ISSN 1413-3555 Vol. 8 No. 2004 Vol. 8, No. 3 (2004), 267-272 Rev. bras.3,fisioter. ©Revista Brasileira de Fisioterapia Qualidade de Vida e Doença de Parkinson 267 O IMPACTO DA DOENÇA DE PARKINSON NA QUALIDADE DE VIDA: UMA REVISÃO DE LITERATURA Camargos, A. C. R.,1 Cópio, F. C. Q.,1 Sousa, T. R. R.1 e Goulart, F.2 1 Fisioterapeutas, Especialistas em Fisioterapia Neurológica, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais 2 Ph.D, Professora Adjunta do Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais Correspondência para: Fátima R. de Paula Goulart, Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Fisioterapia, Unidade Administrativa II, 3o andar, Av. Antonio Carlos, 6627, CEP 31270-901, Campus Universitário, Pampulha, Belo Horizonte, MG, e-mail: [email protected] Recebido em: 3/5/2004 – Aceito em: 9/6/2004 RESUMO A doença de Parkinson (DP) é uma enfermidade crônica de caráter progressivo que acomete um em cada mil indivíduos e apresenta características que afetam a qualidade de vida (QV) dessas pessoas. O objetivo desta revisão é descrever e discutir fatores encontrados na literatura que influenciam a QV dos portadores de tal patologia. Tem sido destacado que o foco de tratamento de indivíduos com DP deve ser a manutenção da QV e, para isso, a avaliação sistemática do paciente é imprescindível. Tal avaliação tem sido realizada por meio de instrumentos de medida genéricos, específicos ou por uma combinação de ambos. A DP apresenta sinais e sintomas que afetam a QV do indivíduo nos aspectos físico, mental/emocional, social e econômico. Os sinais e sintomas mais encontrados na literatura e que apresentam maior relevância são: bradicinesia, tremor, rigidez, instabilidade postural, distúrbios da marcha, dor, fadiga, depressão, distúrbios cognitivos e sexuais. Além disso, a limitação social e a sobrecarga econômica são fatores que também afetam diretamente a QV desses indivíduos. É importante destacar a relação entre todos os aspectos citados, embora as dimensões física e mental/emocional pareçam ser as mais relevantes, uma vez que podem ser as responsáveis pelo desenvolvimento de outras limitações. Sendo assim, qualquer programa de tratamento para indivíduos portadores da DP deve buscar minimizar as limitações decorrentes da progressão da doença e procurar contribuir para a melhora da QV dos portadores de tal enfermidade. Palavras-chave: doença de Parkinson, qualidade de vida, instrumentos de medida, fisioterapia. ABSTRACT Parkinson’s disease (PD) is a chronic progressive disorder which affects 1 out of 1000 individuals and whose features interfere in these patients’ quality of life (QL). This review aims at describing and discussing the factors reported in the literature which influence the QL of these individuals. It has been emphasized that the main focus of the PD patients’ treatment should be the maintenance of the QL. In order to achieve that, a systematic evaluation of the patients’ QL is essential and has been carried out by the means of different kinds of generic and specific measurement instruments, or a combination of both. The PD patients present signs and symptoms which affect their QL, concerning the physical, mental/emotional, social and economic aspects. The most common and relevant signs and symptoms of the PD found in literature are: bradykinesia, tremor, rigidity, postural disturbance, gait disorder, pain, fatigue, depression and cognitive and sexual disorders. Furthermore, the social limitation and economic burden also affect, straightforward, these patients’ QL. It is important to highlight the close relationship of all the factors mentioned above, though the physical and mental/emotional aspects seem to be the most relevant, since they may be responsible for the development of other limitations and may contribute to improve the patients’ QL. Therefore, any treatment program has to minimize the PD limitations originated from the progression of the disease and contribute to improve the patients’ QL. Key words: Parkinson’s disease, quality of life, measure instruments, physical therapy. 268 Camargos, A. C. R. et al. INTRODUÇÃO A doença de Parkinson (DP) é definida como uma enfermidade crônica de caráter progressivo que acomete um em cada mil indivíduos da população em geral. Sua prevalência aumenta com a idade e geralmente acomete indivíduos acima dos 50 anos.1-4 Tal enfermidade apresenta sinais e sintomas clássicos resultantes da depleção de dopamina na substância negra, como tremor em repouso, rigidez muscular, bradicinesia, hipocinesia e alterações na postura e no equilíbrio.1,5 Com a evolução da doença, complicações secundárias decorrentes dos sinais e sintomas fisicos6 determinam o comprometimento mental/emocional, social e econômico, o que se revela extremamente incapacitante para o indivíduo,7-9 além de contribuir para a piora da qualidade de vida (QV) dos mesmos.8,10 Dessa forma, as medidas de qualidade de vida relacionadas à saúde (QVRS) tornaram-se fundamentais nas três últimas décadas.11,12 Informações a esse respeito são importantes para o planejamento de estratégias e de custo– efetividade de tratamento, além de promoverem o bem-estar de pacientes crônicos, como os portadores de DP.7,13-15 Findley16 ressaltou que os estudos não têm investigado detalhes a respeito da QV na DP e, portanto, pouco se conhece sobre o real impacto da doença na vida do paciente e de sua família. Recentemente, alguns autores têm se preocupado em investigar os aspectos mais importantes relacionados à QV na DP para melhorar o planejamento das intervenções terapêuticas direcionadas a esses pacientes. O objetivo desta revisão foi descrever e discutir os fatores encontrados na literatura que influenciam a QV de indivíduos com DP. Para isso, foram revisados também os conceitos de QV e os instrumentos de medidas para avaliar QVRS. A pesquisa bibliográfica foi realizada na base de dados Medline/Pubmed, Bireme e Lilacs, restringindo-se aos 10 últimos anos e às línguas inglesa e portuguesa. As palavraschave utilizadas foram: doença de Parkinson, Parkinson’s disease and quality of life, Parkinson’s disease and definition e quality of life and definition. Foram encontrados 34 artigos em português, os quais abordavam etiologia, sinais e sintomas e tratamentos cirúrgico e medicamentoso da doença. Destes, dois foram selecionados para a presente revisão. Entretanto, quando as palavras-chave doença de Parkinson x qualidade de vida foram utilizadas, nenhum artigo foi encontrado no idioma nacional. Entre os trabalhos em inglês foram excluídos aqueles que abordavam medicamentos e cirurgias. Assim, foram selecionados 35 artigos no total, sendo um estudo experimental, um estudo quase-experimental, uma revisão sistemática, um desenvolvimento de questionário, 21 estudos observacionais, nove revisões de literatura e uma publicação de resumo em anais. Rev. bras. fisioter. Definição de Qualidade de Vida Segundo a Organização Mundial de Saúde, saúde é definida como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente pela ausência de doença ou enfermidade”. Recentemente, o conceito tornou-se mais abrangente e passou a ser denominado QVRS.17 O conceito de QV é bastante complexo e, em geral, saúde é aceita como parte essencial da QV,10 que engloba um conceito multidimensional que reflete a avaliação subjetiva de satisfação pessoal em relação ao bem-estar físico, funcional, emocional e social.16,18 Segundo Meyers et al.,19 QV refere-se à capacidade de obter satisfação física, social, psicológica e comportamental. Baatile et al.13 e Keränen et al.15 descreveram ainda a relação entre custo e gravidade da doença, ressaltando a importância do aspecto econômico na QV. O principal foco do tratamento em indivíduos com doenças crônicas, como a DP, deve ser a manutenção da QV,16 o que enfatiza a importância de conhecer as dimensões que abrangem esse conceito e os instrumentos de medida que avaliam o impacto da DP na QV. Instrumentos para Medição de Qualidade de Vida Relacionada à Saúde Os instrumentos de medida de QVRS apresentam finalidades de nível populacional e de nível individual.20 No nível populacional, as escalas têm por objetivos controlar as tendências populacionais, espaciais e temporais na saúde da população, avaliar os efeitos sociais e das políticas de saúde, além de ceder recursos de acordo com as necessidades específicas da população. Individualmente, os instrumentos visam a diagnosticar a natureza e o estágio de comprometimento da doença, avaliar os efeitos do tratamento e verificar os fatores etiológicos envolvidos.20 A grande variedade de finalidades das medidas de QV dificulta a elaboração de uma escala que satisfaça a todos os objetivos,20 o que justifica a existência de inúmeros questionários. Instrumentos genéricos e específicos podem ser utilizados para avaliar o auto-relato de QVRS. Os instrumentos genéricos são importantes para avaliar e comparar diferentes doenças e intervenções terapêuticas, mas apresentam desvantagens na medida em que não podem dar devida atenção às características específicas da doença em questão.21,22 Esses instrumentos, freqüentemente, abrangem domínios relacionados aos aspectos físico, independência, bem-estar mental/emocional e efeitos da doença nas atividades sociais e de trabalho.11 O instrumento genérico mais citado na literatura para pacientes com DP é o Medical Outcomes Study 36-item Short Form (SF-36).11 Esse questionário contém 36 itens, que englobam oito dimensões: função física, função social, limitações dos papéis sociais em decorrência de problemas físicos e emocionais, saúde mental, vitalidade, dor e percepção geral de saúde. Quanto maior o escore total, melhor a QV do indivíduo.23 Outro Vol. 8 No. 3, 2004 Qualidade de Vida e Doença de Parkinson instrumento genérico muito utilizado é o Perfil de Saúde de Nottingham (PSN),4,24 que contém 38 itens. Esses itens estão dentro dos domínios: nível de energia, dor, reações emocionais, sono, interação social e habilidades físicas. Nesse questionário, quanto maior o escore total, pior a percepção do indivíduo em relação a sua QV. Os instrumentos específicos podem ser mais sensíveis para detectar alterações no estado de saúde do paciente, pois focalizam os sintomas que representam maior impacto da doença.19,21,22,25 Tais instrumentos, geralmente, contêm os mesmos domínios dos questionários genéricos, mas seus itens são elaborados enfocando características individuais da patologia e podem incluir também itens para avaliar os efeitos do tratamento. Alguns instrumentos específicos para a QV na DP tornaram-se disponíveis nos últimos anos. Os mais citados na literatura são Parkinson’s Disease Questionnaire-39 (PDQ39)9,12,23,26 e Parkinson’s Disease Quality of Life Questionnaire (PDQL).24,25 O PDQ-39 compreende 39 itens distribuídos em oito subescalas: mobilidade, atividades de vida diária (AVDs), bem-estar emocional, estigma, suporte social, cognição, comunicação e desconforto físico, sendo que altos escores indicam pobre QV.9,12,26 Em muitas situações, o PDQ-39 tem sido indicado como o instrumento mais apropriado na avaliação da QV do paciente com DP, porém, falha em alguns itens relacionados à imagem corporal, distúrbios do sono, atividade sexual e transferências.12,24 O PDQL é composto por 37 itens e avalia os sintomas parkinsonianos, sintomas sistêmicos, função social e aspectos emocionais da doença. Nesse questionário, altos escores refletem melhor percepção do indivíduo em relação a sua QV.24,25 Segundo Meyers et al.,19 é importante combinar a utilização de instrumentos específicos e genéricos para obter o relato de pessoas com a doença ou em condição de interesse e comparar suas experiências com a população em geral, entretanto, a seleção do instrumento depende da meta do estudo. Diferentes Aspectos Que Interferem na Qualidade de Vida dos Portadores da Doença de Parkinson Diversos autores enfatizam o impacto negativo da DP na QV.4,7-11,14-16,21,23,25,27-30 Como os sinais e sintomas clássicos da doença são efetivamente motores, acreditava-se que a dimensão física fosse a mais acometida pela patologia. Contudo, com a evolução da doença, ocorre o surgimento de novas alterações, o que certamente leva ao comprometimento de outras dimensões relacionadas à QV.9 Aspectos físicos A redução da QV relacionada ao comprometimento da função física é comum tanto em idosos hígidos como em idosos que apresentam DP.11 Entretanto, o estudo de Gage et al.11 indicou que a dimensão física apresenta maior impacto 269 na QV de portadores da DP quando comparados a idosos sem a doença. Os sintomas principais da DP, como rigidez, bradicinesia e tremor, podem acarretar limitação das AVDs já na fase inicial da patologia. Com a progressão da doença, a ocorrência de alterações na postura e na marcha contribui para elevado risco de quedas.6 Todas essas alterações acarretam redução no nível de atividade, o que gera, conseqüentemente, mais imobilidade. A atividade do indivíduo também é dificultada pelos episódios de freezing, que, juntamente à hipocinesia, acarretam perda de independência funcional.6 Os marcantes comprometimentos motores, a limitação física progressiva e a deficiência no desempenho funcional fazem dos aspectos físicos um dos grandes responsáveis pela piora da QV dos indivíduos portadores da DP.8,10 Diversos estudos foram realizados com objetivo de avaliar a repercussão dos sinais e sintomas físicos na QV do indivíduo com DP. No estudo de Whetten-Goldstein et al.,30 o pobre relato de saúde apresentou maior associação com a bradicinesia, sugerindo que esse seja o sintoma mais debilitante da doença. No estudo de Chrischilles et al.,21 a instabilidade postural, os distúrbios de marcha e a bradicinesia apresentaram forte associação com a escala física do SF-36. Por outro lado, o tremor obteve maior associação com a escala mental do que com a escala física do mesmo instrumento, sendo um resultado inesperado segundo os autores. Tal sintoma também apresentou maior associação com a percepção geral de saúde do que com outros sintomas físicos, indicando que a presença de tremor afeta negativamente a percepção do individuo em relação à sua saúde. Além disso, a rigidez apresentou maior associação com a função social e menor associação com a satisfação de saúde do que os outros sintomas.21 Para Schrag et al.,9 indivíduos com instabilidade postural, história de quedas e dificuldade de marcha apresentaram escores significativamente piores no PDQ-39 quando comparados a indivíduos sem essas características. A dor e a fadiga também são considerados sintomas comuns e debilitantes nesses indivíduos, apesar de não serem reconhecidos como os mais importantes na DP.30 No estudo longitudinal realizado por Schenkman et al.,8 mais de 40% da amostra relatou fadiga e mais de 30% dos indivíduos apresentavam dor, sendo que aproximadamente 20% relacionavam a dor à DP. Os autores ressaltaram que a dor e a fadiga foram os sintomas mais freqüentes em indivíduos com pobre relato de saúde. Herlofson & Larsen27 observaram que indivíduos em estágios mais avançados da patologia e que apresentavam fadiga tinham comprometimento nos itens de bem-estar emocional e mobilidade do PDQ-39 e na dimensão vitalidade do SF-36. Por outro lado, para outros autores, a dor e a fadiga exercem grande influência sobre o bem-estar mental e social dos pacientes e de suas famílias, mesmo em estágios iniciais da doença.6,30 270 Camargos, A. C. R. et al. Aspectos emocionais/mentais A depressão é descrita como o sintoma de maior impacto na QVRS em indivíduos com DP.10,29 Entretanto, suas causas ainda permanecem obscuras. Não se sabe se a depressão é resultante de desequilíbrio de neurotransmissores associados à DP ou se está relacionada à perda funcional decorrente da progressão da patologia.13 No estudo de Tandberg et al.,31 5,1% dos indivíduos com DP avaliados apresentavam depressão moderada a severa e 45,5% dos indivíduos relatavam sintomas depressivos leves. Entre os pacientes com comprometimento cognitivo, a maioria apresentava depressão. Apesar do número significativo de indivíduos portadores da DP com sintomas depressivos leves, o autor encontrou menor incidência desse tipo de depressão do que a descrita em estudos prévios. Sabe-se que a piora do estado clínico geral, o tempo de curso da patologia e o aumento da idade associam-se com a piora da depressão e da cognição.10,23 Além disso, há relatos de que, quanto maior a gravidade da depressão, maior a labilidade emocional e pior a percepção da QV,8,25 visto que indivíduos com depressão apresentam maior incapacidade e dependência.30 A relação entre depressão e atividade cognitiva é ainda relatada no estudo de Schrag et al.,9 no qual indivíduos com altos níveis de depressão e comprometimento cognitivo apresentavam escores significativamente piores no PDQ-39 quando comparados a indivíduos sem essas características. Os aspectos emocionais/mentais foram, então, considerados o principal fator relacionado à pobre percepção de QV.9 Apesar da alta prevalência da depressão na DP, esse sintoma raramente é identificado e pode não ser reconhecido pelos próprios pacientes. Somente 1% dos indivíduos relata depressão, comparados a 50% dos que foram considerados depressivos quando avaliados por uma escala específica.29 Embora a depressão esteja associada a piores escores de QVRS em indivíduos com DP, os resultados não demonstram que essa relação é causal.29 Investigações futuras são necessárias para estabelecer se a identificação e o tratamento da depressão promoverão melhora da QV desses pacientes. A maioria dos estudos pesquisados indicava a presença de depressão em indivíduos com DP, entretanto, Shulman et al.32 apontaram falhas dos neurologistas no reconhecimento dos sintomas. Em decorrência do grande impacto na saúde mental, a identificação, a monitorização e o tratamento psicoterápico desse sintoma podem ser essenciais para melhorar a QV do indivíduo. Aspectos sociais Bem-estar social inclui manutenção de atividades de lazer, sexualidade, vivência familiar, além da autopercepção do suporte social.18 A perda da função social do indivíduo com DP está relacionada a fatores como idade, estágios da doença e comprometimento cognitivo.10 Morimoto et al.33 Rev. bras. fisioter. apontaram que função social e vitalidade são os fatores que mais se associam a relatos positivos de QV. A característica progressiva da DP resulta em comprometimento de aspectos físicos, mentais e emocionais, que podem contribuir para o isolamento social do indivíduo.4,10 Gaudet6 acrescenta ainda que a alteração da mímica facial ou “face em máscara” pode ser mais um componente a restringir a vida social dos pacientes. Em um estudo longitudinal, Karlsen et al.7 verificaram que, além dos domínios de mobilidade física, reações emocionais e dor, o isolamento social foi fator de alto valor preditivo sobre escores de QV. Em outro estudo, Hobson et al.25 descobriram, por meio do PDQL, que o comprometimento das relações sociais foi um dos fatores contribuintes para uma pior QV em indivíduos com DP na idade mais avançada. Outro fator comum nos indivíduos com DP é o distúrbio da função sexual, embora tal aspecto normalmente não seja avaliado nos instrumentos especificos de QV.34 No estudo de Moore et al.28 foi ressaltada a importância de uma vida sexual ativa para a satisfação dos pacientes com a vida em geral. Por meio de um questionário de QV sexual, foi encontrado que essa função diminui com a idade e com a progressão da doença. Os autores sugeriram que a adição desse questionário como a nona dimensão do PDQ-39 pode melhorar a confiabilidade para avaliar QV na DP.28 Em conseqüência de todas essas alterações nos hábitos de vida do indivíduo com DP, o relacionamento familiar fica comprometido. Com a progressão da doença, a QV de toda a família é alterada, tanto pela sobrecarga financeira quanto em relação aos cuidados necessários com o indivíduo acometido pela doença. Muitas vezes, ocorrem alterações nos papéis sociais e nas atividades da família.30 Aspectos econômicos Apenas recentemente, as considerações financeiras em relação à DP têm recebido atenção dos pesquisadores. Poucos estudos enfocam essa questão no âmbito da QV do indivíduo com DP. Sabe-se que a DP gera custos diretos e indiretos, com impacto econômico para toda a sociedade.15 Os custos diretos referem-se aos gastos com hospitalização, medicamentos e reabilitação. Os custos indiretos referem-se aos gastos com cuidados domiciliares informais, perda da produtividade, redução da renda familiar e a aposentadoria precoce do indivíduo.8,15,35 Segundo Keränen et al.,15 os custos indiretos são os principais responsáveis pela sobrecarga econômica causada pela DP e a aposentadoria precoce parece ser o principal determinante desse aumento de custos. Além disso, há uma significativa associação entre gravidade da DP e custo anual.15 Em estágios iniciais da doença, os pacientes são independentes e capazes de realizar autocuidados. Entretanto, com o passar do tempo e a progressão da doença, há Vol. 8 No. 3, 2004 Qualidade de Vida e Doença de Parkinson aumento gradativo da necessidade de assistência, em conseqüência da intensificação dos sintomas,8 o que aumenta a sobrecarga econômica para o paciente e seus familiares. Além disso, foi verificado crescente aumento dos custos da doença após uma análise longitudinal de indivíduos com DP. Portanto, há uma relação direta entre QV, custo e gravidade da DP.8 DISCUSSÃO Este estudo realizou uma revisão dos fatores que representam maior impacto na QV de pacientes com DP. Observouse que a metodologia da maior parte dos estudos que avaliam as dimensões abordadas foi observacional e os resultados foram obtidos por meio da aplicação de questionários de QVRS. Além disso, esses estudos descreveram apenas fatores relacionados à DP que afetam a QV e não a causa dessas associações. A compreensão das causas de cada um dos fatores limitantes da QV do individuo é essencial para uma melhor abordagem terapêutica, visto que qualquer intervenção deve ser direcionada a todos os aspectos que envolvem a DP. Verificou-se que a QV do portador de DP está comprometida em várias dimensões, entre elas, física, mental/emocional, social e econômica. Vários fatores podem influenciar a QV desses indivíduos, sendo que os sinais e sintomas mais encontrados na literatura e que apresentam maior relevância para a DP são: bradicinesia,30 tremor, rigidez,21 instabilidade postural, distúrbios da marcha,9,21 dor, fadiga,6,8,27,30 depressão, distúrbios cognitivos9,10,29,31 e sexuais.28 Além disso, a limitação sociall7,33 e a sobrecarga econômica8,15 são fatores que também afetam diretamente a QV desses pacientes. Embora as dimensões que afetam a QV na DP tenham sido descritas separadamente, há uma estreita associação entre elas, como destacado em diversos estudos. No estudo de Chrischilles et al.,21 sintomas físicos como tremor e rigidez apresentaram maior associação com a dimensão mental e social, respectivamente. Em outro estudo, sintomas como dor e fadiga influenciaram tanto a mobilidade e a vitalidade quanto o bem-estar emocional e social do indivíduo com DP.27 Os aspectos físicos podem ser considerados um dos grandes responsáveis pela piora da QV dos indivíduos com DP,10 pois agem como precursores de limitações em outras dimensões. As limitações físicas certamente afetam emocionalmente o indivíduo, uma vez que este não consegue realizar suas atividades ocupacionais e AVDs e, conseqüentemente, perde sua independência.31 Dessa forma, o indivíduo com DP começa a apresentar tendência ao isolamento e deixa de fazer as atividades que lhe proporcionam prazer, afastandose da sociedade. Ocorre uma inversão dos papéis sociais na família, além de uma grande sobrecarga econômica, já que o indivíduo com DP encontra-se, freqüentemente, impossibilitado de trabalhar.7,15 271 Para alguns autores, como Karlsen et al.,7 Schrag et al.,9 Kuopio et al.,10 Chrischilles et al.21 e Hobson et al.,25 a depressão é o fator que representa maior impacto na QV de indivíduos com DP, exercendo maior influência do que os sintomas físicos. Além disso, a depressão é freqüentemente associada ao comprometimento cognitivo, o que, certamente, pode contribuir para a limitação social desses indivíduos. Com esta revisão, verificou-se a presença de estreita relação entre os diversos aspectos que estão comprometidos em indivíduos com DP. Entretanto, concluiu-se que, apesar dessa relação, as dimensões física e mental/emocional parecem ser as mais relevantes no comprometimento da QV da DP, uma vez que podem ser as responsáveis pelo desenvolvimento das outras limitações. Finalmente, é de grande importância o conhecimento de todas as dimensões afetadas pela DP, assim como de suas causas. Baseado nessas informações, os terapeutas serão capazes de desenvolver programas de tratamento que minimizem as limitações decorrentes da progressão da doença, contribuindo assim para a melhora da QV desses indivíduos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Marsden CD. Parkinson’s disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1994; 57(6): 672-681. 2. Wade DT, et al. Multidisciplinary rehabilitation for people with Parkinson’s disease: a randomised controlled study. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2003; 74(2): 2-9. 3. Cardoso F, Camargos ST, Silva GAJ. Etiology of Parkinsonism in a Brazilian Movement Disorders. Clinic Arq Neuropsiquiatr 1998; 56(2): 171-175. 4. Goulart F, Teixeira-Salmela LF, Barbosa CM, Silva CM. O impacto de um programa de atividade física na qualidade de vida de pacientes parkinsonianos. 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