. Baseado nessas informações, os terapeutas serão
capazes de desenvolver programas de tratamento que minimizem as limitações decorrentes da progressão da doença,
contribuindo assim para a melhora da QV desses indivíduos.
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