O difícil regresso dos que são transferidos para fora do país
Fonte: Valor Econômico - SP - Eu& Investimento/ Carreira - 21/08/2006
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Andrea Giardino
Um problema já conhecido pelas multinacionais instaladas no país começa a preocupar as empresas
brasileiras: a volta dos executivos que foram transferidos para operações no exterior. Uma pesquisa realizada
pela Fundação Dom Cabral (FDC) com 165 profissionais de 10 dos maiores grupos privados revela que 20%
deles deixam a companhia no primeiro ano após retornarem ao Brasil e 40% no segundo ano.
Além disso, 60% não têm emprego garantido quando são "repatriados", 87% acabam não sendo promovidos
como era o esperado e 80% sentem que a experiência adquirida lá fora não é valorizada como deveria.
Ricardo Perez, ex-diretor da Johnson & Johnson, hoje na Olympus: "Acho importante o RH acompanhar todo o
processo"
"As companhias têm um grande desafio pela frente nesse processo", ressalta Betania Tanure, professora da
Dom Cabral. Para ela, a questão começa bem antes, na hora da "expatriação" desse profissional, ou seja,
quando ele vai embora para outro país. "Se a ida de executivos para filiais internacionais ainda é uma prova de
fogo para as organizações, o retorno representa uma incógnita", diz.
E uma das razões que contribuem para esse cenário é que boa parte das empresas não deixa claro aos
funcionários qual o objetivo da "expatriação", provocando conflitos e frustrações de ambas as partes. "O
profissional sempre espera desenvolver suas competências, enquanto a empresa, na maioria das vezes, quer
que o executivo apenas monte a operação lá fora e transmita sua estratégia de gestão."
Prova disso é que na visão dos entrevistados a transferência acabou não correspondendo às suas expectativas
iniciais. Muitos se sentem como estrangeiros ao voltar para seu país de origem e reclamam da redução de
salários - a pesquisa revela que 35% recebem uma remuneração total (salário fixo e benefícios) menor -, de seu
poder de autonomia, da indefinição sobre o futuro de suas carreiras e da falta de reconhecimento dos
superiores em relação ao novo conhecimento.
"A ausência de uma política bem definida de repatriação acaba fazendo com que muitas companhias percam
seus profissionais assim que eles voltam", afirma Betania.
Algo bastante preocupante, alerta a professora da Dom Cabral. Principalmente, porque o investimento com a
"expatriação" é alto. Um executivo transferido custa, em média, para as empresas brasileiras três vezes mais
que um funcionário local - além do salário, há uma prática de benefícios que eleva o padrão desse profissional,
como escola de primeira linha para os filhos, ajuda financeira para o aluguel de casa e passagem de férias.
Em fevereiro passado, Ricardo Perez, 43 anos, pediu demissão da Johnson & Johnson após comandar a
diretoria regional de marketing da unidade de saúde da companhia em Porto Rico. Sua saída poderia te sido
menos traumática se a negociação feita lá trás, quando ele aceitou o convite, tivesse sido cumprida. Mas
mudanças no meio do caminho acabaram alterando o acordo firmado.
"Estava perto de voltar para o Brasil, quando meu chefe saiu e seu sucessor me pediu para ficar mais um ano,
que se estendeu por mais outro", lembra o executivo. Resultado, em vez de permanecer por no máximo dois
anos e meio, passou quatro anos no exterior.
"Minha situação ficou insustentável", conta Perez. "Queria voltar e o prazo foi se estendendo sem previsão de
retorno." Além de seu novo chefe querer mantê-lo lá, outro problema contribuiu para sua decisão de sair da
companhia.
O acordo de "expatriação", que previa uma cadeira reservada para o momento de sua volta, foi por água
abaixo. "Quando cheguei em Porto Rico fui promovido a diretor e a transferência era um passo para aumentar
minha experiência e posteriormente galgar posições maiores no Brasil", diz.
Não bastasse a indefinição, Perez enfrentava problemas para voltar. Não podia sair da companhia porque seu
visto estava atrelado a seu trabalho na Johnson de Porto Rico - para ser transferido, ele teve de se desligar da
subsidiária brasileira.
Depois de muitas conversas, ele optou por deixar a companhia, que se encarregou de pagar a mudança e até
os custos com a venda de sua casa lá. "Acho importante o RH acompanhar todo o processo, porque as
estruturas das organizações mudam e o profissional não pode se sentir perdido em meio a tudo isso", avalia.
De volta ao Brasil há seis meses, o executivo acaba de ingressar na Olympus, divisão médica, após processo
de recolocação feito com a consultoria Lens&Minarelli.
Ao contrário de Perez, o presidente para América Latina e região do Caribe da Marsh, corretora de seguros e
gestão de risco, Thomaz Menezes, 40, teve uma experiência bem-sucedida de "repatriação". Há 20 anos na
companhia, começou como trainee e foi crescendo diante das oportunidades que apareceram até chegar ao
cargo atual.
Em 1992, aos 33 anos, aceitou a proposta de trabalhar na matriz da companhia, em Nova York, Estados
Unidos, passando por vários áreas. Ao perceber as inúmeras chances de carreira lá fora, reconhece que teve
dificuldades em voltar ao Brasil. "Você percebe que o mundo é muito maior", diz Menezes.
Desde o início, entretanto, o executivo sabia que o retorno era inevitável, uma vez que isso fazia de sua
"expatriação". "Se eu tivesse o desempenho desejado, viria para assumir uma nova responsabilidade". Não deu
outra. Cinco anos mais tarde, Menezes desembarcava na filial brasileira para atuar como assistente do
presidente.
Curiosamente, as mudanças não pararam por aí. Meses depois, acontecia uma fusão entre a Marsh e um de
seus principais concorrentes, a Johnson & Higgins. Movimento que o fez ocupar cargos de comando, atingindo
o topo da pirâmide. "Certamente, se não tivesse feito carreira internacional, não teria bagagem para chegar
onde cheguei", afirma Menezes.
Preparado pela empresa para uma trajetória importante fora do país, o executivo explica que se um jovem
ambicioso não tiver claro quais as intenções e as regras da "expatriação", ele deixa a companhia no momento
da volta.
"Planejar é um fator importante para não causar frustrações", observa. "E não acho justo que o profissional volte
para o mesmo cargo após quatro anos fora", diz. "Sua cabeça muda muito e a experiência adquirida é única".
Na opinião de Betania, da Fundação Dom Cabral, o importante é que as empresas olhem não apenas para o
momento da transferência, como também para a volta. "Se não fizerem isso, as empresas estarão jogando
dinheiro no lixo."
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