O papel da Anvisa na regulação de preços de medicamentos Ao longo da década de 90 as indústrias produtoras de medicamentos praticaram aumentos generalizados e significativos nos preços de seus produtos. Esse padrão de contínuo aumento de preços acima da inflação só foi interrompido recentemente, depois de diversas ações do Governo Federal, que levaram à reversão da tendência de crescimento dos preços (gráfico 1). Entre as ações governamentais para conter a alta dos preços dos medicamentos têm destaque as atribuições da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) nesse setor. O gerente de Regulação Econômica da Anvisa, Fernando Baptista, explica que o mercado de medicamentos apresenta características específicas, em geral chamadas de 'falhas de mercado', que justificam a regulação econômica do setor. "Entre essas características, podemos citar a essencialidade do produto, a significativa concentração da oferta em cada classe terapêutica, a presença do consumidor substituto, pois é o médico quem decide qual produto será consumido, e a forte assimetria de informação. Tudo isto torna o grau de substituição dos produtos por parte do consumidor praticamente inexistente, facilitando a imposição de preço. É por isso que a Agência tem atuado no campo econômico da regulação desse mercado." A ação da Anvisa ocorre em duas frentes: uma delas está relacionada às atribuições previstas na lei de criação da Anvisa, a Lei nº 9.782/99, e a outra está ligada ao exercício da secretariaexecutiva da Câmara de Medicamentos (Camed), criada pela Medida Provisória nº 2.063/00, posteriormente convertida na Lei nº 10.213/01, que também definiu as normas de regulação para o setor de medicamentos. Secretaria-executiva da Camed No exercício das atribuições de secretaria-executiva, por meio da gerência-geral de Regulação Econômica e Monitoramento de Mercado (GGREM), a Anvisa tem intensificado sua atuação na regulação e monitoramento do mercado de medicamentos, obtendo importantes resultados. Os principais são: 1- Redução dos preços de mais de seis mil apresentações de importantes medicamentos. Esta redução de preços teve origem em proposta encaminhada ao Congresso de desoneração do PIS/COFINS de medicamentos de uso continuado e anti-infecciosos (inclusive antibióticos), que representam cerca de 50% do mercado total. Essa diminuição de impostos começou a valer a partir de maio de 2001, depois da aprovação da Lei nº 10.147, resultando em queda de mais de 10% nos preços desses medicamentos. A Anvisa foi responsável pela análise das informações enviadas pelas empresas e estabeleceu como condição para que usufruíssem do crédito presumido o repasse da redução de impostos aos preços. Esta queda pode ser visualizada no Gráfico 2, que mostra a evolução do índice geral de preços IPC/FIPE e do índice IPC/FIPE de preços de remédios. Conforme o gráfico, depois de abril de 2001 há um distanciamento entre as duas curvas, com a subida do índice geral e a diminuição do índice de remédios: 2- Análise de preços de novas apresentações, evitando as chamadas "maquiagens". Este controle foi possível graças à edição da Resolução nº 4, de 31 de janeiro de 2001, pela Camed. A resolução regulamentou a comercialização de novos produtos e novas apresentações no mercado, com vistas a assegurar o cumprimento da Lei nº 10.213, que no artigo 8º determina que os preços iniciais das novas apresentações não poderão exceder à média dos preços unitários das apresentações já existentes. Nesse sentido, a Anvisa atua preventivamente classificando os produtos que as empresas decidem lançar no mercado, distinguindo aqueles efetivamente inovadores, dos que ostentam tão somente alterações na apresentação, não raro meramente cosméticas, com a finalidade única de tentar burlar o regime de preços estabelecido pela Lei nº 10.213. A Resolução nº 4 teve vigência até 31 de dezembro de 2001, sendo substituída a partir daquela data pela Resolução nº 13, que trouxe como novidade o estabelecimento de critérios de preços para o lançamento de produtos inovadores. 3- Construção de banco de dados com cerca de 14 mil apresentações de medicamentos. Ao longo de 2001, as empresas produtoras de medicamentos enviaram relatórios de comercialização à Anvisa, em cumprimento à exigência feita pelas Resoluções nos 1, 6, 8 e 11 da Camed. Os relatórios contêm informações sobre preços e faturamentos de todas as apresentações comercializadas pelos laboratórios, além de dados como a Denominação Comum Brasileira (DCB) e o código EAN (Código de barras) de cada produto. Com a Resolução nº 8 foram incorporadas ao banco de dados informações sobre matérias-primas utilizadas na fabricação dos medicamentos, atendendo à emenda introduzida no texto original da MP nº 2.063, por ocasião de sua conversão na Lei nº 10.213. A constituição deste banco de dados torna possível a análise e o diagnóstico do mercado farmacêutico - produção, atacado e varejo - permitindo ao Governo tomar as medidas necessárias ao bom funcionamento desse mercado. Outra conseqüência positiva é a transformação da GGREM em uma fonte de informações para outras áreas da Anvisa, assim como para o Ministério da Saúde. 4- Punição de diversos laboratórios por descumprimento à Lei nº 10.213. Com base na apuração de aumentos irregulares de preços (em desacordo com as disposições da Lei nº 10.213), a Anvisa instaurou 39 processos administrativos e 27 investigações preliminares, tendo, no curto espaço de tempo de sua atuação, concluídos 16 processos administrativos e condenados cinco laboratórios, estabelecendo multas que variaram de R$ 14 mil a R$ 310 mil. Regulação de Mercado No cumprimento das atribuições estabelecidas pela Lei nº 9.782, no que diz respeito aos aspectos econômicos da regulação do mercado farmacêutico, destacam-se as seguintes ações da GGREM: 1- Implementação de uma política ativa sobre o preço de medicamentos genéricos, negociando com as empresas uma redução de no mínimo 35% em relação ao preço do medicamento de referência. 2- Monitoramento do mercado por meio de convênios com Procons estaduais e municipais, com a finalidade de identificar práticas comerciais abusivas e a disponibilidade dos genéricos nas farmácias. Até o momento existe um contrato com o Procon do Estado de São Paulo e três convênios recém assinados com os Estados de Goiás e Pará e com o município de João Pessoa. 3- Desenvolvimento de ações educativas junto com os Procons, por intermédio da organização de eventos, com a participação de entidades filantrópicas, associações civis, sindicatos, secretarias municipais de Saúde e outros órgãos governamentais, Ministério Público, fóruns de patologias, etc., a fim de disseminar informações sobre os direitos do consumidor de medicamentos. 4- Criação junto com o Procon/SP do serviço de consulta (0800), "Disque Medicamentos", por meio do qual o consumidor pode esclarecer dúvidas sobre as relações de consumo, nos termos da legislação aplicável (o cartaz com o telefone está no site da Anvisa no link "Monitoramento de Mercado"). 5- Ações específicas em mercados que apresentem distorções. Um exemplo disso foi a ação dirigida ao mercado de soluções parenterais. As empresas produtoras desse setor, há algum tempo, publicavam nas revistas especializadas preços muito acima dos efetivamente praticados. A diferença tem conseqüências extremamente indesejáveis para o mercado, sobretudo possibilitando que os hospitais justifiquem a cobrança de preços exorbitantes por esses produtos, gerando prejuízos para o Governo, planos de saúde e pacientes sem cobertura. Nesse sentido, os efeitos positivos desse mercado concorrencial, que se submete a acirradas licitações de preços, não são sentidos pelos consumidores (aí incluídos governos e planos de saúde), visto que o preço efetivo encontra-se escamoteado pelas listas publicadas nas revistas, que revelam preços irreais sobre os quais os hospitais aplicam suas margens. Uma vez detectada a distorção, a Anvisa atuou no sentido de negociar uma redução generalizada de preços publicados em revistas desses produtos. Desta forma, ao final da negociação com o setor, conseguiu-se uma redução média de 40%, o que resultou em grande economia para a sociedade.